30 de julho de 2010

Portanto /Opinião / Novo Jornal/ Luanda/ 31-7-2010




Portanto, estou agradavelmente surpreendido, pela homenagem que o Pepetela e o Ruy Mingas vão ser justamente homenageados na Chá de Caxinde.
Como começo a ser um articulista com alguns leitores, acho que como o Pepetela, tenho o pleno direito de começar um artigo com o “Portanto”, mesmo que isso não esteja contemplado nas regras gramaticais do português escorreito.
Homenagear dois cidadãos impolutos, intelectuais eméritos, antigos dignitários do estado Angolano, combatentes pela liberdade, e embaixadores mores da cultura angolana, é só um acto de justiça tardia.
Homens da “geração da utopia”, ajudaram a trilhar o dealbar de uma Republica Popular de Angola, que foi o princípio do fim de uma nova luta, protagonistas de uma expressão colectiva, construída a golpes de vontade.
Pepetela com a verve, Ruy Mingas com a música e a voz, foram em todos os momentos, bons e maus, a expressão do que pensava e sentia a gente certa.
Pepetela é hoje o mais renomado escritor angolano no contexto da contemporaneidade internacional, e um dos mais prodigiosos da escrita de língua portuguesa. O seu percurso prima pela descrição, quase a pedir desculpa por ter publicado um livro, o que vai de encontro à sua personalidade de assumida simplicidade, que o acompanha desde a sua meninice na Benguela onde nasceu há quase setenta anos, segundo relatos de companheiros ao longo de um rico trajecto de vida na busca e defesa da liberdade para o seu País. Ao invés de outros, que tudo fazem para serem conhecidos, e daí que talvez leiam os seus livros, com Pepetela acontece exactamente o contrário, algo como, leiam os meus livros e deixem-me no meu canto.
Tenho mais dificuldade em falar do Ruy Mingas, porque sou suspeito, já que sou seu amigo, e sei que é uma amizade recíproca.
Lembro-me de ter estudado em Lisboa no fim dos anos 60, e nas disputas entre mim, um dos raros angolanos no vetusto Liceu Camões, e os portugueses, nas provas de atletismo, assumíamos o que hoje se chama de “nick name”, e o meu era invariavelmente o de Rui Mingas, quer fosse nos 100m, no dardo, nos 1500m, ou no salto em altura; Só mais tarde soube que tinha sido recordista do salto em altura.
Foi com enorme emoção que o vi cantar no Zip Zip, com uma camisola de lã clara, e na altura comprei um single, que nas voltas da vida me desapareceu, que tinha a magnífica interpretação da Cantiga para Luciana, naquela voz timbrada que me habituei a ouvir de forma agradada.
Se maior contribuição não houvesse do Ruy Mingas, o hino de Angola perpetuá-lo-ia como uma figura presente na história do País, mas a sua contribuição para a edificação de uma educação física e desportos com estruturas sólidas e resultados com enorme visibilidade, dão-lhe um lugar de grande reconhecimento, pelo que tarda a justa homenagem ao grande cabouqueiro de muitas modalidades que Angola é líder africana e respeitada nos areópagos internacionais.
O seu trabalho como embaixador de Angola em Portugal, em momentos particularmente difíceis, vilipendiado até por próximos, terá que ser avaliado no futuro, de forma a aquilatar quais os obscuros desígnios, que alguns dos seus detractores usaram, de forma a armadilhar o seu trabalho, sério e coerente com os valores que o Ruy Mingas se habituou a defender, desde os tempos do anonimato.
A sua passagem pelo ministério da cultura, foi o canto do cisne da sua longa carreira no topo da administração central do Estado Angolano, e aí talvez tenha percebido, que era chegado o momento de outras realizações.
Ruy Mingas, com o meu compadre e amigo Paulo Murias, edificaram a Universidade Lusíada de Angola, projecto de suprema relevância na formação de quadros dos novos tempos de Angola.
Aos setenta anos, o Ruy Mingas tem razões de sobra para estar em paz consigo, já que nunca se violentou, nem tampouco procurou fazer mal a quem que fosse.
A homenagem que fazem a estes dois vultos da cultura angolana, tem uma enorme expressão, apesar da singeleza da realização. Talvez mesmo ambos assim o desejem, e mesmo a maior parte dos amigos prefere que assim seja!
Portanto…
Fernando Pereira
26/07/2010

Generais Cerveja/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 31-7-2010



Casualmente tropecei, é o termo mais adequado, no meio de um conjunto de revistas e jornais do fim dos anos cinquenta ao dealbar dos anos sessenta.
Disponho-me a gastar horas, a folhear uma panóplia de títulos ilustrativos, como se via o mundo há cinquenta anos.
Entre algumas revistas, demorei-me a ler a descrição de Raymond Cartier (nada tem a ver com perfumes, jóias e outro pechisbequismo da moda) no Paris-Match de 23 de Julho de 1960, sobre a independência do Congo, com um título adequado à linha editorial chauvinista desta revista: “Au Congo la chasse aux blancs”. Ilustrado com dois militares congoleses armados a perseguir um talvez colono belga.
Há mais intervenções dos correspondentes do Paris-Match nesses meses do antes e após o 30 de Junho de 1960, independência da Republica do Congo, num contexto onde avultou a frase mais marcante da história africana das independências:“Nous ne sommes plus vos singes” (“Nós não somos mais vossos macacos”), disse o primeiro-ministro do Congo, Patrice Lumumba, ao rei Baudoin, da Bélgica, no dia da independência do país, 30 de junho de 1960.
Baudoin, nesse dia, proferira um dos mais arrogantes discursos já ouvidos de um colonizador. Na então Leopoldville (hoje, Kinshasa), o rei belga fizera uma elegia à “genialidade” de seu tio-avô, Leopoldo II – que em 1885, por cima até do Estado belga, tornara o Congo uma fazenda pessoal, com sua população como escravos.
O discurso de Lumumba foi um dos mais irrecorríveis libelos já pronunciados contra a escravidão, o racismo e o colonialismo: " A independência do Congo, hoje proclamado , de acordo com a Bélgica, um país amigo com o qual lidamos em uma posição de igualdade, foi conquistado por uma luta diária , uma ardente e idealista luta, uma luta na qual não faltaram as nossas forças, nossas dificuldades , nosso sofrimento (...) e nosso sangue , e estamos orgulhosos disso. Foi uma luta justa e nobre, a luta necessária para acabar com a escravidão humilhante que nos foi imposta pela força. ".
Ideologicamente tenho pequena uma costela de Lumumbista, ainda que tardiamente descoberto, e mais cedo que tarde, irei colocar aqui todos os documentos que provam o envolvimento da CIA no seu vil assassinato, agora que a administração americana resolveu abrir os documentos confidenciais e reservados à consulta publica e ao conhecimento dos cidadãos. Um exemplo a seguir noutras paragens e apeadeiros!
Por vezes, qual rato dos papeis, pego em determinado material vem-me à lembrança muitas vivencias, quer de pormenores, difusos na poeira dos tempos, quer o recordar conversas dos mais velhos que escutávamos nos tempos em que não havia TV, disco, cassete pirata, cd, dvd, internet e outras modernidades.
Apesar de ter nascido em Luanda, na Casa de Saúde, hoje “ Maternidade Augusto Ngangula”, os meus primeiros anos foram vividos no Songo, uma simpática terra do mato, perto do Uíge.
Era muito miúdo, mas lembro-me de ver gente branca, que falava uma língua despercebida por mim, a passar lá na nossa bwala e a contar coisas, que deviam ser graves, pois a minha mãe impôs-me um horário de recolher inabitual, mesmo nas faldas da serra da Kinanga. A minha mãe era farmacêutica, e dominava bem o francês, pois era a língua da moda, nos seus anos de estudo na distante Coimbra, onde se licenciou, e foi a tradutora oficial de uns quantos casais belgas, com filhos de uma alvura de pele que me surpreendeu. Procuravam chegar rápido a Luanda para irem para a Europa, onde só se confrontassem com negros, no “Tintin em África”, o Hergé mais racista de toda a BD conhecida! Estavam em transe, e qualquer menção a preto deixava-os num estado de indisfarçável preocupação e não iludiam alguma taquicardia; Tiveram sorte em nossa casa, os mosquiteiros eram de uma alvura impecável!
Passados uns poucos anos, e já a viver em Luanda, menos acriançado, lembro-me de ver o Bob Denard, com a cabeça entrapada, numa mesa do “Arcádia”, com um conjunto de sequazes, todos eles com pequenos ferimentos e algumas muletas. Falavam alto, línguas esquisitas, aviavam muitos finos e demasiada sobranceria para com os locais, tendo em conta as características da sua mal afamada profissão.
Na Portugália, na Palladium, no Amazonas, em qualquer lugar onde houvesse cerveja a preceito, era ouve-los (mistura de ver e ouvir) nas suas fardas garbosas, com as ligaduras a cobrir-lhe qualquer ferimento, a darem entrevistas ao “Notícia”, e outros órgãos da imprensa local, nunca escondendo o envolvimento do Portugal colonialista com os secessionistas do Katanga, e as alianças espúrias com Tchombé, que morreu na Argélia em 1967.
Conheci um dos que foi evacuado de Bukavu, um belga Jean Schrame, lumpen na sua terra, coronel graduado em Kishangani, depois da saída de Mike Hoare “o Louco”, e que vem para a retaguarda do “Baleizão” aviar “kanhangulos” de Cuca, já que a outra guerra tinha sido perdida. Não o conheci aí, foi-me apresentado anos depois, numa festa de amigos em Oliveira de Frades, uma vila beirã, onde o “guerreiro Schrame” lutava para aumentar a produção de ovos e galinhas num aviário nas faldas da Serra do Caramulo, ultimo esconderijo conhecido do “soldado da fortuna”!
Ao tema, havemos de voltar, como bem disse o poeta!
Fernando Pereira
26/07/2010

23 de julho de 2010

Calígula em Angola / Ágora / Novo Jornal / Luanda 24-07-2010





Francisco da Cunha Leal (1888-1970) escreveu um verdadeiro libelo acusatório, publicado em 1924, contra o general Norton de Matos, verberando a sua política nas suas passagens sucessivas pelo cargo de governador de Angola (1912-1915) e Alto-comissário (1921-1923), “Calígula em Angola”.
Não vou entrar em pormenores sobre essa disputa, que animou o Chiado, então o centro cosmopolita, social e politiqueiro de Lisboa desde as lutas dos Republicanismo português em 1895, até ao seu estertor em 28 de Maio de 1926.
Efectivamente foi um inusitado combate político, a relembrar nalguns casos um célebre duelo de espada entre Egas Moniz e o mesmo Norton de Matos, em 1912, por causa do afamado caso do Caminho de Ferro de Ambaca, motivo também da demissão do então ministro das colónias Freitas Ribeiro em 1912. Este foi um dos últimos duelos de espada de gume afiado, de defesa da honra na Lisboa política!
Tudo isto vem a propósito, de uma discussão acalorada que tive com uns amigos, com quem me vou encontrando para partilhar assuntos passados, quiçá preocupações presentes, sobre a história e realidade de Angola.
Nessa “tertúlia” despoletou-se a discussão para a probabilidade de se recuperar para um lugar de relevo a estátua de Norton de Matos, colocada no Huambo com todas as outras estátuas apeadas, aquando da restauração da soberania da Republica Popular de Angola na cidade no ido Fevereiro de 1976.
Como já não somos miúdos, muitos de nós ainda se lembravam de ouvir tecer loas em nossas casas ao Norton de Matos, e também alguns de nós nos lembrámos, quanto o general foi pernicioso para os angolanos, sobretudo para o asfixiamento de uma burguesia local, a que a monarquia português, apesar de tudo, se tinha habituado a respeitar, ainda que com inerente sobranceria.
O cerne da discussão era a justeza da colocação da estátua do fundador da cidade em 8 de Agosto de 1912, num lugar de destaque da cidade. Eu assumi-me claramente contra esse desiderato, pois Norton de Matos não foi mais que um Cecil Rhodes (1853-1902) português, com as limitações inerentes à pequena expressão do Portugal no contexto colonial de então. Norton de Matos era um racista, e a sua política assentou sempre nesse primado.
O seu projecto de desenvolvimento económico de Angola, tinha um objectivo claro: A construção de um grande país de brancos, que iriam impor os seus valores, a sua cultura, o seu modelo económico, em que os angolanos seriam os seus “servos da gleba”, e que pudesse ser o território o epicentro do mundo português.
Promoveu o desenvolvimento de vias de comunicação, com a construção de uma rede eficiente de estradas, fez algum esforço ao nível do equipamento, apoiou uma ténue industrialização, fomentou o comércio interno, e desencadeou um esforço de potenciar o desenvolvimento agrícola da colónia, através do trabalho forçado dos seus habitantes locais.
Aparentemente um programa perfeito, embora sem avaliar os custos de um projecto destes, o que levou ao desaparecimento do BNU enquanto banco emissor em Angola, e a proliferação das “Ritas”, um dinheiro tipo senhas, de notas de 50 centavos, emitidas pela “Republica Portuguesa - Angola”, que nada valiam, e que só compravam uma bebida quando empacotadas como um tijolo; Uma moeda tipo dólar do Zimbabwé actual, ou o Novo Kwanza em meados dos anos 90. As “Ritas”, assim chamadas, era aa designação popular das notas, pela associação com o nome da filha do general.
Um verdadeiro desastre a sua passagem por Angola, testemunha de Alves dos Reis, noutro muito badalado episódio de moeda, neste caso emissão de moeda falsa em que Angola é mais uma vez o centro da “vigarice”!
Assumo que violento a memória do meu pai, que foi membro da candidatura de Norton de Matos à presidência da Republica Portuguesa em 1948, na Catumbela, e seu intransigente defensor, mas paciência, nalgumas coisas tivemos que estar em desacordo, e ele sempre soube que nunca partilhei o seu entusiasmo pelo general, grão-mestre da maçonaria em 1929.
Talvez não seja bom opinar sobre o assunto, porque normalmente as coisas saem quase sempre, ao contrário do que gostaria: deixem estar a estátua onde está, com buraquinho e tudo…
Fernando Pereira
20/7/2010

16 de julho de 2010

Gamanço/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda / 16- 07 - 2010



Vamos dissecar hoje o verdadeiro significado da palavra “Gamar”, que tem mil e um significados, mas na realidade o objectivo final é sempre o mesmo, dependendo apenas do valor do objecto.
Comemoraram-se há bem poucos anos os 500 anos da viagem de Vasco da Gama à India!
Para que conste, o tal de Gama, Vasco de seu nome, tinha uma estátua, em frente à Academia de Musica, no 4 de Fevereiro ,antecipando o estilo decadente da estatuária norte-coreana, que hoje invade a nossa cidade capital.
O moço descobriu o caminho por mar! Foi um feito, mesmo sabendo toda a gente que o caminho por terra era muito mais curto! De facto a viagem de Gama, não podia ter tido um personagem com apelido mais apelativo, para aquilo que as potencias coloniais iriam fazer nos 500 anos seguintes: GAMAR.
D. João II, um dos reis mais inteligentes que Portugal teve, escolheu bem o perfil do navegador, incluindo o seu nome, para os desígnios futuros das suas campanhas pelo Oriente. Desculpem o homofóbico da linguagem, quiçá algum desbragamento, mas não posso deixar de pensar que alguns dos marinheiros da campanha do Gama foram aliciados porque iam ao reino do Cochim, mas a meio do caminho conseguiram ser demovidos a muito custo por irem a Calecut, coisa que a maioria da marinharia estava habituada, pois as longas permanências no mar obrigava-os a outras opções, diferentes das de em terra firme (cuidado que isto é uma cacofonia).
O Gama, levou como sub-capitão outro Gama, Paulo de seu nome, para no caso de vacatura do primeiro, o Gamanço se perpetuasse.Paulo acabou por se finar antes do regresso a Portugal.
Lá foram as três naus e o Bérrio, a caminho das especiarias e dos afrodisíacos, para terras para lá do Preste-João.
Chegaram lá com muito estrondo, cheios de salamaleques e ofertas, para logo na viagem de circum-retorno congeminarem logo como haveriam de lixar os poderosos senhores de Calecut e Cochim, e inerentemente o seu séquito de mulheres, essas bem mais apelativas (bem mais as de Cochim que Calecut).
Começou então em Gama, o verdadeiro Gamar, e foi uma tarefa bem concebida, pois durou 500 anos. O Gama, também foi arrecadado nos Jerónimos? Não me façam acreditar nisso. O tipo morreu como Vice-Rei da Índia presume-se que com escorbuto, embora se tivesse constado nos meandros da corte que terá sido de gonorreia.
O Gama, como qualquer do seu tempo era da barbárie, porque efectivamente tinha uma provecta barba, que devia ser incomodativa nas grandes viagens e quiçá mesmo uma verdadeira estufa incubadora de piolhos.
Dessei, mas espero que me elucidem sobre se realmente, o gamão, aquele jogo esquisito parecido com as damas, tem algo a ver com o Gama?
Fernando Pereira
14/07/2010

11 de julho de 2010

A classe média ou a média da classe? / Ágora /Novo Jornal/ Luanda 10-07-2010



A pequena classe média angolana, coincidindo com o solstício de Verão no hemisfério norte, vai em romaria em busca de outras latitudes.
O aeroporto 4 de Fevereiro é provavelmente o maior “santuário” do País, um verdadeiro lugar de idas e vindas de gentes, de sonhos, de frustrações, de reencontros, um espaço talvez adorável para muitos que partem, e curiosamente também para quem chega.
O angolano tem uma relação afectiva com o seu aeroporto, porque desempenha o único lugar possível de ligação efectiva com o mundo exterior, e a realidade é que ao longo dos anos, há muita gente que o conhece bem melhor, que as terras além Kwanza e Bengo.
O angolano da classe média alta, utilizador de tecnologias, fato e gravata para todas as ocasiões, mesmo supostamente as mais dispensáveis, com correntes de ouro reluzentes e muito agarrado às marcas, tem idiossincrasias muito peculiares que não deixam de chamar a atenção.
Os angolanos quando vão ao exterior defendem com entusiasmo o seu país, a sua gastronomia, as suas belezas naturais, até a sua desorganização e corrupção. Isto é um princípio interessante, e na realidade aumenta o ego do angolano, que tanta dificuldade tem para o alimentar, já que vão desabundando razões de orgulho. O narcisismo do angolano é um bem valioso, é importante utilizá-lo a preceito.
A verdade é que esses mesmos angolanos, em Angola, esquecem-se do seu discurso no exterior, cultivam a costumeira má-lingua, estão sistematicamente contra o poder, e o que não deixa de ser paradoxal, é o facto de haver alguns proceres da área, que entram neste esquema, falam deliciosamente dos locais de compras no exterior, nos cabarets frequentados e nos pratos, vinhos e etílicas bebidas deglutidas.
Por exemplo em Lisboa, para um angolano não há nada melhor no mundo que um kalulu de peixe, ou uma muambada. Em Luanda os mesmos protagonistas, acham que nada no mundo é melhor que o bacalhau com grão, com cebola e salsa, um leitão à Bairrada ou uns pezinhos de porco de coentrada.
Isto não tem nada de extraordinário, a não ser quando ocasionalmente se quer transformar a sociedade num teclado de piano, onde se tenta alterar a posição das teclas. A realidade é incontornavelmente por razões de insegurança, e cada vez menos se justifica atitudes deste tipo na sociedade liberal angolana. O teclado de um piano é bom se tiver uns bons executantes, inaudível se for um incompetente a tocá-lo; Nem o afinador consegue fazer nada com maus executantes!
Angola tem que começar a conviver melhor com a sua diáspora, e acabar definitivamente com estigmas em relação a quem procura nova vida, e novas oportunidades noutros lugares. È um direito que qualquer cidadão livre tem, que é viver onde quer, se o puder fazer.
Foi uma” herança” dos tempos de guerrilha, e significava um abandono de uma causa, em que qualquer angolano se deveria engajar. Muitos angolanos não resistiram e desistiram de lutar, porque a realidade era dura, e hoje percebem-se os argumentos de um lado ou de outro.
Angola tem muita gente profissionalmente competente e de enorme afirmação profissional em múltiplas áreas da ciência, desporto, artes, conhecimento, e que estão no exterior e que se sentem angolanos, mas que não querem, e nalguns casos nem sequer podem, por razões de natureza profissional, voltar a viver em Angola.
São diferentes estes angolanos por isso? A única coisa que pedem é que o País lhes dê a nacionalidade, já que notoriedade alguns tem que sobra e muitos desses em áreas que poucas pessoas em Angola se dão conta que existem, e são de uma importância enorme.
Uma reflexão a caber, num debate mais amplo nestes trinta e cinco anos de independência e de vivencia colectiva da angolanidade. Um sinal de modernidade do País, bem melhor que alguns projectos em execução.
Ah, talvez não tenha nada a ver, mas lembrei-me desta poesia de Drumond de Andrade: João amava Teresa, que amava Raimundo, que amava Maria, que amava Joaquim, que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J.Pinto Fernandes que não tinha entrado na história.

Fernando Pereira
4/6/2010

2 de julho de 2010

Crónica do tempo vindouro (Que há Devir)/ Novo Jornal / Luanda / 3-7-2010



Foram tantas as vezes que muitos de nós pedimos a Paulo Jorge, que deixasse as suas memórias, prometeu que em breve o faria, e morreu no sábado passado sem que nos tivesse feito a vontade!
As lembranças que Paulo Jorge iria deixar, eram fundamentais para perceber o que foi a diplomacia da fase de gestação e debutante da Republica Popular de Angola. Teria sido importante este legado, para acabar com uma miríade de histórias, algumas mal engendradas, que vão circulando sobre esses anos de particular enfoque no quotidiano político e militar da África Austral.
Com Paulo Jorge desapareceu uma parte do espólio, de um tempo em que a afirmação de valores de solidariedade, justiça social e igualitarismo faziam parte do léxico, e de alguma prática das nossas convicções pessoais e políticas.
Paulo Jorge nasce em Benguela em 1934, filho de um funcionário de uma açucareira, com ligações a candidaturas oposicionistas à ditadura de Salazar, particularmente empenhado nas comissões locais de candidatura de Norton de Matos e Humberto Delgado.
Vem para Lisboa nos anos 50 para estudar geologia, mudando entretanto para engenharia, curso que não acaba para se juntar à resistência angolana no exterior.
Foi membro dos órgãos sociais da Casa dos Estudantes do Império, alfobre de gente que conscientemente assumiu uma rotura com os valores do colonialismo português. Para além de excelente dançarino, era um sedutor e um exímio praticante de ténis de mesa, tendo sido campeão nacional universitário, para além de ter sido praticante federado ao serviço do Sporting.
Com Marcelino dos Santos, Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Câmara Pires, entre muitos outros, foi um entusiasta da criação da ex-CONCP (Conferencia das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas) e um dos seus particulares dinamizadores.
Esteve no “maquis”, mas a diplomacia do MPLA e depois da R.P. Angola foram uma constante no seu percurso de político, tendo sido Ministro das Relações Exteriores durante anos quer com Agostinho Neto, quer com José Eduardo dos Santos.
Nos anos 90, é governador do Kwanza-Norte e posteriormente Benguela, onde tem uma prestação de relevo. É deputado eleito em 1992, reeleito em 2008.
Homem de grande probidade, incapaz de se apropriar do que quer que fosse, assumindo até algum quotidiano espartano na sua vida, Paulo Jorge deixa-nos o exemplo do dirigente, que abraçou uma causa por convicção e nunca para se aproveitar dos lugares para proveito próprio.
Morreu a 26 de Junho, sabendo-se que sem grandes recursos, e com ele fica o exemplo de um homem fundamental nos alicerces do País e indispensável no colocar de tijolos da edificação de uma nova geografia política na África Austral.
Obrigado Paulo Teixeira Jorge!

Fernando Pereira
30/06/2010

FarmVille a sério! / Ágora / Novo Jornal / Luanda 3-07-2010






Permito-me em primeiro lugar não falar de José Saramago, porque li quase tudo o que publicou em livro. Da sua extensa bibliografia, há obras que me fascinaram, outras quase me entusiasmaram, algumas li e fiquei indiferente, umas poucas não gostei rigorosamente nada e acidentalmente, houve duas que não consegui acabar de ler.
Porque quando Saramago foi notícia, na sua vida e na sua morte recente, fala tanta gente, que utiliza a estafada táctica: quando leio A, que não conheço, escrevendo sobre X, que também não conheço, vou ler o que A escreve sobre Y, que conheço: regra de três simples, e a opinião forma-se e talvez se enforme.
No meu caso seria atrevimento a mais opinar, pois repito, conheço quase toda a sua obra. Deixo esse lugar aos sábios, sabichões e também aos “ratos de sacristia”!
A clarividência do Fernando Pacheco na entrevista ao Jornal de Angola da edição de 14 de Junho, traz para a discussão de forma assertiva um conjunto de reflexões, sobre o que Angola pretende no mundo rural e da agricultura, enquanto base para um desenvolvimento harmonioso, numa economia sustentada.
Habituei-me a ler todas as reflexões, que o Fernando Pacheco tem vindo a fazer há uns anos a esta parte, sobre a organização do mundo rural no nosso País, e se há algo que podemos afirmar sem peias nem meias, é que tem sido coerente, em que paralelamente são feitas propostas e que são incompreensivelmente ignoradas.
Quando Fernando Pacheco levanta a questão da hiperbolização desproporcionada das metas para o período entre 2009-2012, faz-me recuar mais que trinta anos, e voltar a pegar nas “Orientações fundamentais para o desenvolvimento económico e social da Republica Popular de Angola no período 1978-1980”, que rezava em determinada altura: “Dever-se-á prestar especial atenção à produção de meios alimentares essenciais, com vista a obter o mais rapidamente possível os bens de 1973”, com objectivos, onde aparecia invariavelmente junto dos valores, uma determinada percentagem da “produção histórica”(Ex: Milho: produzir cerca de 400.000 toneladas-67% da produção histórica ou 120.000 toneladas de café, “o que corresponde a 55% da produção histórica”). Estamos a falar de um período de três anos, já que estas propostas foram aprovadas no 1º Congresso do MPLA em Dezembro de 1977.
Pegando nas “ Orientações fundamentais para o desenvolvimento económico-social 1981-1985”, documento saído do I Congresso Extraordinário do MPLA, em Dezembro de 1980, somos confrontados com uma análise mais comedida das propostas, irrealista, tendo em conta a situação prevalecente no País (Ex: No caso do “Milho: Atingir as 268.000 a 300.000 toneladas… Café: 60 a 70 mil toneladas de café comercial…”).Isto era o objectivo para um período de cinco anos!
Em 1992 o Dr. José Manuel Zenha Rela, faz sair um trabalho interessante, “Angola- Entre o presente e o futuro”, em que aborda, talvez de uma forma algo romântica, as condições para a formação do “Verdadeiro empresário agrícola angolano”, a “distribuição da terra” , “ o apoio de meios mecânicos”, “Disponibilidade dos Factores de Produção”, Assistência Técnica e Vulgarização”, “Escoamento da produção comercializável”, “Acesso ao crédito” e outros itens relacionados com o desenvolvimento agrícola de Angola, entre outros temas.
Anos depois, em 2006, saiu do mesmo autor o livro “Angola - o Futuro já começou”, revisto em Dezembro de 2008, editado pela Nzila, um levantamento exaustivo do futuro de Angola, onde as preocupações não são muito diferentes das colocadas por Fernando Pacheco ao JA. Deste livro falarei mais tarde, um “tijolo” robusto em tamanho e na qualidade, num exercício de soluções por parte de alguém que é simultaneamente um académico e um observador atento dos últimos sessenta e cinco anos de Angola.
Pelos vistos as preocupações do Fernando Pacheco sobre o desenvolvimento rural angolano são recorrentes. O petróleo, neste caso é um factor de empobrecimento do País, pois acaba com a matriz de Angola, que é a sua inata vocação de ruralidade.
Resta-me deixar o aviso para as gerações vindouras, que quando passarem os cinquenta anos verificarão, por certo, que antigas certezas são abaladas pela teimosia dos factos. Os factos são teimosos e então como eu só terão dúvidas!
“Acho que era mais barato, mais rápido e política e socialmente mais adequado se gastássemos o dinheiro que estamos a gastar em grandes projectos, a produzir cereais, para apoiar os pequenos agricultores familiares.” Excerto da entrevista do Fernando Pacheco ao Jornal de Angola.
Só faltaria mesmo, que as pessoas se comecem a dedicar ao FarmVille do Facebook, para se sentirem rurais em qualquer apartamento, numa grande cidade e num mundo virtual perto de si!

Fernando Pereira
23/06/2010
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