15 de maio de 2009

Toponimando II/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda/15-05-09



Talvez seja mesmo um chato, mas não podia deixar que este assunto da toponímia se reduzisse a um artigo, e não deixa de ser curiosa a observação do meu amigo Eduardo Trindade, antiga glória do hóquei angolano, reformado bancário, morador no muceque Braga, e não no Bairro do Café, como insiste em dizer, que desabafava abafadamente no transito da cidade:” Toda a gente tem nome de rua, só eu, Trindade, que vivo aqui há sessenta anos não tenho direito”.
Este desabafo do Trindade pode parecer extemporâneo e até aparentemente reaccionário, mas a realidade é que ele, eu e muitos de nós interrogamo-nos quem é certa gente que está nas tabuletas, porque não há sequer menção ao seu nascimento ou morte, no caso das pessoas, ou a relevância de certos lugares.
Por acaso o Trindade mora na Rua Salvador Allende, um cidadão digno de figurar em todas as cidades do mundo, porque foi um homem que morreu no seu posto a lutar pela liberdade e por um Chile mais equalitário e progressista. O único senão, foi este nome ter sido dado a uma rua, que tinha um nome de um botânico, insigne professor catedrático da Universidade de Coimbra, e um dos grandes estudiosos da flora africana, o Dr. Luis Carriço. Teria sido bem melhor ter dado o nome de Salvador Allende, a uma rua que tivesse um anódino subalterno colonial, que por dá cá aquela palha ficou com direito a placa na cidade que crescia e que não tinha heróis para tanta rua.
Falei de Allende, como podia falar da substituição do Largo Alves da Cunha, por praça Lenine, que já tem uma avenida, que o povo ironicamente chama de “Brito Lenine”, numa engraçada articulação entre o antigo nome de Brito Godins e o actual Lenine.
Podia fazer aqui uma série de reparos, que diga-se de passagem não são mais que opiniões subjectivas, e que podiam ajudar a um debate interessante sobre o futuro da toponímia da cidade, para que não seja apenas para homenagear quem muito fez, mas também num contexto pedagógico, pois alguém há-de dizer porque é que determinada rua se chama assim, ou determinado largo tem esse nome, e aí por diante.
Acho que Iko Carreira, Pedalé, Loy, Holden Roberto, Gentil Viana, Ben-Ben, Joaquim Pinto de Andrade, Viriato da Cruz, e tantos que lutaram pela libertação de Angola e por valores de liberdade mereciam que em Luanda, e nas suas terras de origem, lhes fosse prestada uma homenagem, e nada melhor que perpetuar o seu nome numa rua, ou num espaço publico onde possam ser lembrados por gerações vindouras.
Estabelecer para determinado bairro uma toponímia de escritores ligados à lusofonia, recordando obviamente em primeiro lugar António Jacinto, António Cardoso, Henrique Abranches, Raul David, Eugénio Ferreira, Bobella-Motta, Alda Lara, Ernesto Lara Filho, Sebastião Coelho, Eugénio Ferreira, para depois passarmos a um José Saramago, Jorge Amado, o cabo-verdiano Manuel Lopes, o santomense Francisco José Tenreiro, o ignorado Daniel Filipe, o moçambicano Howana, ou o “Timorense” Rui Knophly , não esquecendo Mário de Andrade, Castro Soromenho, o recentemente falecido Tomas Jorge, Eugénio de Andrade, Aquilino Ribeiro, Alves Redol, Machado de Assis, José de Alencar entre muitos africanos e de outros lugares, que iriam dignificar a nossa cidade.
Pegar em nomes de artistas plásticos como Vitor Teixeira (Viteix), Rui de Matos, ao lado de arquitectos que fizeram Luanda, e dar-lhes o relevo que merecem, a par de outros homens de cultura como Teta Lando, Paz Victorino, o incontornável N’Gola Ritmos, e o mestre “Liceu” Vieira Dias.
Gente do Desporto como Demóstenes de Almeida, Matos Fernandes, Couto Cabral, isto para não ser demasiado exaustivo.
Em síntese, acho que é tempo da cidade dar relevo aos que a fizeram, aos que lutaram por ela, aos que escreveram, cantaram e pintaram sobre ela, acima de tudo gente que amou a sua cidade, e ela não lhe virou as costas e homenageou-os para que as gerações do futuro perguntem quem foi, e haja alguém que os ensine, ou que saibam onde procurar quem lhes ensine.
Que a cidade faça por merecer ter esta gente entre si!

Escrito no Jornal de Angola de 17-05-09


Postal diário: A questão da toponímia e os insultos à dignidade angolana

Luciano Rocha

A questão da toponímia não é fácil de resolver, ainda por cima se, como acontece com Luanda, carrega uma série de nomes que se confundem com a própria história da cidade.
Os rebaptismos, muitas vezes feitos de ânimo leve, nem sempre resultam. Os luandenses, ignorando decisões oficiais, continuam a utilizar nomes antigos.
Angola não teve tempo, até 2002, de se debruçar sobre questões dessa natureza. As atenções e preocupações centravam-se na defesa da integridade nacional. Mesmo, agora, em época de reconstrução do país, continua a não ser assunto de grande relevância, a não ser em casos que atentam contra a dignidade dos angolanos. Não escandaliza ninguém que haja locais públicos com nomes de estrangeiros. Acontece em todo o mundo. Mas, continuar a ver artérias e bairros, com placas a lembrar figuras gradas do colonialismo é insultuoso.






Fernando Pereira
5/05/09
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