22 de fevereiro de 2019

100 ANOS ESCRITOS A OURO! / Jornal de Angola / Luanda 22/2/2019





100 ANOS ESCRITOS A OURO!
A 22 de Fevereiro de 1919 era exarada a Portaria nº51, assinada pelo então Governador Geral Filomeno da Camara Mello Cabral que cria o “Liceu Central na cidade de Luanda”.
                Materializava-se uma recorrente reivindicação dos colonos que exerciam atividade económica na cidade e do conjunto de famílias africanas, ao tempo ainda não espoliadas do enorme prestígio e património assinalável. Todos queriam que os seus filhos fizessem o seu percurso secundário em Angola, pois era quase impossível enviá-los para a então metrópole. As escolas que existiam eram particulares e de duvidosa qualidade.
                Terá havido ao tempo uma grande unidade em torno da constituição do Liceu de Luanda, que pelo artigo 2º, da portaria 51, conseguindo vingar que “O Liceu Central de Luanda terá uma organização semelhante à dos liceus da metrópole”.
                A portaria determinava que o Liceu iniciaria a sua atividade regular a 15 de Março de 1919, o que sucedeu, sendo Álvaro Galiano o seu aluno nº1.
                As descrições da época sobre esta “histórica decisão” foram de grande entusiasmo, numa cidade que tinha tudo de muito pouco bom para ser um espaço urbano vivível. A iluminação pública dependia dos particulares que quisessem as cercanias das suas casas iluminadas. As ruas áridas e com a areia vermelha eram lugares de pouca higiene e a água que vinha do Bengo era escassa e tinha que ser filtrada de forma a evitarem-se as doenças que faziam de Luanda um lugar conhecido pela insalubridade.
                O grande impulsionador do movimento em torno do Liceu, que passou a Liceu Central de Salvador Correia a 30 de Janeiro de 1924, quando este “estabelecimento de ensino passa a equiparar-se para todos os efeitos a todos os liceus da metrópole”, foi Monsenhor Alves da Cunha, provavelmente a figura maior do seculo XX do território. Foi a pessoa que mais unanimidade concitou entre todos os cidadãos da cidade de Luanda, que viam os governadores enviados pela potencia colonial com passagens meteóricas, procurando que se alterasse o mínimo para não haver desequilíbrios. Alves da Cunha, em vários domínios, desde o ensino, à solidariedade, ao urbanismo, à florestação da cidade e ao desenvolvimento de pequenas unidades industriais foi um incansável batalhador, sem ter tirado qualquer provendo para si. Morreu pobre, mas reconhecido por toda a população da cidade, independentemente do seu status económico ou social!
                É interessante que na sanha “desapeadora” das estátuas que se assistiu no pós-independência, a sua foi a única que não foi beliscada e lá continua a pairar sobre a sua cidade. Conseguiu unir grupos desavindos de interesses em objetivos comuns e de facto fez por acontecer tanta coisa, em que o Liceu será a sua obra mais relevante, já que foi seu reitor até 1929, e membro do seu corpo docente inicial desde a instalação, na exígua casa da sede da Companhia do Ambaca, ali para os lados da Misericórdia.
                Em Outubro de 1919 as instalações passaram para a Avenida do Hospital, num edifício demolido há 46 anos para se construir o atual Palácio da Justiça.
                Como as condições não eram as melhores, dada a afluência de alunos, foi decidido em 30 de Junho de 1933 cabimentar verbas para a construção do edifício onde funcionou o Liceu Salvador Correia de 1942 a 1975, e a partir de então a Escola Mutu-Ya-Kewela, de há um ano a esta parte uma escola do magistério primário, depois de vultuosos e excelentes trabalhos de recuperação. Uma sábia decisão da tutela para preservar para a Educação um espaço físico e de memória de eleição.
                O Liceu, num projeto do Arquiteto José da Costa e Silva, edificado nuo alto da cidade, em estilo denominado de “Português Suave” torna-se a partir do dealbar dos anos 40 na edificação mais proeminente na cidade. À sua volta a cidade começa a crescer, e o liceu é a marca indelével de um novo tipo de sociedade que se impõe em Angola.
                Muitas gerações de pessoas transpuseram as portas daquele Liceu, desde alunos, professores e funcionários, e em todos ficou sempre alguma coisa que terá marcado para a vida, mesmo que tenha sido de raspão a sua passagem.
                Para além da excelência do seu corpo docente, das suas instalações, o Liceu foi um espaço onde se cruzaram gentes com propósitos bem definidos na luta pela Independência do País, e o contrário também!
                O Liceu que comemora cem anos neste 22 de Fevereiro, teve entre os seus alunos os dois primeiros Presidentes da República do País (Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos) e um conjunto interminável de gente que lutou empenhadamente por uma Angola independente e diferente da que vamos vivendo por ora.
                Para além da participação política, o Liceu foi o local onde se deram os primeiros passos para brilhantes cientistas, médicos, professores universitários, empresários de sucesso, economistas, jornalistas, em suma um conjunto significativo de gente que cobre de glória as paredes do vetusto edifício que continua a olhar a cidade que em determinada altura cresceu mal a seus pés.
                Fui aluno de 1966 a 1972 e apesar de ter frequentado episodicamente outros estabelecimentos de ensino (em Coimbra) o Salvador Correia entranhou-se, e ainda hoje muitos dos meus companheiros de “viagem”, os que sobram, são exatamente os mesmos que estavam comigo naquele espaço que nunca nos deixa indiferente quando por lá passamos ao pé.
                Na Casa Amarela fizemos tanto de bom, que ao longo dos anos nos reencontramos uma vez por ano, a contar e a recontar coisas do antanho, a comermos e a bebermos o possível para nos lembrarmos que fazemos parte dos cem anos daquela casa. Vamos vendo  morrer alguns, mas é a lei da vida e uma parte do futuro que hoje somos foi o passado que o Salvador Correia nos deu.
                No caminho pelo Salvador Correia, dos que estão e dos que foram vem a frase batida de Mia Couto: “Não morre quem se ausenta, morre quem é esquecido”!
                Engraçado, que para além dos meus amigos, companheiros de Liceu, funcionários, professores lembro-me que foi aí que me apresentaram Hegel, Marx, Nkrumah, Sartre, Camus, e tanta outra malta que me tem dado um prazer enorme ler e ter ao longo da vida!
                Nesta hora dos cem anos do Liceu de Luanda, Viva a Malta do Liceu!!!

Fernando Pereira
19/02/2019.

15 de fevereiro de 2019

A FARRA DO INTERIOR / O Interior/ Guarda 14/02/2018





A FARRA DO INTERIOR

Como se previa, aquele movimento de valorização do interior de Portugal foi mais um nado-morto. Mediaticamente foi um arranque medíocre, mas de na realidade foi a única coisa que as pessoas, com memória, ainda se vão lembrando cada vez mais a espaços.
                Para ajudar a esta festa de cinismo politico elevado ao coeficiente mais alto, o governo resolveu instalar uma Secretaria de Estado em Castelo Branco, com o propósito de melhor “ se conhecerem os problemas do interior e poder haver uma resposta rápida para os mesmos”!  Como bem escreveu Lampedusa, “É preciso que alguma coisa mude, para que tudo fique na mesma”.
                O governo, com a pompa e circunstancia habitual nestes eventos, veio a terreiro divulgar a disponibilidade para entregar às autarquias um conjunto de estruturas e serviços a saírem da administração central. Quiseram promover a “regionalização da tesura”, tentando replicar pela via administrativa o que os portugueses rejeitaram em referendo há uns anos, num contexto de desinformação e com vergonhosas falácias, que levaram ao resultado que os centralistas de Lisboa e Vale do Tejo sempre desejaram, que foi ter o País a seus pés. Só não conseguiram os seus intentos de dar novas atribuições porque o outro envelope, o principal, está vazio!
                Como é evidente, o interior de hoje é bem diferente do de há 44 anos, quando fizemos as campanhas de dinamização do MFA, e se iniciou o Serviço Médico à Periferia, embrião de um SNS todos os dias violentado por muitos que desejam a “liberalização” da saúde!
                O interior há muito que é olhado como um enfado pelos que nos governam, e até pelas oposições, para quem Portugal é pouco mais que a Grande Lisboa! Houve alguém que terá dito: “Em tempos de crise, para que os vossos sapatos durem mais, deem passos maiores”. É de um tempo que vai sendo cada vez mais repetido!
                Em 1965, o Subsecretário de Estado do Tesouro, Ricardo Faria Blanc teve que substituir Ulisses Cortês ao tempo Ministro das Finanças, então doente, na preparação da Lei de Meios e do Orçamento para 1966. Apercebe-se de uma verba irrisória para “os melhoramentos rurais”. Convencido que estava que devia ser triplicada essa verba, já que iria melhorar o interior do País, levou a proposta a Oliveira Salazar.  Com aquele ar sinistramente cético Salazar pergunta: - “Mas ao certo, o que é que o senhor tem em vista? O Subsecretário responde: - “Bom trata-se de modernizar mais depressa as terras do interior, levando-lhes benefícios do progresso: canalização de água em casa, eletricidade, telefone, eliminação das fontes de chafurdo, etc., etc.”. Salazar pergunta-lhe de chofre: - “O Senhor donde é natural?”. - “Sou de Azeitão, Sr. Presidente, aqui a dois passos de Lisboa”. – “Pois então não tem terra. O senhor não conhece o interior de Portugal. Sabe? As pessoas que ali vivem estão muito arreigadas às suas tradições e modo de vida seculares. Se lhe levamos o progresso de repente, perturbaremos gravemente os seus equilíbrios naturais. Por exemplo se acabarmos com as fontes e lhe levarmos a água a casa, as mulheres já não terão de ir todas as manhãs com o cântaro à fonte: como é que elas hão-de poder pôr a conversa em dia umas com as outras?”. Claro que não houve reforço de verba nenhuma!!
                Este diálogo mostra bem como há décadas se trilham e retrilham os   sórdidos caminhos do Interior pelo poder instalado em Lisboa, engordado pelos que para lá vão.
                “Tudo é velho onde fui em novo” Álvaro Campos.
Fernando Pereira
8/2/2019
               

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