30 de dezembro de 2010

FINALMENTE!/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda/ 31-12-2010




Uma situação recorrente em Angola é o recurso ao insulto personalizado, o que é perfeitamente justificado pelo facto de não ter havido em Angola, no colonialismo e no tempo que levamos de independência, um espaço que “dessubjectivasse” o discurso, uma circunstancia que é responsável por fazer descambar a crítica ou para o insulto pessoal ou para o “elogio sobrevalorizante”.

Sou suspeito em falar dos que comigo partilham semanalmente este projecto do NJ, mas acho que seria a maior injustiça que ignorasse a outorga do Prémio Nacional de Imprensa 2010, na categoria de jornalismo, ao Gustavo Costa. Deveria ter feito uma prévia declaração de interesses pois sou amigo pessoal do Gustavo há muitos anos, o que provavelmente me deixa em maior dificuldade para falar dele.

Julgo que há muito o merecia pela frontalidade das suas posições, coerência das suas referências, acutilância das suas crónicas, que nem sempre concordo, e acima de tudo pela forma honesta como encarou a sua profissão, num quotidiano de pressões, insinuações torpes e ameaças. A atribuição deste prémio ao Gustavo Costa e outros sinais positivos no quotidiano da comunicação social em Angola, mostram que há uma diferente vontade política de dar um rumo mais assertivo à informação em Angola, e permitir-se dignificar a função dos que informam e opinam em liberdade.

Entre os presentes do dia da família, para além de uns destilados comuns, o que revela alguma falta de inspiração de quem oferece, recebi um livro que vou ler até à exaustão, como se pode dizer, que foi o livro do arquitecto Francisco Castro Rodrigues, “Um cesto de cerejas”, editado pela “Casa da Achada”. Já há muito que quero fazer um artigo sobre este verdadeiro artífice do Lobito moderno que conhecemos, combatente pela liberdade, fundador e dirigente da Associação 25 de Abril em Luanda, e prometo-o para breve recorrendo ao excelente trabalho de Ana Magalhães e Inês Gonçalves, “ Moderno Tropical”, livro que já neste espaço teci rasgados encómios, assim como ao livro de José Manuel Fernandes e outros, “Angola no século XX- Cidades, Territórios e Arquitecturas” (2010) Ed: Maria de Lurdes Serra, um trabalho bastante bom embora polvilhado aqui e ali com alguns erros, que apesar de tudo não retiram algum interesse à obra.

Já que se fala em livros que afinal são as prendas que mais recebo, alerto desde já para evitar tanto quanto possível o “ Em Paz por terras de Angola” (2010), de Jean Charles Pinheira, editado por uma tal editora Zebra. Graficamente o livro até me pareceu interessante e as imagens são apelativas, contudo os textos são francamente maus, e as legendas das fotos completamente descontextualizadas, o que só justifica que por vezes bons embrulhos trazem maus produtos.

Estamos no fim do primeiro decénio do século XXI e a realidade com que nos vamos confrontando é seguramente melhor que no fim do séculoXX, apesar do caminho percorrido ainda ser pequeno para o muito a percorrer para o desejável, mas nunca contentável, o que mostra determinação na comunidade no construir um futuro melhorado para todos.

Para todos os que com muita paciência me vão lendo um Bom 2011.

Fernando Pereira 28/12/2012

26 de dezembro de 2010

Despresépiamente no Natal! / Ágora/ Novo Jornal / Luanda /24-12-2010



O que vou contar é uma história simples de Natal condimentada com outros pormenores, verosímil mas por razões perceptíveis vou omitir o nome do meu amigo, figura central da história.


Esse amigo era assistente numa Universidade Portuguesa quando Angola ascende à independência. Nasceu numa qualquer terra onde passava o CFB onde seu pai trabalhava, estudou no Diogo Cão e foi estudar para Portugal nos anos sessenta, tendo participado activamente em greves académicas e nalgumas actividades de apoio à luta dos povos das colónias em África. Essas actividades foram-lhe valendo alguns dissabores, no seu meio familiar tradicional e católico assim como na sua progressão académica.

Regressa a Angola, começa a dar aulas com entusiasmo na Universidade de Angola, depois Agostinho Neto, e com igual arrojo vai arranjando namoros que não raras vezes acabam em dramas dignos de enredos de faca e alguidar.

Às páginas tantas, a mulher que tinha deixado em Portugal resolve ir a Angola, para preparar uma futura instalação, junto do marido que contava maravilhas da terra e da revolução, hoje infelizmente esquecida.

O meu amigo ficou em transe quando soube essa notícia mas passada a surpresa inicial e como não era muito de se enrascar, resolveu pedir a um amigo num apartamento onde raras vezes chegava água, num sexto andar sem elevador e como era um tempo em que não havia muitos geradores a luz em casa ficava ao arbítrio das recorrentes avarias da EDEL. Importa dizer que normalmente vivia num prédio da universidade ali para os lados do Kinaxixe, que ia tendo tudo a funcionar, com as limitações inerentes a uma Luanda de dificuldades eternamente acrescidas.

No dia antes do dia aprazado para a chegada da esposa, dispensou a cozinheira, e despejou a despensa, o que ao tempo era quase um crime que eu próprio beneficiei.

Neste plano maquiavélico entre várias vicissitudes, obrigou a senhora a estar nas filas dos restaurantes: Xenu, D. Andreia, Panqué, Instanta, Pims, Garfo, Mexicana, Polo Norte, e outros que tinham como denominador comum terem o carapau ou peixe-espada frita (vulgo cinturão de FAPLA) com o arroz ou esparguete, acompanhado por uns “búlgaros” de cerveja, e muita falta de higiene à mistura. Ao fim do dia a senhora estava derreada, pois estar numa fila calcorrear a cidade a pé porque o trabalho do consorte urgia, ou fazia que isso sucedesse, em plena canícula de Fevereiro, era situação que ela estava longe de encontrar quando se dispôs a vir a Luanda.

Foram muitas as peripécias mas a cereja no topo do bolo foram as idas à praia tendo ele escolhido a praia do Cacuaco, um vazadouro de petróleo e de caranguejos, motivando o desabafado com certas pessoas, que “as praias de Angola eram tão elogiadas, mas sendo esta a melhor, imagino as outras”, o que levou muitos a reprimir o riso perante os sinais do meu amigo, que quase nos obrigou a determinado tipo de reprováveis cumplicidades.

A verdade é que o objectivo foi plenamente conseguido e a senhora embarcou para Portugal, sem vontade de regressar a Angola, e lá acabou por se separar numa “cerimónia” inenarrável.

Fui passar o que em tempos se chamou Natal, depois “Dia da Família” e Natal de novo, ao Uíje nesse ano de 1980, onde esse meu amigo arranjou uma namorada horrorosa, que não valia uma ida de 12 metros, quanto mais uma viagem de ida e volta de 1200km. Quando me apresentou a “princesa”, veio-me à lembrança a frase de Vinicius de Morais: “Beleza não se come à mesa, mas que me desculpem as feias, eu também não como no chão”.

O Uíje era a parvónia que bem conheci no tempo colonial, com a vantagem de ter perdido alguns “besugos”, armados em ricos, o que tornava a cidade mais respirável. Na “ceia” por ironia do destino na casa que tinha sido habitada por um familiar meu onde já tinha passado outras consoadas em tempos idos, foi nosso parceiro um indivíduo que nunca intervalou na bebedeira. Quando cheguei estava odre, assim se manteve, e assim o deixei três dias depois. Quando voltei ao Uije e o encontrei, dei-lhe a notícia que tinha passado o Natal anterior com ele, pois ele não se lembrava de rigorosamente nada; Soube há anos que tinha morrido de mais que previsíveis complicações hepáticas.

Fico a aguardar as palavras de circunstancia, normalmente repetidas de vários dignitários de cargos políticos e religiosos só quero desejar Festas Felizes, principalmente a quem pacientemente me vai lendo neste espaço.

Fernando Pereira

18/12/2010

17 de dezembro de 2010

Crónica Molengona / Ágora / Novo Jornal / Luanda 18-12-2012



Uma das mais fascinantes obras do cinema documental é Olympia 1. Teil - Fest der Völker, Ídolos do estádio, filme de propaganda de 1938 de Leni Riefenstahl (1902-2003) documentando os Jogos Olímpicos de Verão de 1936, em Berlim.


Durante cerca de aproximadamente duas horas, assistimos à verdadeira montagem que Hitler e o nazismo fizeram de uns Jogos Olímpicos que procuravam exaltar os valores da superioridade da raça ariana. Apesar dos ângulos de multidão focarem primordialmente as manifestações nazis no estádio olímpico de Berlim, a forma como Riefenstahl mostra os corpos dos atletas “não arianos”, e as expressões de Hitler quando da vitória do afro-americano Jesse Owens, são motivo de alguma tolerância para uma simpatizante nazi, mas que acima de tudo era exigente nos conteúdos e nas técnicas empregues.

A técnica empregue nesse filme, foi tão inovadora que ainda hoje faz escola nas imagens das transmissões televisivas de eventos desportivos.

Leni Riefenstahl, passou uma boa parte da sua longa vida a fazer fotografia, dando-nos belíssimos trabalhos recolhidos em tribos do Sudão. Aos oitenta anos passou a dedicar-se à fotografia submarina e a filmes sobre a vida aquática, tendo estreado quando fez cem anos, o filme “Impressões subaquáticas”.

Quem me levou a conhecer Riefenstahl foi o professor José Esteves, hoje com mais de noventa anos e ao que julgo saber ainda com a lucidez suficiente para acompanhar alguns profissionais de Educação Física que com ele almoçam regularmente, onde encontramos os nossos conhecidos professores António Sousa Santos e Carlos Gonçalves, entre outros.

José Esteves em 1970 inaugurou uma colecção de história e sociologia do desporto da Prelo Editora com “O Desporto e as Estruturas Sociais” , ainda hoje uma obra obrigatória para a compreensão do que foram os anos da ditadura e do colonialismo na educação física e desporto escolar e federado. Já no fim da década de setenta publica pela Básica Editora o livro “Racismo e Desporto”, documento onde se denuncia a sordidez do espectáculo desportivo e a exploração que incide nos atletas, particularmente nos “favelados” do mundo, explorados por uma máquina que trucida valores ou regras minimamente aceitáveis.

Tentei enquanto primeiro director do CNDI da Secretaria de Estado dos Desportos da RPA, divulgar estes textos, promovendo até o piratear de alguns excertos das suas obras, bem como a de outros autores como Manuel Sérgio, Noronha Feio, Melo de Carvalho, Teotónio Lima, admitindo o meu tremendo insucesso.

José Esteves foi nos anos cinquenta “desterrado” para o Liceu Salvador Correia, por motivos de ordem política, onde conviveu com alguns alunos que entretanto optaram por ir para a guerrilha na luta pela independência de Angola. Também em Luanda foi incomodado, porque era incómodo e ei-lo de novo devolvido ao Liceu D. João III em Coimbra onde estava colocado antes da sua “campanha africana”.

Figura prestigiada no universo da educação física, no contexto histórico e sociológico, José Esteves, merecia que eu me lembrasse dele, porque ajudou-me a ver o desporto com outros olhos nos mesmos óculos.

Acabei de ler o livro do jovem investigador Fernando Tavares Pimenta, “Portugal e o Seculo XX – Estado-Império e Descolonização (1890-1975), editado pela Afrontamento (5-2010). Fernando Pimenta tem merecido neste espaço um reconhecimento da excelência do trabalho de investigação que faz sobre Angola, de uma pessoa que não conhece, nem tem qualquer tipo de ligação ao território, a não ser fazer trabalhos universitários cientificamente valorosos em que o tema é o nosso País.

Este livro é diferente no que li nas três obras anteriores já publicadas, mas penso ser interessante, e de linguagem acessível sobre alguns períodos “penumbrosos” da história contemporânea comum de Angola e Portugal.

Bom Dia da Família a todos vós!

Fernando Pereira

13/12/2010





10 de dezembro de 2010

Senhor Governador da Provincia de Luanda/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda / 10/12/ "010




Desculpar-me à dirigir-me a si, nesta carta entreaberta, pouco tempo depois de ter sido empossado como o 16º governador da província de Luanda desde a independência, mas como começo a raiar o ensandecido com tantos estudos, soluções, projectos, discussões, e muitos milhões a desbaratar, apetece-me também dizer alguma coisinha!
Nasci em Luanda, em meados dos anos cinquenta, para ser mais preciso, quando acabou o comboio que atravessava a cidade desde o Bungo até perto do aeroporto velho.
Como a minha família era da burguesia colonial, nasci num quartinho virado para o Alto das Cruzes, na ex-casa de Saúde de Luanda, hoje Augusto Ngangula. Isto, faz-me lembrar uma certa gente que estava disposta a “partir os dentes à burguesia”, mas que pelos vistos deixou os maxilares em bom estado, pois hoje vêem-se muitos implantes e dentaduras em muitas reminiscências e tiques de outros tempos.
Conta-se que quando nasci e o Braga se transformou em Bairro do Café, havia um governador que marcava as ruas com riscos feitos na terra com a ponta do chapéu-de-chuva, o que deve ser verdade, pois o traçado de certas calçadas não lembravam a qualquer topógrafo com o teodolito avariado.
Vi a cidade crescer de camartelo em riste para destruir a zona comercial, em frente ao antigo porto pesqueiro, para construir o prédio do BCA (hoje BCP), e mais uns arremedos arquitectónicos do tipo. Essa saga destruidora não tem parado, com o intervalo dos anos da independência e seguintes a deixarem uma réstia de expectativa sobre a preservação do património edificado.
Desculpe este arrazoado, mas quando penso Luanda tenho muito medo da xenofilia, porque quem deve construir a alma da cidade são os que amam a cidade, tendo sido nascidos nela ou adoptando-a. Mas perante o que vejo acho que ninguém mesmo gosta desta cidade, e cada vez mais preferem o “quatro de Fevereiro” de Belas, ao “quatro de Fevereiro” onde presumivelmente o dinheiro devia ser trabalhado.
As cidades tem que ter alma própria, tem que ter um centro cívico onde as pessoas sintam como um lugar por onde foi passando não apenas a história da cidade, mas onde se faz a história de muita gente, e onde se constroem histórias. Cada esquina desse local é bom ou mau porque aconteceu algo que nos marcou, e Luanda não mantém rigorosamente nada disto.
Luanda não tem jardins, e os poucos que restam só são embelezados para que se vejam, e não para as pessoas poderem fruir num lazer, cada vez mais passado sobre quatro rodas, no meio de um coro de buzinadelas e com a pituitária cada vez mais insensível aos odores do óleo queimado, dos esgotos, de lixos e águas estagnadas.
Houve um governador colonial que perante a exiguidade de espaços verdes na cidade, disse que Luanda não precisava de verdura pública, porque todas as moradias tinham jardins e árvores e a cidade estava cheia de árvores na rua. Esta estulta opinião ao tempo, parece ser a desejável hoje, porque os jardins foram substituídos por depósitos de água, gasóleo e geradores; As árvores das ruas e estradas são cortadas para diminuir os passeios para dar novas oportunidades a que mais viaturas possam ficar no engarrafamento.
Luanda, não tem passeios decentes para quem gosta de andar nas cidades a pé, não tem espaços para nos sentarmos a ver quem passa, e largos com esplanadas onde possamos fruir de um espaço livre de buzinas, tubos de escape e ruídos atordoantes.
A cidade é insegura, mas a noção de insegurança em Luanda é de certa forma pervertida, porque são os cidadãos que a tornam insegura, quando se sente a cidade apenas na parte de dentro de cada um dos quintais ou apartamentos. Quando se perde a consciência da cidade enquanto colectivo, perde-se segurança para tudo, e é esse é o cerne do problema.
A ilha tornou-se um pechisbeque de luxo, com praias sujas e água demasiado acastanhada, para que possa ser o ex-líbris de uma cidade que não tem a garridice, os sabores e o gingar de muitas capitais africanas, nem tampouco nada parecido com o seu alter-ego : A Disneylandia dos adultos, o Dubai.
Sei que não vai conseguir mudar o que muitos estragaram, e seguramente não foram os seus antecessores, incluindo os do tempo colonial, que nalguns casos nem para administradores de condomínio serviriam, mas só lhe posso desejar que procure devolver a alma à cidade, ou melhor encontre-a que já é meio caminho andado, para que a cidade lhe fique reconhecida.


Fernando Pereira
6/12/2010

Portugal exige ser descolonizado!/ Jornal O Interior/ 10/12/2010



Como é comum dizer: “ele há coisas que não lembram nem ao menino Jesus”!


O eternamente putativo rei, Duarte Nuno, com mais uma imensidão de nomes de permeio, pai do príncipe da Beira, resolveu pedir a nacionalidade timorense. Aquele território, que já aturou corsários, portugueses, japoneses, indonésios e alguns timorenses de jaez duvidosa, acaba por levar com mais esta encomenda. Há povos que mereciam um pouco de tranquilidade e felicidade, mas não conseguem ter sorte nenhuma.

Outra figura de opereta que vai andando por aí Pedro Santana Lopes de seu nome, exigiu na TVI “que a senhora Merkel se defina uma vez por todas em relação ao projecto europeu”. Convenhamos que isto, antes de um conselho europeu, uma reunião do G-20 e uma cimeira da NATO, deve ter caído que nem uma bomba! A realidade é que a Senhora Merkel deve andar aflita q.b., pois ainda não respondeu a esta exigência do “inefável” Lopes.

Esta semana, o cada vez mais pesado Carlos César resolveu deliberar que os funcionários públicos nos Açores não seriam penalizados no ano de 2011, contrariando o preceituado no Orçamento Geral de Estado, e afirmando que “não iria ser necessário recorrer a verba nenhuma que onerasse o orçamento da região”. Acho que os tipos das ilhas andam há muito a gozar com os continentais, curiosamente com o beneplácito de todos os governantes, quer eles sejam do partido da direita da direita ou da esquerda da direita, vulgo do “Centrão”.

Já não me apetece falar dos dislates do Jardim, e cada vez menos quero saber do César que, mais discreto, não deixa de tratar dos seus servos da gleba açorianos, protegendo-os da “ira” dos continentais.

É tempo de Portugal se cumprir, como dizia o poeta, e descolonizar-se destas “regiões” autónomas que usam e abusam da paciência do continente, e acima de tudo à custa do erário público. Portugal, julgo que merece libertar-se dos Açores e da Madeira, e já bastaria de vez em quando encontrá-los nas reuniões da CPLP.

Talvez depois desta “varridela” Portugal consiga arrumar a casa e não ande a perder tempo com vitualhas políticas e eticamente intragáveis.

Com um pouco de sorte, o rei D. Nuno é capaz de pedir para ser cidadão dessas regiões, o que as populações locais merecem por manterem no poder gente com determinadas características e idiossincrasias a raiar a ” idiotacracia”.

Desculpem, mas fico um pouco irritado com o discurso dos coitadinhos, vítimas da insularidade, quando no início do ano vão começar a coroar a A23 e a A25 com uns pórticos para pagarmos o que eles nunca pagarão!

De pé, oh vítimas da interioridade!

Fernando Pereira

4/12/2010

3 de dezembro de 2010

“Primeiro estranha-se depois entranha-se !” / Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 3-12-2010






Ocasionalmente, vamo-nos lembrando que a toponímia da cidade de Luanda, ter-se-á transformado num Nó Górdio que não será fácil de desatar nos tempos mais próximos.


Fez no pretérito 30 de Novembro, sessenta e cinco anos que morreu, provavelmente o maior poeta da língua portuguesa, Fernando Pessoa. Um génio, que perpassou fugazmente o eterno cinzentismo do País, e que entre absintos, aguardentes copos de “três vinténs”,estados de prostração emocional, deixou um património literário inolvidável, em todas as latitudes onde os enormes poetas são glorificados quase ao nível do Olimpo na Grécia antiga.

Narcisista, misógino, fechado consigo próprio, fisicamente franzino, talvez bipolar, tez quase transparente, invariavelmente vestido de preto, com hábitos de vida e com vícios bem definidos, Fernando Pessoa, é o orgulho da “língua portuguesa”, e o seu legado é trabalhado por cada vez mais sábios em instituições internacionais.

Profundamente criticado pelos neo-realistas, avultando a crítica de Álvaro Cunhal no seu livro “A Arte, o Artista e a Sociedade”(1996), editado pela Caminho, sobre a sua indiferença perante a luta do povo de Portugal e colónias contra Salazar, em que Pessoa é acusado de “ refugiar a sua obra no individualismo, ignorando as massas, e os escritores que as entusiasmavam para a luta com uma poesia mais combativa”.

Nunca partilhei esta ideia de Cunhal, e dos neo-realistas, pois Fernando Pessoa é só um dos maiores poetas da nossa língua comum e da poesia universal.

Luanda, teve uma rua com o nome de Fernando Pessoa, no Bairro da Vila Alice, numa transversal da Hoji-ya-Henda, e que fazia a ligação à rua da Casa 70. Actualmente essa rua chama-se A. Carreira, sem que se saiba quem foi a insigne figura, que teve a honra de substituir um dos poetas maiores da literatura europeia. Admito que foi alguém com alguma importância para ter nome de rua, mas confesso a minha ignorância, partilhada por muitos luandenses a quem perguntei quem era este Carreira.

Nesse bairro foram mantidos os nomes de Almeida Garrett, António Feijó, Antero Quental, Machado de Castro, António Feliciano de Castilho e outros poetas portugueses, que nem grande expressão tem nas suas terras, quanto mais para figurarem nas pracetas da capital de Angola. Fernando Pessoa “tramou-se”, já que o seu nome estava associado a uma rua grande. Se fosse uma esconsa praceta tinha sobrevivido, e o seu lugar obrigatório na toponímia de Luanda ter-se-ia mantido.

O que não deixa de ser no mínimo surreal, é que a Rua Bula Matadi, é partilhada em metade da sua extensão pelo General João de Almeida, o herói da “Pacificação dos Dembos”, um jarrão colonialista, digno de um lugar de relevo junto de algumas estátuas que jazem na fortaleza, como símbolos fechados de um tempo que passou!

Convenhamos que Luanda tem uma natureza idiossincrática interessante, e se começarmos na toponímia, ficamos estarrecidos. Na verdade, eu conheci Novo Redondo, Ngunza e Sumbe, por razões que nunca entendi muito bem, pelo que as circunstancias que afectam a cidade capital, exportam-se para o resto do território.

Não gostava de omitir a efeméride que comemora o falecimento do genial Pessoa, que numa penada só, enterrou-se a si e aos seus heterónimos (Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro Campos) e o seu ortónimo (Bernardo Soares).

Em jeito de curiosidade, quando a Coca-cola se tentou implantar em Portugal, houve um concurso para uma frase publicitária, que definisse a bebida, e a que foi escolhida foi a de Fernando Pessoa: “Coca-cola, primeiro estranha-se depois entranha-se”!

O crítico literário Harold Bloom considerou a obra o "legado da língua portuguesa ao mundo".

Luanda podia timidamente devolver o nome da rua ao Fernando Pessoa, e ali perto, acabar com a de João de Almeida, que indiscutivelmente avilta o orgulho dos angolanos.



Fernando Pereira

28/11/2010

27 de novembro de 2010

Exílio: a Pátria Utópica / Ágora / Novo Jornal / Luanda / 27-11-2010






Quando me preparava para escrever a “Ágora” desta semana, recebi a notícia do falecimento de Maria Helena Moreira Rodrigues Maria.


Foi um Adolfo Maria naturalmente abalado que me telefonou, e achei que a inoportunidade de qualquer morte, pode ser a oportunidade de se incitar a um apelo à memória, e homenagear gente que preservou o anonimato, para dar o seu melhor na libertação e construção de um País.

Maria Helena Maria era uma transmontana de Chaves, que de forma empenhada, solidária, cúmplice, acompanhou o seu marido ao longo de mais de cinquenta anos nos tempos duros da perseguição e prisão pela PIDE, do exílio em Paris, Argel, Brazzaville.

Partilhou a euforia da liberdade emancipadora da Angola colonial, a emergente Republica Popular de Angola, demonstrando uma enorme coragem e sagacidade a defender o seu marido da prisão e da tortura na Angola independente, promovendo uma das mais rocambolescas vivencias de desaparecimento em Luanda, reaparecendo três anos depois de muitas peripécias, algumas a raiar o anedotário.

A Maria Helena dactilografou os primeiros manuais escolares do MPLA, para que as crianças angolanas no exílio, ou nas matas, pudessem aprender e ganhar a consciência de angolanos independentes, e forjassem novas motivações ideológicas, numa sociedade mais justa e democrática. No Centro de Estudos em Argel, apoiava as crianças, familiares de muitos exilados dos ex-CONCP (Conference of Nationalist Organizations of the Portuguese Colonies), ainda lhe sobrando forças para ir ao CEA, dar uma ajuda nas edições difundidas pela resistência ao colonialismo português.

Em Brazzavile, a sua casa foi sempre uma “casa de passagem” para todos os angolanos, engajados na luta de libertação, fazendo regularmente trabalho de montagem do “Vitória ou Morte”, nunca rejeitando nenhuma tarefa que o MPLA lhe exigisse.

Adolfo Maria, homem de enorme estrutura intelectual, probo, coerente na defesa do seu grande objectivo de vida, que era ver a Angola independente, teve a seu lado a companheira que nunca regateou sacrifícios, aceitando com um sorriso bonito, tantas agruras de um exílio pródigo em desilusões.

“Exílio: a Pátria Utópica”, é a melhor homenagem que posso fazer às mulheres que tudo largaram para seguir os seus companheiros, para uma luta que poderia ser “talvez nada”, mas que quando se empenhavam “era o mais que tudo”!

As mulheres angolanas, muitas ainda felizmente vivas, outras já falecidas, devemos uma parte do nosso Novembro de 1975, já que foram a verdadeira retaguarda, de um tempo em que tudo era esfomeadamente difícil.

A Maria Helena Maria, nada tinha de angolana quando iniciou o seu combate, merece o seu “bocado de pão”, pois trabalhou muito para sermos felizes um dia, e acabou sentindo-se angolana, sem pedir nada em troca.

Esta crónica, mais que uma homenagem a uma pessoa que acabou de nos deixar fisicamente, acaba por assumir umas gratidões, que teimamos em adiar, a tanta “anónima”, que deu o melhor de si, quando não havia gente, recursos, quadros, mas que por outro lado excedia-se em voluntarismo, vontade de fazer, e a convicção que um dia a “Vitória é Certa”.

A todas essas mulheres, não havendo muitos angolanos a agradecer, agradeço eu e penso que estou acompanhado.

Nesta hora dolorosa, quero reafirmar ao Adolfo Maria, a minha estima, e sobre o percurso de um homem, que pouco faz para ser lembrado, recomendo o livro do Fernando Tavares Pimenta, “Angola no Percurso de um Nacionalista”, editado pela Afrontamento.

Fernando Pereira

20/11/2011

19 de novembro de 2010

“Ich bin ein Berliner”/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda/ 19/11/2011





"Ich bin ein Berliner" ("Eu sou um berlinense", em alemão) é uma citação de um discurso feito em 26 de Junho de 1963 pelo presidente dos Estados Unidos à época, John F. Kennedy, em Berlim Ocidental. Foi uma forma de enfatizar o apoio dos EUA aos alemães de Berlim, cidade dividida, num dos períodos mais quentes da “Guerra Fria”.


Lembrei-me disto, porque num destes dias vi com grande estupefacção, um título em letras garrafais: “Em Angola sou angolano”. Obviamente, que se isso não tivesse sido dito pelo Dr. Jorge Coelho, não me espantaria, fundamentalmente porque ele é o CEO de um grupo que é português, embora em Angola há sessenta anos.

Ficaria bem mais contente, por exemplo, que o escritor Gonçalo M. Tavares, nascido em Angola em 1970, o dissesse, até porque convenhamos, prefiro gente da cultura, do filantropismo, da ciência, do desporto a dignificarem Angola, que gente ligada ao mundo dos negócios, normalmente espaços pantanosos e simultaneamente obscuros.

Já que se falou do CEO do novo grupo empresarial que se constituiu em Angola, com base na vetusta firma Mota e CIA, vem-me à memória um jantar, no velho Hotel Turismo na baixa de Luanda, com o Sr. Manuel António da Mota.

No fim dos anos setenta, ou princípios de oitenta, eu vivia na Casa do Desportista, na Ilha de Luanda, e ocasionalmente jantava no Turismo com o meu amigo José Beleza dos Santos, ilustre penalista, hoje já retirado, e que ia de vez em quando a Luanda dar umas aulas na Faculdade de Direito da UAN, e fazer uns exames, no âmbito de uma colaboração entre as faculdades de Coimbra e Luanda.

Na altura o Turismo conseguia ser um hotel razoavelmente bom, com as limitações que se viviam então, e era um local de encontro de muitos viajantes que já conheciam a cidade e evitavam outros hotéis mais cosmopolitas.

Costumávamos jantar, numa sala no r/c, com uma montra virada para o edifício dos correios e para onde hoje está o Millenium e um “palito métrico”, um edifício horrível, igual a muitos que poluem o nosso olhar sobre a cidade de Luanda. Cada pessoa que entrava, dava as boas noites à sala toda, o que acabava por dar um ambiente de enorme familiaridade.

O José Beleza, certa vez convidou-me para jantar, e como naquele tempo, as combinações não estavam sujeitas ao sortilégio de qualquer humor, que um qualquer telemóvel rapidamente alteraria nos dias de hoje. Chego ao Turismo, à hora marcada e vejo-o sentado numa mesa com algumas pessoas que não conhecia, embora alguns já tinha visto no hotel, e apresenta-me sem muitas delongas.

Percebi que o José Beleza foi convidado pelo Sr. António Mota para jantar, à hora de almoço, e que não me teria conseguido avisar do “alargar de mesa”, e acabei por ir ficando a ouvir uma conversa sobre parcerias entre a Mota e o Ministério da Construção, para a constituição de uma U.E.M. (Unidade Económica Mista), que se chamava Paviterra.

O Senhor Manuel António da Mota era uma pessoa de idade, mas de uma enorme vitalidade, e muito conhecedor da realidade angolana, já que tinha andado trinta anos a trabalhar em várias áreas, pelo País todo.

Nessa noite estava entusiasmadíssimo, acompanhado de alguns técnicos, lembrando-me apenas o Sr. Brás do Namibe, já falecido, e o Engº Cunha, porque nos cruzámos noutros ócios.

Estava lá no jantar, um tipo execrável, que dizia que fazer estradas em Angola era deitar dinheiro à rua, porque bastava mesmo era aspergir uma camada de alcatrão, receber a “guita” e estava a estrada entregue. Baseava isso no número de tapetes que a “quatro de Fevereiro” já tinha levado, para estragar logo a seguir. Foi a única vez que me senti desconfortável no jantar, e o velho Mota, sagaz, percebeu que havia gente na mesa que não estava a gostar da conversa, onde ele se incluía, e mudou a conversa para outras temas.

Já que se fala em pintar macdam com alcatrão, como propunha o beócio que nos acompanhou no repasto, lembro-me de ouvir contar uma história em que o Eng.º Carloto de Castro, secretário da administração colonial das Obras Publicas, ao inaugurar um troço de estrada na região do Luena, pediu uma faca, ajoelhou-se, fez um corte, chamou o técnico, a quem balbuciou umas palavras, e “não inaugurava aquela estrada porque faltava asfalto colocado na caixa de compactação”.

Gostei de ter tido oportunidade de o conhecer, numa mesa onde estava o saudoso arquitecto Vasco Vieira da Costa (eternamente à espera do nome de uma rua em Luanda), o velho Lelo, o Chaves, e mais uns quantos, numa noite onde nos aguentámos até às 11,30h, forçados a abandonar a conversa, por causa do recolher obrigatório mais longo de sempre no mundo!

Gostei muito da sobriedade do António Manuel da Mota, no único contacto que tivemos, e curiosamente esse que tinha razões para se afirmar Angolano em Angola, nunca me lembro que o tivesse feito.



Fernando Pereira

15/11/2010

11 de novembro de 2010

O Novembro do nosso contentamento / Ágora / Novo Jornal / Luanda/ 11-11-2010


Trinta e cinco anos da vida, de uma Angola que muitos sonhámos diferente, o que confirma que o sonho só se cumpre sempre em percentagens limitadas.


Vou tentar pegar nalgumas referências do que foi este percurso, passando por muita coisa que hoje está enterrada na nossa memória colectiva, ou do que em tempos foram situações sérias, que algumas circunstâncias transformaram em cenas caricatas, e rapidamente alienadas pelo anedotário popular.

“O Povo é o MPLA, o MPLA é o Povo”, “A Luta Continua”, “ A Vitória é Certa”, “Abaixo o Imperialismo”, “Abaixo o Tribalismo”, Abaixo o Regionalismo”, Abaixo o Neocolonialismo”, “Honra ao povo Angolano”,”Glória Eterna aos nossos Heróis”,” Nós faremos de Angola a Pátria dos Trabalhadores e a Revolução continuará a sua marcha triunfal ao lado dos povos que seguem o mesmo caminho”, “Café de Angola, um gosto de liberdade”, “Os diamantes de Angola são os mais brilhantes / estão ao serviço do povo na reconstrução nacional”, “Sonangol/ Nosso petróleo onde é preciso”, “Vamos Purificar o Partido para melhor recebermos os novos membros”…

“A OPA prepara-se para a defesa intransigente da pátria angolana contra os ataques do imperialismo internacional e seus sequazes”, “Tudo pelo Povo”,” ODP- Organização de Defesa Popular”,“Que importa que o inimigo acorde cedo, se as FAPLA não dormem” “FAPLA, o braço armado do povo angolano”, “Angola é e será por vontade própria trincheira firme da revolução em África”, “O que é determinante para a unidade é a ideologia e não a geografia”, “Na edificação de uma sociedade socialista a agricultura é a base, a indústria o factor decisivo”, “Viva o Poder Popular”, “Somos independentes, seremos socialistas”,” Antes Morrermos Todos que Deixar Passar o Inimigo”, “Estudar é um Dever Revolucionário”, “Fieis ao Marxismo-Leninismo, estamos a construir uma Angola socialista”, “ O Socialismo científico é o grande objectivo estratégico da revolução angolana” “A Educação e cultura ao serviço do povo”, “Saude para todos no ano 2000”…

“Por um Partido sólido, unido, disciplinado, avante com o movimento de rectificação”, “Avante com o poder popular”, “O mais importante é resolver os problemas do Povo”,” Mais quadros, melhor produção, melhor solução dos problemas do povo”,”De Cabinda ao Cunene, um só povo uma só nação”, “Abaixo os Fantoches Lacaios do Imperialismo”, “Viva o Internacionalismo Proletário”,”Ao inimigo nem um palmo da nossa terra”…

A sociedade angolana foi alterando algum do seu paradigma político, ideológico e económico, um epifenómeno do arremedo de socialismo que se tentou implantar, e daí que os slogans se começassem a alterar foi um saltinho.

Hoje estas palavras de ordem, que inundavam o nosso quotidiano nos anos de debute da independência do País, foram paulatinamente sendo substituídas por hábitos novos, léxicos adequado às novas realidades, de uma coisa que se chama a “economia de mercado”, que ainda está numa fase de avaliação, quiçá de desconfiança, quanto a uma opção válida para o desenvolvimento seguro do País.

Hoje já ninguém se lembra de sábados vermelhos, de nos organizarmos para ir receber um dignitário ilustre, nas celebérrimas visitas de cooperação, amizade, partido e Estado, e outras minudências que ao longo dos anos nos habituámos a participar, a observar e muitas vezes a criticar, algo que o angolano prodigaliza.

Por falar em muitos dignitários ilustres, refira-se que saudámos a visita de alguns que o tempo, as circunstâncias políticas e a evolução dos tempos deu para revelar que eram autênticos sátrapas nas suas terras.

Tem valido a pena passar por estes trinta e cinco anos, que foram florindo depois da noite mais bonita de todas as noites que conheci, a de 11 de Novembro de 1975.

Neste tempo presente, que fez de muitos de nós, simultaneamente voyeurs e protagonistas da história deste País cada vez menos recente, só me permito dizer que é o Novembro do nosso contentamento.

Fernando Pereira

1/11/2010

Era Bom que Trocássemos Umas Ideias Sobre o Assunto /10-11-2011/ O Interior



Mário de Carvalho (n.1944) é um dos escritores contemporâneos portugueses que muito admiro, aguardando expectavelmente os seus romances.


Um romancista que vê com alguma dificuldade que os seus livros consigam ter a visibilidade comparável à qualidade dos seus escritos, o que começa a ser demasiado recorrente em muito bons escritores.

Hoje há demasiados escritores paridos dos ecrãs das televisões, ou das vernissages das revistas cor-de-rosa, e os escritores que não alinham com a cultura do espectáculo ou da mediatização ficam relegados para a parte mais esconsa das livrarias.

Mas não é esse o tema do artigo de hoje, e ao pegar em Mário de Carvalho, que coerentemente nunca escondeu a sua opção partidária, lembro-me de uma obra sua de 1995 (“Era Bom que Trocássemos Umas Ideias Sobre o Assunto”), e que é um verdadeiro libelo, ainda que com uma permanente nota de humor, sobre os funcionários e dirigentes das estruturas de base dos partidos políticos.

O “Era Bom que Trocássemos Umas Ideias sobre o Assunto” romanceia com muita piada as vicissitudes de um individuo que quis entrar num determinado partido político e as suas relações com a controleira, ou o dirigente, ou melhor os seus costumeiros hiatos.

No caso deste romance, estamos perante uma história em que os intervenientes são de um partido marginal à lógica do poder. Há contudo um cadinho, onde fermentam muitos dos tiques dos aparelhos partidários, autênticas madraças, onde pululam e de onde saem pessoas ideologicamente pobres, e com comportamentos de arrogância na integração da sociedade, contrários à formação cívica que a democracia deve ensinar a melhorar num quotidiano respirável de vida política.

Num devaneio humorístico à obra de Fiódor Dostoiévski,” Recordações da Casa dos Mortos”, apetece-me colocar os termos usados numa reunião do directório, concelhio, distrital ou nacional de um Partido da órbita do poder, central ou local:

“Este gajo é dos nossos, e não nos dá problemas”/ “Mas é um fraco, falta-lhe carisma”/ “Deixa-te lá disso, carisma é ele cumprir as ordens que lhe dermos”/ “A. Era capaz de ser melhor para o lugar”/ “Deixa-te de porras, esse já o temos na mão, já lhe empregámos a filha”/ “Eu acho que B. anda a falar muito desde que foi nomeado por nós”/ “Deixa-o pousar, quando der conta já tem os patins”/”Quem anda danado é C, mas como ainda não tem lugar não abre a boca mas bufa quando fala comigo para saber novidades”/ “Não nos podemos esquecer que foi o gajo que andou a dar subsídios aos tipos que nos gamaram a Câmara”/ “O tipo foi lá posto pelos gajos do outro lado”/ “Há tipos no nosso partido que ainda são mais FDPs que do outro”/ “Como estamos de subsídios?”/ Há uns dinheiros, mas tem que ir parar a mãos mesmo nossas”/ “E as regras? Depois vêm os tipos para o jornal ladrar e nós é que ficamos mal/ “Deixa-te de porras, falas com o tipo do jornal e ele põe lá uns anúncios de umas Câmaras nossas”/ “Tens razão, e se o gajo não aceitar”/ “Eheheh, ficar com os empregados sem ordenado, achas que arrisca?” / “Andam aí uns tipos a quem prometemos umas coisas, para virem para o nosso lado, e nunca me largam para lhes dar o que prometemos”/ “Fala-lhes da crise, porra, e vais deixando correr o marfim”/ “E as licenças daqueles que nos deram a guita para a campanha?”/ “Deixa-os andar, porque eles não podem abrir a boca e quando estivermos perto das eleições damos-lhe a cenoura ou o pau”/ “ É por isso que o nosso partido é responsável”/ “Mete lá as raparigas da juventude, naquele sector, para termos os pais deles connosco nas próximas”/ “Vocês de política não percebem um corno” / “ O chefe que se cuide, porque precisa mais de nós agora que nós dele”/ e por aí fora…

Votos de muitas prosperidades e adeus até ao meu regresso!

Fernando Pereira

8/11/2011


5 de novembro de 2010

Rennie Q.B.! / Ágora/ Novo Jornal/ Luanda / 5-11-2010




“ O Homem é um animal de hábitos”, Charles Dickens (1812-1870), escritor inglês que descreveu magistralmente o “milagre da revolução industrial”, num conjunto de obras, em que o enfoque foi a miserável condição e exploração no trabalho, das crianças na sociedade inglesa.


Peguei na citação do criador de “David Cooperfield”, “Oliver Twist” e “The Pickwick Papers”, por se ter comemorado recentemente, os cento e quarenta anos do seu falecimento, e porque também sou “ um animal de hábitos”, e um dos que cultivo é ir regularmente a umas livrarias ver o “que está a sair”.

Por “hábito”, e na circunstancia confrontando-me com as bizarrices da distribuidora estatal EDIL, tive a fortuna de ter encontrado, na Livraria Che Guevara em Cabinda, um dos meus livros de eleição, “Os Cantos de Maldoror”, do Conde de Lautremont, , prefaciado por Jorge de Sena, e traduzido por Pedro Tamen .Recordo o entusiasmo por encontrar esta obra-prima do Incrível, escrito em plena euforia do Darwinismo, por volta de 1869. Algum esoterismo, numa obra, sintetizada nesta frase: “A minha poesia dedicar-se-á apenas a atacar, por todos os meios, o homem, esse animal selvagem, e o Criador, que não deveria ter engendrado semelhante parasita.». Uma boa recordação de Cabinda!

Deixando esta “obra demoníaca” de lado, fiquei manifestamente desagradado com aministra da Família e da Promoção da Mulher, Genoveva Lino, que numa recente intervenção disse: "Não há palavra melhor do que a do Senhor, cada cidadão deve ter, ler e absorver o grande livro sagrado, a bíblia, porque é o livro da vida. E se todos nós o seguirmos, teremos uma vida mais digna, tal como a própria bíblia diz, que feliz é a nação que o próprio Deus é o Senhor".

Fiquei perplexo, aliás tanto quando Yuri Cunha, quando foi ao Campo Pequeno, em Lisboa a “berrar por Deus”, numa mensagem subliminar de uma qualquer religião, junto de uma plateia que tinha pago, para ver o musico e os envergonhados convidados, e não para entrar numa qualquer histeria, tipo Jim Jones, numa Guiana de má memória (1978).

A Senhora Ministra, membro de um governo, que é chefiada por um magistrado que jurou cumprir a constituição, no caso a laicidade do Estado, bem clara no artigo 10ª, pode ter as suas convicções, o que não pode é assumi-las publicamente, enquanto em funções. Pode querer estar a bem com Deus e a Pátria, mas não esqueci os tempos do “Acordo Missionário”, de má memória no que toca à liberdade religiosa e à presença de outras convicções religiosas em Angola.

Para aumentar o meu desconforto, quiçá azia, eis o programa desportivo alusivo ao trigésimo quinto aniversário da independência de Angola: Um jogo entre a equipa B da selecção de Angola, e a equipa B de um clube, que não está no ranking dos trinta da Europa, o Benfica de Lisboa.

Podem dizer que são os meus olhos azuis e brancos a escrever, de certa forma admito-o, mas há também algo que nada tem a ver com isso, é o direito à indignação.

Os trinta e cinco anos de independência mereciam um jogo entre selecções de dois países, num espectáculo que galvanizasse os cidadãos, tão distantes de uma FAF cheia de problemas financeiros, organizativos e até de definição de uma matriz desportiva coerente.

Este jogo, devolve-me de certa forma os tempos dos irmãos Vieira de Brito, da “Sociedade Mário Cunha” no Amboim, grandes entusiastas do Benfica campeão europeu (1961-63), e principais impulsionadores e mecenas da construção do Estádio da Luz em Lisboa. Traz-me à memória também os dislates do “massa bruta”, João Ferreira do Negage, que foi a Lisboa para comprar jogadores ao Benfica, para competir pelo Desportivo, depois de uma querela com uns colegas na direcção do Sporting. Na altura o Negage tinha duas equipas na 1ª divisão do campeonato provincial, com cinco ex- jogadores do Benfica numa delas, embora alguns deles só treinavam, porque o Benfica tinha nesses tempos uma equipa extraordinária, do Coluna, Eusébio, Santana, Águas, etc.

Esta comemoração desportiva é um verdadeiro embuste, e tenho muita pena de não ter os quadros humanos e a participação da juventude, mesmo que acabasse com um jogo com outros protagonistas, que nesta altura do ano não querem arriscar nada, a não ser o dinheirinho que os move.

Já que se fala de desporto, fez oitenta (80) anos que foi publicado o primeiro jornal (semanário) desportivo no então “espaço português”. Foi o "Angola Desportiva". Fundado em 8 de Agosto de 1930, pelo insigne desportista angolano Eduardo Castelo Branco (a quem toda

a gente tratava por "Chateau"). A publicação acabou no dealbar dos anos setenta, e teve a sua última redacção na sua casa, um r/c no Braga.

Fernando Pereira

2/11/2010



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