23 de maio de 2008

TODO O PODER ABUSA, O PODER ABSOLUTO ABUSA ABSOLUTAMENTE/ Ágora/ Novo Jornal/Maio1968 (II)



1968 foi um ano em que as coisas foram acontecendo um pouco por todas as latitudes, e a mudança foi sendo sentida nalguns lugares .
Milão, Dakar, Tóquio, Nova York e tantas cidades pelo mundo inteiro viram os estudantes ocupar escolas, barricarem-se nas ruas, manifestarem-se e desafiarem os poderes instituídos e as suas forças da ordem. Era um afã de liberdade, e de afirmação do querer valores novos, contra a ancilosada sociedade que os impedia de participarem num mundo, onde se recusavam a ser apenas observadores passivos.
No México, onde se realizaram os mais polémicos Jogos Olímpicos da história, precisamente em 1968, os estudantes tiveram por parte da polícia o mesmo tratamento desbragado que os seus colegas de Cracóvia e São Paulo.
A contestação generalizou-se, e ainda hoje subsistem interrogações à forma como tudo se iniciou, já que tudo foi irrompendo um pouco de forma espontânea, e de certa forma algo desorganizada segundo o que era padronizado pelas organizações políticas.
Os estudantes, na sua esmagadora maioria filhos da burguesia, numa antecâmara para o mundo do trabalho, foram os “catalisadores” de uma irrupção que nenhum manual político de Marx, Lenine, Gramsci, Togliatti, Max Weber, Bernestein, e tantos outros se atreveram a prognosticar. Emerge em todo este movimento o filósofo alemão Herbert Marcuse, um seguidor de Feud, com algumas ligações a Heidegger e Husserl, e que defende o primado de uma sociedade não repressiva, fundada sobre o princípio do prazer.
O existencialismo( Sartre aparece numa foto sentado num bidon, numa barricada no Quartier Latin) é uma corrente do pensamento muito acolhida pelos estudantes. A penetração do trotsquismo numa determinada fase das movimentações, com a participação já de multidões de trabalhadores, começam a preocupar alguns partidos mais à esquerda no espectro político francês institucional, nomeadamente o PCF, e o seu secretário geral Duclos, que assume uma posição algo dúbia o que enfurece o radicalismo dos estudantes. Era frequente ver-se Alain Krivine, o homem da 4ª Internacional (trotsquista) nas “sessões contínuas “ de discussão na Sorbonne, universidade que foi o centro nevrálgico de todos essa primavera onde tudo se discutia e onde tudo tinha de ser possível, até mesmo dar importâncias a frases tão simples como esta: “Tenho algo a dizer, mas não sei o quê”!
Ainda sobre Sartre, é curioso recordar uma cena que demonstra cabalmente o que foram aqueles tempos, em que ele pede para falar num plenário e uma rapariga de vinte anos diz-lhe: “Sê rápido”!
O Maio de 1968, para além das vicissitudes que hoje são recordações distantes, foi um factor de ruptura determinante, uma recusa de valores encardidos, e a assunção de uma nova forma de pensar e agir, mormente ao nível dos costumes, e na busca de valores diferentes que o código moral da tradição judaico-cristã impunha nas relações pessoais, de trabalho, sociais, políticas e de cidadania. Foi a rotura com um contemporâneo “Ancien Régime”.
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