25 de março de 2011

Reviver o passado em Luanda/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 25-3-2011





“Escrevo-te num domingo insuportável de calor, numa esplanada diante da baía...
Que cidade horrível. É como passar um domingo em Benfica na esplanada Estrela Brilhante, com o chão cheio de tremoços e de detritos. Uns negros aleijados, arrastam-se a pedir esmolas, outros oferecem-me cinzeiros de madeira, objectos esculpidos, jornais, farrapos e miséria. Nunca pensei vir encontrar tanta pobreza, tanta porcaria, tanto calor. Uns sujeitos sebentos, de pasta, trocam escudos por angolares, com 12% a mais. Mas é tudo caro, tórrido e feio.
...
Ontem um amigo daquele outro médico afinal conhecido, levou-nos a visitar a ilha, uma espécie de promontório com praias de um e outro lado, casas, um clube de golfe. Uma espécie de Rodésia vista por um mestre-de-obras de Tomar.
...
Luanda está longe de ser uma cidade vivível: toda ela é uma espécie de Areeiro de província, com o mesmo pretensioso gosto suburbano, e os brancos daqui têm todo o mesmo indefinível aspecto dos vendedores de automóveis daí, de patilhas sem classificação social, camisas transparentes, e mulheres tipo locutoras de rádio, demasiado bem vestidas para serem inteiramente honestas. Os musseques são uma espécie de bairro da Boavista ampliado, em que os moradores fossem todos jogadores do Benfica. Só a terra é que é vermelha, como a areia dos estádios, e as noites cheias de murmúrios de insectos e de folhas, mergulhadas num mormanço de suor.
O que irrita é ver as revistas angolanas, de Luanda, cheias de fotografias de bailes e de festas e de eleições de misses, enquanto nós, que nada temos com eles, que pertencemos ao puto, como eles dizem com desprezo, estamos aqui a por os testículos no lume por eles. Não pormenorizo muito isto porque, mas os brancos locais, sobretudo os das cidades, são de um tipo de novo-riquismo saloio e soberbo, verdadeiramente insuportável. Luanda é horrível de mau gosto, uma terra onde eu nunca quereria viver, feia pretensiosa, sem categoria de espécie alguma. Sente-se o dinheiro por todo o lado, principalmente nos automóveis americanos,porque a maneira de vestir destes tipos é absolutamente execrável. Não merecem a terra extraordinária em que vivem, e, julgo, não a sabem, sequer, apreciar. Não há em Luanda absolutamente nada que preste: as poucas estátuas que tem, ultrapassam em mau gosto tudo o que se possa suportar, os edifícios são todos no género daquele em que mora o Souto, e que para mim representa o paradigma da fealdade. É uma excrecência absurda e estúpida. E estes tipos aqui acham Luanda um paraíso, uma espécie de Rodésia em melhor. Não nos agradecem o nosso sacrifício por eles, e, no fundo, tratam-nos com uma condescendência desdenhosa de brasileiros ricos. Que diferença de Lisboa. Não se pode viver numa cidade sem passado. Estes tipos são bem os descendentes dos degredados e está tudo dito.”
Esta Ágora foi fácil de fazer, foi só copiar excertos do livro do português António de Lobo Antunes, “D’Este Viver Aqui Neste Papel Descripto”e é um conjunto de aerogramas publicados pelas filhas do escritor, e que fazem parte da correspondência trocada com Maria José Lobo Antunes no dealbar da década de 70.
António Lobo Antunes foi médico militar na tropa colonial entre 1971 e 1973, e a fase inicial da sua extensa obra de romancista é um libelo extraordinário contra a política colonial portuguesa.
Em jeito de balanço final, já que comecei a ser a partir de 15 de Março de 2011 mais um de “etnia africana”(???), não posso deixar passar incólume as ofensivas palavras de Cavaco Silva no 15 de Março de 1961, revelador que não são as datas que mudam mentalidades e convenhamos exige-se mais a quem escreveu o discurso apologético da “guerra do Ultramar” que o Presidente da Republica de Portugal leu e mal.
Fernando Pereira
22-3-2011

18 de março de 2011

LEITURAS / Ágora / Novo Jornal / Luanda / 18-3-2011




Na semana passada na minha tertúlia, onde naturalmente também se faz um pouco de má-língua, tivemos uma discussão muito interessante sobre a obra literária de Henrique Galvão.
A realidade é que ao longo da discussão que revelou um ou outro conhecedor da obra completa do capitão Galvão, fiquei interessado em melhorar os meus conhecimentos de uma personagem ostracizada, mas que na realidade deixou um verdadeiro manancial de informações sobre Angola, que talvez merecesse estudos detalhados.
Henrique Galvão era um proto colonialista, acérrimo defensor do império colonial português que fez o seu debute político no Integralismo Lusitano de Rolão Preto, António Sardinha e Pequito Rebelo. Este grupo numa visão muito simplista da história política a ala mais à direita do corporativismo salazarista em que a maioria dos seus activistas foi perseguida, presa ou mandada para o degredo (Rolão Preto esteve em Angola nessa condição). A sua evolução no percurso salazarista levou-o a Comissário da Exposição Colonial no Porto em 1934, depois director da então Emissora Nacional, posteriormente governador da Huíla, incompatibilizando-se com Salazar no decurso da sua actividade parlamentar enquanto deputado por Angola em que verberou a política racial e desumana que os trabalhadores angolanos eram vítimas das autoridades administrativas e empresas na então colónia.
Na sequência de um relatório muito cáustico em relação à promiscuidade entre os poderes central e local, os angariadores ou negreiros e os comerciantes e grandes companhias coloniais foi detido, expulso do exército e preso com o argumento de conspiração. Consegue a fuga em 1959 de um sétimo andar do Hospital de Santa Maria em Lisboa, episódio rocambolesco de um homem que driblou sempre Salazar e seus sequazes.
Influenciado por África, escreveu textos brilhantes sobre a fauna, a flora e a caça em Angola, autenticas pérolas literárias e ilustradas de uma pessoa de enorme ligação a um território imensamente rico e diversificado na sua natureza ainda imaculada. É uma pena que essa obra se encontre esgotadíssima, e quando aparece algum livro num alfarrabista é a preços perfeitamente proibitivos.
A sua vasta obra literária, donde poderemos excluir os livros marcadamente políticos, encontra também peças de teatro, romances ou descrições das suas múltiplas viagens à Angola profunda e a sua grande sensibilidade para apreender a realidade de povos que a cultura citadina vai esquecendo, nalguns casos de forma aviltante. O “Kurika” tem sido frequentemente reeditado e encontra-se com facilidade, o que não acontece com o “Pele”, “Impala”, “Vagô”, “Outras Terras, Outras gentes” (Este sobre Moçambique) e outros, o que não permite ficar com a dimensão de um escritor que descreve a África com odores, matizes e sons em cada folha que vamos lendo.
A propósito de Galvão vem-me à memória o Cunha alfarrabista que tinha o seu estaminé ao lado do “Frimatic” de um tal Ferrobilha Guedes. O Cunha era uma figura estranha para nós miúdos, tinha uma loja esquisita e ele próprio não nos gramava porque passávamos uma parte do muito tempo livre que tínhamos a chatear as pessoas e ele punha-se a jeito para a nossa irreverência pueril, talvez pelo seu físico, talvez por parecer taciturno, ou por qualquer outro motivo que me deslembro.
Conheci-o mal pois as únicas vezes que entrei na sua desarrumada loja, como deve ser qualquer alfarrabista aos olhos dos visitantes, foi com um tio meu com quem ele conversava tempos que pareciam uma eternidade, já que eu estava ali apenas para ir numa missão de soberania ao Baleizão comer uma cassata.
Mais tarde senti a falta do que foi praticamente o único alfarrabista de Luanda, que terá morrido sozinho em 1967, a que a “Notícia” terá dedicado umas breves linhas. Os seus livros terão sido leiloados ou vendido ao desbarato porque o “Rei dos Frigoríficos” que tinha a oficina na antiga fábrica de sabão no sopé da fortaleza queria frigorificar a cidade e precisava do espaço do Cunha. Resta-nos homenagear o alfarrabista, o primeiro de todos a amar verdadeiramente o pó dos livros.
Como diria Nietzche: “ Não podemos regressar ao antigo, já queimámos os nossos navios; só nos resta ser valentes, aconteça o que acontecer”
Fernando Pereira
15-3-2011

12 de março de 2011

Berrida em câmara lenta! / Ágora / Novo Jornal / Luanda 11-3-2011




No dealbar dos anos setenta o nosso grupo do bairro da Maianga ia invariavelmente, todas as noites de sábado e tardes de domingo, assistir aos jogos nas barrocas que havia em frente ao Palácio da Cidade Alta.
Era o nosso lugar de eleição, partilhado por centenas de pessoas que só divisávamos no escuro pela beata acesa ou em sonoridades variadas quando havia golo ou falhanço. Essa clandestina bancada era para um conjunto de “capitães da areia” um verdadeiro lugar de culto para toda a sorte de patifarias com que nos divertíamos nesses tempos em que nem se pensava que poderia vir a haver televisão no País e da internet nem se falava. Queríamos lá saber do Gomes,o meu amigo Manecas , Alves, Garrido, Benje, Carmona, Justino ou outros. Objectivamente o que queríamos era ver se conseguíamos a proeza de promover um brilhante basal de pancadaria entre os assistentes. A verdade é que à custa de atirar alguns torrões de terra vermelha e umas maçãs da Índia gamadas nuns quintais que havia no caminho, conseguimos assistir a deliciosas discussões, que não raras vezes acabavam em bulha e a solicitar a presença da Polícia Militar Colonial para apaziguar os ânimos. O nosso grupo saiu sempre incólume destas rixas pois aparentávamos ser meninos educados.
Convém dizer que quando vinham clubes portugueses jogar aos Coqueiros, e os preços dos bilhetes eram proibitivos para ver jogos de sonâmbulos, já que normalmente eram no início da preparação do campeonato de Portugal, todos os clandestinos eram forçados a expedientes bem mais complicados, porque as autoridades coloniais enxameavam de polícias toda essa zona, não permitindo qualquer veleidade aos utilizadores habituais do terceiro anel dos Coqueiros, onde tinha lugar cativo.
Uma das vezes que isso aconteceu manifestamo-nos contra o aparato policial que as forças coloniais nos impuseram nas barrocas, para nos impedir de ver um jogo entre as duas equipas de proa do regime, o Sporting de Portugal e o Benfica de Lisboa, manifestação que só deu resultado para conseguirmos ver a segunda parte quando o poderoso contingente de seis polícias e dois cães algo adormecidos se retiraram, depois de ordem superior. Na altura manifestávamo-nos por motivos algo pueris, mas também mais tarde ousei manifestar-me em circunstâncias que me deram gozo por motivos mais sérios, mesmo quando levava uns pequenos “moscardos”, porque na realidade nunca fui muito ousado para me chegar muito próximo das forças de repressão e tento afastar-me o suficiente para que elas não se chegassem a mim.
Há uns tempos estava numa casa que tinha um parque de estacionamento para uma biblioteca pública que funcionava das 9 às 18h; fora desse período estacionava o carro já que não havia problema algum. Os vizinhos do prédio faziam o mesmo, e durante uns tempos não houve problema algum pois para além de sermos conscienciosos, e com medo da multa, todas as manhãs tirávamos o carro antes das nove horas.
Aquilo tinha um portão de correr que estava sempre aberto, e o guarda avisou-nos várias vezes que não toleraria durante muito mais tempo a presença dos nossos carros, sem que nos desse uma explicação no mínimo aceitável para que não os colocássemos lá. Um dia consumou a ameaça e com tiques de títere resolveu fechar o portão perante a estupefacção de todos. Durante uns tempos lá vinha o guarda fechar o portão a rir-se para os poucos que sem querer olhavam para ele, até que houve um que se lembrou de comprar uma lata de tinta dos grafitteiros e escrever no portão branco imaculado: “O guarda-nocturno é corno”!
No dia seguinte quando foi abrir o portão viu toda a gente a rir e partilhou o riso, mas quando se deparou com a realidade ficou possesso e pior ficou porque não podia fechar o portão senão apareceriam em letras garrafais a frase assassina.
Nunca mais o portão foi fechado, apesar de o terem pintado de novo!
Em jeito final recordo que no último dia do ano de 1972, na capela do Rato, em Lisboa, um grupo de católicos fez uma vigília contra a guerra colonial e a repressão que então se fez sentir sobre os clérigos presentes e os cidadãos ligados às juventudes católicas e ao GRAAL, serviu na perfeição os desígnios para aumentar a visibilidade interna e externa da falta de liberdade e da repressão em Portugal e nas colónias.


Fernando Pereira
7/03/2011

10 de março de 2011

Tu podes nunca querer saber da política, mas, lembra-te, a política quer sempre saber de ti! / O Interior / 10-3-2011


O Partido Comunista Português comemorou no passado dia seis de Março noventa anos de história, motivo de regozijo para todos os democratas e gente de esquerda, mesmo os que como eu não partilham alguma da sua prática política.
O PCP confunde-se com a luta pela liberdade, pela resistência à ditadura e pela defesa na melhoria das condições de vida do povo português e isso é inegável e é justo reconhecê-lo.
Conhecendo o percurso histórico do PCP, analisando o que foi o discurso que permitiu os arremedos de ditadura na 1ª República e simultaneamente os fundamentos em que assentou a ditadura do Estado Novo, fico naturalmente apreensivo quando se generaliza que a política é um embuste e a maioria dos políticos uns trapaceiros e gente de carácter duvidoso.
A liberdade e a democracia servem para ser melhoradas, e só é possível com diversidade na discussão política em torno de alternativas que possibilitem a optimização da realidade económica do País e naturalmente feita com as pessoas enquanto agentes políticos responsáveis. Dizer pura e simplesmente que a política é uma treta e que quem está na política é para se encher, é um absurdo que aceite na sociedade de forma generalizada vai permitir o aparecimento e a aceitação de propostas messiânicas de contornos muito difusos, assentes em pessoas que dizem que nada tem a ver com a política e estão aqui com o objectivo apenas de servir, assim ao tipo de professores que mais tempo estiveram no poder, sem lá quererem ter estado e que nunca quiseram ser políticos (vide um exemplo mais remoto, Salazar e recentemente Cavaco Silva)
Agustina Bessa Luis, a mais talentosa romancista portuguesa viva, diz que “Há nos portugueses uma sinceridade para com o imediato que desconcerta o panorama que transcende o imediato”, e de certa forma isso explica uma parte do que vamos assistindo no quotidiano social em acentuada degradação de Portugal, onde de há uns tempos a esta parte os banqueiros são as figuras de maior notoriedade na relação mediatizada com o poder, mau grado os exemplos dos casos BPP e BPN, e os outros que hão-de vir.
O problema é que neste contexto em que se vive com a palavra “mercado” em contínuo no léxico dos políticos, politólogos, achólogos, comentólogos e por aí fora vamos assistindo ao continuado degradar dos actuais políticos que dão alguma razão a Tennesse Williams, na “Ultima Primavera” que diz “O que é talento senão a habilidade para conseguir alguma coisa”, e essa coisa é a perpetuação ou alcançar o poder a todo o custo.
Posso parecer elitista, mas de facto os dirigentes do Estado degradam a sua imagem estando sempre a aparecer na comunicação social e a maioria das vezes a dizerem trivialidades ou incoerências em relação a discursos anteriores; é sempre melhor ser-se “desejado que tolerado”.
Recentemente o PM José Sócrates esteve na Guarda pela terceira vez para visitar as obras do hospital, tendo estado também pela segunda vez em meio ano em pleno túnel do Marão. Acho que o primeiro-ministro não deve andar a ver obras, isso é para os inspectores, deve resguardar-se para as inaugurar com toda a pompa e circunstância, porque este tipo de equipamentos são imprescindíveis para o bem-estar das populações e aí o PM sentirá a alegria do povo; aquele cenário de uma parede com tijolos onde José Sócrates falou aos jornalistas acabou por ser o corolário infeliz de um fim-de-semana que nada trouxe em abono de eventuais ganhos políticos do primeiro-ministro.
Nestas visitas de vez em quando os políticos teem que perguntar alguma coisa, porque faz parte do protocolo e ao cicerone que normalmente gosta de falar de tudo, mesmo que a maior parte das coisas não interessem rigorosamente a ninguém, e pouco mais conseguem senão dar uma tremenda seca a quem está ali pouco mais que para ser visto e filmado.
O eternizado putativo rei de Portugal faz uma visita a um hospital na região centro e pergunta a um médico que está de serviço no banco em pediatria: “Há aqui muito doente de baixa no seu serviço?”; pediatria S.M. é um serviço para crianças, que não teem direito a baixa! Com reis destes imaginem a qualidade do baralho!
Fernando Pereira
6-3-2011

4 de março de 2011

Salteados/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 4-3-2011




É quase um ritual assistir à festa de entrega dos Óscares, cerimónia já demasiado rotineira, com encenação e apresentação ao jeito do que os espectadores da TV e da imprensa exigem ter para comprar e com alguns protagonistas interessantes, vestidos a preceito como convém ao espectáculo mediático da grande indústria do cinema.
Os resultados foram os previsíveis e nem a mim me decepcionaram no quadro das minhas expectativas, já que tinha visto a maior parte dos filmes a concurso.
A única situação dissonante, pouco habitual nestes eventos acabou por ser a intervenção do laureado Charles Ferguson, que optou por começar o seu discurso dizendo: «Perdoem-me, mas eu preciso começar dizendo que, três anos após a horrível crise financeira causada por uma grande fraude, ainda nenhum executivo foi para a cadeia. E isso está errado!». O Óscar para melhor documentário foi atribuído a "Inside job", de Charles Ferguson e Audrey Marrs, um trabalho que pretende ser um retrato do lamaçal, da podridão, da pulhice e dos crimes que estão na origem da “crise financeira” que ainda atravessamos.
Pró ano em princípio há mais.
Vi neste jornal que um grupo de artistas portugueses, muito ligados à “revista” viriam provavelmente a Angola dar um espectáculo. Não questiono as potencialidades artísticas da Marina Mota, nem de outros que conheço no seu elenco. Acho-a talentosa, com muita força em palco, mas sinceramente acho que é um tipo de teatro que me cheira ao revivalismo dos tempos do colonial, dos espectáculos para os soldados, promovidos pela Supico e patrocinados pelo governo português de forma a manter viva a chama da portugalidade.
Acho que a vida cultural da nossa cidade merece bem mais que “teatro de revista”, fenómeno urbano lisboeta dos fins do século XIX, importado de França e adaptada à brejeirice algo rasteira que o português ocasionalmente escolhe para fazer humor e sátira.
Em 1971 salvo erro, vi pela última vez um espectáculo de “revista” no recentemente demolido Teatro Avenida, com uma companhia onde andava o Ribeirinho, a Mariema, o Henrique Viana, entre vários e uma talentosa actriz de teatro que se despedia do palco para ir viver com o marido em Calomboloca, a Lia Gama.
Lia cedo se cansou de mato, da guerra, já que o marido era militar, e da pasmaceira cultural da Luanda colonial, tendo ao fim de dois anos bazado para Portugal onde retomou com grande êxito o teatro, tendo sido uma das melhores intérpretes de Brecht que vi até hoje em palco. Ainda hoje é das mais conceituadas artistas portuguesas.
A primeira companhia de teatro profissional de Angola, a CTA, com dedinho do empresário Vasco Morgado, resolveu trazer Rodolfo Neves, recentemente falecido, Lily Neves, que fazia voz de falsete nos Parodiantes de Lisboa, e mais uns recrutados localmente como Maria Dinah, Carlos Quintas, Vera Mónica e outros que me deslembro resolveram montar um teatro de revista permanente, e a julgar pelos textos eternamente deprimente, mas que a sociedade colonial a quem o falecido Horácio Roque vendia cabeleiras delirava, e fazia de uma ida à revista uma actividade do tipo social de uma ida ao Lincoln Center em New York ou ao Scala de Milão.
Poupem-nos a estes dislates e apoiem o trabalho das companhias locais de teatro que existem em Angola, com gente muito séria, que há muito querem fazer com mérito o que outros tentam fazer com saloiice, no critério serôdio de tentar reavivar os valores doantigamente.
Por este andar qualquer dia temos a reabertura das casas de fado, onde sempre me impressionou ver uma cantora com um xaile preto de lã nos ombros, com as temperaturas da Luanda que tem meses de tal canícula que o cidadão só se lembra de duas estações: a das chuvas e a do Bungo!
Quando há meses o “Elinga Teatro” esteve em risco de ver o seu local de ensaios demolido, não houve apoio de nenhum destes “iluminados”. Os mesmos que querem trazer a Luanda um modelo de teatro que está decadente em Lisboa, já que a expressão revisteira é nula na maior parte de Portugal e só alguma réstia de indefectíveis nostálgicos vai mantendo uma única sala em Lisboa, a Maria Vitória, num Parque Mayer, que nos anos cinquenta era chamada a “Broadway portuguesa”, naquela megalomania pacóvia, que alguns angolanos desconseguem de se libertar.
Querem uma ideia, porque não fazem touradas, agora que são proibidas na Catalunha, e pelo caminho proibidas em Espanha. Acho que ia haver muito aficionado a caminho de Luanda, dando corpinho às declarações algo destemperadas de responsáveis governamentais na recente Bolsa de Turismo de Lisboa.
Esta fica para outro dia, e por ora só peço que se apoie o teatro angolano, e se deixem de folcolorismos pueris.

Fernando Pereira
1-3-2011
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