24 de abril de 2007

25 de Abril de 1974


25 DE ABRIL
Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen


Minha querida amiga R.

Lembras-te quando chegámos de Luanda,naquele Outono frio de 197...??? Lembras-te concerteza, meu amor...O cinzento das casas, das pessoas, dos polícias, dos governantes,de tudo....Portugal era pintado de cinzento....O nosso pequeno quarto, num 3º andar de um prédio com uma entrada lugrube,onde uma enfezada passava dias inteiros a apanhar malhas de meias de nylon??Lembras-te das nossas primeiras aulas e o que por lá acontecia??Lembras-te da primeira carga policial que apanhámos, só porque resolvemos ir ver onde é que outros colegas nossos iam manifestar-se, sem percebermos bem o quê??Lembras-te dos comunicados que começámos a distribuir ??Lembras-te da eternização das noites de discussão que tínhamos em casa de L....???E a aflição que foi quando a Pide foi a casa de L.... naquela manhã cinzenta e triste???Os dias de angustia que se seguiram, com aqueles dois sempre junto aquela cabine telefónica amarela da esquina da praça, com uma gabardina e um chapéu enterrados, sem que nunca lhe conseguíssemos ver a cara???Lembras-te de A...vir ter connosco certa noite e dizer que eu teria de bazar, pois L...falou e não havia hipótese...Ainda por cima comigo era pior, porque era das colónias...Lembras-te??? Apartir dessa noite lembro-me eu...Fui para os lados de O...numa casa relativamente distante da aldeia, onde a comida era coisa que só se via de tempos a tempos, e chegar à janela era do pior...No rádio da sala íamos ouvindo coisas ...mas por cá tudo na mesma...Recebi e ainda guardo a tua carta, e não hesito em colocá-la, pq ainda a guardo...."Às vezes, apetece-me estar a conversar contigo ao pé da lareira (que bonita é a luz que dá aos nossos rostos), com tu gostas.Às vezes, tenho vontade de estar contigo na praia, em Luanda, como eu gosto.Às vezes podia ser na ribeira do teu jardim, onde tu gostas, mas também ao fim do dia olhando o nosso mar de Angola, porque é especial.Podia dar-te a mao e até encostar a cabeça no teu ombro. Teria vontade de te abraçar com forca e dizer-te ao ouvido... que gosto bue de ti.Mas, e depois?"....de facto....Tanto chorei quando a recebi...e compreendi que de facto....nada...a resignação....Numa qualquer madrugada de Abril,que não foi bem qualquer, foi o princípio de tudo...Abril, 25/1974...Lembro-me bem querida R., peguei na carta que me tinhas enviado amargurada e eis-me a caminho de uma Lisboa, que vi diferente, vi pela primeira vez, Lisboa diferentemente bonita, gente linda, alegria,e o frenetismo de uma liberdade que tanto ousámos e que afinal estava ali.Lembras-te como nos beijámos nesse dia....Lembras-te como vagueamos numa Lisboa que era enfim nossa, e que sentimos que pele de galinha por todos nós de termos medo de tanta euforia....Mas não esta liberdade tínhamos que a gozar , querida R, podia ser efémera e não podíamos perder um minuto que fosse que não a desfrutássemos...Pela primeira vez sentimos liberdade, e pela primeira vez olhamo-nos nos olhos e sentimos que a nossa Angola, a Angola independente estava perto.Querida R...o tempo e as circunstancias da vida separaram-nos, mas ambos vimos subir a nossa bandeira bi-color com a roda dentada,catana e estrelinha no Novembro do nosso mui grande contentamento. Escrevo-te 30 e alguns anos depois...depois de muita coisa, para te agradecer o que passámos nesses anos de lutas, alegrias, angustias, incertezas e tanto ou quase muito oportunismo....Mas não interessa, quero pegar na carta já amarelecida pelo tempo, e fazer tudo aquilo que desejávamos fazer nos anos da ditadura e do ostracismo...O 25 de Abril não foi nosso, mas tb foi nosso e por isso querida R...hoje sinto-te como ontem a desfilar por Lisboa de mãos dadas a cantar e a ebriar-nos por aquela contagiante amálgama de gente que sentia a diferença da linda palavra....LIBERDADE....Querida R, lembras-te quando os dois declamávamos Eluard, façamo-lo sempre onde quer que estejamos...porque de facto Estamos juntos...sempre e por perto!!!!Fernando

Só o vinho do Porto nos dá estas alegrias!

COLOQUEMOS A GARRAFA DE VINHO NO MUSEU EM SANTA COMBA DÃO COM UM AGRADECIMENTO DE UM PAÍS INTEIRO E COLÓNIAS!
Salazar não caiu da cadeira.
Conta o seu barbeiro- única testemunha do sucedido -que Salazar tinha por hábito pegar nos jornais e sentar-se. Naquele dia a cadeira não estava no sítio e Salazar deu com a cabeça no chão.Ajudado a levantar-se pelo barbeiro, logo proibiu o barbeiro de contar o que vira. Este, porém, não resistiu e contou à governanta D. Maria o que acontecera, tendo esta um ataque de fúria, destruiu a cadeira de lona e deitou os restos ao mar. Tudo se manteve em silêncio até que o médico pessoal o foi ver, numa visita de rotina, 20 dias após o acidente, e constatou o hematoma depois de alertado pela D. Maria. Quatro dias depois, como o Hematoma piorasse, o médico pessoal pediu conselho ao neuro-cirurgião, Dr. Vasconcelos, que foi de opinião que o paciente deveria ser imediatamente operado.A operação correu bem, no entanto, D. Maria que dava a comida ao enfermo, lembrou-se de lhe dar uns cálices de Vinho do Porto para ele arrebitar. Poucos dias depois Salazar teve o AVC...
"Máscaras de Salazar", de Fernando Dacosta, Casa das Letras, 14ª edição.


Para quem andava distraído, antes do 25 de Abril, lembro as "sábias palavras" do então mais alto magistrado da Nação...Américo Tomás, vulgo, cabeça de Tarro...Era só para lembrar que nessa altura ele era o Chefe de Estado do Minho a Timor....
"Memórias de Tomás" (I)"Eu por mim próprio, não me decidi a escrever as «Minhas Memórias». Decidiram-me. É que, estando quase toda a gente, ex-chefes de gabinete, ex-subsecretários de Estado, ex-secretários de Estado, ex-ministros, ex-chefes de Governo, escrevendo as suas memórias, a minha família começou a insistir comigo para que escrevesse as minhas «Memórias», na medida em que, disseram-me, mal me ficaria não escrever, também eu próprio, as minhas «Memórias».
Habituado a falar e não a escrever, contando, segundo as minhas contas, nove mil trezentos e sessenta e quatro alocuções por sobre o território nacional, isto é, continente, ilhas adjacentes e províncias ultramarinas, não minto!, nove mil trezentos e sessenta e cinco alocuções por sobre o território nacional e internacional, ligadas ao meu cargo de Presidente da República, - eu nunca me afoitei a usar a caneta, coisa que disse repetidamente a minha família.
Não tive sucesso, como é obvio, dado que me compraram uma caneta e ma deixaram fechada na mão.Foi então que, pegando na caneta, carreguei no botão do gravador e comecei: "Senhor bispo da diocese, senhor ministro das Obras Públicas, senhor governador civil, senhor presidente da câmara municipal, senhor presidente da junta de freguesia, minhas senhoras e meus senhores" [in, revista Opção, Ano II, nº 30]"É esta, portanto, a ultima cerimónia que se passa na cidade da Guarda e eu não quero deixar passar esta oportunidade sem agradecer ao bom povo desta terra o seu entusiasmo, o carinho com que recebeu o Chefe do Estado. A chuva não teve qualquer influência no entusiasmo das populações. Elas vivem numa terra de granito, e a chuva não as apoquenta (...) A Guarda é um distrito de bons portugueses, de portugueses de uma só face, portugueses, portanto, sempre prontos a defender a terra que os viu nascer. E a Guarda tem uma particularidade: é a cidade mais alta da Metrópole" [ididem, discurso na Guarda, in Século]"... É uma terra [Gouveia] bem interessante, porque estando numa cova, está a mais de 700 metros de altitude. Pois o que desejo, sr. Presidente, para poder pagar, de qualquer forma a dívida que contraí, é que esta gente tenha um futuro feliz, abençoado por Deus. Que assim seja, para contentamento vosso e para contentamento meu... " [ibidem, em Gouveia, segundo O Século, 1/6/1964]

Oxalá seja sempre Abril!


Para não desvirtuar alguns fios,e depois de ler o que algumas pessoas aqui tem escrito sobre o 25 de Abril, resolvi criar este fio, de forma a que se possa debater com alguma serenidade uma data importantíssima na história contemporânea de Portugal, e determinante para uma alteração do mapa geo-político do mundo.As revoluções não surgem por decreto.O 25 de Abril de 1974 é o corolário lógico do fim das indecisões que o fascismo de Salazar e sem Salazar tinham alimentado de forma doentia e sem qualquer tipo de solução.O 25 de Abril é o corolário lógico, da fraude eleitoral de 1958, do Santa Maria, do 4 de Fevereiro,da queda de Goa, Damão e Diu, da Abrilada de 1961,do início e recrudescimento da luta armada em três palcos de guerra, e por aí fora.No plano interno é a luta pelo horário de trabalho por parte dos trabalhadores rurais, horário de 8h, são as greves nas fábricas e empresas por melhores direitos, são as greves académicas de 1962 e 1969, é a crescente fuga de gente para a Europa e o isolamento crescente de Portugal na cena política mundial.O 25 de Abril de 1974 é uma data que devolve aos cidadãos portugueses e aos povos sob dominação colonial uma nova identidade e uma nova dignidade.Não foi feito por aventureiros, como aqui já se insinuou, mas sim por aqueles que esperaram e desesperaram por uma solução tardia para os problemas que se arrastavam para um pântano de consequências perversas.Hoje quase trinta anos, podemos dizer que valeu a pena, e que podemos dar aos nossos filhos em Portugal ou no resto dos novos países de expressão portuguesa,um mundo melhor, de liberdade, de participação cívica e de perspectivas de futuro assente na melhoria da qualidade de vida de todos os cidadãos.Podemos dar as voltas que quisermos, pessoalizar as razões para se afirmar o contrário, mas de facto foram esses muitos homens fardados, que imediatamente tiveram uma adesão popular extraordinária, a quem se devem liberdades fundamentais, sem as quais não conseguimos respirar.

Como em todas as revoluções ou processos políticos, há avanços e recuos,há situações mais obscuras e menos, há aproveitamentos dos oportunismos que capeiam em qualquer sistema político, mas temos de ter em conta que Abril valeu a pena...Por Tudo.....!!
Fernando Pereira

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