13 de julho de 2018

Crepúsculo do Mundial! / Novo Jornal / Luanda 13-7-2018





Crepúsculo do Mundial!

Até ver, e estou a escrever este artigo antes das meias-finais, este Mundial de 2018 na Rússia tem sido um verdadeiro êxito a todos os níveis.
                A organização tem sido competente, e conseguiu transformar o Mundial numa clara mostra de uma Rússia que se pretende modernizada e uma potencia no contexto das economias mais desenvolvidas do mundo.
                Senti nos dias que estive na Rússia, que este Mundial era uma afirmação de vontade por parte de todos de recolocar o País num enquadramento inovador num quadro de respeitabilidade, e de certa forma fazer esquecer o envolvimento na Síria, as relações tensas com a Ucrânia e a ocupação da Crimeia, para além de outras “novelas” muitas vezes artificiais, empoladas inevitavelmente por interesses de grupos económicos.
                O próprio campeonato tem sido marcado por ausência de violência, fora ou dentro do campo (a título de exemplo há até agora quatro cartões vermelhos exibidos, dois deles por acumulação de amarelos e outros dois para evitar ilegalmente golo eminente do adversário). O jogo tem tido pouca espetacularidade, isso tem a ver sobretudo com as táticas do futebol moderno, mas convenhamos que a incerteza do resultado na maior parte dos jogos, a ausência de favoritos depois de uma primeira fase em que vimos poucas equipas a sobressair, tem trazido a este campeonato uma matriz completamente diferente do que temos assistido nos anteriores.
                Não consigo perceber se os russos se entusiasmam com o campeonato, mas de facto assistimos em todo o lado a uma envolvência discreta por parte dos locais, que não sendo particularmente exuberantes conseguem ser simpáticos e atenciosos mesmo com as dificuldades inerentes á falta de articulação entre alfabetos, e onde apenas uns poucos falam inglês.
                Não acho que seja coincidência, mas nos jogos em que jogou Portugal e o Brasil em Moscovo o “speaker” de português nos altifalantes do estádio tinha um sotaque angolano bem pronunciado, facto que não deixa de ser particularmente interessante.
                Voltando ao futebol, receio que cada vez se vá assistindo mais à degradação do espetáculo, pois tornou-se muito tático e poucos ousam arriscar. Privilegia-se a defesa, na base de que o 0-0 está garantido, e o golo logo aparecerá. As estatísticas confirmam até agora que a maioria dos golos são de bola parada, ou resultado de lances do tipo; os que são de bola corrida normalmente resultam de contra-ataque.
Perde-se o futebol espetáculo e ganha o pragmatismo e o cinismo no jogo. Com toda a envolvência económica em volta do futebol, a continuar assim as pessoas terão tendência a afastar-se e a industria ressentir-se-á se, entretanto não se alterarem algumas regras que condicionam o jogo. Começa a haver um cada vez maior numero de vozes a rejeitar o “futebol-Valium”, e a pedir novas medidas para privilegiar o futebol de ataque.
A Liga Inglesa é a que mais dinheiro e espectadores movimenta em todo o mundo e consegue-o fruto da sua organização é claro, mas sobretudo pela excelência do espetáculo que são os seus jogos. Essa referencia tem que ser replicada para os campeonatos entre seleções, pois são importantes para que a atratividade do futebol tenha uma cada vez maior adesão, e que através do futebol se consigam incutir valores importantes como o respeito pela diferença, o antirracismo e a anti xenofobia.
O futebol é uma indústria, mas acima de tudo é um lugar de solidariedade e de afirmação de uma vontade coletiva em torno de algo que noutras circunstancias eram de difícil mobilização, como por exemplo a identidade de nação.
Nem sempre foi assim e o caso mais grave, entre os muitos conhecidos, aconteceu numa guerra entre El Salvador e Honduras, por causa do apuramento para a Copa do Mundo de 1970. Foi a “guerra das 100 horas” e correu entre 14 e 18 de Julho de 1969. A guerra começou depois de um corte de relações entre os dois países, que durante as eliminatórias em jogos disputados houve de tudo quer em El Salvador, quer em Tegucigalpa. Perseguições, atentados, violações e mortes acenderam o rastilho que só a intervenção da OEA impediu que assumisse maiores proporções, apesar da morte de 2100 pessoas nos confrontos de uma guerra declarada.
O Mundial 2018 aproxima-se do fim, mas se assim continuar tudo, independentemente do vencedor, a Rússia merece os parabéns por uma organização de que muitos temiam o pior.

Fernando Pereira
10/7/2018





8 de julho de 2018

O Jogo Poético.- Jornal de Angola- Luanda 3/7/2018



O meu artigo no "Jornal de Angola" no dia 3 de Julho de 2018


O Jogo Poético.

“Jogamos tal como vivemos, somos como jogamos e o futebol é o jogo que escolhemos. Onde há uma bola está envolvido até à alma o projeto de um homem. Crianças que correm e a mesma aparência sugere-nos uma realidade diferente. Nalguns sítios, a bola parece uma barriguita inchada pela fome. Noutros um mundo que é possível dominar. Jogam com bolas que só para eles parecem bolas e chocam ou esquivam-se, riem ou chateiam-se, e tudo serve para irem ajustando o seu delicado sistema de comunicação.
O futebol a todos confere direitos: a egoístas ou generosos, valentes ou cobardes, exibicionistas, lestos ou violentos.”
Recolho este excerto de um texto de Jorge Valdano, campeão do mundo pela Argentina, um dos eleitos que ao longo dos anos melhor tem traduzido o futebol fora do contexto das “comentarices”, dos muitos que vaticinam perentórios o que se vai passar durante o jogo, e que depois acabam por dar o dito por não dito quando fazem a avaliação no final.
Um dos mundiais com o final mais dramático de sempre foi o de 1950, quando o Uruguai bateu o Brasil no Maracanã, perante a incredulidade e a tristeza povoada de uma mole imensa de 200.000 brasileiros, expressão local de um choro coletivo de uma nação que organizou um campeonato do Mundo para o vencer, sem sequer pensar que a derrota em futebol, como na vida, é um resultado possível.
Cada país, cada cultura, tem a sua maneira de integrar o negro ou, dito de outra maneira, o modo como o negro se impôs, no caso brasileiro, no futebol, superando barreiras sociais e raciais.
Como noutros países o futebol chegou ao Brasil levado por ingleses a trabalhar em fábricas como a Companhia Progresso Industrial do Brasil, cujo mestre de estamparia, John Stark, fundou o The Bangu Athletic Club: sete eram ingleses, um italiano e só um brasileiro, branco. O futebol começou desporto de elites e só mais tarde se popularizou. No Brasil, a implantação do profissionalismo na década de trinta “abriu as portas dos grandes clubes para jogadores profissionais negros, mulatos e de origem humilde”.
O “desastre de 16 de Julho” de 1950, com o Maracanã em festa antecipada para a final com o Uruguai, levou o Brasil a profunda depressão, encontrando nos negros, Barbosa – guarda-redes cuja imagem, depois do golo de Gighia, é a personificação da derrota – Juvenal e Bigode. “Culpou-se o preto pela derrota, melhor os três pretos. Os brancos, diz Mário Filho (“cujo nome, merecidamente, crismou o monumental estádio construído no bairro do Maracanã, Rio de Janeiro, para a Copa do Mundo de 1950”) não foram acusados de nada”.
Barbosa até à sua morte, ocorrida há meia dúzia de anos, suportou sempre esse “fardo” da pior humilhação que o Brasil terá tido, até que a Alemanha lhe conseguisse dar algum descanso quando no Mundial de 2014 deu 7-1 a uma seleção sem brilho orientada por um tipo de extrema-direita, Filipe Scolari. Barbosa para perpetuar a sua tristeza imensa comprou o poste e as traves da baliza onde sofreu o fatídico golo de Gigghia e com essa madeira mandou fazer uma cruz, símbolo do seu martírio.
Em 1954 o Brasil foi derrotado pela Hungria de Puskas, Kocsis e Czibor com uma equipa que integrava dois grandes jogadores negros, Djalma Santos e Didi.
No Campeonato do Mundo de 58, o selecionador Vicente Feolla “escalava” o branco preterindo o negro. O capitão Bellini, branco, loiro, ficou para a história pelo gesto de levantar o “caneco” acima da cabeça, para que todos a pudessem ver; Garrincha, mulato, só entrou depois de pressão do mestre Didi. Com Pelé, Garrincha na direita, mais o “centro-avante” Vavá e o ponta-esquerda Zagalo, o Brasil derrotou a URSS e partiu para a conquista do título. Um mulato e um preto tronaram-se os ídolos da conquista do 1º campeonato do mundo para o Brasil
Este texto tem pouco a ver com o Mundial da Rússia, mas tem com a história dos Mundiais, que começaram em 1930, na capicua dos 88 anos!
Fernando Pereira
1/7/2018




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