15 de julho de 2011

CONSAGRADA TOPONÍMIA/ Ágora/ Novo Jornal nº 182/ Luanda 14-7-2011




Durante uma temporada num período pós-colonial as placas da sinalização vertical e os traços da sinalização horizontal da cidade desapareciam num ápice e só anos mais tarde é que eram substituídas.
O cidadão de Luanda não raras vezes confrontava-se com posturas municipais que alteravam o trânsito, publicavam essa alteração na imprensa, comunicavam à polícia (então CPPA) e placas ou riscos no chão nem sombra, o que acabava sempre por originar discussões e multas recorrentes.
Uma certa manhã, numa altura em que o movimento de viaturas nada tinha a ver com o de hoje, numa rua ali para os lados de S. Paulo que sabia ter um único sentido no tempo colonial confronto-me com um carro em sentido contrário. Naturalmente desviei-me porque a ideia com que fiquei foi que o condutor era um neófito na cidade e iria fazer o mesmo, devendo explicar-lhe que estava enganado. O homem, um expatriado, ao tempo cooperante começou a vociferar e a agitar os braços de forma ameaçadora, como a razão lhe assistisse.
Eu, cidadão nado e criado em Luanda resolvi perder uma parte das boas maneiras e resolvi desfacilitar pela falta de propósitos do indivíduo. Saiu do carro e dirigiu-se a mim e peremptoriamente afirmava, com tiques até simiescos, que eu estava a transgredir, respondendo-lhe que quem estava a fazê-lo era ele pois aquela rua sempre teve aquele sentido. Ele argumentava que não havia placa nenhuma, e disse-lhe o mesmo que faziam os polícias de Luanda enquanto passavam a multa: “já lá esteve”. O tipo saiu a abanar a cabeça, deu meia volta e reentrou na legalidade, ainda que desconvencido.
Se houve placas que já caíram várias vezes houve outras que se mantém de azulejo, cimento e ferro de pé na cidade com a toponímia colonial bem vincada e quase a afirmar que “aqui foi Portugal”!
A Igreja da Sagrada Família foi executada segundo o plano gizado pelos arquitectos António de Sousa Mendes e Sabino Luis Martins, que ficaram em segundo lugar no concurso para o projecto em 1964, tendo sido preterido o desenho do arquitecto do Lobito, António Campino (1917-1997), o vencedor do concurso, considerado demasiado arrojado pelas autoridades eclesiásticas.
Em tempos quando a sua conservação deixou muito a desejar o léxico verrinoso do luandense chamava-lhe a “desgraçada família”. Nas traseiras do templo há uma placa que indica a Rua D. Manuel I, Rei de Portugal (sec. XV e XVI) que termina no Largo da Independência.
Convenhamos que é no mínimo irónico, quando vemos ruas com nomes de cientistas, escritores e cidades serem substituídas pelas razões políticas mais pueris e permanecer este nome, que terá sido o rei que mais “colheu” com os “descobrimentos” ou “achamentos” como bem dizem os brasileiros.
Lembro que a Sagrada Família foi inaugurada pelo Américo Tomas, ao tempo presidente da Republica de Portugal e logo se me amemoriou o discurso feito pelo Tomaz em 1970 noutras circunstancias não menos risíveis.
Ao presidir à cerimónia da inauguração da estátua de D. Manuel I, em Alcochete, o Chefe do Estado afirmou: «Vive hoje a vila de Alcochete o dia mais festivo da sua existência milenária, ao encerrar as comemorações do quinto centenário do nascimento do rei D. Manuel I com a inauguração da estátua erguida na terra em que o rei «Venturoso» viu a luz da vida, há 501 anos. ( ... ) Primo direito do rei D. João II, sobrinho do rei D. Afonso V, sobrinho-neto do Infante D. Henrique ,o excelso príncipe das Descobertas, e bisneto do rei D. João I, D. Manuel foi o nono filho do Infante D. Fernando, irmão único de D. Afonso V. Quando aqui nasceu em 1469, nada faria 'prever que pudesse vir a ser rei de Portugal, mas uma série de imprevisíveis acontecimentos caprichou em o tomar o único herdeiro legitimo de D. João II, quatro anos antes da morte do grande rei e notabilíssimo governante, que pela sua sagacidade e persistência excepcionais, se tomou num dos maiores homens portugueses de todos os tempos. Desígnios da providência”. Depois de referir que “as palavras que proferia não eram propriamente para acrescentar qualquer achega às que foram ditas e muito bem ditas”, o Chefe do Estado afirmou, a certo passo: “D. Manuel I beneficiou de um passado que lhe preparou magnificamente o futuro. Foi, sem dúvida, sumamente venturoso por isso, mas não o teria sido se o não tivesse sabido ser. Esta uma verdade que seria injustiça não lembrar nesta ocasião solene. Termino, apresentando os meus respeitosos cumprimentos aos nobres descendentes do rei Sr. D. Manuel I e lembrando também que devemos ser gratos à sua memória e honrar a obra imensa que realizou. É o que estamos presentemente fazendo em África”.
Falta só dizer que este texto foi objecto de censura pelos serviços do “Exame Prévio”.

Fernando Pereira
12/7/2011

A Borracha do Rocha /Jornal O INTERIOR / 14-7-2011




Presumo que os próximos tempos serão de grande discussão no Partido Socialista num momento em que "O PS tem de ser refundado de alguma maneira, tem de ser melhorado, tem de discutir política a sério e tem de ter política a sério e grandes ideias para o futuro", segundo Mário Soares.
Fiquei perplexo porque sempre pensei que o Mário Soares tivesse sido alguém no PS, mas pelos vistos um de nós enganou-se, a história ou eu.
Nunca é tarde para começar, e já estou a ver que nos próximos tempos o que se vai discutir no Partido Socialista vai ser Hegel, Owen, Fourier ou Saint-Simon , o jovem Marx (estou a ver toda a gente com a Ideologia Alemã e as “Críticas a Feuerbach” na mão, ali para o lado da Rua dos Prazeres),Kautsky, Bernstein, Weber ou outros teóricos do socialismo moderno.
Acredito que vai ser mesmo isto e acho que se vai conseguir sair dos lugares comuns do quotidiano eleiçoeiro, onde magotes de gente com colarinho fechado, vestidos com fardas maoistas a brandir o livro vermelho poderão ocupar uma outra sede, ali perto da Álvares Cabral na cidade capital do País, onde todos os Prazeres de todos os distritos e autónomas fluirão num líder qual revisitação portuguesa de “The Last King of Scotland”, esse filme onde Forest Whitaker foi “oscarado”.
Vou gostar de ver, e quiçá participar neste conclave se me aceitarem, mas talvez ainda não veja grande movimentação porque os textos teóricos estarão presumivelmente a ser passados para PDF. Há sempre a possibilidade de poder consultar o site de uma fundação perto de si (neste caso, no largo de S. Bento, perto do Rato).
Como o Tomas enquanto presidente tinha mais piada que o Cavaco Silva, apesar das atribuições serem iguais, não resisto a colocar aqui uma parte de um discurso e reportagem em 1970 em Torres Vedras: O Chefe de Estado visitou Torres Vedras, onde inaugurou vários melhoramentos. À sua chegada, uma força da Legião Portuguesa prestou as honras da praxe ao Almirante Américo Tomás. Ao discursar, durante a sessão de boas-vindas, o Chefe do Estado evocou o papel histórico das linhas de Torres. Disse o Almirante Américo Tomás: “Tem esta terra, senhor presidente, largas tradições, tradições que vêm de muito longe; mas eu agora só quero referir aquelas que distam no tempo de século e meio. Aqui estão colocadas as Linhas de Torres, essas Linhas que conseguiram parar os exércitos de Napoleão e salvar a cidade de Lisboa na terceira invasão francesa. Pois bem, esta terra cumpriu, através das suas Linhas, o seu papel na defesa da Pátria. Tem cumprido sempre esse papel ao longo dos tempos e eu, neste momento, para terminar estas minhas palavras, quero dizer que as Linhas de Torres estão presentemente em todo o nosso Pais: começam no nosso Ultramar, mas, também, aqui na Metrópole, elas são absolutamente indispensáveis, porque temos que defender a nossa Pátria em todos os lugares onde ela existe. E hoje, nos tempos modernos, o campo de batalha não está apenas no sítio em que as lutas se travam: está em toda a parte, e nós, por conseguinte, precisamos de ter Linhas de Torres em todo o nosso Pais, em todo o nosso território,..”
Não sei se irei ler o “18 Brumário de Luis Bonaparte” de Marx para seguir as orientações do também Nobre, mas Soares.

Fernando Pereira
27/6/2011
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