7 de fevereiro de 2006

Os da Cidade e do Mato



(Este tema já foi iniciado noutro local, mas achei que seria um excelente tema para uma polémicazinha em tempo de funjadas)

Este tema vai ser algo polémico, pelo que peço que qd escreverem algo o façam com o mesmo cuidado com que se aquece as cordas do violino (sabem que o violino é um instrumento algo esquisito pq embora dê um som lindíssimo esse som esse que é resultado do toque de corda de pele de porco em corda de pele de gato).Tenho observado atentamente, claro sem as necessárias premissas que um sociólogo poderia agarrar, que de facto há aqui dois sub-produtos do sistema colonial em confronto.Vamos ver se me faço entender....Dum lado os urbanos, onde me incluo, os que práticamente fizeram a sua vida na capital, Luanda, que tinha algumas ilhas de alguma efervescencia cultural e política.Do outro lado tudo o resto...que era muito bonito mas que não se andava cem metros para cada lado onde não houvesse uma referencia de mato.Claro que de certa forma isto envolve e desenvolve ou não as pessoas. Se repararmos em Luanda chegavam aviões (poucos, de lugares onde a democracia já se tinha instalado nos hábitos), mas chegavam....Chegavam barcos de passageiros, nas cidades do mato chegavam por exemplo cargueiros e nalguns mesmo só barcos de pesca.Em Luanda havia vários cinemas todos os dias para além de cineclubes universitários, bem e por aí fora....Creio que percebem onde quero chegar.O que de certa forma acontece aqui no site é esse confronto de vivencias, e de facto por vezes os antagonismos reflectem um acesso diferente a certas coisas.Ser da cidade não é um estatuto, mas de facto dá-lhe maior largueza de vistas, e isso é patente quase 28 anos depois aqui nas nossas reflexões.Eu não devia ser a pessoa que abria este debate, mas como tanta vez o apanhei em chats trago-o para aqui tendo uma certa humildade em estar disponível para discutir estes considerandos. Vou pois despir um pouco a minha fatiota de urbano e abrir este forum a todos, os moderados e imoderados da cidade grande e do campo....Um abração e... ponto crucial
Fernando Pereira

Pergunto aos meus amigos do Namibe...que gostariam que eu fosse do mato, e só por isso vi com alguma ironia as suas intervenções,que faziam nos V. entediantes tempos de vivencia numa cidade do mato como essa???Tinham livraria??Ouviam rádio, para além do rádio-mokas onde passava a Maria de Fátima Bravo,o Max, ou o Autocarro do Amor??Viam filmes a cores???Já tinham ouvido a palavra yogurth??Souberam quem em 1969 o homem pisou pela 1ª vez o solo lunar??'É óbvio que tb não se podia exijir que conhecessem a palavra Liberdade!! Era assim o mato...mas podia ir muito mais longe..mas para já fico-me por aqui....
Fernando Pereira


Por acaso eu sou mesmo um preveligeado...Era uma pessoa bem formada na cidade,continuo a ser um bem formado,e de vez em qd ia ao mato...Para mim, Viana e Cacuaco era o princípio do mato..Daí para a frente podiam variar as paisagens,variarem as cores das igrejas, a mentalidade era quase a mesma...Eu não pretendo dizer que a mentalidade da cidade era melhor, até pq me deixaria à partida de ter algum avanço em termos argumentativos.O mato era o sítio bonito, dos passarinhos das zaragataias, dos rios,etc..., como todos vcs uns melhor outros pior ilustram.Não é isso que foi o mote da conversa....O mote da conversa tinha a ver com o que as pessoas eram no mato, e aí óbviamente estou a colocar mesmo as capitais de provincia e a cidade, Luanda aliás a unica que podia ter esse estatuto.Admito que no mato as coisas andassem devagar,que o próprio sentido do tempo nada tinha ver com o tempo da cidade.Eu vivi essas realidades com um olhar atento, e atenção não há nenhuma capital de provincia de Angola que eu não conheça.Tb não quero chegar ao ponto de ir à Ganda e pedir um exemplar do New York Times do dia anterior...aliás nas cidades, ou candidatas a cidadezinhas do mato nem havia quiosques, e o jornal feito em Luanda chegava com uma semana de atraso.Ng me estava a ver ir ao centro do Lubango e querer comprar um Beetoven da Deutch Gramophone..mas de certeza que compraria um disco do Teixeirinha ou do Oscar Acursio...Eu sei que foi no mato que li "seis balas", levadas para lá pela Cilinha Supico Pinto.Foi no mato que vi pela primeira vez o decote da Sarita Montiel num padieiro que alguns chamavam Centro Recreativo e cultural.ERa no mato que comia pão com Vaqueiro (das latas grandes) qd eu vinha da cidade habituado a manteiga...essas sim descoberta com a Liberdade num excelente filme em que Marlon Brando, fazia um excelente papel.Desconfio por exemplo que qd se estreou o "Ultimo Tango em Paris" em Luanda , Huambo estaria a estrear o Mário Moreno, ou algum filme da Marisol.Admito que em Salazar a leitura recorrente ao tempo em que eu já lia Camus, fosse a Condessa de Segur ou as meninas do 4º andar da Odette de Saint Maurice.Confesso que percebo isso tudo.Se para o individuo de Luanda o Rio de Janeiro, Nova York eram ao dobrar da esquina, admito que nalguns postos no mato Nova York ainda se chamava New Amesterdam...Bem...isto vai longo, mas vou-vos contar uma história passada com Óscar Monteiro, ao tempo estudante em Coimbra, donde bazou para integrar a luta armada da Frelimo...Foi posteriormente ministro da Justiça de Moçambique.O Óscar era descendente de indianos, o que não abundava por Portugal, mormente numa cidade do mato como Coimbra...Ele estava no Tropical,café que tb frequentei noutros tempos, e o café tinha um engraxador,e o Carlos, assim se chamava este engraxador, olhava,remirava e a certa altura encheu-se de coragem...e perguntou ao Oscar...Vc é não é de cá?? O Oscar estava a ler o jornal e disse-lhe que não.Ele continuou, vc é de muito longe?? E o Oscar disse, sou ...Mas de onde???O Oscar disse-lhe da India...o Carlos dá um pulo e diz possa...ainda é mais longe que Celorico??? Esta história revela os limites...e no caso dos da cidade e do mato lembro-me a alegoria da caverna do Platão, que oportunamente esclarecerei para os menos dextros nestas lides da filosofia. Por exemplo qual era o limite de um tipo de Camabatela...era o Negage, e NY era o Uíge e Paris Salazar. Para alguem da Gabela o limite era Novo redondo ou Porto Amboim...fora daquilo eram do tipo "Sexta feira" do Robison Crusoé do Danielle Defoe.Para alguem de Caconda, Benguela ou o Lubango eram o mundo todo,para os do Lubango e Namibe, eram quase como que só existisse aquela estrada e aquela linha de Caminho de Ferro...o mundo era aquilo para os seus habitantes, por isso....
Um abraço
Fernando Pereira


Continuo com a convicção que afinal de certa forma Luanda,era uma ilha no panorama social e laboral da colónia. Enquanto em Luanda se vendiam electrodomésticos do tipo máquina de lavar louça, não sei se os do mato alguma vez tinham ouvido falar nisso, no mato era o cheiro e o negrume dos frigoríficos a petróleo, o cheiro característico na maior parte das vilas e algumas cidadezecas do interior.Há coisas que de facto no meu imaginário me surpreendem...Certa vez, numa das minhas viagens quase sabáticas ao mato o meu pai resolveu pedir ao barbeiro do Songo que me cortasse o cabelo...Até aqui, mais ou menos igual pois tinha tesoura e navalha, mas o que me surpreendeu foi que o espelho que tinha era um daqueles espelhos com um jogo com uma bolinha na parte de traz, e só o utilizou, pq ironia das ironias, eu pedi para ver como ficava, chegando à conclusão que ng no mato se gostava de ver ao espelho...Convém acrescentar que saí do barbeiro com mais cabelo nos sapatos do que qd entrei tinha na cabeça, para além de uns arranhões na nuca que me fizeram saltar qd ele resolveu pôr alcool etílico nas quase feridas...Claro que já nem quero entrar em pormenores sobre a lugubridade do local, nem da bata que me cobria, que estava esticada por ter tanto sarro...bem nisso o ambiente era perfeito..sabão era coisa que havia muito não entrava naquele "salão de beleza".Se isto acontecia com os homens, so mais tarde me apercebi pq é que o Comendador Roque ganhou riosde dinheiro, antes da golpaça dos colégios a vender perucas pelo País todo;Pelo menos essas perucas tinham uma vantagem...A caspa e a oleosidade ficavam escondidas, não tanto certos cheiros, que de certa forma se mantem com alguma intensidade nos casamentos no Verão em Portugal, por causa dos vestidos de licra de bastante mau gosto.Bem, o mato tinha coisas pandegas.Uma vez tive de ficar no Hotel do Dondo, já nem me lembro porque motivo, e percebi, pela primeira vez na vida que eu e os mosquitos de certa forma conviviamos bastante bem...Eu consegui adormecer de tão cansado estar de os tentar matar e eles tb não podiam desaparecer pq as janelas tinham mosquiteiros...é incrível..descobri que no mato ..os mosquiteiros de janela eram para impedir a fuga dos mosquitos, já que qd entrei no quarto, eles eram aos milhares, e qd saí na manhã seguinte com bastantes ferroadas eles lá estavam a ser perservados para o próximo hóspede....Voltarei ao tema

Curiosamente eu como era um preveligeado antes da descolonização,optando depois dessa de passar a ser um entre iguais em Angola, quero dizer-vos que conheci a cidade e o mato antes e depois do Novembro da nossa alegria.Pode ser que vos ilustre com fotos, onde estou essa minha passagem pelos sítios que alguns dizem que só lá estive depois.(Importa contudo fazer uma rectificação ao que acabei de dizer:Na Ganda,Cubal,Alto Catumbela, Cabinda , Menongue, Luena e Onjiva,só estive de facto depois da independencia.Tudo o resto fui andando por lá...).Eu digo seria estulto responder, não por sobranceria, até sou algo modesto,às vezes modesto demais perante tanta sabedoria...(como diz a musica ... "a quem é que ela aproveita"). Tb não quero fazer dos do mato em Angola, a figura muito bem conseguida da Maximiana do Herman José, numa adaptação de luso-tropicalismo. Quero é fazer perceber que de facto o viver no mato, e defini bem esse território, era um pouco uma vida de algum desconforto intelectual e de condições de vida, que não havendo uma forte motivação, acabava por ser redutora.Já terei percebido que entre entre a ravinagem (propositadamente substituí o P,pelo V)da Tundavala.(tenho fotos a cores da minha pasagem por lá antes da independencia, dos tempos em que os do mato ainda não tinham passado do preto e branco)e a aridez de certas mentes que se perpetuam nas paisagens desérticas de outras eras, há muito pouca diferença. De certa forma começo a perceber pq é que Luanda estava cercada por uma protecção de arame farpado...Havia de facto alguma mentalidade que deveria ser controlada à entrada, e só algum laxismo das autoridades coloniais impedia ao tempo um maior controlo...Li não sei a quem que havia livrarias e cinemas por toda a Angola...Talvez por muitos sítios serem tão grandes,não me tenha apercebido disso, mas ainda bem que em Maquela do Zombo ou no Hama se podia comprar as "teses de Feurbach"de Marx, ou o "Escuta Zé Ninguém" do Reich...(acho que neste caso e não querendo ser indelicado só mesmo o Reich que me partisse, como alguns estão a pensar).Não sabia que no Chinguar se podia comprar na discoteca musica Celta, ou alguns títulos "Du chant du monde".Estou mesmo convencisdo que Dali, Picasso e alguns contemporaneos tem como um hiato nas suas carreiras de exposições, não conseguirem expor na Matala ou no Kuito-Kanavale; Descxulpem-me se sou ousado??? O Guggenheim não esteve sem saber se iria abrir museu em Bilbao ou Calomboloca...Talvez por causa de Abril tenha optado por Bilbau.Claro está que para além disso tudo afinal havia nos do mato quem comese manteiga, o que quer dizer que havia uma sectorização da população da mata...Os que comiam Vaqueiro em lata e os que comiam manteiga..Isto de facto começa a complicar o meu raciocínio...Por favor...No mato, e isto assisti, pedi para ir à casa de banho....indicaram-me a porta dos fundos e lá estava um caixote com um buraco ,numa casita de madeira onde podíamos fazer qualquer coisa...Mas mesmo esse caixote era um luxo, e tb um lixo, pq normalmente a casa de banho era a roda de alguma camioneta à porta...(Samba Caju-1973) Eu estava afilito pq tinha estado na fila dos bilhetes, já que o cine-clube de Sanba Caju ia projector um filme do Bunuel, se não me engano "O charme discreto da burguesia".Acho que era ante-estreia...só Samba Caju, Londres, Nova York, Paris e Los Angeles viram o filme pela primeira vez...
Voltarei ao tema
Fernando Pereira

De facto as brincadeiras do mato era uma versão angolana dos 5 da Enid Blyton...com alguma mistura de Manuel Barão da Cunha no argumento e António Lopes Ribeiro na realização.Eu sei que a mata eram odores, sabores, mas de facto tb muitas dores.Sei que de vez em qd comia-se à pala no mato,melhor davam refeição de borla aos da cidade;Isso não tem nada de extraordinário, e só vos ficava bem...Na Antiga Grécia aos pensadores e filósofos os senhores da democracia escravista ateniense davam de comer a todos eles só pelo prazer de os ouvirem dissertar sobre o pensamento.Naturalmente tantos milénios depois admito, que os do mato servissem de borla os inteligentes da cidade..Mas o que de certa forma me confrange é que nem mesmo na cidade grande havia assim uma enormidade de inteligentes que quisessem ir comer ao matro, mesmo à borla.Bem...eu só queria demonstrar que de facto a malta da cidade era bem mais determinada.Vejam por exemplo o caso do Augustos (que era alfaiate em Luanda) virou de alfaiate de homem e mulher a estilista, por causa da descolonização...Se fosse um alfaiate do mato ia parar aí a uma terra da treta a fazer fatos, que de certa forma alguns pouco se distinguem de fazedores de coletes de Penafiel....Por exemplo podem-me dizer onde havia uma óptica fora de Luanda??'Não havia, em lado algum mas tb para as contas do mato os óculos eram dispensáveis...Mas faço-vos um pequeno favor, malta do mato...Em Luanda tb havia muita gente que devia ter óculos de cabedal,pq viam só o que tinham na frente..o que é diferente de ver em frente.Qd alguem chegava do mato a Luanda tinha a preocupação de ir encher o camião aos armazens de lojas do Mato, e depois se sobrava algum ei-los a caminho do Tamar, Marialvas, D.Quixote, Embaixador ou Choupal onde bebiam wiskye marado, e iam dizer para o mato que havia bebida boa em Luanda, omitindo as lucubrações eróticas que lhes iam no pensamento, já que as moças disponíveis queriam malta com Lavanda da "ach Brito" ou Bien Etre...e não o odioso cheiro a sabão azul,tão pouco adaptável aos banhos de neon que tomavam....Iam com a carteirita leve é certo, mas contentes porque julgavam ter visto o filme todo e no caso não se lhes era dado mais que o Making Off.No mato as noites eram de tédio,e de ruidos estranhos de animalescos, que nós os da cidade conhecíamos de alguns livros que havia nas livrarias...Numa das muitas viagens que fiz ao mato, parei certa vez no Dange-Ya-Menha,no Marques,ali entre o Dondo e Salazar...Ele costumava servir um arroz de cabidela de galo capão que era uma delícia, para quem lá ia...A comida não era má, o aborrecido era tirar dos sapatos e das meias os canudos das penas dos galos que se espalhavam no chão da sala de jantar misturado com o cheiro do petróleo da geleira e com o vinho...Aquilo tudo era quase nauseabundo,e consegui saber que tinham comido há pouco tempo umas pessoas pois no garfo tinham ficado depois de lavar uns grãos de arroz, que não me pareceram muito rijos...O dono sentou-se à mesa conosco com uma camisola de cavas, vulgo vcamisola interior, que nunca na vida tinha visto água ou sabão por perrto...Não fosse a descolonização e aquela camisola interior podia bem passar por equipamento da académica, pois tornar-se-ia preta até lá...Naquele tempo dava ares de ter sido comprada branca...Talvez tivesse sido por causa dessa mutação sebenta (não tem a ver com as por onde alguns estudámos)que o Michael Jackson, quiz deixar de ser preto, o que só vem provar que há pouca diferença entre Hollyood e Dange-ya-Menha....Tb eu penso que deveria ter havido por lá mesmo um festival de cinema...talvez temático, tendo em conta o sarro da camisola interior do Marques do óleo de palma, como era conhecido pelos distintos que o procuravam...
Voltarei ao tema

Na Canjala, entre Novo Redondo e o Lobito havia uma tasca qualquer que se chamava "Cantinho da Saudade".Qd lá passei estavam lá dois velhotes, (que certamente num restaurante chines estariam misturados com rebentos de soja e no menu, uma coisa do tipo...sapatos de defunto) e o meu pai perguntou-lhes se havia comida???Eles disseram que sim, acho que nesses dias essses enfezados velhotes iam comer, e levaram-nos para uma sala de jantar cheia de quadros com o Coração de Jesus na parede e um emblema enorme do Benfica cheio de cetim (não sei se em fio) já carcomido à emoldurá-lo. A sala de almoço, pq acho que quem lá almoçasse uma vez não jantava lá de novo tal a sordidez e o cheiro a bafio de um interior pouco limpo,tinha umas mesas corridas e uns bancos do tipo bancos de suplentes de campos de futebol ordinários.O almoço era churrasco com batata doce frita, e ela lá atirou com a travessa para cima da mesa e colocou dois pratos...Eu que sou filho das boas maneiras pedi um garfo...possa estava a ver que dava um ataque de apoplexia à velha..."churrasco come-se à mão", dizia a velha, e eu timidamente e com a imagem da Maga Patológica alternada com as bruxas de Goya na retina, ia-lhe dizendo timidamente, que "estava habituado a comer de faca e garfo"...aí acho que ia dando um AVC á velha..".churrasco à mão???j"á berrava ela com as órbitas saídas e eu a antever que mais ano menos ano ela precisaria de ser operada às cataratas...Bem...depois de uma luta desigual lá consegui fazer uma pinça com os dedos e tentar comer à mato...Só porque a fome era muita , quebrei uma tradição que estava desabituado já...Como já nessa altura estava a estudar em Portugal, à conta do que não vem ao caso, resolvi pedir para beber uma Bussaco, e aí o velho põe as mãos algo enegrecidas pelo carvão do churrasco em cima da mesa...Julgo que foi mesmo pq pegou nas patas do churrasco, pois o cozinheiro é que o preparava ,e olha-me com uns olhos e se não fosse o meu pai vir minha defesa e dizer que queria uma Coca-Cola, acho que tb dava uma paragem respiratória ao velhote...Mas ele prestável trouxe um copo empestável, que obrigou a por os meus maculados lábios de pessoa de bons costumes da cidade num gargalo, donde tive de tirar alguns pequenos objectos....Pagámos e gostei de ver a Canjala pelo retrovisor...Histórias do mato...na Angola colonial...Canjala 1973....No fim desta descrição ainda vai haver quem se atreva a dizer que o idiota desta película era eu....Ah...acabei por lavar as mãos no jeep do meu pai e urinar 5km à frente pois a casa de banho parecia a verdadeira nitreira, com um cheiro, que quase me obrigava a expelir o frango , algo queimado....ms era o que havia no mato!!
Um abraço
Fernando Pereira

A Cantina do Clo-Clo


QUALQUER SEMELHANÇA COM A REALIDADE É PURA COINCIDENCIA.Com uma mal amanhada de cartão, presa por cordeis que em tempos talvez fossem brancos, desce da escada de terceira classe do navio com um ar indisfarçável de enjoado e com uma tez de leite magro. Traz consigo as desventuras da santa terrinha, e do trabalhar sol a sol nas terras ou o guardar cabras nas cercanias de uma qualquer serra de uma metrópole, triste e governada por um rato de sacristia, benzida por um rato mais gordo cheio de purpura e sentado num cadeirão de pau de cerejeira, e ainda protegido por uma polícia política que salvaguarda os interesses de uma corrupta burguesia parasitária e uns agrários que se atolam em longas caçadas de pedizes e coelhos bravos em propriedades onde a fome dos trabalhadores abunda e onde o absentismo dos donos é visível. Este rapaz que nesta história passa a ser MA, traz umas calças já com alguns remendos disfarçados, um par de sapatos em que uma das solas abre já descaradamente a bocarra, e uma camisa branca, que era utilizada aos domingos na hora da santa missinha. Com o corpo empapado de suor divisa-se uma medalha ao peito, que pelos antecedentes do próprio deve ser alguma nossa senhora desgraça.Ele olha desconfiado para todo o lado até que é divisado pelo tio que assinou a carta de chamada, um tipo com uma proeminente barriga, com pelos a sairem das narinas e das orelhas e liquen no pescoço, que tb suava por todos os poros, melhor suava pelos poros que não estivessem entupidos de sujidade.Alarvemente abraçou o sobrinho e logo disse: " Dá aí a mala ao preto, olha que isto não é lá como na metrópole, eles que carreguem, que é para isso que são feitos".Entram numa carrinha, depois de deixarem o tal preto a olhar para uma moeda de valor facial muito baixo, para a carga e a distancia percorrida.A cidade abre-se aos encantos do MA, enquanto o tio, vai dizendo as virtudes da terra que acabou de pisar. Frases do tipo "Isto é que é terra", "aqui ganha-se dinheiro","Aqui temos a pretalhada a trabalhar para nós","Os mamões de Lisboa é que nos lixam", "Ficas já a aprender uma coisa, nunca te vergues aos pretos, senão saltam-te logo em cima", "Para eles é pau e pão"," Já viste o que os brancos fizeram nesta terra de selvagens???", e frases mais ou menos do mesmo teor.Foram almoçar a um bar onde o nosso ainda combalido MA, com a cabeça a tentar acompanhar a verborreia do tio, pediu uma cerveja, que bebeu com alguma parcimónia, enquanto o acompanhante bebia quatro de uma assentada.Comeram um frango de churrasco,e já mais desinibido o nosso MA acedeu a beber mais umas cervejas, óbviamente muito menos que o tio que era tão desenvolto a beber cerveja qto a ´falar a falar mal da "pretalhada". Pagou a refeição e e ei-los a caminho da mata, e do local onde o MA iria desenvolver a sua actividade comercial...Depois de muitos buracos, dois furos, e umas paragens circunstanciais em lugrubes cantinas do mato, uma delas para dormir numa cama onde os percevejos e os mosquitos, resolveram obrigar o recem-chegado à colónia a coçar-se ao ponto de ficar com o corpo com grandes zonas vermelhas...Comido o mata-bicho, que era um opíparo arroz de tomate a cheirar a bacalhau, umas bananas fritas e um café negro e grosso em que o açucar boiava ao cimo na chávena de esmalte.Eis que chegaram a um local onde havia tres casas de construção definitiva, e uma dezena de palhotas circundantes.Diz o tio numa frase quase lapidar de boçalidade "Meu rapaz, a partir de agora és tu que vais crescer...e nunca te esqueças roubar sempre, mas roubar só para ti e para o patrão...Enquanto fizeres isso, serás bem tratado e estimado, senão a porta da casa passa a ser a serventia da rua". Com a mão por cima do MA e exalando um odor irrespirável da sovacolandia, continuava "Em Portugal há brancos que parecem pretos, aqui os pretos nunca hão-de ser brancos, portanto nunca te esqueças do que te digo, não tenhas confiança nem pena deles senão comem-te vivo".Mostrou-lhe as instalações, que se reduziam a dois quartos com divãs de arame entrelaçado e colchões de desfolhada de milho, uma peniqueira,e um armário a cair aos bocados.Na sala comum, dois cadeirões com a napa a desfazer-se, pelo uso e tb pelo abuso de umas ratazanas, uma mesa grande,várias cadeiras, algumas com as pernas a virarem-se uma para cada lado, um armário com louça que acumulava poeira q.b., e um frigorífico a petróelo que exalava um cheiro pestilento, mas que não afastava as baratas que iam andando calmamente pelo chão pobremente cimentado da casa. O frigorífico tinha uma chave, e o tio sempre atento diz "Cuidado nunca te esqueças de fechar esta m e r da à chave pq os pretos são os maiores ladrões que há". Deslocam-se a uma cozinha toda ornada com fuligem nas paredes, e aí o tio diz-lhe: "Por uns tempos não necessitas de cozinheira, pq comes ali ao lado no restaurante do Taborda, mas vem aqui uma lavadeira para todo o serviço, e olha que é um miminho...( Os olhos do homem demonstrava que o seu libido estava no auge, pois exibia toda a dentadura amarelecida, perante o olhar incrédulo do MA)". "A Sabina tem as melhores tetas do Alto Dange, mas cuida-te com isso rapaz, é fazer o servicinho e andor, nada de cunfias nem paixões, que com estes tipos dá logo merda da grossa e depois só o caralho do chefe de posto é que te vale" ..."Bem agora vamos aqui que é a casa que nos faz felizes e que te pode fazer alguem na vida". Entraram num armazem grande....
"Isto não é o armazem, é a loja, o sacana do Claudio, que era o tipo que cá estava queria ser rico às minhas custas(propositado), mas aqui ao Ferreira ng o pode (com h)"Continuava o tio com o sorriso alarve e a passar um lenço pelo liquen, não só a passa-lo como a enegrece-lo.Abriu as trancas das portas com uma frase de enorme impacto: "Meu caro MA, aqui só estamos sempre a abrir as trancas, as da loja ao raiar do dia e as trancas da pretalhada à noite, mas tem tininho, que essas cabras lixam-te à primeira, fazes um filho e vem logo dizer que é teu depois de terem dormido com tudo que mexe branco num raio de 50km" E ri-se da forma alarve que começava a ser familiar a MA."Bem , vamos ao que interessa, mas depois de comermos ali no Taborda"Atravessaram uma estradeca e entraram no Hote-Restaurante-Bar Taborda. O próprio recebeu-os com um abraço e disse, bem vindo a "Novo Rio-Tinto", que pelos vistos era o nome da terra, ou daquele cu-de-judas. O Taborda era um tipo aí de 40 anos, de pele algo purulenta, um pouco atarracado, com a breguilha desabotoada e com uma camisa algo sebosa no colarinho.Tinha as pernas arqueadas e uma indisfarçável pronuncia nortenha, que misturada com o lingala dava uma sonoridade que fazia rir o menos conhecedor.Logo foi buscar a sua mulher, uma branca com características físicas a raiar o disforme, ou como se costuma dizer em Portugal, um autentico barril com pernas.MA olhava para aquele exemplar, com um bigode de fazer inveja a muito rapaz na idade da puberdade, e uns pelos nas pernas imedíveis, quase que davam para fazer tranças.Os seios caiam sobre uma zona que normalmente é conhecida como a zona do umbigo, e a cara fazia lembrar um clássico do cinema "O homem a quem chamaram cavalo".Desdentadamente sorria ao nosso MA e ia puxando as orelhas ao tio Ferreira pelos elogios que este lhe ia fazendo...Aqui cabe fazer um parentesses para de facto reabilitar o Ferreira, que conseguia fazer elogios a uma espécime irerrarável, como era o caso da mulher do Taborda. Neste quadro que nem a "Tragédia de Picasso" podia suplantar ainda havia dois tabordinhas, vestidos com uns calções e com uns macambira nos pés, e profusamente sujos, o que não destoava em nada com o aspecto geral do hotel e seus ilustres proprietários. MA numa escapadela da Tabordagem perguntou ao Ferreira onde o Taborda, embora mal parecido tinha ido encontrar aquele escamartilhão, ao que o Ferreira respondeu, ter sido por procuração, ficando MA na mesma porque a Tabordona já trazia uma perninha de veado com batata doce frita e umas cervejas de estalo...
Acabados de sair do almoço no Hotel Taborda, atravessa-se a estrada poeirenta onde um conjunto de pretitos brincavam com unas aros de barris; Quase nus, ei-los a parar para ver passar o novo homem branco da terra, com aquele ar franzino, mais branco que o Ferreira, que com um passo lesto e distraído ia falando apressadamente de tudo. Na casa ao lado, estava à porta da loja o Silva, o perigoso concorrente do Ferreira.O Silva era um familiar da mulher do Ferreira, que vivia no Cuangar, e que MA só veio a conhecer mais tarde.O Ferreira tinha-o trazido do Puto, e tinha sido ele o seu primeiro empregado. O Silva era um transmontano, com um ar algo tristonho, baixo e com uma cor algo esquisita. O Silva, tendo em conta que o Ferreira era muito sovina e pouco amigo de fazer contas direitas, levou a que o Silva se estabelecesse por conta própria. Casou com uma bela rapariga, uns 15 anos mais nova, que segundo ela dizia era costureira em Lisboa, mas tb segundo as más linguas ela era uma verdadeira máquina de costura para outras coisas, pois comentava-se à boca fechada e aberta tb que a moça era muito dada. O Ferreira apressou-se a apresentar o sobrinho ao Silva, assim como que a correr, e tb à Lice, a própria esposa do já citado Silva. Qd se dirigiram para a loja e perante o olhar estonteado do MA, o Ferreira, como adivinhando a catadupa de ideias que ia na cabeça do sobrinho, disse logo:" Não te metas com aquela gaja, esvazia os tomates na pretalhada, mas naquela não. Ela é uma meretriz( atenção, este termo é do narrador, para que não aparecessem asteriscos na palavra similar), uma tarada sexual, que se mete até com a criadagem. Por causa dessa vaca, até os fiscais cá vem molhar a caneta no tinteiro, portanto afasta-te daquilo. Sabes como é chamado o Silva por causa da mulher??? O Corno de África, enfim ele é um desgraçado e ela ainda o pôs mais desgraçado...É a mercadoria mais solicitada da loja". Depois deste conjunto de afirmações tão peremptórias por parte do Ferreira, que era de facto movimento a mais para a cabeça do MA, ainda um pouco nauseado dos balanços todos dos ultimos dias.Chegados á loja, onde já estava um preto aí dos seus 15 anitos, o Serrote,o Ferreira chamou o MA para um canto e disse-lhe: "Torno-te a avisar, estes tipos não são de cunfias, tens de andar de olho-vivo, porque ele é ladrão, está-lhes na massa do sangue !!!" .Começou a mostrar-lhe as coisas nas prateleiras, onde havia desde cordas, a cafeteiras, alguidares, tecidos de diversas cores, camisas variadas, calças, harmónicas de boca, umas latas de conserva, sabão azul, umas enxadas, uns martelos, umas caixas de pregos, uns candeeiros a petróleo, enfim uma panóplia de tralhas, que o Ferreira disse estarem todas discriminadas num livro, algo sebento que ele tinha na mão."Tu aqui apontas tudo o que vendes, e à medida que fores vendendo vais repondo a cangalhada"- Dizia o Ferreira a garatujar umas tretas com um lápis no tal caderno, que ao que MA percebeu, eram umas coisas que tinha trazido de Luanda, como o Lifebuoy, umas pastas Kolinos, e uns discos do Teixeirinha para o Taborda, entre várias coisas. Puxou pelo braço MA e disse-lhe no meio de um reservado cheio de pó e veneno para a rataria: "Sabes pq é que a cobra não é comerciante???" O olhar surpreendido do MA era o não estampado no seu rosto, pelo que continuou o Ferreira com o corta-palha amarelecido à mostra "Pq a cobra não tem orelha para pendurar o lápis, espero que tenhas percebido a lição". Já ia sendo noite, já se tinham ligado os petromaxes e lá partiram de novo para o Hotel Taborda, que hoje tinha algumas pessoas para jantar, nomeadamente camionistas, um vendedor de uma empresa da capital e dois topógrafos que andavam a fazer levantamento de terras por conta de uns colonos, que queriam iniciar-se na cultura do café. Nesse grupo, que falavam quase aos berros, estava tb um tipo alto, de óculos de massa, com barba e bigode, que segundo o Ferreira disse ser conhecido pelo "purgante", pois era nem mais nem menos que o funcionário das finanças e que era assim chamado porque "todos se cagavam qd ele chegava a qualquer lado". A Tabordona atirava com a panela para cima da mesa, e qd virava costas e longe do olhar do marido, ouviam-se os comentários tão abonatórios quanto a fealdade da mesma...No quarto MA completamente cansado de tanto evento, conseguiu adormecer serenamente, apesar de no quarto contíguo, o Ferreira num acelerar um ressonar que decerto se ouviria nas sanzalas circundantes...
Ao raiar já o Ferreira deambulava a caminho de uma casa de banho, equipada com uma retrete, um chuveiro com um balde de lata em cima, e um lavatório encardido com um espelho que já tinha conhecido melhores dias.O autoclismo era um balde cheio de água ao lado. O Ferreira sentou o seu robusto nadegueiro na retrete, e começou num exercício respiratório-gutural, num esforço quase inglório numa luta tenaz contra a prisão de ventre. Dispensando este espectáculo de disfunção fecal, MA, algo nauseado pelo espectáculo e tb pela proliferação de baratas que saiam do ralo da casa de banho resolveu ir à cozinha lavar-se, coisa que convenhamos tb não era um hábito, pois era comum as pessoas vindas do puto só tomarem banho com regularidade ao fim de determinado tempo ao sul do Equador. Mas como MA se lavava à gato tb não havia problemas de maior, e eis que chegado à cozinha, ainda com os olhos remelados, divisa a silhueta da Sabina, que segundo o Ferreira, era a "criada para todo o serviço". Sabina era uma moça aí de 16 anos, alta, com formas equilibradamente arredondadas, e com uma carapinha farta. MA, começou a sentir uma certa alteração no libido, e consequente aumento da proeminencia no baixo ventre. Ela sorriu ao ver o atrapalhado moço das berças, e diz-lhe um delicado "Bom dia Patrão", ao que ele balbucia uma resposta de "Bom Dia". Dirige-se com a lata de água para o quintal,onde vislumbra um macaco, de nome Pipi, que se ri desalmadamente, preso a uma corrente. Era o primeiro contacto de MA com a fauna africana, e olhou-o desconfiado. No quintal havia um galinheiro, onde havia bué de criação, desde galinhas,perus, patos, pavões e tb uns coelhos. Havia um pombal com uma quantidade enorme de pombos, que pelos vistos não tinham tantos problemas como o Ferreira, pois tudo à volta estava cagado, apesar do Serrote andar já com uma vassora a tentar dar um ar mais decente ao quintal. De resto viam-se tambores diversos e pipos de vinho, que se presumiam vazios. Havia tb alguns pneus velhos e uma ou outra peça já ferrugente de qualquer automóvel.Ao chamamento do Ferreira, voltou para dentro, enquanto se começava a dissipar o cacimbo, e a aparecer um sol forte. Qd entrou na cozinha viu o Ferreira a apalpar as nádegas de Sabina, e a dizer:"Está aqui um mata-bicho de rei, mas não te habitues pq qd eu for embora estas m er di ces acabam". De facto o mata-bicho era excelente, um arroz de borrachos, banana-pão assada, uma espiga de milho assada e um café com algumas borras.Cada vez que Sabina servia o Ferreira, ele tentava com a sua mão peluda acariciar-lhe o nadegueiro, o que provocava um tormento a MA que lutava para que um certo não circuncisado objecto não lhe arrancasse os botões da breguilha.Acabado a lauta refeição, eis que vão em direcção ao armazem não sem que o Ferreira tivesse dado um grosso arroto seguido de um impropério. Ao passar pela Sabina e vendo que MA mal tirara os olhos dela, o Ferreira alerta o sobrinho de novo para evitar "cunfia à negralhada", salientando contudo, "que servem bem para desmoer a tomatada, porque um homem não é de ferro e aqui neste c* de judas temos de nos entreter, mas com cuidado".Chegam à loja, e MA abre as portas para a estrada que não tem movimento por aí além a não ser meia duzia de pessoas que se precipitam para o interior da loja. O Ferreira em surdina diz, com um hálito fétido ao MA: "Olho vivo com esta pretalhada, mal te vires só não roubam se não puderem". Eram clientes normais da loja, com os filhotes às costas amarrados com panos muito garridos. Queriam comprar sabão, açucar e óleo de palma. O Ferreira que já os conhecia ia-lhes falando num linguajar esquisito que só a espaços MA conseguia apanhar uma palavra ou outra. Mostrava grande à vontade e ia dizendo a MA que fosse apontando num livro de clientes o que eles levavam, mas com o cuidado de não por as quantidades, já que isso, era "trabalho de fim de dia".MA ficou surpreso qd uma negra baixinha e com a cara com alguns cortes, pediu um certo pano de chita e MA pegou num pau e mediu, tendo deixado o verdadeiro metro, igual ao que se encontra em Paris no Instituto Internacional de Meterologia, debaixo do balcão. Qd saiu MA atreveu-se a perguntar ao tio pq tinha vendido o pano, medido por um metro de 60cm aproximadamente, e Ferreira algo fora de si diz-lhe..."Já não me bastava ser roubado pelos negros e pelos impostos ainda tinha que ter um ladrão em minha casa", agarrou-o pelos ombros e apesar do hálito, obrigou MA a olhar para ele; "Vais aprender uma coisa hoje. As medidas certas que aqui estão são para os fiscais do governo verem, embora o que eles queriam eram umas garrafitas de Scotch, mas tb não me apetece aturar pançudos. Aqui somos nós que definimos o metro, o litro e o Kg, e só temos de estar atentos à concorrencia pois o corno do Silva de vez em qd arranja um kg que nos pode (com H) e os cabrões dos pretos refilam logo por causa da quantidade, sabem lá eles o que é o metro ou o Kg, eles só servem mesmo é para trabalhar e mesmo assim só depois de levarem no lombo, por isso nunca te esqueças senão nunca passarás da cepa torta, e quem se lixa sou eu. Tu já imaginaste como é que eu, Ferreira dos Cordões, como era conhecido lá na nossa terra, conseguiu ter 6 casas comerciais neste fim de mundo e dar de comer a uma cambada de cab rões, mais ou menos a pensarem como tu, e que estão sentados em secretárias e com carros do governo a viverem à nossa custa!! Abre os olhos Manuel Afamado, e se queres ser um dos Cordões tens de vergar a mola e seres esperto, ENtendes???". Manuel A, olhava incredulo para um Ferreira que estava vermelho como a parte de dentro de uma melancia madura, e um remoinho de ideias iam-lhe trovando as palavras, conseguindo balbuciar um tremulo "Sim senhor, meu tio"...
O Ferreira afastou-se um pouco, e foi à geleira buscar duas cervejas, e disse ao Serrote que por ali andava, que fosse limpar o quintal e tratar de dar comida aos animais. Mandou sentar o MA numa mesa emporcalhada q.b., e com mais calma diz-lhe:" Caro sobrinho, tu és filho da minha irmã que resolveu casar com o bebedolas do teu pai, que é bom homem, mas sempre disse que nunca havia de ser ng na vida, e isso comprovou-se. Que é que vcs tem de vosso??? Tem fome e miséria, que foi o que o teu pai conseguiu dar a vcs todos. Eu tb já fui como tu, mas nunca ng me comeu as papas na cabeça, e não tive a sorte de ser chamado para Angola por um tio batido como a sola. Tive de me fazer, e meu rapaz aqui se quisermos ganhamos dinheiro que chega, mas temos de lutar, e muito!! Não bastam os negros para nos fornicarem, ainda temos de aturar uma cambada de bestas que só não nos sugam mais se não puderem. Um dia destes chega aqui o chefe de posto do Sogo e entra-te na loja a mostrar que é a autoridade, o que o cab..rão quer é umas massas e umas garrafitas por baixo da mesa, e depois aparece o secretário do Congua, que quer a mesma merda ou mesmo uns vestidos de Luanda para as grã-finas que trouxe do Puto, e que passa os dias a corneá-lo com tantos que por lá passam. O Administrador é mais fino, mas mama na mesma e não é nada pouco, ainda por cima o sacana mete-se na batota e depois aí paga o Ferreira a azelhice da besta no jogo das cartas.Bardame..er.da para isto, quem paga isto tudo é o Ferreira que dá o coiro!!! Achas pois que aqui quem é que é mais roubado??? Este que ves aqui à frente. Ves aquela roupa que ali está?? Aquilo é roupa boa, chama-se roupa de fardo e é enviada por igrejas dos ca..brões dos americanos, que recolhem esta por..ra para dar à pretalhada, dizendo que nós escravizamos estes selvagens de mer..da, e que não tem roupa!!! Claro que o FDP do chefe de posto que aqui estava, um indiano, mandou às malvas o Estado e resolveu ser intermediário destas porras...Está rico, pois paga a mer-dices humanitárias, meia duzia de tostões e vende-nos esta roupa, que até eu uso...Já viste que tecidos vendias à negralhada se eles dessem a roupa de borla??? Aqui tudo rouba, meu rapaz, e tu se fores esperto hás-de roubar tb, mas nunca roubes quem trabalha, roubas a negralhada que tb só tem de agradecer senão ainda andavam de tanga e a cobrirem-se como o gado". Acabado este discurso, o Ferreira voltou ao frigorífico e foi buscar uma garrafa de cerveja, que bebeu num trago, para no fim dar um valente arroto e um sonoro track que empestou tudo à volta e elevou a conversa dizendo: "Há tres dias que não consigo cagar decentemente, é a porra da comida da cidade, e estes peidoss sabem a ouro".MA voltou para os papeis, afinal não era nenhum analfabeto, tinha a terceira classe, e foi pondo em ordem a escrita. Entrou um negro, aparentando uns 30 anos e depois de cumprimentar o Ferreira, pediu petróleo; MA pegou na vasilha de meio litro, e encheu uma pequena garrafa, e entregou ao negro que pediu ao Ferreira para apontar até à colheita, ao que ele anuiu sem contudo deixar de comentar :" De vcs desconfio sempre,pq quando chegar a colheita dizem que não ganharam o suficiente e qualquer dia quem está a arder sou eu". O preto balbuciava umas palavras a dizer que o branco das fazendas pagava mal, que o trabalho era duro, mas que não dava para alimentar os filhos e pagar o alembamento das filhas, etc...ao que o Ferreira retorquiu: "Se vcs não fossem mandriões e bebados ganhavam para tudo, mas por hoje ficamos assim".Mal o negro saiu foi ao livro e logo pôs a data e um litro de petróleo na conta do negro, e mostrou a MA como se fazia, argumentando: "Isto é um risco, pq este FDP vai para a tonga e qd cá chegar já deve mais que qd foi, claro que nessa altura quem lhe trata do contrato sou eu e o chefe de posto, com palmatoada e uma ida até outras paragens, donde o dinheiro vem directo".."Bem está na hora de ir comer à Tabordona, e lá foram juntos, saudando o Silva, e tb a escultural Lice, que se insinuava para o MA, julgando o Ferreira que seria ele o destinatário, o que o obrigou a ir salivando a boca e dizer entre dentes..."Que grande trancada levavas, tu bem queres, mas o Ferreira é osso demais para ti".Entram no Taborda e logo à porta estavam os andrajosos Tabordinhas e na penumbra da sala a Tabordona que conseguia ser mais penumbrosa que a própria pernumbrice da sala...
A sala estava vazia, com um ar lúgubre, e o Ferreira pediu à Tabordona para o deixar ir à casa de banho. MA ficou na sala sozinho, e enquanto estava a pensar na sua vida, porque de facto até ao momento o seu tio ainda não tinha falado em honorários, e MA estava a necessitar de uns cobres para as primeiras impressões, e entretanto ia afagando os cem escudos da metrópole que a sua madrinha lhe tinha dado, na hora da despedida, com os devidos cuidados de nada dizer a seu marido, o conde de Albernaz, um verdadeiro homem do regime, comendador e zelador de bons costumes, participante em Espanha nos "célebres Viriatos", e que era detentor de muitas terras na zona de Foz Côa e Espada à Cinta, e para quem seus pais trabalhavam, bem como trabalharam seus avós, assim como trabalharam os seus bisavós para os pais do Conde. A sua madrinha era uma senhora que tinha vindo da Meimoa, filha de uns brasonados, e que possuíam casais desde o Teixoso a Vila Fernando, e que tinha casado com o Conde Albernaz por influências do Conde de Caria e do Conde da Covilhã. Era uma senhora muito ligada à Igreja, e tinha um único filho, o Nuno, que andava a estudar em Lisboa, nem se sabe bem o quê. O Conde a pretexto de visitar o filho, ia amiúde à capital e segundo a má-língua da terra, ia " afiar o lápis" numas moças ali para os lados do Bairro Alto, e segundo se dizia, tinha uma casa de teuda e manteuda na Av. Elias Garcia, por cima de uma pastelaria. Qd MA, se foi despedir da padrinhagem, o Conde colocou-lhe a mão no ombro e com a solenidade da circunstância disse-lhe: "Vais para aquele torrão de Portugal, meu afilhado cumpre o teu dever de dares aqueles selvagens uma instrução digna de um português, e não hesites em mostrares que és um homem digno da valentia e do aventureirismo dos nossos antepassados". A verdade é que para além das palavras o padrinho nada mais lhe deu, e foi a D. Teresa que à sorrelfa lhe pôs a nota no bolso, a ele, MA , que nunca tinha visto tanto dinheiro na vida, e que guardou religiosamente, ao lado de um Cristo com um coração incomensuravelmente enorme, sem artérias e com uma auréola à volta, que lhe foi dado pelo padre Matias, que segundo diziam as más línguas ungia de água benta e outros líquidos o quarto da madrinha, nas ausências prolongadas do Conde em Lisboa.Estava MA nestes pensamentos qd o Ferreira regressa com um ar algo afogueado, dizendo que "continuava sem evacuar". A Tabordona serviu a refeição e o Taborda tb se sentou à mesa, com a sua camisa branca suada, com o colarinho enegrecido, e com um cheiro a sovacame que conseguia dar um cheiro agridoce à sala, na mistura com o cheiro do refogado que tinham pela frente.O Ferreira, bebia cerveja a uma grande voracidade, e o Taborda resolve interpelar MA se sabia a máxima do tio! MA disse, "não sei não Sr. Taborda". O Ferreira começou a rir alarvemente e disse ao Taborda, que contasse ele. O Taborda diz: "Conheces um ditado em Portugal que dizem casa de ferreiro espeto de pau???" MA acenou que sim com a cabeça, até pq tinha um pedaço de refogado de carne na boca. Continuou o Taborda: "Pois aqui é diferente, aqui é em casa de Ferreira espeta o pau", e o riso de todos foi contagiante e com enorme sonoridade.Estavam os três neste momento de boa disposição, qd a Tabordona entra pela sala com um miúdo negro preso na orelha, miúdo que teria no máximo uns doze anos, e que era acusado de ter roubado um bocado de carne da panela, enquanto ela tinha vindo à sala. O Taborda levantou-se, e perante os gritos do rapaz a dizer que nada tinha tirado, ele desapertou o cinto e logo ali lhe afivelou umas cinturadas, com o Ferreira a aplaudir e a dizer: " MA , estás a ver a raça destes FDPs, mal tu viras costas os gajos roubam o que tiverem à mão, negralhada de mer..da. Andamos a tratar deles e é assim que nos agradecem, nem pão, para estes tipos só pau mesmo". MA estava incomodado, mas nem reagia enquanto o Taborda, com as calças ao fundo da peida e a camisa encardida e suada de fora das calças, continuava a assestar com o cinto no pobre rapaz, que gritava a dizer que nada tinha tirado. Ao som dos gritos, veio a claque dos Tabordinhas enquanto a mãe com os dentes apodrecidos se ria de uma forma alarve daquele espectáculo de crueldade.Taborda arfava do esforço, e já com partes do corpo ensanguentado, o rapaz lá se livrou e tentou-se esgueirar pela porta onde ainda levou um pontapé da Tabordona. Taborda, tornou a empresilhar o cinto e repetiu o que estava a dizer durante o arriai de porrada que dava ao miúdo: "Os FDPs destes negros da tuge julgam que tudo cai do céu, cambada de cães, se não somos duros qualquer dia até se sentam à nossa mesa".
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