27 de março de 2018

99-Uma capicua com começo feliz Jornal de Angola- Luanda- 27-03-2018


  
            

99-Uma capicua com começo feliz!
No passado dia 24 de março de 2018 foi inaugurado num dos mais emblemáticos edifícios da nossa cidade capital, o Magistério Mutu ya Kevela, escola de formação de professores do ensino primário.
            A solução encontrada, é minha opinião reveladora de clarividência por parte de quem decidiu o princípio de um novo futuro que se revela auspicioso no domínio da educação no País.
            Durante os oito longos anos que demorou a reconstruir o edifício muito se especulou sobre qual seria o seu futuro, e logo vozes bastantes em surdina iam dizendo que iria acabar como património de uma universidade privada, um hotel de luxo, um condomínio, enfim uma panóplia de conjeturas sobre um edifício que para além da arquitetura impactante,  foi lugar onde muitos dos que foram figuras de referencia nestes quarenta anos de País, por lá estudaram e onde fizeram cumplicidades que ainda hoje prevalecem.
            Para o ano o Liceu de Luanda cumpre a vetusta data de cem anos, pois foi a 22 de fevereiro de 1919, pela portaria nº 51, o então governador-geral Filomeno da Camara Melo Cabral com a designação de Monsenhor Manuel Alves da Cunha, seu primeiro reitor (o único que se manteve na sua peanha antes e depois da independência no jardim fronteiro ao ex-Colégio S. José de Cluny). Monsenhor Alves da Cunha era também conhecido por ser o “Senhor Kuribeka”, pois era curiosamente membro da maçonaria!
            A instalação do Liceu que teve como aluno nº 1 Álvaro Galiano, funcionou desde 15 de setembro de 1919 na Rua da Misericórdia, numa casa da Companhia de Ambaca, tendo-se transferido para a Av. do Hospital em outubro desse ano, em edifício demolido para dar lugar ao prédio onde hoje funciona o Ministério da Justiça.
            Em 1924 o Liceu passa a chamar-se de Liceu Nacional de Salvador Correia, equiparado aos liceus da então metrópole. Em 1972 o liceu passa a servir de local de estágio de professores e até 1975 altera a denominação de Nacional para Liceu Normal.
            O edifício era pequeno e logo foram detetadas insuficiências que levaram a que se apresasse a construção de um edifício que respondesse ao crescendo de numero de alunos, quer de filhos de colonos, quer de famílias negras e mestiças que viram uma oportunidade de poderem dar aos filhos uma formação, que lhes pudesse permitir ter um emprego com alguma dignidade e futura na segregacionista sociedade colonial.
            O arquiteto José Costa e Silva é o autor de um projeto arrojado pois conseguiu compatibilizar o modelo de português-suave, uma corrente da arquitetura portuguesa muito cara a determinada fase do salazarismo, com o clima de Luanda. Não sou um adepto do estilo, mas reconheço que é um modelo onde muitos arquitetos se deveriam rever para evitar a perfeita “balbúrdia arquitetónica” que se transformou Luanda, que em alguns aspetos parece uma Disneylandia para adultos!
            O edifício é arrojado, com paredes duplas para a circulação de ar, claustros onde se consegue evitar a inclemência do sol alto da cidade e janelas com luz suficiente e protegidas da estia de Luanda.
            O Liceu Nacional de Salvador Correia deu os dois primeiros presidentes do País, Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos e deu uma plêiade de gente que lutou pela libertação do País. Formou gente de grande qualidade científica e intelectual e a maior parte dos poetas angolanos saíram dos bancos do Liceu, tendo debutado no “Estudante”, órgão dos alunos do Liceu Salvador Correia, sendo o 1º número de 1933.
            Seria fastidioso, e ao mesmo tempo indelicado pois poderia esquecer alguém, vir aqui dizer os nomes de tantos que em Angola, em Portugal, nos EUA, no Brasil, em Macau se tem notabilizado em várias áreas do conhecimento e da política. É indisfarçável o orgulho de todos os milhares que passaram por este Liceu, que continuou enquanto Mutu-Ya-Kevela, a fazer sair gente de grande qualidade que ajudaram a construir uma Angola renovada e independente.
            A degradação física do edifício e as sucessivas deficiências pedagógica do Mutu-ya-Kevela retiraram algum brilho nos últimos vinte anos, mas ei-lo que regressa para dar uma alegria coletiva aos do Salvador Correia e aos do Mutu, e julgo que há uma unanimidade na celebração da recuperação, e um aplauso pela sábia decisão de dignificar um espaço de eleição com uma escola de formação de professores.
            Esta decisão consegue esbater definitivamente os fantasmas que havia em relação ao estatuto de escola de formação de quadros do sistema colonial, como o surgir em contraponto uma escola que pudesse criar “o homem novo” sucessivamente adiado da escola pós-independência! O surgimento deste Magistério Mutu-Ya-Kevela vai seguramente unir todos para que se comemorem os 100 anos de um tempo que é mais para recordar, para acordar para um futuro que se deseja consequente e brilhante num ciclo novo que começa.
            Eu andei no Liceu desde o meu 1º ao 5º ano, tendo saído em 1972 e há milhentas histórias que me recordo e muitas outras que me são recordados em inúmeros encontros que nos fomos habituando a fazer em Portugal, em Luanda, no Brasil ou em Macau. É impressionante o espírito solidário dos antigos alunos do Salvador Correia / Mutu-Ya-Kevela, e os encontros são sempre um retorno a um tempo pueril e irresponsavelmente sonhador.
            Num momento em que se tornou um hábito quotidiano defenestrar governantes, é justo realçar a decisão de se ter recuperado fisicamente a escola, e simultaneamente aplaudir a ministra da Educação, Maria de Cândida Teixeira pela decisão que tomou em relação ao futuro do “nosso Liceu”!
                   Porque muita gente ignora quem foi Mutu Ya Kevela convém destacar que foi um dos mais notáveis membros da Corte do Bailundo, um herói de uma das nações ancestrais do Centro de Angola e liderou uma revolta contra a presença portuguesa, tendo sido derrotado em 1902, depois de ter conseguido reunir um conjunto de reinos da região, e ao tempo ter disposto do maior numero de guerreiros.
                   Também por isto uma boa homenagem!
Fernando Pereira
26/03/2018

16 de março de 2018

Interior a quanto obrigas / O Interior/ 15-3-2018




Interior a quanto obrigas
Resolvi adaptar esta frase aos tempos que se avizinham: “O interior de Portugal nunca perdeu uma oportunidade de perder uma oportunidade”!
Desculpem a desfaçatez, mas de facto não deixa de ser risível este movimento que se criou para a defesa e o desenvolvimento do interior.
Sem pompa, mas com alguma circunstancia um grupo de cidadãos, com provas dadas enquanto membros do governo nos períodos mais catastróficos para o interior, resolveram constituir um “Movimento pelo Interior”. Caras conhecidas como Miguel Cadilhe, Jorge Coelho e Álvaro Amaro, entre outros de menor notoriedade aí estão cheios de energia para devolver ao interior o que se perdeu em décadas a fio.
Estas figuras, ao entrarem já na esfera da gerontocracia política, foram titulares de pastas governamentais importantes para que se mantivesse a coesão territorial e o que fizeram foi malbaratar muito da riqueza produtiva do interior sendo responsáveis diretos, provavelmente involuntários, pela situação a que se chegou.
Se vão fazer um exercício de expiação, e tentarem ser um lóbi atuante de forma a conseguirem a materialização de algumas ideias que por aqui vão pululando de quatro em quatro anos, já não é mau de todo, embora me pareça que este grupo é mais para darem uma “prova de vida”, do que propriamente para trabalharem em prol do que quer que seja.
O interior transformou-se num lugar habitado por idosos, já com pouco presente e sem futuro. Confesso que gostava de ver propostas para o interior, mas feito por gente de eleição em termos académicos, com protagonismo ao nível intelectual e não um movimento reduzido a políticos reformados, que estão já a gozar as suas reformas douradas.
Para movimentos destes já demos, e por isso o meu proverbial ceticismo em relação ao interior vai-se mantendo, e porque vivo cá assisto a esta agonia continuada cada dia que passa, com tristeza e perante a apatia de muitos dos que me rodeiam.
                Não acho que Jorge Coelho, Miguel Cadilhe ou Álvaro Amaro e outros não tenham algumas ideias ou alguma vontade de fazer alguma coisa pelo futuro do interior, mas tantas oportunidades tiveram quando tiveram protagonismo e poder real, e foi com eles que a maior parte dos serviços foram deslocalizados para o litoral e hoje reunidos todos em Lisboa e Porto.
                Só tenho que pedir que os programas de desenvolvimento que eventualmente vierem a sair, porque isto começa e a maior parte das vezes acaba com relatórios, não mos venham dar em livrinho de pano da Majora, porque já não tenho idade para receber prendas dessas.

Fernando Pereira
12/03/2018 


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