12 de junho de 2010

O Senhor Basquetebol/Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 18-06-2010




De vez em quando, em Angola vai havendo lugar para o reconhecimento do trabalho, do empenho e da criatividade de alguns dos seus cidadãos.
O Desportivo 1º de Agosto, clube onde me sagrei campeão nacional de voleibol, resolveu organizar o torneio de basquetebol “Vitorino Cunha”.
É uma homenagem, ainda que singela, ao maior cabouqueiro do basquetebol angolano, realçando a gratidão dos dirigentes para com um técnico que tudo deu ao clube e ao basquetebol angolano.
Convém fazer uma prévia declaração de interesses sobre Vitorino Cunha, assumindo que as minhas relações pessoais com ele nunca foram muito boas, porque na realidade tem um feitio particularmente complicado, opinião naturalmente subjectiva.
Vitorino Cunha, que conheço desde os tempos do CDUA, há quase quarenta anos, é indiscutivelmente o “Senhor Basquetebol Angolano”, e o responsável maior pelo facto de Angola ser há décadas, a maior potência africana da modalidade.
Técnico excelente, fui durante muitos anos a figura tutelar do basquetebol angolano, e muitos dos mais brilhantes jogadores da nossa selecção ao longo destes quase trinta e cinco como País, devem-lhe muito, principalmente a motivação e os ensinamentos ministrados na fase de formação.
Muitas vezes foi acusado de métodos pouco ortodoxos, para fazer valer as suas convicções, mas a realidade é que no essencial a razão estava do seu lado. Situações como a de ter a chave da Cidadela, para às seis da manhã treinar um jogador, para que a sua evolução técnica fosse mais rápida, ou guardar religiosamente as bolas na viatura para ter a certeza que tinha o material à hora que precisava, entre outras histórias, são reveladoras da indómita vontade de ver o basquetebol angolano no galarim das potências mundiais da modalidade.
Rui Mingas, e a sua equipa nos Desportos, numa fase crucial de definição de prioridades no desporto angolano, no dealbar de Angola enquanto País, contra “muitos ventos e marés”, assumiu de forma determinada que o basquetebol seria a modalidade de maior expressão de Angola no exterior. Os factos, que pelos vistos são teimosos, mostraram que a razão estava do seu lado, pois o futebol exigia investimentos vultuosos, e obrigava-se a discutir uma remota primazia, com um conjunto de países africanos com outras estruturas já firmadas e alianças, afirmadas, ainda que nalguns casos espúrias.
Afirmo sem qualquer prurido de espécie alguma, que se não houvesse um Vitorino Cunha, teria sido bem mais difícil implantar esta afirmação popular em torno do basquetebol em Angola.
Já que se fala de basquetebol, e porque tive o prazer de rever o Agostinho Reis, velha glória do Benfica de Luanda, na semana transacta, vem-me à memória uma história notável em que ele e o meu falecido amigo Alberto Martins foram protagonistas no ano de 1967.
Como era prática no tempo colonial, a partir do inicio dos anos sessenta, o campeonato de basquetebol era organizado alternadamente na “Metrópole”, outro em Moçambique e outro em Angola. O campeonato era disputado pela equipa vencedora de cada “provincial” e pelas duas primeiras classificadas do campeonato onde nesse ano se realizava o “nacional”.
Em 1967, o campeonato foi disputado em Angola, tendo ganho o Benfica de Luanda, num jogo disputadíssimo contra a Académica de Coimbra, na época de estreia do António Guimarães nos seniores do SLB.
O treinador da Académica de Coimbra, era o professor Alberto Martins, conhecido pelo “Teórico”, que entre várias hipocondrias, tinha um pavor enorme a espaços fechados, pelo que andar de avião era um verdadeiro suplício.
Numa entrevista à então “Emissora Oficial de Angola”, o Alberto Martins no aeroporto, quando embarcava para Portugal, e numa apreciação ao campeonato que a AAC tinha perdido, resolve dizer que tinha ficado surpreendido com o “jogador Agostinho Neto” do Benfica de Luanda, numa confusão com o Agostinho Reis. Naturalmente toda a comitiva gozou com a situação, e o “Teórico” começou a achar muito pouca piada ao deslize, o que ao tempo era uma situação a merecer cuidado.
Faltavam uns minutos para o embarque e o professor Martins já com vários ansiolíticos no corpo, é chamado pela aparelhagem sonora do aeroporto aos serviços da PIDE. Bem, os mais malandrecos da equipa começaram a “fazer um filme”, que deixou-o completamente petrificado e num estado de palidez, que quem viu jamais esqueceu, tal era o estado do “Teórico”. O saudoso Carlos Silva, o Hilário e o moçambicano José Luis Cabaço eram os que mais gozavam com a situação, que só terminou quando o professor Martins volta da PIDE, uns minutos depois, e trazia um “faceas” totalmente diferente, mas ainda a balbuciar que “era só para me entregarem os documentos que esqueci no balcão de embarque”!
As malhas que o basquetebol no Império teceu!
Fernando Pereira
6/06/2010

4 de junho de 2010

Marx- Tendência Groucho (II) / Ágora / Novo Jornal / Luanda 4-6-2010



Continuando a falar de cinemas de Luanda, lembro-me do brado que deu a inauguração do” Tivoli”, em meados dos anos 60, em que o filme era o “Dr. Jivago”, (David Lean- 1965) uma adaptação de um livro do primeiro soviético laureado com o Nobel, a pedido dos EUA em plena” guerra fria”, Boris Pasternak. Na Samba, o” Tivoli” afirmava-se como uma sala com uma excelente acústica, e era engraçado verem-se empoleirados nos muros, muita gente que provavelmente só assim podia ir vendo cinema.
O Miramar, era o que se pode chamar a “feira das vaidades” de determinado tipo de gentes da cidade no tempo colonial, e recordo-me de ter visto por lá o “Lawrence da Arábia” (David Lean-1962). Nos anos 80 vi por lá uma mostra de cinema soviético, onde pude ver algumas obras de Tarkovsky, nomeadamente os fantásticos, “Andrey Rubiev” e “Solaris”, duas obras primas do cinema soviético, numa escola de Eisenstein, e que nada tinham a ver com as estopadas que nos martelavam, com a heroicidade dos combatentes da URSS na 2º guerra.
Houve uma altura em Luanda, que esse tipo de filmes e até, pasme-se, uns westerns soviéticos, passavam no Kipaka, ao lado do Ferroviário, onde terei visto provavelmente a pior sequencia de cinema em toda a minha vida, filmes que só tinham paralelo em comer macarrão com peixe espada frito (na gíria popular, “o cinturão das FAPLAS”) que nos davam nos restaurantes da cidade, para podermos ter acesso aos pouco saudosos “búlgaros”.
No Nacional, que hoje alberga um excelente projecto cultural dirigido com enorme voluntarismo pelo Jacques Arlindo dos Santos, a “Chá de Caxinde”, e onde no sábado passado o Mário Torres foi homenageado pelos muitos amigos que conquistou, numa vida coerente de duro combate por uma Angola independente. Talvez de forma descontextualizada do artigo, não há festa, nem homenagem que consiga retribuir o que Mário Torres deu a este País, ele que nunca esperou, nem reclamou, nem recebeu prebendas de qualquer tipo, num claro desapego, só possível no elevado carácter da pessoa.
Voltando ao “Nacional”, onde ainda me tentaram incluir num grupo infantil de teatro, “Cremilda Torres”, em meados dos anos sessenta. Desconseguiram, porque realmente não tenho jeito nenhum para cantar, mas a intenção ficou! O vetusto “Nacional” é uma sala notável, e um marco na cultura de uma Luanda muito provinciana e maledicente. Estar por lá o Chá de Caxinde, é um alívio, mas todo o cuidado é pouco, para defender o imóvel da sanha assassina do camartelo em prol de novos espelhos.
O” Tropical”, onde me fartei de ver cantores, artistas e nalguns casos alguns que tentavam ser uma coisa e outra e não conseguiam ser nada, era um espaço interessante, num conceito muito pouco habitual de cinema, embora se o filme fosse longo, o torcicolo era inevitável, já que as mesas obrigavam-nos a levantar o pescoço. Cine-Teatro bonito dos anos 50, jardins com bom gosto, um local que julgo saber relativamente preservado.
No “Ngola Cine”, lembro-me de ver alguns filmes de reprise, e ter assistido a espectáculos diversos, alguns animados pelos Kiezos, com o recentemente falecido Vate Costa, a quem presto sentida homenagem. Do outro lado da Avenida o pequenino “S. João”, era um cinema de bairro, onde acho que nunca entrei, tendo contudo frequentado o cinema da unidade móvel nº 7, perto da actual Casa 70.
Fui à inauguração do “S. Paulo”, já no dealbar dos anos 70, com o “Herbie, se o meu carro falasse”, uma produção da Disney sobre o VW Carocha, inicialmente produzido em 1940 na Alemanha, e o carro mais vendido em todo o mundo suplantando o mítico Ford T. O VW Carocha, carinhosamente apelidado por “ZEDU”, foi introduzido massivamente em Angola em meados dos anos 80.
Não sei se falei de todos os cinemas mas lembro-me que frequentava o cine do Sporting Club da Maianga, do Sindicato dos Motoristas, ali ao pé das Obras Publicas, o cine dos CTTs, ao pé do Kinaxixe, e acho que fui uma vez a um cinema que a Textang tinha na Boavista, ao ar livre!
Em Viana, ao Kilamba, nem nunca fui, porque ficava fora de mão, e sobre o demolido teatro “Avenida” na Rainha Ginga, havemos de falar sobre isso noutra crónica.
Como esta crónica é feita a dois tempos, lembro que teremos começado com Marx, e já que falamos de cinema, o máximo que podemos dizer é que alguns “marxistas” convictos em determinado momento, recusaram-se a aderir ao “Marxismo- tendência Groucho”, dos notáveis irmãos Marx, que filmes como “Um criado ao seu dispor”, “Uma Noite na Ópera”, “Uma Noite em Casablanca”, e por aí fora, são momentos inolvidáveis no cinema do nosso encantamento.
(FIM)
Fernando Pereira
24-5-2010
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