16 de dezembro de 2017

INTERIOR DESAVINDO / O Interior/ 14-12-2017




INTERIOR DESAVINDO
Rendi-me há muitos anos ao desaparecimento paulatino do interior do País enquanto espaço territorial único, território social e espaço multicultural!
                Desde o resultado daquele arremedo de referendo sobre a regionalização de 1998, patrocinado por um sempre titubeante António Guterres, que as ultimas esperanças sobre alguma cedência da macrocéfala Lisboa se desvaneceram completamente. Esse referendo, se bem me lembro, apenas serviu para que os baronatos dos partidos do bloco central dos interesses pudessem gritar em plenos pulmões, por um brinquedo que todos sabiam de antemão que nunca iria mudar o que quer que fosse.
                Os exemplos para se combater a regionalização eram sobretudo a diabolização do modelo do Alberto João Jardim na Madeira (por sinal um adversário da regionalização no continente) e de Jorge Nuno Pinto da Costa, um defensor claro da descentralização, que foi usado como cartaz de um papão contra Lisboa. Toda a classe política de Lisboa, a que por lá se vai insinuando entre ministérios, parlamento, restaurantes, bares, night-clubs etc. quer perpetuar este estado de coisas, por isso não vale a pena estarmos aqui a exigir o que quer que seja para este interior desavindo.
                Depois do governo anterior ter atirado para a Guarda a sede da EPAL, o atual governo resolve constituir uma empresa publica de gestão da floresta em Lisboa, empresa que pouco vai servir do que olhar para o Parque de Monsanto. Numa de Guterres, Costa decide dar ao Porto o INFARMED para dentro de dois anos de estudos e aluguer de instalações parir-se uma decisão dizendo que não há condições para a instalação do Instituto no Porto. Com um pouco de sorte a DOCAPESCA vem para a Guarda e a Sede da Autoridade Marítima Nacional para Castelo Branco ou Portalegre.
                O interior cada vez tem menos voz, e se fizermos um exercício vemos que as entidades desconcentradas da administração central nas cidades do interior não decidem rigorosamente nada, nem tampouco são já ouvidas as pessoas para se elaborarem projetos de desenvolvimento e envolvimento económico e social deste país fora de Lisboa e de certa forma do Porto.
                Do interior fala-se quando há incêndios, neve ou quando há uns assassinatos em série. No resto faz-se exatamente o mesmo que fazia o SNI (Secretariado Nacional de Informação) de má memória. Divulga o mel, o queijo, o azeite, uns enchidos e o vinho e tudo isto representa entre 1,35 a 1,8% do PIB português. Vem cá as TVS perguntar se está frio no Inverno ou se está calor no Verão e fazem uns programas do mais pindérico que pode haver, e que só não são matéria-prima para humoristas, porque a maioria é má e só estão a enfadonhar o publico porque se habituaram a encostar-se ao poder e aos poderzinhos adjacentes.
                O drama de hoje começa a não ser apenas a fuga dos jovens para o litoral (Lisboa ou Porto), mas a falta de idosos para encher os equipamentos sociais disponíveis em demasia na região e que são um fator de fixação de gente nas mais recônditas aldeias do interior.
                Estamos no princípio do fim de mais uma etapa de fim do interior e dispensam-se discursos e loas aos seus projetos messiânicos de desenvolvimento. Eu pelo menos faço o meu papel, e já nem ouço para não me incomodar.
 Já nem o clero se quer por cá manter, porque as receitas são cada vez menores. A bem dizer foram os padres os que começaram a debandada, acumulando os poucos que restaram paróquias em numero significativo para as suas práticas. Deixaram de “prestar” uma série de serviços porque há cada vez menos contribuintes líquidos para as “obrigações da fé”.
Desejo-vos umas Boas Festas, com a certeza que para o ano estou a repetir o que aqui escrevi, provavelmente para cada vez menos gente que zarpa em busca de oportunidades que aqui não encontram.

Fernando Pereira
10/12/2017


8 de dezembro de 2017

Bibliofalando! / Ágora/ Novo Jornal / Luanda 8-12-2017




Bibliofalando!
Resolvi dedicar os últimos meses a um exercício quase obsessivo de pôr em dia uma série de leituras de livros em que o tema era Angola.
                Comecei pelo livro de José Reis, “Angola o 27 de Maio, memórias de um sobrevivente”, editado pela Vega, e quando cheguei ao fim não consegui esconder a deceção de ter lido um relato cheio de hiatos, pouco rigoroso e sem qualquer relevância para contribuir para que o 27 de Maio de 1977 possa começar a ser devidamente esclarecido pelos sobreviventes. O livro parece ter sido feito a medo e a irrelevância de certas descrições tornam um livro pobre vindo de uma pessoa de quem esperava francamente mais.
                Comentando com um amigo comum o livro, e manifestando a minha deceção, foi-me adiantando que iria sair um segundo livro sobre o mesmo assunto. Confesso que despercebo porque é que não saiu com tudo no primeiro, que repito é paupérrimo nos fatos descritos.
                Também editado pela Vega, de Hugo Azancot de Menezes, “Percursos da Luta de Libertação Nacional”. Um livro que são memórias pessoais numa viagem ao interior do MPLA. O livro é interessante, pouco elaborado na verve, mas sobretudo um documento importante sobre a luta de libertação nacional e as querelas internas no seio daquele MPLA que muitos de nós não conhecíamos, mas que acabámos por herdar nos tempos conturbados do dealbar da independência.
                Hugo Azancot de Menezes acrescenta uma nova versão da data de nascimento do MPLA, situação recorrente entre todos os seus conhecidos fundadores e outros que acham que terão estado nessa génese. Cada depoimento de um “pai fundador” do MPLA só vem lançar uma nova confusão na data em que o Movimento foi criado, deixando-nos justificadamente incrédulos perante a historiografia oficial, que remete a fundação para o 10 de Dezembro de 1956.
                Não fora os exageros das notas de Carlos Pacheco, e o livro lia-se bem! As notas exacerbam algumas situações que não sei se teriam sido do agrado do autor, o que torna o livro algo pesado, mas não lhe retira em nada a contextualização histórica. Um livro a ler.
                De José Manuel da Silveira Lopes, também da Vega, saiu o livro “O Cónego Manuel das Neves, um nacionalista angolano”, um ensaio de biografia política. Uma obra interessante, feita com rigor e que provavelmente coloca o Cónego Manuel das Neves como uma das figuras cimeiras do nacionalismo angolano, transversal a todos os movimentos de libertação. Queria a independência do território para a dignificação do cidadão angolano, tão vilipendiado pelas autoridades coloniais e por todo o sistema vigente!
                Durante anos ignorado pela historiografia oficial, o contributo do cónego Manuel das Neves e a postura coerente do Arcebispo Moisés Alves de Pinho deram um contributo muito importante para o início da luta armada, e fizeram sentir na comunidade católica os desmandos do sistema colonial português em África. Esta obra tenta ser rigorosa, sustentada pelos documentos possíveis, pois era útil utilizar os arquivos da PIDE em Angola, se é que existem, ou se estão conservados, para responder a inúmeras dúvidas com que os investigadores se deparam quando tem que fazer algum trabalho sobre gente de Angola. Um livro a merecer leitura atenta.
                Neste espaço de tempo em que tive oportunidade de ler alguns livros posso dizer que não me alongarei muito sobre a obra de Leonor Figueiredo, porque parte sempre do princípio que o MPLA é sempre culpado de alguma coisa! A autora faz um conjunto de entrevistas a várias pessoas, e o que se retém é a existência de grupos pequenos, demasiado circunscritos à discussão teórica do M-L e com pouca intervenção ao nível da luta que havia no País. Circunscrevia-se a Luanda, na Universidade e acho que o título “O fim da extrema-esquerda em Angola” talvez seja manifestamente exagerado, como é um exagero o subtítulo “Como o MPLA dizimou os Comités Amílcar Cabral e a OCA (1974-1980)” e que é o leitmotiv do livro. Sinceramente não gostei, mas é uma opinião subjetiva. Editado pela Guerra e Paz.
                Neste conjunto de livros deixei propositadamente para o fim, o livro “Joaquim Pinto de Andrade, uma quase autobiografia”. Livro graficamente excelente organizado por Diana Andringa e a sua esposa recentemente falecida Vitória de Almeida Sousa, com posfácio do advogado Mário Brochado Coelho e editado pela Afrontamento.
                Um livro que é o conjunto de cartas, notas, testemunhos do que foi o percurso de um dos valorosos combatentes pela independência de Angola, que mereceria mais respeito e admiração pelos que hoje fazem depoimentos para uma futura história de Angola. Conheci-o e pontualmente tínhamos as nossas divergências, mas sempre me habituei a ver Joaquim Pinto de Andrade como uma referência no grupo restrito dos que combateram o colonialismo, com ideias muito definidas e intransigente nos princípios. Pouco dado a cedências nos valores de defesa do humanismo e da cidadania plena para os angolanos. Foi um combate de uma vida.
                Um livro mais que recomendável, porque só se pode dar futuro ao presente com o cabal conhecimento do passado.
                Charles Bukowski dizia: “É preciso sempre tentar, é melhor ter desilusões que arrependimento”
                Como ando numa voragem de leitura, prometo em breve nova crónica sobre os que já li e o que irei ler em breve. Não perdem pela demora!

Fernando Pereira
19/10/2017



10 de novembro de 2017

Uíge: cem anos que viva… / Novo Jornal/ Ágora / Luanda 10-11-2017



Uíge: cem anos que viva…
A 1 de Julho de 2017 a cidade do Uíge comemorou cem anos, data que marcou a chegada de um parente afastado, capitão da “circunscrição militar do Bembe”, de seu nome Manuel José Pereira que ocupou uma colina onde instalou o primeiro fortim português naqueles lugares.
                Enquanto a Europa e no sul de Angola estava encarniçada a 1ª guerra mundial, quando Kerensky se preparava para perder o poder na Rússia para os sovietes, abrindo caminho à Revolução de Outubro, nas florestas do norte de Angola “pacificavam-se” as gentes que queriam manter seus hábitos, sua religião, sua cultura e a sua economia! Triste sorte!
                Fica no comando deste fortim, erigido onde hoje é o centro cívico da capital da província, o Alferes Tomaz Berberan que de facto transforma o pequeno forte num entreposto comercial que ganha alguma dimensão rapidamente.
                Numa ação de “promoção” o alferes Berberan começou a sensibilizar empregados do comércio de Ambriz e Ambrizete para se fixarem na povoação do Uíge, e assim vai florescendo a cidade que passa da administração militar para a administração civil em 1922.
                A cidade tornou-se no centro da produção de café da região, e os melhores terrenos passaram a maior parte das vezes, por meios sórdidos para a pertença de fazendeiros brancos, relegando os locais para a miséria, para o trabalho coagido e para a fuga para o vizinho Congo-Belga.
                Foi vivendo ao longo do tempo colonial os momentos de euforia e os de desanimo, fruto das cotações do preço do café a nível internacional. Essas circunstancias foram condicionando o ritmo da urbe, que em 1955 num arremedo patrioteiro muda o seu nome original para Carmona, procurando homenagear o recentemente falecido presidente de Portugal. Em 1956 foi elevada à categoria de cidade!
                Em Março de 1961 os fazendeiros brancos sitiados na cidade repeliram os guerrilheiros que iniciaram a guerra de libertação no Norte de Angola, tendo sido “Carmona” um dos lugares simbólicos de resistência dos “portugueses”. Foi libertada pelas FAPLAS e tropas cubanas em Janeiro de 1976, colocando em fuga os elementos da FNLA que se encontravam na cidade e arrabaldes.
                Restabeleceu-se a administração central através da instalação do governo provincial, com todos os serviços desconcentrados da administração publica, mas a atividade económica da cidade e da província soçobrou por completo com a saída massiva dos colonos portugueses.
                Ao longo destes quarenta e poucos anos de independência viveu períodos muito maus, fruto da guerra permanente até 2004.
                Teima em sair do marasmo, mas o que se assiste é ao abate indiscriminado de árvores de grande porte e à erosão rápida da camada produtiva dos solos. O Uíge assiste hoje a um verdadeiro crime ambiental, que vai deixar a curto prazo uma população sem qualquer meio de desenvolverem uma atividade produtiva sustentada, que promova a fixação de pessoas à região.
                A malha urbana é um exemplo típico como uma determinada atividade agrícola (café), e o comércio a ele ligado foram determinantes no desenvolvimento de uma cidade. Os anos 50 do seculo XX a cidade cresceu e multiplicaram-se as construções particulares e fizeram-se casas para instalar os funcionários públicos. Não faltava também o caracter lúdico e turístico, com clubes e cineteatros, hotéis e campos desportivos.
                Em Novembro de 1968 foi feito o 1º plano de Urbanização de autoria de Maria de Lurdes Rodrigues, que coincidiu com a criação da repartição de urbanismo na Camara Municipal de Carmona. Era um projeto interessante no que ao enquadramento dos edifícios nas ruas, largos e praças. Propõe jardins, edifícios em altura, habitações unifamiliares isoladas, dizia respeito. Tem, contudo, o senão de não dar uma visão de conjunto, e apesar de resolver algumas questões urbanísticas, deixa muitas questões em aberto, ficando por concretizar a utilização dos espaços intersticiais.
                Não deixa de ser interessante que há no Uíge algumas edificações que recuperam a “casa portuguesa” principalmente o bairro residencial para funcionários públicos. O modelo “Português Suave” está patente na delegação do BNA e ainda de certa forma nas instalações dos Correios e Finanças. O Palácio do Governo e a Camara Municipal tem uma feição monumentalista. O edifício da rádio, de expressão moderna é atribuído ao arquiteto angolano Simões de Carvalho, curiosamente o autor do edifício da RNA em Luanda.
                Não nasci no Uige, mas fui para lá com quinze dias. Foi o Uige da minha meninice até á minha entrada para a escola no dealbar dos anos sessenta. Depois passei a ir até lá nas férias com regularidade, depois irregularidade, seguida de falta de regularidade até à ausência total de regularidade, o quer dizer que deixei de ir.
                Nunca foi uma cidade que me marcasse por aí além, e sinceramente não apreciava muito o “far-uíge” prevalecente no quotidiano da cidade, com algum novo-riquismo a dominar a estratificação social da cidade, que o preto estava naturalmente impedido de partilhar.
                Desejo ao Uige, aos seus nados e criados melhores dias que outros tiveram nos cem anos anteriores, e que encontrem na cidade a atividade que os fixe e que ajude a promover a educação, a saúde e a intervenção cívica dos seus cidadãos.
                O centenário que um dia festejar é ter tudo isso acessível à generalidade da população e assim o Uige será uma cidade rica, porque é solidária e há um estado de excelência no social para as gentes desta terra abençoada por água e até ver vegetação que já foi luxuriante!

Fernando Pereira

17/10/2017

13 de outubro de 2017

Outro regresso do Conde de Abranhos / O Interior 13-10-2017



Outro regresso do Conde de Abranhos

“A ideia também muda a pele, como a serpente”
            Guerra Junqueiro

            Finda a efervescência eleitoral, amansados os egos e guardados os pregos, repõem-se a modorra em que cai a politica local nos tempos seguintes ao pleito eleiçoeiro.
            Eça de Queiroz, na sua verve imorredoira, deixou-nos figuras picarescas que se vão perpetuando no tempo e no quotidiano político do País.
            Uma das facetas, sem dúvida das mais curiosas, da ironia de Eça, é a que se refere ao nosso país, quer ridicularizando a megalomania histórica de alguns portugueses, quer pondo em evidência a imbecilidade e incompetência dos homens públicos, quer ainda criticando a mesquinha vida portuguesa, como a politiquice, a falta de organização, a tacanhez de pensamento, etc., tudo isto consequência direta da malformação educacional cívica da população.
            Do “Teodoro Raposo” da “Relíquia”, ao “Castanheiro” da “Casa de Ramires”, ao “Pacheco” de “Fradique Mendes” ou ao “Conde de Abranhos” da homónima obra  e outros, todos são ridicularizados e transformados em picarescas personagens pela verve corrosiva de Eça de Queiroz.
            Vou-me reter no traçado caricatural do Conde de Abranhos, que singrou admiravelmente, mesmo nas marés mais encapeladas, mercê duma forte dose de manha e espantosa facilidade de adaptação.
 Com efeito desde a adolescência, Alipio Abranhos manifestara abertamente a tendência para aquilo que se define por “não olhar a meios para conseguir os fins”.
            Trabalhava como advogado no escritório do Dr. Vaz Correia, amigo do “Desembargador Amado”, homem tão tacanho de inteligência quanto era desmedido em nutrição e fortuna, que vivia com permanente apreensão perante as ofensivas de Alipio a sua filha, e assim pudesse deitar mão à rica herdeira de seus milhões.
            Ultrapassada essa fase através de um hilariante episódio descrito na obra, em que a manhosice de Abranhos vingou, levando a noiva e o seu dote ao altar, o Conde atirou-se a novos “empreendimentos” e ei-lo destravado numa Lisboa onde o País sempre foi o centro, o interior, o litoral e tudo o resto.
            O seu comportamento na vida política foi uma sucessão de expedientes melífluos, traindo infamemente os partidos a que pertenciam adotando toda a sorte de sofismas, acobardando-se nos momentos precisos, procurando enfim, explorar os primores das suas falsas qualidades de grande génio.
            O certo é, porém que chegou a ser deputado e, mais tarde, como remate de tão brilhante carreira política, ministro da Marinha.
                Sic transit gloria mundi
            Uma homenagem singela aos Abranhos  portugueses!
                        Fernando Pereira
                        7/10/2017

26 de agosto de 2017

DO ANTIGAMENTE NA VIDA! /Novo Jornal/ Luanda 25-08-2017




DO ANTIGAMENTE NA VIDA!


Não consigo calar a minha perplexidade, quando sou confrontado com a alteração do nome de Namibe para Moçâmedes.
                Segundo julgo saber, foi uma decisão ponderada, depois de ouvir a população (finalmente alguém ouve a população para alguma coisa!), autoridades tradicionais e locais, empreendedores e o tecido associativo da cidade.
                Não sei o porquê, mas esta mudança fez-me lembrar o “engano ledo e cego” que foi a mudança súbita de Novo Redondo para N’Gunza, em homenagem ao soberano da região, N’ Gunza Kabolo, que ao invés de ter sido um defensor dos interesses dos seus súbditos tinha sido um “colaboracionista” com as autoridades coloniais. Para remediar a situação surgiu então Sumbe, a atual designação, que é uma corruptela do quimbundo “Kussumba”, que significa “comprar”. Era um lugar de compra e vende de produtos e assim permanece como capital da província do Kwanza-Sul, quase junto à foz do rio Ngunza.
                Moçâmedes deve o seu nome a João de Almeida Vasconcelos Soveral e Carvalho, governador de Angola (1782-1790), décimo segundo senhor de Mossamedes, de que seria 1º barão. A terra de que era donatário fica na freguesia de S. Miguel do Mato, Vouzela, Beira Alta, Portugal, e enviou uma expedição militar ao sul do território chefiada por Luis Cândido Pinheiro Furtado em 1785 para debelar algumas rebeliões dos “mocubaes”,”modumbes” e os “bacuissas”no lugar de Bissongo Bittoto, conhecido por navegadores por Angra do Negro e em cartas inglesas por Little Fish Bay. A enseada recebeu o nome da Lapa em homenagem ao Conde da Lapa, Manuel, filho do Barão, nascido em Luanda em 1784.
                Mossamedes era uma baia de corsários e local de tráfico de escravos, sendo a primeira feitoria do ano de 1840 de Guimarães Júnior e Jácome Filipe Torres, que tinha o exclusivo do comércio da cera e dos escravos.
                O grande impulso é dado por 140 colonos portugueses que desembarcaram na baia em 4 de Agosto de 1849, depois de perseguidos no Brasil. Viveram agruras imensas só minoradas pelo desembarque de novo contingente de colonos a 26 de Novembro de 1850.
                Nas margens do rio Bero, que o tenente-coronel Pinheiro Furtado chamou “rio das mortes” por terem sido chacinados pelos locais, dois oficiais da companhia para ali enviada pelo Barão de Mossamedes. Os que ali tinham a sua atividade, são substituídos pelos colonos que instalam os primeiros engenhos de açúcar no Vale dos Cavaleiros e assim Mossamedes chega a 1974 como uma das únicas cidades em África com mais brancos que negros (A outra é Sá da Bandeira, Lubango até ver)
                Mossamedes foi elevada a vila a 7 de Maio de 1855, e recebeu a categoria de cidade em 1907, quando o Príncipe Luis Filipe visitou Angola.
                Já agora despercebe-se porque é que o antigo Porto Alexandre, hoje Tombwa, não se chama “Porto de Pinda” como ainda era chamado em documentos de 1846, colonizado por pescadores de Olhão que já vinham em busca de porto seguro desde o Gabão e S. Tomé. Mais abaixo aparece a inóspita Baia dos Tigres, que nunca teve esses felinos. O nome deve-se basear no curioso espetáculo que ali oferecem as areias quando o vento as move em desenhos caprichosos, o que, com efeitos de luz e sombra, visto à distancia, dá a ideia duma colossal pele de tigre estendida ao longo da grande baía.
                Em 1929, reflexo da crise global, o sul de Angola vivia a pior das suas crises. A produção de peixe seco excedia a procura e grande parte do pescado que apodrecia nos armazéns era deitado ao mar. Toneladas de peixe, resultado do trabalho das gentes perdiam-se e a miséria grassava na cidade.
                Neste período um alemão que geria a casa Weermonn, Brock &Cª solicitou licença para exportar para Hamburgo, peixe seco sem sal e com cabeça, que se destinava a fins industriais. Não havia legislação que impedisse e foi autorizada a exportação de farinha que passou a servir de alimentação dos animais. Foi sendo sucessivamente melhorada a qualidade, e a verdade é que foi esta circunstancia que salvou economicamente a cidade e dinamizou uma industria pioneira em África, que se revelou florescente e interessante no quadro global das exportações da então colónia de Angola.
                Não sei porque se escolheu Namibe, ou melhor talvez tivesse sido uma parte da deriva de um tempo em que se decidiu mexer em tudo o que era toponímia colonial, onde se fizeram asneiras colossais, substituindo-se nomes que mereceria um maior destaque pelo que representaram no desenvolvimento do País, no domínio económico, social e cultural.
                Surpreende-me que se volte a dar o nome de Moçâmedes, que é uma homenagem a um alto dignitário da administração colonial. Talvez haja razões ponderáveis que justifiquem esta decisão, mas não as conheço.
                Só espero que seja uma infeliz exceção e que não se comece com uma deriva de “toponimiar” de novo com nomes do antanho, num momento em que há uma vontade de recuperar coisas do passado recente do território, algumas perfeitamente dispensáveis.

Fernando Pereira
22/8/2017
                 

                  

19 de maio de 2017

Preconceitos da Memória / Ágora/ Novo Jornal / Luanda 19-05-2017





Preconceitos da Memória
Num recente artigo escrito nesta rubrica regular sustentei que a criação do ensino superior nas colónias não se terá cingido apenas a critérios de desenvolvimento, mas também a uma “feira de vaidades” entre figuras gradas do regime colonial!
                Quer Adriano Moreira, ministro do Ultramar entre 1961 e 1963, quer Venâncio Deslandes governador geral de Angola em 1961 e 1962 tentaram ser os “pais da criança”, e a verdade é que por causa destes Estudos Gerais Universitários de Angola é que ambos se queimaram politicamente, o suficiente para terem sido demitidos das suas funções pelo sibilino António Salazar, mestre em colocar uns contra outros para seu proveito.
                Havia por parte dos colonos uma antiga reivindicação da criação de uma universidade em Angola, naquele sonho de secessionismo que a minoria branca acalentava, estabelecendo como paradigma a África do Sul
                O governo concentracionário de Lisboa, aliado ao corporativismo elitista dos poderes instalados nas universidades da então “Metrópole,” não dava qualquer alternativa a uma abertura de ensino superior nas colónias.
                As razões eram evidentes, tal a sobranceria com que os habitantes das colónias eram olhados pelo poder central, mesmo os membros da pequena comunidade branca. Havia também a necessidade de se dar instrução q.b., para evitar o questionar a tacanhez que dominava o quotidiano intelectual do Portugal salazarento.
                Apesar das reticencias de Salazar, o decreto-lei nº 44530 de 21/8/1962, do Ministério do Ultramar, institui os Estudos Gerais Universitários de Angola e Moçambique que tem a sua complementaridade no decreto-lei nº 44530 de 21/8/1963 que promulga o seu regime de funcionamento
                Curiosamente a” criação dos Estudos Gerais em Angola e Moçambique, frequentados maioritariamente por brancos, não fez diminuir a saída deste território ultramarino para a “metrópole” (estudo de Ermelinda Liberato), e comprova-se que em 1960/61 havia 1867 alunos “ultramarinos”, em 1962/63, 2006,1965/1966, 2133 e 1967, 2311.
                O princípio que norteou os EGU está bem plasmado na informação confidencial do João Pereira Neto, funcionário superior do MU que acompanhou a missão de instalação dos EGUs que recomendava que os cursos a ministrar se limitassem aos dois primeiros anos, para evitar que o “convívio fraternal com os colegas da Metrópole” se perdesse, e assim se corroessem os “fundamentos e significado da Unidade Nacional”.
                Adriano Moreira, segundo Pereira Neto, teria manifestado sempre a ideia que os EGU em Angola nunca deveriam ser instalados em Luanda, já que era uma cidade como “ponto de atracão de correntes migratórias”, antro de divertimentos noturnos, “cabaré inclusive”, foco de subversão estudantil por excelência, entre outros argumentos que hoje se revelam pueris! A história poderia ter-se repetido como farsa, porque os argumentos de Adriano Moreira, foram exatamente  os mesmos que utilizou D. João III de Portugal em meados do seculo XVI, quando transferiu definitivamente a Universidade de Lisboa para Coimbra, para evitar que os estudantes se confrontassem com novas ideias trazidas por marinheiros e embarcadiços que faziam então da capital portuguesa um dos maiores portos do mundo, num tempo em que a Europa começava a sair do “período das trevas”, espaço ideológico dominado pela Igreja  Católica e a Inquisição, e em que a “Reforma” enquadrava novas ideias.
                Os cursos tinham que ser apenas técnicos, e Nova Lisboa (Huambo) e Sá da Bandeira (Lubango) eram os lugares preferidos por Adriano Moreira para a instalação dos polos universitários, argumentando razões para promover o desenvolvimento das cidades e regiões circundantes.
                Nova Lisboa representava aos olhos do poder uma alternativa ideal a Luanda porque era uma cidade “calma no que respeita(va) a diversões e paixões politicas”, e com “duas grandes massas populacionais: Uma considerável população branca por um lado, e uma maioria de rapazes de cor formados nas missões protestantes de outro”
                Ao invés Sá da Bandeira tinha tudo para as coisas correrem mal, segundo o documento confidencial do inspetor Pereira Neto, já que tinha “sido palco de explosões de violência racial e ressentimento por parte dos europeus relativamente aos africanos, constituindo deste modo um ambiente pouco propício à miscigenação”. Propunha-se apenas a criação de Ciências Pedagógicas, e nenhuma outra escola que pudesse suscitar “atitudes menos corretas da população em relação a jovens universitários negros”.
                De facto, são surpreendentes os argumentos plasmados nestes relatórios, o que de certa forma evidencia o caracter racista da cidade de Sá da Bandeira, que a par de Moçâmedes eram no dealbar dos setenta do século passado as cidades africanas com mais população branca que negra, o que não deixa de ser absurdo.
                Em Sá da Bandeira foi instalado o embrião de uma futura faculdade de letras e de ciências pedagógicas, no Huambo os cursos de veterinária, agronomia e silvicultura, e em Luanda instalaram-se as ciências, engenharias, medicina, mais tarde economia e nada mais porque a aversão de Salazar às ciências sociais estendia-se aos seus colaboradores próximos.
                Evitaram-se os estudos humanísticos com o argumento que inspiravam “especulação política”, criadora de um “proletariado intelectual”, “responsável por grande parte das revoluções modernas”. O Direito, relegado a “vicio nacional”, não poderia sequer ser fomentado.  (JPN, documento confidencial). 
                Prevaleceu a vontade do novo Ministro do Ultramar Peixoto Correia e do governador Silvério Marques em detrimento da vontade de Adriano Moreira, ficando Luanda com a parte de leão das faculdades do que passou a ser em 1968 a Universidade de Angola, hoje Agostinho Neto.
                Em 1968, um grupo de catedráticos dos EGU de Angola e Moçambique juntam-se em S. Bento, residência oficial do 1º ministro de Portugal, para saberem da boca de Salazar a resposta ao pedido dos professores para a criação das Universidades de Luanda e Lourenço Marques. Numa sala escura, num ambiente lúgubre, num frio de Inverno que todos estavam desabituados e a tiritarem de frio, Salazar resolveu oferecer umas mantas para se sentirem mais confortáveis. Dez ou doze pessoas sentadas neste ambiente a raiar o surrealista ouviam o perorar monocórdico de Salazar sobre a responsabilidade que tinham de “ensinarem os pretos a bastarem-se a si próprios, e as consequências que daí adviriam”, mas no fim lá deu o seu definitivo sim, para alegria dos presentes. Veiga Simão e Ivo Soares entusiasmados, pediram se podiam telefonar para Moçambique e Angola para dar a boa nova, ao que Salazar terá dito: “Srs. Professores, porque não mandarem antes uns telegramas, fica mais barato”.
                As malhas que o império foi tecendo! 
     
   Fernando Pereira 
  18/4/2017
               
               

                 

                

12 de maio de 2017

EVOCAÇÃO / O Interior / Guarda / 11-5-2017








EVOCAÇÃO

“A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora”
Sophia de Mello Breyner Anderson

                A morte recente do Vasco Queiroz, apesar de anunciada, deixou-me num estado de quase prostração emocional e a certeza que vai ser um luto difícil de abandonar.
                Conheci o Vasco há quarenta e cinco anos, quando fomos contemporâneos no Liceu D. João III em Coimbra, no cinzentismo de uma primavera marcelista que mais não conseguia ser que um salazarismo a sorrir. 
                Com o alvor da democracia nesse 25 de Abril de 1974 embriagámo-nos com a festa da liberdade, de um tempo novo, de uma primavera que nunca esquecemos. Durante décadas comemorámos este Abril com um jantar que invariavelmente acabava numa noite longa de cantoria, recordações e copos á mistura. Fizemo-lo pela ultima vez neste 25 de Abril de 2017, com o Vasco já muito doente, mas ainda com a força bastante para à meia noite fazermos o tradicional brinde com um espumante. Sabíamos os dois que era o nosso ultimo convívio de Abril, mas era-me obrigatório cumprir este ritual junto do homem que era só o melhor de todos nós.
                Empenhamo-nos juntos em processos de luta pela edificação de uma sociedade mais justa e solidária. Divergíamos no acessório, estávamos de acordo no essencial. O combate nesses anos de esperança vivida deu-nos força, mas também sobreveio a revolta quando vimos que “houve por aí alguém que se enganou”!
                Actor do CITAC (Circulo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra) nunca ao longo da vida deixou de fazer teatro, e foi um dos pioneiros da criação do “Calafrio”, estrutura cultural que tem desenvolvido algum trabalho cultural na Guarda nestes dois últimos anos da sua atividade continuada.
                Depois de alguns anos em que cada um fez o seu percurso pessoal e profissional, o acaso juntou-nos num local improvável, a Guarda.
                Aqui o Vasco revelou-se como uma das nossas referencias, mantendo a sua coerência política, uma postura cívica exemplar, um ser solidário permanente e acima de tudo uma preocupação continuada para com os outros, o que fez dele um dos mais respeitados e amados clínicos da sua geração na Guarda e cidadão impoluto e interveniente na sociedade.
                Destransigia com a venalidade, com o oportunismo e era exigente consigo própria na hora de aceitar algo que pudesse ser suscetível de manchar a sua idoneidade profissional e a sua independência enquanto cidadão. 
                O Vasco Queiroz era um indefetível benfiquista, exigente com o seu clube, mas isso não o impedia de partilhar algumas vitórias internacionais do meu Futebol Clube do Porto e festejar comigo esses eventos. Nunca aconteceu com o Benfica, mas julgo que eu era incapaz de fazer o mesmo. Nestas poucas coisas em que divergíamos ele mostrava ser diferentemente melhor que eu!
                A Guarda devia estar agradecida por ter tido este ilustre filho adotivo, porque no campo profissional, na atividade cultural e no contexto solidário foi um homem que abraçava as causas, empenhava-se com todo o seu esforço e com toda a sua enorme capacidade intelectual para que tudo tivesse um sucesso que teimava em partilhar com todos.
                Intelectualmente era um inconformado, porque queria assimilar tudo o que o pudesse enriquecer culturalmente, mesmo sobre coisas que às vezes outros julgavam pueris.
Fizemos muitas viagens de lazer juntos, e havia uma frase recorrente: “Temos que arranjar aí um programa cultural para que a viagem não seja só copos”! Lá arranjávamos um roteiro que lhe fizesse essa vontade e que nos trazia novas descobertas.
Em determinada altura chegou a ser deputado municipal na Assembleia Municipal da Guarda, mas rapidamente saiu completamente desiludido, com a maquinação dos interesses e da politiquice rasteira que vai minando os alicerces de uma democracia que sonhou diferente, naquela primavera longínqua de 25 de Abril de 1974.
Raras vezes o via exaltado, mas manifestações de racismo, xenofobia e apelo a valores do fascismo eram motivo mais que suficiente para o pôr maldisposto e fazê-lo retirar intempestivamente de qualquer lugar onde a discussão se tornasse estupidificada.
Jonh Huston na cerimónia fúnebre de Bogart “Não temos razões para ter pena dele, mas sim de nós porque o perdemos” ou como diria Mia Couto, “Não morre quem se ausenta, morre quem é esquecido”. Só o esqueceremos quando um dia formos ter com ele!
Com o seu desaparecimento físico, há temas que por força das múltiplas cumplicidades que tinha com o Vasco Queiroz irão passar a estar no “sótão” da memória, pois só com ele conseguia partilhar num tempo vivido ao longo de décadas abruptamente cortadas neste infausto seis de Maio de 2017.
Vasco Queiroz faz-nos tanta falta que acho que nem ele teria noção disso, pois foi sempre de uma humildade exasperante. A mim cabe-me agradecer tanto de bom que me deu, e tanto que me enriqueceu.
Vamos fazer algo que perpetue a sua memória junto dos cidadãos da Guarda e dos vindouros? Estou nessa e acho que somos muitos a pensar o mesmo.
Certa vez deu-me a ler este provérbio mexicano: “Habitue-se a morrer antes que a morte chegue, porque os mortos apenas podem viver e os vivos apenas podem morrer”! Hoje percebo porque o mostrou!
Vais continuar a fazer parte da minha vida pelas melhores razões.
Obrigado meu amigo!

Fernando Pereira
8/5/2017








28 de abril de 2017

A VERRUGA / Novo Jornal / Luanda /28-4-2017






A VERRUGA


Confesso que fico perplexo quando vejo que no Município do Cazenga continua a existir um bairro com o nome de Adriano Moreira, e por exemplo que o nome do insigne botânico Luis Carriço tenha sido suprimido da toponímia luandense, entre outros casos.


Este é apenas um dos exemplos da confusão instalada nas pessoas sobre o passado recente do território de Angola, e a sua transição para a independência naquele sempre lembrado 11 de Novembro de 1975.


Luis Carriço fez parte da 1ª missão botânica enviada a Angola. Era professor na faculdade de ciências da Universidade de Coimbra e diretor do Jardim Botânico da cidade. Deixou uma vasta obra no seu ramo, fruto de uma recolha feita em todo o território de Angola, abruptamente interrompida pela sua morte ocorrida em 1937 no deserto do Namibe, onde foi sepultado.


Se alguém quiser explicar quem foi Adriano Moreira a um morador do bairro teremos que dizer que foi Ministro do Ultramar de Salazar de 1961 a 1963, depois de ter sido subsecretário de estado da administração ultramarina em 1959. Neste percurso “ultramarino” de Adriano Moreira avulta ter sido o diretor do ISCPU (Instituto de Ciências Sociais e Politica Ultramarina) uma das duas escolas de formação de pessoal administrativo da administração colonial portuguesa (a outra era a escola colonial em Goa). Formava entre outros, administradores, chefes de posto, secretários, intendentes,etc.


Foi um dos responsáveis diretos pela introdução institucional, nos anos 1950 da denominada “Lusotropicalogia” conhecida depois como “luso-tropicalismo”, que teve no brasileiro Gilberto Freyre o seu patrono. A “Casa grande e senzala”, "O Mundo que o Português Criou", "O Luso e o Trópico” são as cartilhas de um defesa de Portugal como “primeira civilização moderna nos trópicos".


Toda a estrutura ideológica do jovem Adriano Moreira assentava na premissa de um Portugal portador da civilização e da ordem em todo o território, defendendo que os “indígenas” teriam que trabalhar segundo regras evolutivas de um “ato colonial” reformista. Foi este senhor que reabriu o Campo do Tarrafal em Abril de 1961, inicialmente como campo de detenção dos angolanos condenados no “processo 50” e depois alargado a nacionalista de todas as colónias, tendo fechado com a revolução do 25 de Abril de 1974 em Portugal. Apesar de refutar essa acusação, Adriano Moreira não se consegue livrar do labéu de ter promovido a organização da PIDE em Angola.


Reconheço ao Dr. Adriano Moreira uma grande sagacidade politica e uma rara inteligência, mas não deixa de ser intrigante o seu tortuoso trajeto politico que lhe tem permitido guindar-se a uma figura “reverente” na democracia portuguesa, depois de ter sido um dos putativos delfins do ditador Salazar.


Assume-se como o criador dos “Estudos Gerais Universitários” em Angola e Moçambique, embrião das universidades de Angola e Moçambique. Provavelmente a criação destas escolas superiores terão criado uma das situações mais rocambolescas dos anos do estertor do salazarismo em Portugal.


Por ironia do destino, Salazar ordena a Adriano Moreira, no âmbito da sua competência enquanto ministro do Ultramar, que nomeie o general Venâncio Deslandes como 117º governador-geral de Angola (Junho de 1961), cargo que ocupa em simultâneo com o de Comandante Chefe das Forças Armadas na “provincia”. As relações entre os dois nunca foram muito amistosas, já que ambos tinham uma sede de protagonismo ilimitado. Deslandes dizia que “chefiava o maior contingente militar de sempre de Portugal” e que “iria acabar a guerra em Angola em seis meses e depois disso passaria ser um caso de altercação de ordem publica e apenas responsabilidade da polícia”. Tudo isto irritava de sobremaneira Moreira que se sentia diminuído perante o seu alter-ego Salazar.


Foram muitas as situações de conflito, mas a que teve maior impacto e levou à saída intempestiva de Deslandes e posteriormente de Moreira foi a criação dos Estudos Gerais Universitários em Angola, velha reivindicação dos colonos que tinham que mandar os seus filhos estudar para a então “Metrópole”. Ressalve-se que no tempo colonial a única “estrutura universitária” que existia nas colónias era uma escola médica de Goa, que não tinha categoria de faculdade e uma escola de teologia na mesma cidade, que tinha encerrado no dealbar dos anos 50 quando a prelatura do Oriente é retirada a Goa e é entregue a Bombaim, que é o primeiro e pouco conhecido golpe contra o edifício colonial português.


Deslandes sem conhecimento de Moreira, seu superior hierárquico reúne o conselho provincial e emana uma norma a criar os “estudos gerais Universitários”, o que deixa o Ministro do Ultramar em transe. Salazar tinha sido consultado por Deslandes e terá dito: “Querem os pretos a estudar, depois não se arrependam”. Naquele quadro de intriga palaciana que Salazar adorava, manhoso e farsolas como era, colocou os dois numa disputa sem quartel quanto à legitimidade da criação dos EGUA. Adriano Moreira ou não assinava o decreto que criava por recomendação do conselho legislativo de Angola, ou o faria e dava a Deslandes a coroa de glória da criação de um embrião de uma Universidade em Angola. Isto já será especulação, mas Adriano Moreira, sagaz e sentindo que o chão lhe poderia fugir resolveu assinar o despacho trazendo à colação os Estudos Gerais Universitários de Moçambique.


Foi a gota de água e Deslandes, que tinha um programa próprio de fomento contrário ao de Moreira, é por este demitido de governador geral de Angola em Setembro de 1962, sendo substituído por Silvério Marques. Salazar observava e naquela sua gestão muito peculiar de alimentar guerrilhas para que o poder se mantivesse forte demite no ano seguinte Adriano Moreira, que volta para o seu ISCPU.


Sobre os Estudos Gerais de Angola e da criação da Universidade de Angola haverei de voltar, mas continuo de facto sem perceber o porquê de um bairro Adriano Moreira na cidade capital de Angola. Também há tanta coisa que despercebo!!!






Fernando Pereira


14/4/2017






19 de abril de 2017

Joaquim Gil - Um homem de causas!



















Texto que publiquei no livro coordenado por mim de homenagem ao Dr. Joaquim Gil.


Muitas vezes é preciso um mau motivo para fazer a coisa certa.

                Um grupo de amigos do saudoso Joaquim Gil reuniu um conjunto de textos, fotos e alguns depoimentos, e concebeu este livro  que nos ajudará a perpetuar a estirpe intelectual de um amigo que nos deixou tão de repente. Ainda hoje achamos que “tudo não passou de um sonho mau que não acabou”.
                Fiquei com a incumbência de juntar o que parecia ideal para  se conseguir fazer um trabalho que possibilitasse a todos aquilatar da excelência intelectual do Joaquim Gil e, simultaneamente,  permitisse vincar valores que sempre lhe foram caros ao longo da sua vida intensa: a liberdade, a justiça e a solidariedade.
                Conheci o Joaquim Gil nos idos setenta do século passado, num tempo de tanta esperança e certeza. Os tempos seguintes vieram demonstrar quão enganados estávamos. O Joaquim Gil, ideologicamente, assumiu a máxima de Willy Brandt : "Quem aos vinte anos não é comunista não tem coração. E quem assim permanece aos quarenta anos não tem inteligência". Nunca renegou a sua passagem pela militância comunista donde se afastou no dealbar dos anos 80 do século passado.
                Dos tempos do PREC recordo esta frase que encontrei, escrita pelo seu punho, num dos muitos papeis por onde andei a “vasculhar”:” Quem não viveu, esqueceu ou renunciou às delícias das ilusões desses grandes dias nunca vai conhecer o exato perfume das flores”. Não sei quem é o autor, mas achei que o que vivemos era mesmo isto.
                Um profissional brilhante, respeitado pelos seus pares e por todos os agentes do universo da justiça, onde granjeou enorme prestígio, pelo brilhantismo das suas intervenções e pelo profissionalismo e empenho com que defendia as suas causas.
                A ligação de Joaquim Gil ao universo desportivo, enquanto dirigente, manteve-se ao longo de muitos anos em Coimbra e na Figueira da Foz.  Continuei a vê-lo ligado ao associativismo e com ele me habituei a partilhar das preocupações de um tempo que cada vez vem sendo menos propiciador de voluntarismos.
                Sophia de Mello Breyner Anderson sintetizou o que me “vai levando” neste tempo em que empobrecemos quando o perdemos naquela infausta noite de janeiro de 2015: “A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora”.
                O Joaquim Gil era um homem de juntar pessoas de matizes políticas diferentes, de atividades profissionais diferenciadas, e tinha um prazer enorme em proporcionar uma discussão e nunca a deixar esmorecer. Conseguia, assim,  por vezes, colocar toda a sua capacidade de intervenção  e alguma sagacidade para que fossem aprofundados os temas, assumindo a dose certa de provocação.
                Aglutinava na sua mesa de café, em Coimbra e na Figueira da Foz, muita gente que sente hoje muito a sua falta, e que o acompanhava pela capacidade de sedução que imprimia às relações com as pessoas, algo que lhe reconheço desde os tempos da juventude.
                Divergimos politicamente muita vez, mas até nisso, às vezes, me desconcertava por não alinhar com estereótipos do pensamento politico recente, e isso valeu-lhe ter perdido a confiança de alguns servidores dos aparelhos partidários.
                Foi sempre cioso da sua liberdade de pensar e, como nasceu no seio de uma família   onde a educação, o respeito e a dignidade da pessoa eram valores que não poderiam ser beliscados,  estavam sempre presentes mesmo nas discussões mais pueris de um homem que sempre esteve bem com a vida.
                Indefetível portista, vivia o Futebol Clube do Porto com toda a intensidade que o clube merece e, nos momentos em que este ganhava, rejubilava e provocava os adeptos de clubes adversários, aceitando de forma contida quando estes ganhavam!
                José Gomes Ferreira, no funeral de Ferreira de Castro: “Quando um amigo morre que nos resta senão ressuscita-lo”
                Foi o que tentámos fazer aqui e acho que o conseguimos todos os dias. Para mim ainda hoje é um luto difícil de abandonar.


Fernando Pereira            
                                        

                        

24 de fevereiro de 2017

Contos velhos, rumos ainda mais velhos! / Ágora/ Novo Jornal / Luanda 24-2-2017



Contos velhos, rumos ainda mais velhos!
Luanda transformou-se numa cidade sem identidade e isso é o pior que se pode legar aos vindouros.
                Todas as urbes procuram preservar o conjunto edificado que foi unindo gerações e que são a “marca de água” de uma cidade! Luanda com as suas administrações e o dinheiro facilmente conseguido fazem exatamente o contrário.
                Não é uma situação nova, aliás vem do estertor do período colonial, mas nos últimos tempos, antes da “míngua” que se adivinhava, o que aconteceu à cidade foi um verdadeiro flagelo.
                Vamos dar uma volta ao passado numa viagem por textos de quem por cá andou no antanho!
                Luanda pela pena do médico alemão George Tams, que a visitou em 1841: “ Luanda apresenta-se-nos com um aspeto maravilhoso:_ É edificada em forma de anfiteatro, erguendo-se desde a base até ao cume dos montanhosos socalcos da costa, a qual neste sítio desce até próximo à superfície do mar. A grande porção de casas edificadas ao estilo europeu, muitas das quais espaçosas, umas com telhados vermelhos, outras azuis, os muros caiados de branco ou de amarelo, as lindas torres das igrejas, o palácio do governador e o vizinho forte, excitam grandemente a surpresa do estrangeiro”
                Mas não deixava o aludido médico alemão de escrever: “O ar é tam mao e comunica aos alimentos taes qualidades mortíferas que os que comerem deles logo que ali chegarem, devem ficar certos que serão vítimas da sua imprudência, ou pelo menos que adoecerão gravemente:”
                O Dr. Tams deslumbrou-se com o lugar das Quipacas, lugar que ficava perto do lugar onde se construiu a estação de Caminho-de-ferro, e que se chamará assim já que era um lugar aprazível, onde construíram espaços de lazer gente endinheirada (Kipaka em quimbundo significa dinheiro): “ Neste sombrio retiro, os cantos de numerosas espécies de cigarras ressoavam à tarde, e os seus agudos sons tam penetrantes eram neste profundo silêncio, que se podiam ouvir claramente a mais de uma milha de distância. Aqui um italiano que havia enriquecido com o tráfico da escravatura, tinha formado, uma linda casa de campo, no meio de um intensíssimo pomar, para onde convidava diferentes habitantes de Luanda, os quais nunca deixavam de aproveitar-se daquele deleitoso passeio.” Tams referia-se a Antonio Paris, napolitano que morreu em Luanda com 86 anos em 23 de Dezembro de 1846. Veio para Angola em 1821 com mais 212 compatriotas, condenados a degredo por tribunais napolitanos e a pena era cumprida ao abrigo do acordo celebrado em 11/12/1819, entre o rei D. João VI de Portugal e o rei das Sicílias. (Este conjunto de referencias vem no livro, “Subsídios para a História de Luanda” de Manuel da Costa Lobo, Lisboa-1967). Refira-se que este Paris teria sido dono do famoso Hotel Paris, demolido para dar lugar ao Palácio da Palmeira, onde esteve a Lelo, e que hoje está sentenciada a ter em breve o mesmo destino.
                O livro de George Tams, “Visita às possessões portuguesas na Costa Ocidental de África” descrevia as refeições: “ às oito horas, todos nos reunimos ao almoço, que geralmente se compunha de mãos de vitela cozidas, vagens de pimenta fervidos em água; ou de caracóis cozidos e algumas espécies de marisco. Vinho tinto de Lisboa acompanhava a comida e no final serviam o chá.
                Ao meio dia, tomávamos outra refeição que consistia de queijo e cerveja. Às seis horas era servido um variado e suculento jantar, consistindo a sobremesa duma abundante escolha de frutos, sendo principalmente de amêndoas de caju, laranjas e goiabas.” Situamo-nos em 1854!
                Já que hoje este artigo é quase feito de citações não deixa de ser curioso que em fins do seculo XVIII, os cidadãos de Luanda eram conhecidos por “Volantes”, palavra que no entender de Teixeira de Vasconcelos sintetizava “quão diminutas eram as ligações que existiam entre eles e a terra…”! Já era assim!
                Elias Alexandre da Silva Correia, que esteve em Luanda no segundo quartel do seculo XVIII, escreveu na sua “História de Angola” algo sobre hábitos de grandeza que mais de dois séculos depois mantem-se perenes: “ O Luandense detesta os sufrágios da miséria e prepara um trem de vida, tanto mais pomposo, quanto mais iniquo. Impõe respeito no seu trato doméstico; enche a sua mesa de bocados desusados na sua criação; adopta para o vestuário o uso de custosas alfaias e ricas joias, como espadins de ouro, cravejados de pedras preciosas, fivelas de ouro e de pedras, bons relojios, abotaduras de importância, ricas sedas, etc; faz garbo do desperdício: brilha no jogo com magnanimidade e combate, vício por vício, o dos seus émulos.”
                No contexto que se vive na Luana de hoje seria de todo urgente que se fizesse uma reflexão sobre o que seria a cidade no futuro, sem a megalomania que é uma prodigalidade do angolano, nem abandonada em tempos de crise acentuada.
                Luanda merece este debate e sobretudo que se procure salvaguardar a réstia de passado e que a cidade seja recriada para que seja vivível, e deixe de ser insalubre no que se respira, no que se negoceia, no que se comenta, no que se publica e fundamentalmente no que se decide.
                Baudelaire dizia: “As cidades mudam mais depressa que o coração dos seus habitantes”!
                Nota: Este texto tem muitas transcrições do livro “Subsídios para a história de Luanda” de Manuel Costa Lobo, editado em Lisboa no ano de 1967.

Fernando Pereira

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