12 de outubro de 2012

Encargos II / Ágora/ Novo Jornal 247/ Luanda 12/10/2012



Querem um desporto escolar onde? Nas escolas onde o camartelo não funcionou e o parque desportivo foi ocupado por mais um prédio ou pelo parque de estacionamento de alguma empresa vizinha, com acordos sórdidos de permeio com autoridades que deveriam zelar pela manutenção das estruturas escolares na sua globalidade? Do ensino básico ao superior, conto pelos dedos das mãos o equipamento desportivo edificado em condições em todo o País, principalmente na nossa cidade capital.
O próprio ensino privado, pago a peso de ouro, está “privado” de instalações desportivas porque, na lógica do mercado, é mais rentável uma sala para trinta alunos numa hora, que dez alunos a ocuparem, em duas horas, um lugar onde cabem oito salas, no mínimo. O alvará é concedido sem que alguém se importe e os resultados começam a estar à vista.
Não temos quadros técnicos que se disponham a inverter este estado de coisas, o que não deixa de ser algo inquietante porque, se houve um esforço enorme na formação de quadros, foi de facto na Secretaria de Estado dos Desportos com Ruy Mingas e durante os consulados de Sardinha de Castro, no Ministério da Juventude e Desportos, apesar das inerentes dificuldades. Onde pára essa gente jovem ao tempo, que tinha uma disponibilidade total para trabalhar, desenvolver projetos e mobilizar gente? Era urgente recuperá-los nem que fosse para formar outra geração de técnicos.
Não é saudosismo dizer que as campanhas que Vitorino Cunha e outros faziam para arregimentar gente para o basquetebol, produziam resultados. Tal como as gentes do andebol feminino como os Betos (Ferreira e Batista) a pegarem em miúdas, algumas descalças, a jogarem em campos de cimento, iluminados por um holofote conseguido à má-fila.
Não é querer voltar ao passado, quando recordamos os Caçulinhas da Bola, onde o entusiasmo de um saudoso Rui de Carvalho na sua RNA, à frente de tanta gente generosa e solidária, montou o maior movimento de futebol infantil de que há memória no desporto do País, com meios exíguos, mas com uma alegria enorme entre participantes e organizadores.
É este País que temos que vir a ter, com maior empenho de empresas, individualidades e estruturas oficiais, para que as pessoas se mobilizem numa dinâmica coletiva indispensável à homogeneidade do País, unidos na defesa de princípios fundamentais, mas na diversidade de opiniões e também da ação política baseada no respeito e na dignidade da pessoa.
Apesar do meu proverbial agnosticismo e algum arreigado ateísmo, por vezes demasiado primário, não deixo de sublinhar que é nas missões, em colégios ligados a confissões religiosas, que vai havendo um trabalho aceitável ao nível da educação dos jovens, o que na realidade só sublinha que há envolvimento de uma estrutura que tem sido uma resposta eficaz ao vazio que a administração central não resolve em determinados lugares. O próprio desporto de recreação é muito valorizado nestas estruturas, que vão mantendo com alguma dignidade os seus espaços físicos de prática educativa.
A cultura física, nas suas diferentes componentes (e de que o desporto é parte integrante), é indispensável na formação plena de qualquer cidadão. Quanto ao desporto, permite, a qualquer um que o pratique, na forma de rendimento e até no domínio da recreação, o saber distinguir até onde vai o individual e onde se inicia o colectivo.
À imprensa, exige-se maior divulgação do grande debate que urge fazer para, daqui por quatro anos, por mais debilitados que estejamos no que à representatividade desportiva diz respeito, não recorrermos às ladainhas do costume na procura de "responsáveis". Isto, se entretanto não tivermos mexido uma palha nem sugerido o que quer que seja de construtivo para nos podermos voltar a orgulhar da nossa bandeira em provas internacionais de clubes ou seleções.
É urgente também acabar com os discursos encomiásticos em alturas em que isoladamente lá vem uma vitória, mas enaltecer-se os que verdadeiramente trabalham e se sacrificam para ser campeões, o que, naquele léxico, é muitas vezes deslembrado.
Convém deixar bem claro que, enquanto estou a escrever este texto, não sei quem serão os responsáveis pela Educação, Juventude e Desportos do País, no novo governo saído das eleições. Mas a minha conceção do desporto, a minha análise crítica do desporto que temos e a minha disponibilidade para colaborar através deste tipo artigos vai ser total, porque, como angolano, tenho a noção de que não vai ser nada fácil colocar outra vez o País no pelotão da frente do desporto africano, nem que seja apenas nas modalidades em que dominámos anos a fio.
Querem um culpado de tudo isto? NÓS TODOS!

Fernando Pereira
29/9/2012


Caderno de Encargos I / Ágora/ Novo Jornal 246/ Luanda 5/10/2012




Passadas as eleições, empossados os eleitos, talvez não fosse má ideia começarmos a falar de como resolver os problemas do quotidiano do País.
O desporto angolano foi um catalisador maior para a edificação de Angola enquanto Nação, de afirmação plena no quadro dos países africanos, e mobilizadora de vontades e manifestações de enorme solidariedade por parte dos cidadãos nos momentos de muitas vitórias das nossas seleções nalgumas modalidades coletivas.
Os Jogos Olímpicos de Londres, neste Verão de 2012, evidenciaram o que muitos de nós vaticinávamos, alguns em surdina e outros, onde me incluo, de forma pública.
Penso que não vale muito a pena andar à procura dos responsáveis por esta situação, que infelizmente vai começar a repetir-se com regularidade nas futuras participações das nossas seleções, clubes ou atletas em modalidades individuais.
Num artigo que fiz neste espaço antes da deslocação da delegação olímpica, infelizmente antecipei o que efetivamente veio a acontecer, o que não me trouxe satisfação alguma, mas a vontade de ajudar a inverter um estado de coisas que, para não voltarem a dar os mesmos resultados, vão exigir uma década, no mínimo, de reflexão, empenho, trabalho, afirmação política e mobilização de muita gente.
Vamos começar a acabar com a linguagem do novo-riquismo. Na realidade, a Etiópia, o Uganda, o Quénia e até a Jamaica têm menos poços de petróleo que Angola, Arábia Saudita, Qatar e outros países, que acham que podem comprar tudo ... menos medalhas olímpicas, como se comprova no quadro de medalhados. Era bom que deixássemos de olhar para o nosso umbigo, e olhássemos antes para a presença da Africa do Sul, em termos desportivos, em competições internacionais, e não arranjássemos argumentos pueris para justificar a cada vez maior distância que nos separa deles.
Os discursos frívolos de muitos agentes desportivos devem ser substituídos por um trabalho aturado de planeamento, que passe, numa primeira fase, pela avaliação do que está a acontecer no quotidiano das crianças e jovens do País.
Vamos começar a falar verdade connosco próprios; a maior parte das crianças e jovens do País não frequenta a escola, pelo que o desporto escolar não pode servir de campo de recrutamento para a competição e ainda menos como trampolim para a alta competição. O que estamos a construir é uma sociedade de contornos perigosos porque, ao ideológico coletivo e gregário, substitui-se a máxima do liberalismo económico francês de François Quesnay (1694-1794) do “Laissez-faire, laissez-passer, le monde va de lui-même”. As crianças e os jovens proliferam em bairros socialmente degradados, em famílias destruturadas, e têm necessidade absoluta de sobreviver, num quadro onde as referências são poucas e nalguns casos desrecomendáveis. Terá que ser através do desporto que tem que se recuperar essa juventude, nem que seja só para a sua integração de cidadania plena, o que, convenhamos, já era um enorme avanço e um progresso assinalável para o País.
Fala-se de desporto escolar e da sua revitalização, e houve aí, de facto, um esforço valoroso ao ir buscar-se uma figura referente e maior da cultura física e desporto angolano: Ruy Mingas. Mas, na realidade, acho que nem ele vai conseguir inverter a situação actual. Para isso, exigem-se compromissos que obrigam a um cumprimento faseado e a ultrapassar vaidades pessoais ou interesses económicos de outra ordem. Só a autoridade moral de ter sido o grande obreiro da edificação da educação física e deporto no País poderá permitir ter-se alguma réstia de esperança para o êxito de um trabalho que tenho acompanhado e por saber do seu empenho e capacidade dificilmente inigualáveis.
(Continua no próximo jornal)
Related Posts with Thumbnails