4 de julho de 2008

Algumas letras de um longo caminho/Ágora/ Novo Jornal/ Luanda/4-07-08







Recentemente, saiu o livro “ Viriato da Cruz, o Homem e o Mito”, numa co-edição da Prefácio e Chá de Caxinde, com depoimentos dos coordenadores Edmundo Rocha, Francisco Soares e Moisés Fernandes e com depoimentos também de Adriano Parreira, Fernando Mourão, Noémia de Sousa, Patrícia Pinheiro e Tomaz Jorge.
Viriato da Cruz é provavelmente uma das figuras da história recente do País, que concita mais silêncios, mas que muita gente, hoje desejaria que em seu redor houvesse mais discussão.
Estou provavelmente a hiperbolizar, quando digo que acontece com Viriato da Cruz, um pouco o que aconteceu com Trotsky, e outras vítimas das purgas estalinistas, que foram pura e simplesmente apagados da historiografia oficial, incluindo das fotos onde eles apareciam; Só timidamente os seus poemas aparecem em manuais de ensino oficial, já que o “Namoro” e “Mamã Negra” (Em memória do poeta haitiano Jacques Romain), foram musicados e atingiram uma certa notoriedade, e pouco mais há a acrescentar.
Este livro, vem de certa forma complementar o do Dr. Edmundo Rocha, “Contribuição ao Estudo da Génese do Nacionalismo Moderno Angolano”, e vem divulgar alguns textos do Viriato, que provam que era uma pessoa de grande capacidade intelectual, profundamente empenhado em libertar Angola do colonialismo, com enorme disponibilidade para trabalhar, mas também pouco paciente e quiçá mesmo com alguma “pontaria” para o erro político circunstancial, o que o prejudicou sempre entre os seus pares e aumentou desmesuradamente a sua permanente angústia.
Como diz a historiografia actual, foi com esta frase onde tudo começou, e é da mão de Viriato da Cruz que saiu o “Manifesto”, em Dezembro de 1956, que em dado momento diz: «Porém, o colonialismo português não cairá sem luta. Deste modo, só há um caminho para o povo angolano se libertar: o da luta revolucionária. Esta luta, no entanto, só alcançará a vitória através de uma frente única de todas as forças anti-imperialistas de Angola, sem ligar às cores políticas, à situação social dos indivíduos, às crenças religiosas e às tendências filosóficas dos indivíduos, através portanto do mais amplo MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA.»
Confesso que ao ler o livro, que expõe mais alguma coisa do espólio, do malogrado fundador do PCA, do PLUA. do MPLA, de que foi seu 1º secretário-geral, vejo análises de uma lucidez extraordinária, sobre como se deveria evoluir para um País, e como se teria de construir uma sociedade angolana, contextualizada objectivamente na ausência de industria, com uma elite crioula de pouco peso económico e intelectual, e um campesinato rural, que sai de uma situação híbrida entre a proletarização e o quase esclavagismo, textos escritos no dealbar da década de 50 até meados da década de 60.
Tem-se em conta que grande parte destes documentos, fazem parte de correspondência trocada entre Viriato da Cruz e outros angolanos no exílio, principalmente Mário Pinto de Andrade, Mário António de Oliveira, Edmundo Rocha, Carlos Rocha (Dilolwa), José Carlos Horta, Lúcio Lara, Hugo de Menezes e tantos outros que com ele partiram para o exílio.
Não acho que o livro possa ser um pouco o grito de Viriato da Cruz, “Vamos Descobrir Angola”, mas é certamente um trabalho que vai trazer novo debate, sobre um período em que há cada vez menos sobreviventes para contarem como tudo aconteceu, de uma forma descomprometida de grupos, aparelhos, líderes ou candidatos a caudilhos.
Da vida de Viriato da Cruz, que talvez pelo mistério em que sempre se envolveu a sua pessoa, e que me intriga e fascina simultaneamente, não deixa de ser estranho que nem o MPLA, nem a FNLA, gostem muito de falar no assunto, e de certa forma há alguma incomodidade no assunto, entre alguns kotas que viveram Dolisie, Brazza, Argel, Conakry, Leo, Kinshasa, etc.
Fico a aguardar que mais gente escreva e que o faça alto e bom som!


Fernando Pereira 29/06/08
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