12 de março de 2010

Ainda.../ Ágora / Novo Jornal /Luanda 12-03-2010



“Vós, ó portugueses da minha geração, que, como eu, não tendes culpa de ser portugueses (…). O povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, Portugueses, só vos faltam as qualidades.”Eles estão em todo o lado, na blogosfera, nas salas dos aeroportos, nas esplanadas sobranceiras à praia, nos restaurantes, e ei-los a comentar de forma despudorada a realidade de uma Angola, que procuraram para ganhar dinheiro, e resolverem problemas de falta de emprego no “torrão natal”, ou em terras de Gilberto Freyre, símbolo maior do embuste, o luso-tropicalismo.
Não me surpreende que isso aconteça, mas curiosamente vi no jornal “Publico” de Portugal, a transcrição de um resultado de um estudo científico do Prof. Luís de Sousa, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Lisboa, em que refere que “os portugueses são muito tolerantes com a corrupção”, alicerçados num inquérito, em que 63% da população portuguesa, aceita a corrupção desde que seja para beneficio colectivo. A afirmação clara do “chico espertismo”, retira qualquer argumento, a que se fale de Angola ou dos seus negócios e alianças económicas.
Não me interessa, pelo menos por ora, vir aqui dizer o que acontece em Portugal, no Brasil, ou noutros locais, onde sem estudos, mas a “olhómetro” tresanda ao pequeno favor e à corrupçãozinha, mesmo para aquilo que aparentemente é julgado desnecessário.
O que efectivamente me aborrece, é que corruptos são os angolanos, os generais, os filhos da nomenklatura e por aí fora, que também é infelizmente verdade, mas certas posturas do tipo: “ó filha, chama-a devassa, antes que ela te chame a ti”, deixa-me com pele de ciclóstomo, antes de ser servido à bordalesa, acompanhado de um qualquer verde tinto, das terras entre Douro e Minho.
A própria imprensa e comentadores” independentes” usam algum destempero opinativo, esquecendo a circulação de capitais inerente ao capitalismo em qualquer lugar, quando os angolanos entram legitimamente em certas empresas, despreocupando-se com a ética em dinheiros de proveniências pouco conhecidas e menos badaladas, longe do espaço lusófono.
Enfatizam o “ainda” quando algum angolano responde sobre algo que ainda não aconteceu, nem está feito. A mim o “Ainda”, lembra-me o verso da resistência de Agostinho Neto: “Ainda, o meu canto dolente…”, poesia de resistência e combate, contra este tipo de coisas indiciadoras de racismo, acobardado de vitupérios que não conseguem esconder, e aceitar que estão em terra que os acolheu, e lhes paga por vezes bem mais do que vale o seu trabalho, mas sobre isso, a culpa não sobra para eles.
Não tomo a” nuvem por Juno”, e continuo a admitir que a maior parte dos estrangeiros de Angola, ama a terra, gosta das suas gentes, e vai perdendo os tiques de superioridade, herdadas por circunstâncias antropológicas e históricas, que erradamente foram doutrina e arreigaram-se quase consuetudinariamente às pessoas por gerações!

Não venho aqui usar o génio da língua portuguesa, Jorge de Sena, que fez um poema “Portugal”, que exprime quão madrasta a Pátria foi. Vale a pena conhecer a obra completa deste poeta, que fez provavelmente um dos melhores romances da língua portuguesa do século XX: “Sinais de Fogo”!

Pede-se comedimento, porque não há povos maus, há estádios de desenvolvimento económico e sociais diferentes, há diferenciado ênfase na educação, há populações mais condicionadas por religiões e ritos que outras, há povos algo assépticos e outros que exteriorizam toda a sua alegria, há a diversidade de que somos feitos, e por aí fora.
Respeitar Angola, as suas instituições, a opinião lídima e franca dos seus cidadãos, não pode ser confundida por aqueles que estão no País de passagem, pois os angolanos são afectivos e comunicativos, mas detestam que se metam nos seus assuntos. Desabituaram-se disso a partir de 11 de Novembro de 1975, e ainda bem porque assumiram e corporizaram, a velha frase tantas vezes batida e repetida: “Nós somos nós”!
O que se deseja mesmo é uma sociedade onde a mentira nunca dê lucro, onde a corrupção nunca compense. Ou, como canta o espanhol Joaquin Sabina na sua "Noche de bodas":”Que ser valiente no salga tan caro/ que ser cobarde no valga la pena”
Desculpem qualquer coisinha, e já agora para quem não sabe, a citação que abre este artigo é um post do poeta português, José de Almada Negreiros, do seu” Ultimatum Futurista” (1917).

Fernando Pereira
6/3/2010
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