30 de outubro de 2010

Luanda Coliseum! / Ágora/ Novo Jornal / Luanda 29-10-2010


Nenhuma cidade que se preze de ter uma actividade cultural regular, prescinde de ter o seu coliseu.

Local de todas as actividades circenses, que em períodos remotos eram local de combate entre gladiadores, corridas de quadrigas, lutas entre humanos e animais esfaimados, e toda a sorte de espectáculos, que pusessem em delírio um publico masculino ávido de sensações fortes, a raiar o animalesco.

Roma, Mérida, Cartago, Nimes, são alguns dos maiores coliseus do Império Romano, ainda preservados, mas Londres, Nova York, Paris, Madrid, Porto, Nova Orleãs, Los Angeles, Otawa, St Petersburg, e tantas cidades no mundo tem os seus coliseus, como uma sala para espectáculos, eventos culturais ou sociais de alguma notoriedade.

Angola recebia com regularidade, algumas companhias de circo, que aproveitavam o Inverno em Portugal, para fazerem a sua campanha africana, recebendo inclusivamente subsídios avultados, do Ministério do Ultramar e da Defesa, para um conjunto de espectáculos para as Forças Armadas portuguesas.

O circo Mariano, ficava num terreno desocupado, no cruzamento da Av. Comandante Valódia, com a Alameda Manuel Van-Dunem. A expressão do “ Circo desceu à cidade” aplicava-se apropriadamente a este, propriedade de Henry Tony (nome artístico), pois à volta da tenda grande lá estavam umas jaulas, com animais sedados, e umas roulottes, onde os trapezistas, domadores, palhaços, ilusionistas, todo o conjunto de gente que nos fazia sonhar naquelas duas horas, em que embevecidos, assistíamos a algo que julgávamos impossível acontecer.

Na outra esquina da Alameda, com a Hoji-Ya-Henda, instalava-se o Circo Universal, inicialmente com uma tenda, e com todos os adereços normais de um circo, e que já no fim dos anos sessenta, foi substituída por uma estrutura fixa, com tubos e bancada de madeira, forrada exteriormente com grandes painéis de chapa, pintadas com as garridas cores de um circo. A cobertura era em lona, imediatamente renomeada essa estrutura como o “Coliseu de Luanda”.

Nem mais nem menos, Luanda passava a rivalizar com todas as cidades coliseuzadas do mundo!

O Circo Universal lá aparecia em Janeiro, ou Fevereiro, alternando com a concorrência do “Mariano”, e num ou noutro adorei ver o que eles mostravam, desde a mulher borracha, que era simultaneamente a trapezista e a partenaire do ilusionista, o sensacional palhaço Kinito, o professor Karma que respondia a tudo de olhos vendados, ao Gabriel de Moçambique que tinha 2, 60 m que vinha com o Silvio do Lobito, uma versão angolana do Nelson Ned,

minorca com noventa e cinco centímetros.

Com a idade deixei de ser um “fiel” do circo, embora ainda hoje goste de ir ver o espectáculo, e sentir que estou a ajudar profissionais de grande dignidade, perseverança e de uma seriedade inabitual, no consumismo da cultura na sociedade contemporânea.

Voltando ao Coliseu de Luanda, vem-me à lembrança a “Luta livre à Americana”, que depois de ter andado pelo Campo da Ilha, ao lado do Náutico de Luanda, pelos Coqueiros, acabou por se fixar definitivamente no Coliseu.

Nunca fui grande adepto de pancadaria, nada tem a ver com o meu agnosticismo, mas lá alinhava com uns amigos meus, ia ver alguns duelos dos grandes combates decisivos para a atribuição do “campeonato do mundo de luta livre americana” .

Organizados pelo Lobo da Costa, concessionário de um restaurante de comida a raiar o intragável, “O Ganso”, ali para os lados do Bairro Azul, antigo praticante de luta no Parque Mayer em Lisboa que com Leandro Ferreira, publicitava que “Cinturão cidade de Luanda” era uma das provas do calendário internacional.

Todos os intervenientes tinham nomes pomposos, currículos inatingíveis pelo comum dos mortais, mesmo os mais talentosos, em suma, a nata da “luta livre americana internacional”, normalmente alojada em pensões de qualidade duvidosa na baixa da urbe.

O Kit Moralino, que já era entradote, o “invencível” Tarzan Taborda, campeão mundo 5 vezes, o Carlos Rocha, as “têmporas de ouro” 4 vezes campeão do mundo, o Zé Luis, “Cabeça de concreto”, 3 vezes campeão do mundo, o Yull Brinner, careca como o actor, “punho de platina”, El Indio, “O Escalpelizador” 2 vezes campeão do mundo, Tony Morgan, e muitos que eram uma plêiade de enormes lutadores, alguns recrutados na noite anterior no Porto de Luanda, para a troco de uns cobres, uma refeição requentada e talvez uma cama aquecida, levarem uma tunda, nada que mercuro-cromo , eosina ou tintura de iodo não curassem.

Eram as grandes noites de um coliseu, que Novembro de 1975 viu enferrujar, até ser substituído por um prédio a parecer quase bem.

Fernando Pereira

22/10/2010

24 de outubro de 2010

22 de outubro de 2010

SAIA DE CENA QUEM NÃO É DE SENA! / Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 24-10-2010



"Uma vez eu, chegado a Portugal

após muitos anos de ausência minha e alguns

de guerras africanas, encontrei uma vizinha

muito estimável que era casada com

um operário categorizado e antigo republicano.

O filho dela estava nas Áfricas, arriscando

a vida dele e a dos outros em defesa

do património da pátria de alguns (muito mais

que das gerações brancas que vivem nas Áfricas).

Eu condoí-me, todo embebido de noções políticas.

E ela, com um sorriso resignado, respondeu-me:

- Pois é, mas ele está a ganhar tão bem!



SB [Santa Barbara, Califórnia] 21/4/74"

Jorge de Sena, in "40 Anos de Servidão", Moraes Editores



Sou um admirador confesso, de Jorge de Sena (1919-1978), um dos enormes poetas da língua portuguesa, que nada tem a ver com a lusofonia, um luso-tropicalismo com foros de institucional na contemporaneidade, o da observação atenta dos mercados!

Jorge de Sena foi um dos mais ostracizados escritores portugueses de sempre, e se a ditadura de Salazar o deixou a vegetar como cidadão e técnico superior em Santa Bárbara na Califórnia, a democracia que se lhe seguiu, manteve-o longe e ignorado de um País que o deserdou em vida, em que as autoridades, ao tentar expiar o erro em 2008, promoveram-lhe uma cerimónia discreta e triste em Lisboa.

Na última edição do NJ, foi dado particular relevo à toponímia de Luanda, mantendo-me na expectativa pela nomeação da comissão, sua regulamentação, e mais que tudo o equilíbrio político, cultural e a intervenção cívica de todos os intervenientes.

Ao longo do tempo que venho aqui cronicando, tenho insistido na alteração da toponímia de algumas artérias da urbe, e a adequação do nome das ruas, praças, avenidas ou largos, a nomes de gentes da cultura, da liberdade, da libertação dos povos, do filantropismo e da intervenção social.

Há que rever alguma toponímia, dos tempos do início da independência, para evitar situações bizarras como por exemplo a substituição da Rua Luis Carrisso, pela Rua Salvador Allende. Ambos merecem uma rua em Luanda, pois Salvador Allende representou na América Latina a tenacidade numa luta desigual pela democracia e socialismo, enquanto Luis Carrisso foi um ilustre professor catedrático da Universidade de Coimbra, falecido perto da Lagoa dos Arcos no Namibe em 1937, dirigindo a mais importante missão científica de estudo de alguns exemplares da flora angolana, feita até então. Ainda hoje muitos dos trabalhos existentes nessa área são desse insigne botânico prematuramente falecido.

Este exemplo, é apenas um entre muitos, e já começamos a exigir que a nossa cidade capital, deixe de ter as suas artérias conhecidas por corruptelas de nomes próprios, inapropriados ou indevidamente apropriados.

Hoje temos muito menos nomes de combatentes pela independência para as ruas, que em 1975, mas temos de nos reconciliar com a história presente do País, e por isso temos que colocar Holden, Viriato da Cruz, Matias Migueis, Costa Andrade, Mário António de Oliveira, Geraldo Bessa Victor, Graça Tavares, Gentil Viana, Mário Pinto de Andrade, Joaquim Pinto de Andrade, Raul David Pedro Van-Dunen (Loy), Pédalé ,Paulo Jorge e tantos outros que fizeram parte de um quotidiano de afirmação de uma Angola de vontades, enquanto País soberano.

Camões, Jorge Amado, Aimé Cesaire, Basil Davidson, Camus, Soynka, Machado de Assis, Baltasar Lopes, Daniel Filipe, Francisco José Tenreiro, Manuel Lopes, Alves Redol, Fernando Namora, Mário Dionísio, José Craveirinha, Rui Knophly, Sophia de Mello Breynner Anderson, Luis Pacheco, José Alencar, Olavo Bilac, Mário de Andrade, Noémia de Sousa, um universo de gente que enriquecerá a cidade, e obrigará os cidadãos, por vezes até involuntariamente, a querer saber porque deram determinado nome a certa rua. O que vulgarmente se chama, a cultura da tabuleta, irá dar frutos!

Já uma vez, numa crónica destas, tinha metido uma “cunha” por Pedro Alexandrino da Cunha, desta vez faço-o por Jorge de Sena, que foi um dos melhores poetas do século XX da língua portuguesa, e sofreu agruras iguais às de muitos dos nossos compatriotas, na luta comum contra a ditadura colonial e corporativista de Salazar.

Fernando Pereira

20/10/2010

15 de outubro de 2010

TAAG- Em tempos idos!



Os Inadaptados"/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 16-10-2010


 




Um dos filmes malditos da história do cinema, é “Os Inadaptados” (The Misfits) concluído precisamente em meados de Outubro, há cinquenta anos.

Argumento de Arthur Miller, divorciado de Marilyn Monroe no início das filmagens, disse numa entrevista: "Um homem é uma casa com 14 divisões - no quarto está a dormir com a sua mulher inteligente, na sala está enrolado com uma miúda de rabo ao léu, no escritório está a preencher o imposto, no quintal está a plantar tomates e na cave está a fazer uma bomba para rebentar com tudo." Segundo se alvitrou ao tempo, Miller escreveu “Os Inadaptados” exactamente para Marilyn, pois todas as suas obras tem características diferentes.

Filme de John Houston, rodado com incidências difíceis em Black Rock, marcado pela premonição da tragédia. Clark Gable, com 59 anos, morre de enfarte quinze dias depois de terem finalizado as filmagens, Marilyn Monroe suicida-se seis meses depois, e Montgomery Clift entra num processo de degradação, aliando o álcool à depressão, não filmando mais até 1966, ano em que falece precocemente aos quarenta e seis anos.

“Os Inadaptados”, foi o último filme de três actores marcantes de uma América, que tentava mobilizar-se em torno de um Kennedy, que prometia uma lufada de ar novo aos EUA, e um desafio importante ao colonialismo ainda remanescente em África.

Na semana transacta, estive determinado a tecer algumas considerações sobre a forma perfeitamente desbragada, como o general Ngongo foi demitido das suas funções de ministro do Interior. Não o fiz porque gostava de ver o desenvolvimento .

Não tenho relações pessoais, familiares ou profissionais com o general Roberto Leal Monteiro, e o que teremos em comum, será termos frequentado a Republica do “Kimbo dos Sobas” em Coimbra, em períodos diferentes. Andámos também no Liceu Salvador Correia, tendo eu entrado para o 1º ano, quando ele estava prestes a sair para a Universidade. Conhecemo-nos pessoalmente, mas raras vezes nos encontramos, e só faço este tipo de apreciação porque o “Nini”, não merecia este tratamento, demasiado parecido com autos de fé, afixados publicamente na Idade Média, quando Torquemada era o inquisidor geral de Castela e Aragão.

O general Ngongo, terá cometido um erro de capital gravidade, admito-o, mas nada justifica que o seu passado de brilhante de cidadão, nacionalista, militar, dirigente associativo, diplomata ou ministro, seja tratado da forma soes como foi, pois faltou ética e solidariedade, indispensável num quadro institucional.

Numa Angola onde há tanto secretismo no que concerne ao poder, que alimenta muitas especulações, esta atitude tem pouco de transparente, e não parece ser um precedente para rigorosamente nada. É apenas e só, um processo mal conduzido, e espero que as sequelas não atinjam o general “Ngongo” na sua dignidade e na sua entrega à causa de Angola, que começou nos anos sessenta em Coimbra, donde saiu clandestinamente para se juntar ao MPLA na luta contra o colonialismo.

Não serve por aí além, para reparar esta forma tão mesquinha, como foi a sua demissão, mas ainda recentemente surgiram mais uns livros sobre a “Crise Académica de 1969” em Coimbra, e quem aparece sempre na primeira linha da luta dos estudantes é o “Nini” do Kimbo, onde viveu tanta gente que deu a vida pela Angola independente, alguns já não presentes entre nós.

Não tem nada a ver, mas apetece-me contar esta história de um jovem professor de Direito Colonial de Coimbra, que Salazar convida para o governo, nos anos sessenta. O Prof. Dr. José Julio Almeida e Costa vai tomar posse de Ministro da Justiça, no palácio de Belém, na presença do Tomás e Salazar. Este, aproxima-se do José Julio, cumprimentando-o diz-lhe: “Felicidades meu jovem, mas é curioso, só hoje tomou posse como ministro e já traz uns sapatos verniz novos”!!!

Talvez tenha a ver, não tanto pelo conteúdo mas pela forma, e por isso recomendo a leitura da biografia de Armindo Monteiro feita por Pedro Aires de Oliveira para a Bertrand em 2000, dignitário de vários cargos superiores no salazarismo, entre os quais o de Ministro das Colónias, e publicamente demitido por Salazar, do lugar de embaixador em Londres, durante a 2ª guerra por desinteligências entre os dois, o primeiro anglófono e o segundo claramente germanófilo.

Fernando Pereira

12/10/10



14 de outubro de 2010

MAL POR MAL VENHA O POMBAL/ O Interior 14-10-2010

No dealbar da semana passada, o actual inquilino de Belém, Cavaco Silva, de sua graça, presidente dos portugueses para desgraça, veio solenemente informar os portugueses, que tinha promulgado o decreto 2000 do seu mandato presidencial, relativa à preservação do ambiente marinho.

Vem-me à memória um outro presidente, o Tomaz que era Américo, marido da Gertrudes e pai da Natália, que cinquenta anos antes, num discurso, sobre uma outra promulgação dizia o seguinte: «Comemora-se em todo o país uma promulgação do despacho número Cem da Marinha Mercante Portuguesa, a que foi dado esse número não por acaso mas porque ele vem na sequência de outros noventa e nove anteriores promulgados.».

Um destes dias vi no YouTube, uma peça de um trabalho da SIC, sobre a visita do magistrado Cavaco Silva, por sinal o mais alto da Nação, a uma herdade, onde uma vaca estava a ser ordenhada através de meios mecânicos, que motivou comentários verdadeiramente hilariantes, parecidos com este: «Hoje visitei todos os pavilhões, se não contar com os que não visitei.» (Tomaz dixit).

Não foi único, pois Mário Soares, um geronte que continua a debitar opiniões, entre muitas enormidades, teve a lata de adormecer no Blue Note, em Nova York enquanto Etta James cantava. Mas como o homem é obeso, dá umas sonoras gargalhadas, tem uma fundação paga pelo erário público, desculpa-se isso, e acaba por ser lastimável muito mais de muita desgovernação que fez e promoveu, enquanto primeiro-ministro e Presidente da Republica.

. Mário Soares criticou as " vozes de derrotismo " que não acreditam que Portugal saia da actual crise, e lembrou que o passado recente ficou marcado por " crises tão graves ou piores " do que a actual. Tomaz disse em 23/6/1964 ao DN sobre o assunto: «A minha boa vontade não tem felizmente limites. Só uma coisa não poderei fazer: o impossível. E tenho verdadeiramente pena de ele não estar ao meu alcance.»

Voltando a Cavaco Silva com ao “Nunca me engano, raramente tenho duvidas”, proferida em 1990, traz-me uma emblemática do Tomaz, cortada pela censura do regime, e integralmente colocada pela Seara Nova em 1972, quando já se anunciava o estertor da ditadura: «Pedi desculpa ao Sr .Eng.º Machado Vaz por fazer essa rectificação. Mas não havia razão para o fazer porque, na realidade, o Sr. Eng.º Machado Vaz referiu-se à altura do início do funcionamento dessa barragem e eu referi-me, afinal, à data da inauguração oficial. Ambas as datas estavam certas. E eu peço, agora, desculpa de ter pedido desculpa da outra vez ao Sr. Eng.º Machado Vaz.»

Pior que tudo isto, só a frase de Almeida Santos, dia 29/9/2010 à saída da sede do PS: "O povo tem que sofrer as crises como o Governo as sofre."

Já estou como dizia o povo em 1777, sobre o Marquês: “Mal por mal, venha o Pombal!

Fernando Pereira

30/9/2010

8 de outubro de 2010

"Lisboa, Capital, Republica, Popular" / Ágora/ Novo Jornal/ Luanda / 9-10-2010






Na semana passada, comemoraram-se cinquenta anos da criação de uma série de culto da TV e do cinema de animação.


Os Flinstones, com os casais Wilma e Fred, Betty e Barney, mantiveram-se até 1996, como um dos tops da Hanna Barbera, e foi o primeiro contacto com a idade da pedra, com que muitos de nós nos confrontávamos em criança. A BD em livro, era o prolongamento de todas aquelas geringonças que víamos no nosso quotidiano, adaptadas a materiais tão simples e tão apelativos à nossa fértil imaginação de criança. O carro, o ferro de engomar, a TV, os diálogos, as cumplicidades entre Fred e Barney, entre Wilma e Betty, fizeram-nos sonhar, o que tinha sido viver com apetrechos tão modernos no paleolítico superior.

Não apareceu um PC de pedra, com um Windows, Mac, Linux ou Opera, adaptado à linguagem “pouco empedernida” destas famílias.

Também se comemoraram os cem anos da implantação da Republica em Portugal, com mudanças importantes no quotidiano político em Portugal, alteração expectável desde o Regícidio de 1908, onde pereceu o príncipe Luis Filipe, que foi o primeiro alto dignitário português a visitar Angola (1907). Foi em sua homenagem, o nome dado à ponte de ferro da Catumbela, que serviu ininterruptamente a ligação entre Lobito e Benguela durante cem anos.

A monarquia portuguesa deixou Angola entregue à voracidade de gente indesejável em Portugal, o que não é o mesmo que dizer que eram bandoleiros ou saqueadores, já que havia muitos condenados por delito de opinião. Só o Ultimatum, e a Conferencia de Berlim, obrigaram os governantes da monarquia a darem mais atenção à colónia, pois até então não tinha grande expressão no Paço.

Sem querer entrar muito em pormenores, o que se sabe é que o 5 de Outubro de 1910, foi recebido com algum entusiasmo, entre os deserdados portugueses que viviam na colónia, mas com enorme indiferença entre a maioria dos angolanos, principalmente nos dois centros urbanos com alguma importância: Luanda e Benguela.

O que aconteceu depois é sabido; Angolanos, de algumas famílias tradicionais, com um peso social importante, algum poder económico, viram coarctados direitos que possuíam em favor de políticas de implantação de colonos, na esteira do que faziam ingleses e alemães no século XVIII. A Republica foi mesmo quem mais prejudicou, de forma desprestigiante a maioria dos antecessores da oligarquia que hoje governa o País. A Republica utilizou sátrapas em Angola, por isso o Estado Novo teve caminho aberto para fazer o que queria.

Pode parecer paradoxal, mas este tema tem algo a ver, com a recente movimentação em torno da preservação do pouco património edificado que vai restando em Luanda. Vi recentemente uma entrevista com a arquitecta Angela Mingas e E. Freire, em que este ultimo, que foi um dos dinamizadores do ICOMOS (Comité Internacional de Monumentos e Sítios), com Samuel Aço e outros entusiastas, tentaram que algum património histórico, arquitectónico e paisagístico permanecesse incólume e disponibilizado para que todos pudessem dar futuro a vários passados.

A realidade é que muito desse património foi edificado por famílias crioulas tradicionais de Luanda, onde avultavam os célebres sobrados, proprietários de que há uns tempos estiveram em destaque numa animada troca de pontos de vista com o engenheiro Aires Menezes Assis, neste jornal, e que a Republica implantada em Portugal tratou de menorizar e subalternizar em relação aos colonos, até os conseguir desalojar.

É confrangedor assistir-se ao assassínio da cidade, à sua identidade arquitectónica, e histórica, alinhando-se na construção de uns megatéreos, numa tentativa de imitar o Dubai, essa Disneylandia para adultos, onde os nossos empresários e alguns dirigentes vão buscar a inspiração.

Começamos angustiosamente, a pedir que o argumento inicial, “O desejo de Kianda”, romance de Pepetela de 1995, não aconteça na realidade, embora já haja um ou outro indício, que nos permita acreditar que o que foi ficcionado pode ser uma realidade pungente.

Como estamos em tempos de recordar, lembro-me de um certo pregão dos ardinas de Lisboa na década de 50 e 60, que perdurou anos, e que deixava em polvorosa os apaniguados e servidores do regime ditatorial de Salazar. Com o título dos jornais:”Lisboa, Capital, Republica, Popular”. Com o “Diário de Lisboa”,” Capital”, “Republica” e “Diário Popular”, tudo vespertinos, conseguiram dar um grito de resistência!

Esta foi a parte que nada tinha a ver com as histórias, mas precisava de adornar um título!

Fernando Pereira

3/10/2010

1 de outubro de 2010

"AVULSISES"/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 2-10-2010


Horácio Sá Viana Rebelo, foi governador-geral de Angola no período entre 1957 e 1960. Para além de ser um sportinguista dos quatro costados, e a quem se deve a edificação do complexo desportivo e sede do Sporting de Luanda junto ao estádio dos Coqueiros, a sua passagem pela colónia foi marcada por algum crescimento económico, face à excelente cotação do café no mercado internacional na primeira metade da década de 50.


Por falar em Sporting de Luanda, não posso deixar de trazer à lembrança uma frase emblemática do Luis Vaz, presidente vários mandatos, numa entrevista ao semanário Notícia no início da década de 70: “ A minha relação com o Benfica é esta: A única coisa que eu tenho vermelha em casa é o tapete, onde esfrego os pés e entro com os sapatos limpos em casa”. Luis “Verde”, como também era conhecido, quando se referia a alguém do Benfica dizia que “só conseguia usar uma linguagem: a tiro!”. Esta frase testemunhei-a eu, quando ele discutia com prosélito sportinguismo um Sporting-Benfica, que tinha estado a comentar durante horas com os decibéis desregulados, após ouvir entusiasmado o relato na Emissora Nacional portuguesa em onda curta.

Voltando a Sá Viana Rebelo, havia uma história em Angola, que sugestionava que a pousada de Kalandula, ao tempo Duque de Bragança, teria sido feita para servir o casamento de sua filha. O local era paradisíaco, mas a realidade é que a pousada nunca conseguiu qualquer viabilidade económica, para além de uma progressiva degradação, e já só abriu com alguma regularidade no toque a finados da presença colonial portuguesa em Angola.

Visitei-a, miúdo nos anos sessenta, quando o asfalto era só até ao Lombe, lembro-me de a ver fechada, com vidros estilhaçados, e com o equipamento cheio de ferrugem, assim como os elevadores completamente deteriorados.

A pousada foi feita a meio da encosta, onde se avistava toda a monumentalidade das quedas, mas também levava com a “espuma” provocada pelas águas revoltas do Lucala, e que assim levou ao deteriorar rápido de uma estrutura, que nasceu debaixo de fortes suspeitas quanto à sua real utilidade e necessidade. Citando o angolano Fausto Bordalo Dias numa das suas canções: “Atrás de tempos vem tempos e outros tempos hão-de vir”!

Mudando de assunto, na busca de algumas histórias da história algo rocambolesca que foi a construção do Caminho de Ferro do Ambaca, e que depois das vicissitudes da sua falência, se transformou no Caminho de Ferro de Angola, vai de Luanda a Malange, ficando para ser continuada até ao Luau, depois de ter sido alterado o plano inicial, que previa ir do Lucala à então Leopoldeville (Kinshassa), descobri que Bento Gonçalves (1902-1942), primeiro secretário-geral do Partido Comunista Português foi trabalhador das oficinas do CFA.

Efectivamente, na busca de melhores oportunidades resolveu deixar o Alfeite (ao tempo Arsenal da Marinha em Lisboa), onde trabalhava e entre 1924 e 1926, tendo sido um propulsor de um movimento sindical com alguma importância ao nível dos Caminhos de Ferro de Angola, o que o levou a “ser convidado a regressar a Portugal”.

Preso em 1936, faleceu no Tarrafal, Cabo Verde em 1942 com a biliose, e ainda hoje é uma referência para os comunistas portugueses, pelo estoicismo com que enfrentou a doença na dureza das condições do campo, como documentaram para memória futura alguns colegas seus de cativeiro.

Sem pretender ser pérfido, sobre os novos olhares sobre o Tarrafal, no politicamente correcto branquear da história, o que se pode dizer é que Bento Gonçalves “morreu na praia”!

Acho que a estultícia, para ter alguma verosimilhança, e ser levada a sério também terá os seus limites, e certa gente merece respeito, pelo empenho que demonstraram na luta, mesmo que as diferenças ideológicas existam!



Fernando Pereira

28/09/2010
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