30 de abril de 2015

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"Está bem, sou velho, mas a minha imaturidade faz de mim um jovem".(Woody Allen)
Quarenta anos depois da independência do País, é tempo mais que suficiente para começarmos a desmistificar alguns acontecimentos dos tempos da “luta de libertação”, e do percurso da maioria de muitos dos protagonistas.
Não nos limitemos aos períodos conturbados dos anos sessenta e início dos anos setenta, mas também aos tempos do dealbar da independência.
Temos que acabar com o velho preceito estalinista de reescrever a história recente em função de que tipo de mensagem é adequado às circunstâncias políticas presentes. Isso é um processo sórdido e devemos exigir que não o seja feito, para que no futuro não se ande a construir uma história sem rigor científico. Despretende-se uma adaptação angolana de “O materialismo dialéctico e o materialismo histórico”, uma obra menor de qualquer marxismo de pacotilha.
Há um crescente número de factos empolados que nada tem a ver com tudo o que se passou, nem tampouco se revê nos intervenientes diretos, e o que vamos assistindo é a diabolização de uns quantos para a sacralização de outros, perfeitamente dispensável quando cada vez mais se exige lucidez e objetividade no conhecimento da história e verdade no protagonismo de certa gente.
As histórias têm que passar a fluir e não ficarem circunscritas às tertúlias, ou às almoçaradas de sábado em que por vezes chegamos à triste conclusão que “nada foi como nos contaram”.
Do maquis há milhentas histórias que só se contam em surdina, e algumas delas acabam por revelar que num passado distante houve histórias pouco dignificantes, que se repetem atualmente no quotidiano do País.
A título de exemplo, esta que me foi contada por um ex-guerrilheiro já falecido com protagonistas que naturalmente omito. Nos anos sessenta em Ponta Negra eram desembarcados fardamentos e botas para equipar os guerrilheiros do MPLA; Ficaram conhecidas pelas botas de borracha “saltitona” , já que entre o armazém de carga e o local de descarga em Dolisie muitos pares de botas desapareciam, encontrando-as à venda nos mercados da RPC e até no então Zaire. A verdade é que havia um esquema, montado com muita perícia por parte de alguns “maquisards”, muito rendoso e com cobertura superior, que aceitava justificações pueris que “as botas deviam-se ter perdido por causa dos inúmeros buracos na estrada do percurso” .
O ridículo sistema de entrega de armas e munições no leste de Angola aos guerrilheiros assume contornos de anedotário. As armas eram entregues a um grupo de combatentes, mas as munições para as armas só podiam ser levantadas noutro local, por vezes distante quase oitenta quilómetros. Obrigava o grupo, embora pequeno, a ter que se deslocar a pé, com o armamento, mal alimentado e acossado pelas tropas coloniais para irem buscar algo que era indispensável para a sua sobrevivência. Acontecia muitas vezes chegarem ao local e já não haver balas ou para cumulo as armas não estarem em condições quando tentavam testá-las. E a arma mesmo danificada tinha que ser devolvida no local onde lhe tinha sido entregue. Enfim!
Cada protagonista devia deixar as memórias, as boas e as más para que o futuro possa aquilatar com precisão, quanto foi o sacrifício de muitos a quem os angolanos agradecem e os oportunistas que devemos colocar no seu devido lugar: O “caixote do lixo” da história!
Vem a talhe de foice este artigo no dia em que sai em Lisboa mais um livro do Adolfo Maria, um octogenário que se mantém fiel aos princípios da angolanidade, empenhado como há sessenta anos, quando resolveu sem hesitações abandonar o conforto da sua situação de branco privilegiado num sistema colonial, para se embrenhar na luta com a sua companheira Helena Maria, uma portuguesa de Chaves que abraçou a opção do seu marido com grande perseverança e militância.
Adolfo Maria, no livro “ Angola Contributos À Reflexão” presta uma homenagem a muitos que com ele trilharam um percurso de luta pela independência de Angola, e que foram muitas vezes vítimas do oportunismo e cobardia soez por parte de uns quantos, que só punham os pés quando sentiam que as pedras colocadas por outros estavam em condições de ultrapassar um rio.
Este livro é mais um contributo para a história do País e Adolfo Maria não escolheu as palavras, nem adequou datas e acontecimentos ao circunstancialismo da “estória de Angola”.
Era desejável que este deixasse de ser um dos poucos exemplos de quem vai deixar memórias, e nesta fase era de todo desejável que os “mais velhos” escrevessem e que alguns arquivos reaparecessem, para acabar com “mujimbos” sobre posicionamentos políticos dúbios em determinadas circunstancias num longo processo de luta armada de libertação nacional.
Recomendo a leitura deste livro editado pela Colibri, para que se vá alicerçando a discussão no futuro sobre um passado que as gerações mais novas têm que se dar conta que existiu mesmo e não foi nada brando!

Fernando Pereira
28/4/2015
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