22 de julho de 2011

LIVROMENTE/ ÁGORA / Novo Jornal nº 183/ Luanda 22-7-2011



Editado pela “Afrontamento” já no fim do ano passado só agora acabei de ler o livro “Os donos de Portugal”, um relato de “cem anos de poder económico” da autoria de Jorge Costa, Luis Fazenda, Cecília Honório, Francisco Louçã e Fernando Rosas.
Talvez alguns dos autores suscitem reservas políticas pertinentes, mas isso não invalida que estejamos perante um trabalho sério, em que naturalmente as relações entre Portugal e Angola no último período de um século sejam escalpelizadas com detalhe. Das relações dos grupos económicos portugueses em Angola no período entre 1910 e 1974, o livro pouca novidade traz a muitos outros que foram sendo publicados há longos anos a esta parte, desde o estudo de Maria Belmira Martins, Maria Filomena Mónica, Pedro Ramos de Almeida, Eduardo Sousa Ferreira, Armando de Castro e quejandos ao nosso conterrâneo Henrique Guerra, no seu “Angola, Estrutura Económica e Classes Sociais”, livro escrito na prisão de Peniche em 1972 e 1973, onde esteve preso por actividade política na luta anti-colonial.
O que acaba por ser interessante neste livro são a constituição dos novos grupos económicos portugueses e a sua interligação e participação no capital por grupos angolanos, e a sua reciprocidade.
O livro é a compilação de textos académicos a que os autores deram uma discutível componente política de um espaço económico pronunciadamente agrilhoado.
Foi com surpresa que li que o Presidente José Eduardo dos Santos, teria dito que quando da independência, Angola teria apenas quarenta licenciados! Não faço a menor ideia em que contexto o disse, mas qualquer que seja está completamente equivocado.
Recordo-me que em 1978 na esteira do 1º Congresso do MPLA houve por parte da então Universidade de Angola, hoje Agostinho Neto, a necessidade de se criar uma comissão que determinasse o número de doutorados, mestres, licenciados e bacharéis existentes no País e ao que se apurou por exemplo no tocante a médicos angolanos eram pelo menos 58, se a memória não me trai. Esse documento foi muito badalado pois havia profissões em que o número de licenciados era de três, falando por exemplo de geólogos. Era curioso o número de antropólogos e sociólogos que apareceram então, e que era motivo de alguns dichotes, no que o angolano é de uma prodigalidade assinalável.
O livro de Carlos Rocha Dilolwa de 1978, “Contribuição à História Económica de Angola”, apontando os números da colonial FASTA (Fundo de Acção Social no Trabalho), refere 3094 alunos matriculados no ensino superior em Angola e 274 docentes em 1972. Convirá não esquecer que Angola no tempo colonial não tinha várias faculdades, como por exemplo Direito, Arquitectura entre outras. Dilolwa aponta para a existência de 561 médicos em 1973 na colónia, exceptuando os da tropa colonial. Mesmo grande como foi a debandada houve muitos que permaneceram e outros que regressaram O próprio livro encomiástico sobre Angola, da Progresso de Moscovo, de L.L. Fituni diz que Angola em 1976 tinha 50 médicos de um total de 750 no tempo colonial.
Estes livros da editorial Progresso deviam ser elevados a objectos de culto, nomeadamente os que existem sobre Angola e que guardo religiosamente na minha estante. Ocasionalmente, como foi o caso, abro-os e não me fico pelo que vou procurar; Vou começando a ler e realmente os “sovias” conseguiam mostrar uma Angola que nem os próprios angolanos mais acérrimos defensores de qualquer causa tinham “peito” para defender.
Oleg Ignatiev, o citado Fituni, Albert Nenarakov ou o Tarabrin, doutor em ciências históricas (leis gerais e carácter específico da luta anti-imperialista), são alguns dos muitos e pujantes escritores da ex-URSS que falavam de Angola com pouco ou nenhum conhecimento, mas lá enxameavam as poucas montras das livrarias com livros que empoeiradamente se iam mantendo, até que alguém se lembrasse que o sol já tinha descolorada a encadernação.
No livro do tal Fituni vem um quadro com a população de Angola em 1980 dividido em etnias: Africano, Branco e Mestiço! Uma “pérola” entre várias.
Estou convencido que alguns destes livros só poderiam ter vindo na cabine de algum limpa-neve!

Fernando Pereira
19/7/2011
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