4 de maio de 2018

“Proibido Proibir”/ Ágora/ Novo Jornal - Luanda 4-05-2018


                “Proibido Proibir”


            Comemora-se o cinquentenário da aventura de uma geração, em que nada a partir de então ficou como tinha sido até àquele momento!
            O Maio de 1968 surge numa Europa, que curiosamente vivia um dos melhores períodos de euforia económica do pós 2ªguerra mundial aliada a uma paz social como ainda não se tinha visto no século XX, e o seu epicentro é numa das cidades do mundo que foi sempre um local de culto pela defesa da liberdade, Paris.
            O dia 3 de Maio de 1968 é a data marcante da grande revolta estudantil, quando em resposta à concentração contra o encerramento da Sorbonne se inicia um período de grande explosão social, sem paralelo na europa contemporânea de então.
Os estudantes barricam-se no Quartier Latin e rapidamente as manifestações e confrontos generalizam-se por toda a cidade e um pouco por todo o País. As adesões à luta dos estudantes por novos valores e outras opções de participação popular multiplicaram-se, e de um momento para o outro 10 milhões de trabalhadores dos mais variados sectores de atividade estavam em greve paralisando toda a atividade económica de França.
Os estudantes e os movimentos cívicos contestavam a “velha ordem” instalada nos estabelecimentos de ensino superior, e reclamam um ensino conservador equidistante da realidade quotidiana dos cidadãos.
De Gaulle, ao tempo presidente francês, herói da resistência ao nazismo perde por completo o controle da situação, entrando em clara rotura com a rua que diariamente se agiganta em adesões e também em choque com o seu primeiro ministro Pompidou que tenta arranjar uma solução de compromisso que permita à França sair de uma situação de caos quase generalizado.
O movimento do Maio de 1968 furou o convencionalismo dos partidos tradicionais, e foi olhado com alguma reserva inicial pelo movimento sindical francês, muito cético “porque os estudantes eram os filhos da burguesia”, mas a verdade é que em determinada fase a própria CGT, a maior confederação sindical francesa aderiu a uma contestação que não tinha liderança e que queria discutir tudo.  Para se ter a dimensão da mobilização, a título de exemplo, foram editados em serigrafia, litografia ou gravura mais de 500.000 cartazes com cerca de 400 motivos diferentes, feitos por estudantes, professores, artistas e grupos de bairro.
A Bolsa de Paris ardeu, algumas igrejas foram locais de reunião, as salas de aula foram utilizadas para se discutir a ordem, a desordem e a pós-desordem.
 Tudo era posto em causa e palavras como: “O sonho é realidade”, “Todo o poder abusa. O poder absoluto abusa absolutamente”, “Não me libertem, eu encarrego-me disso”, “A poesia está na rua”,” A ação não deve ser uma reação, mas uma criação”, “A Revolução tem de deixar de ser para existir”,” Abram o vosso cérebro tantas vezes como a braguilha”,” É proibido proibir”, “Tomem os vossos desejos pela realidade”, “Não reivindicaremos nada. Não pediremos nada. Conquistaremos. Ocuparemos,” Um homem não é estúpido ou inteligente: ele é livre ou não é” e muitas outras que passaram a entrar no quotidiano das revoluções que se foram operando um pouco por todo o mundo.
Numa reportagem um jornalista ouvia um conjunto de intervenções e quando se dizia “Contestai, é preciso contestar tudo”, perguntou: “Mas não há nada que vocês não contestem?”” Há” respondeu alguém: “O direito que todo o homem tem a viver dignamente”.
No Odeon, um dos lugares míticos de debate contínuo nesses dias de permanente agitação há este diálogo captado por um jornalista: Uma mulher magra, de meia idade, algo irritada com frases do tipo “enforcar o ultimo padre nos intestinos do ultimo capitalista” grita do alto do balcão: “Atenção, Irmãos, Deus está vivo, está lá fora à porta”. Logo, alguém lhe respondera: “Então que entre depressa, já vem atrasado”.
O Maio de 1968 marca uma viragem em novas conceções políticas, abertas a novas doutrinas e mobilizadoras para vivencias diferentes do contexto centrado nalgum dogmatismo organizativo do seculo XIX e no princípio do seculo XX. Foi um tempo em que Marcuse, Sartre, Dérrida, e outros aparecem a ocupar os lugares que Marx, Engels, Lenine, Trotsky,Staline, Mao e outros disputam. Volta-se a Saint Simon, Fourier, Owen, Hegel e Goethe para perceber Dabord, Aragon, Althusser, Aron, Garaudy, Beauvoir, etc. Reinventa-se a história sem que o dogmatismo da luta de classes permaneça, e procura-se algo de hedonismo social, mas de contornos muito difusos, e nalguns casos pouco coerentes.
Nos EUA a contestação à guerra do Vietnam torna-se o motivo central da contestação estudantil, e o início das conversações de paz entre os EUA e o Vietname começam em Paris em Maio de 1968, o epicentro das múltiplas revoltas que se espalham um pouco por todo o mundo e que nalguns casos se revelam dramáticas para os manifestantes, por exemplo no México onde morrem algumas centenas pelo uso desproporcionado da policia e exército no que foi o triste massacre de Tlatelolco.
Cinquenta anos depois no mundo parece que quase não houve nenhum Maio de 1968, pois os o voluntarismo, o apelo de libertação, o espírito solidário,e outros valores desvaneceram-se, e a geração desse tempo engravatou-se e esgaravata-se em fazer prevalecer a ordem económica assente numa economia de mercado, de desmesurada ferocidade para com os trabalhadores, imigrantes e povos de países em vias de desenvolvimento.
Passou-se à concorrência feroz, à disputa de mercados e um apelo ao consumismo desregrado que empobrece povos, enriquece alguns e multiplica a fome e a indigência por milhões que não tem direito a rigorosamente nada. As mais valias que eram extorquidas aos trabalhadores no processo produtivo, gerando emprego, foram substituídas na forma de ações, títulos, participações e outras formas subtis de transferência de capital ao nível global.
O ano de 1968 foi o ano de todas as contestações desde as sucessivas manifestações contra a guerra do Vietname um pouco por todo o lado, o início da Primavera de Praga e o seu esmagamento por tropas soviéticas, revoltas estudantis em Espanha, Alemanha, Bélgica e Itália, para além do assassinato de Marthin Luther King em Menphis quando se preparava o maior movimento grevista nos EUA.
Na musica, nas artes-plásticas, no vestuário e noutras áreas da cultura houve uma mudança com o aparecimento de novas tendências e o ousar passou a ser o banal, acabando com o convencionalismo que então era quotidiano nas sociedades tecnologicamente e economicamente mais desenvolvidas.
Se ao tempo nada ficou como antes, passados os 50 em que Geismer, Sauvageot e Cohn-Bendit deram a cara por um Maio que fez abanar os fundamentos do “estado burguês”, temos hoje um mundo mais desigual, ideologicamente monocromático e que a democracia passou apenas a ser instrumentalizada para domínio do económico em detrimento de um social cada vez mais apagado.
“Sejamos realistas, exijamos o impossível”

Fernando Pereira
29/5/2018






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