23 de julho de 2016

DESPORTO EM TRANSE/ Ágora / Novo Jornal / Luanda /22-7-2016




DESPORTO EM TRANSE
O recente afastamento da seleção angolana de basquetebol dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em Agosto, evidencia o estado caótico que o desporto de alta competição chegou, e a quase letargia que se apoderou do desporto do País em geral.
               Não há propriamente uma falência da política desportiva, o que há é a situação absurda de não haver politica desportiva visível por parte dos órgãos estatais competentes, e todo o quadro federativo e associativo  se depara com uma realidade pungente de falta de perspetivas num futuro próximo.
               O futebol, modalidade de tomo, apesar do estapafúrdio investimento que se fez, está num lugar perfeitamente ridículo (137ºlugar), contudo melhor que o ranking da mortalidade infantil por mil habitantes onde ocupamos um “honroso” ultimo lugar! 
               Malbaratado que foi o edifício pacientemente construído há mais de trinta e cinco anos, encontramos hoje na seleção feminina de andebol o único esteio de que nos podemos orgulhar, nos areópagos internacionais do desporto de alta competição!
               Escusamos de buscar culpas externas, ou arranjar bodes expiatórios internos para conseguirmos expiar as nossas debilidades e fraquezas postas sistematicamente a nú.
               A educação física e o desporto são reflexo de um contexto politica, e o seu quadro institucional e organizativo é suportado pela afirmação de uma linha ideológica que se desejaria coerente. Infelizmente não é isso que acontece no País onde se mistura um arremedo de socialismo com o capitalismo selvagem acrescido de laivos de justicialismo, onde o cidadão deixou de ser o destinatário das decisões políticas, passando a ser um mero instrumento em que a sua vida piora entre o muito ou o menos que muito em função do preço do barril de petróleo no mercado internacional.
               Não podem os responsáveis continuar a fazer declarações cheias de lugares comuns, que eternizam situações de continuada falta de soluções, e que empurram o que resta da educação física e desporto de Angola para um lodaçal, de onde dificilmente se sairá nos próximos anos.
               A educação física escolar e a formação desportiva das crianças, adolescentes e jovens são cada vez mais cerceadas pelas contingências da sociedade angolana atual, acrescida à falta de instalações adequadas. Neste quadro o futuro do desporto em Angola deixa de ter base de recrutamento e naturalmente é cada vez mais difícil encontrar a qualidade que se consegue encontrar na quantidade praticante.
               Os clubes, outrora lugares de eleição do associativismo, tornaram-se em espaços de vaidades pessoais, que servem para a promoção de certas figuras num espaço político onde a ascensão é cada vez menos por mérito e cada vez mais por visibilidade determinada só por populismo!
               Não vale a pena a continuarmos a” bater” sempre no ministro ou nos vice-ministros do Ministério da Juventude e Desportos, porque sendo os mais responsáveis não estão sozinhos neste estado de putrefação a que chegou o desporto angolano. Há mais gente responsável, entre dirigentes federativos, membros diretivos de clubes, jornalistas, e cidadãos, que como eu, acompanham de perto a evolução do desporto angolano desde o dealbar da independência.
               Faltam referências no desporto angolano, ou melhor falta dar visibilidade a pessoas que foram referencia no desporto angolano, e que hoje se limitam a emitirem opiniões em círculos privados, e a manifestarem profunda tristeza pelo rumo que as coisas tomaram. Essa gente tem que ser recuperada, pois foram pessoas que fizeram que Angola passasse a ser reconhecida com respeito na comunidade desportiva internacional, e beneficiasse de uma visibilidade que noutros setores dificilmente conseguiria.
               Angola tinha excelentes condições para ter pessoas a praticar desporto continuadamente, porque tem uma população jovem, um clima propício a atividades de ar livre e um passado de tradição na prática desportiva.
               Há necessidade de se fazerem novos enquadramentos, tomarem-se iniciativas e apoiarem-se projetos que promovam a prática da educação física no âmbito da recreação e do desporto federado. São necessários investimentos vultuosos, em áreas tão díspares como a formação de quadros, e planos coerentes de educação física nas escolas, onde terão de ser construídas infraestruturas adequadas a uma participação significativa de alunos.
               Os clubes necessitarão de algum apoio, que não seja para responder ao imediatismo dos resultados no plano da competição, para implementarem a formação, fazerem captação, e promoverem a sua participação numa atividade federada ao nível de todo o território.
               Este “edifício” exigirá organização e um esforço supletivo dos agentes políticos e uma das primeiras exigências é que no executivo o desporto passe a ter um estatuto de igualdade com os outros, e que não se fique apenas como necessidade de preencherem lugares para estabelecer equilíbrios de “grupos de status”, ou dar resposta às propostas comicieiras de alguns setores da estrutura partidária.
               A educação física e o desporto não estão isolados na sociedade, e a sua evolução ou a sua letargia dependem de um conjunto de fatores que tem a ver com a situação dos cidadãos, já que dificilmente se conseguirá implementar o que quer que seja, quando a míngua de produtos básicos se instala na generalidade da população.
Tem que se começar a prospetivar o futuro depois da falsa abastança que se viveu nestes últimos anos, e às vezes até nem será mau montar-se um modelo organizativo num quadro de dificuldades, e encontrarem-se recursos locais que contrariem a xenofilia dos tempos que acabámos de percorrer.
O debate fica aberto e todos os contributos serão recebidos com entusiasmo para que possamos mais cedo que tarde voltar à senda de vitórias no desporto angolano.
Fernando Pereira

16/07/2016
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