10 de novembro de 2018

NOVEMBRO SEMPRE / Novo Jornal/ Luanda 9-11-2018




NOVEMBRO SEMPRE
“O que faz uma nação grande não é tanto os seus grandes homens, mas a estrutura dos seus inumeráveis medíocres”
                Ortega e Gasset

Felizes fomos, os que pudemos assistir ao nascimento da Republica Popular de Angola a 11 de Novembro de 1975.
                A maioria dos angolanos de hoje já não viveram esse dia, e para muitos essa data é algo que já terá sido atirado para as calendas gregas do nosso imaginário coletivo.
                A sociedade da informação, que hoje faz aparecer factos a uma velocidade vertiginosa, é a mesma que enterra quase ao mesmo ritmo tudo que se foi passado num lapso de tempo relativamente curto.
                Por tudo isto a extrema direita e tudo que lhe está associado como a xenofobia, o racismo, a intolerância ideológica, e a construção de mitos em torno de fátuas figuras, tem vindo a crescer a um ritmo avassalador demasiado por todo o mundo. O fascínio pelos caudilhos que personificam este novo modelo de domínio político é evidente, e as religiões através das suas múltiplas versões tem dado um contributo ideológico de tomo para a edificação do novo status de poder institucional.
                Os culpados de toda esta situação, que começa a fazer pairar enorme preocupação, não se circunscreve às igrejas, à comunicação social manipulada ou à participação cada vez maior dos grandes grupos económicos na política.
As razões de tudo isto deve-se também aos que nas democracias “se deixam embalar em sossego”! A falta de respostas à insegurança crescente nas metrópoles, a falta de emprego, o “amiguismo” no aparelho de estado, a fraudulenta utilização do património público, uma justiça timorata no julgamento de todos por igual, e alguma desresponsabilização por parte dos governantes perante má gestão da coisa pública, são o pasto perfeito para que de uma forma paciente comecem a surgir os focos de revolta, aproveitados na perfeição por gente que mais cedo que tarde vai impor a sua “ordem e progresso”, para não termos que “nadar” muito.
“Os que condenam o passado estão condenados a repeti-lo” (George Santayana) e o que vamos assistindo nestes 43 anos da “dipanda” é que cada vez vemos mais gente a repetir em vários locais que no “tempo do colono é que era bom”! O medo pensa demais, e às vezes é completamente inútil tentar demonstrar a quem viveu esses tempos que o colonialismo era aviltante para qualquer cidadão angolano.
Com o argumento de que “hoje é que se rouba”, “são uma cambada de corruptos”, “no tempo do colono não havia fome”, “antigamente havia ordem e disciplina” e por aí fora vamos assistindo a uma nostalgia de um tempo que a maioria não viveu, e que as circunstancias do País dizimado pela guerra, com famílias divididas não conseguiu mostrar quão duro foram os tempos coloniais para a grande maioria da população angolana.
Documentos como o certificado de residência, cartão de trabalho, caderneta do indígena, cartão do assimilado, e por aí fora foram mecanismos para legalmente separarem os angolanos que tinham direito a bilhete de identidade, uma minoria, e os que não tinham.
Confesso que gosto pouco de andar aqui com lembranças de coisas tristes, e que nesta fase já terão pouco interesse estarem a ser desenterradas, mas tudo que vai acontecendo são sinais preocupantes do que poderá acontecer no futuro, pois Angola importa tanto de outras latitudes que não será descabido pensar, que  poderá importar sistemas políticos autocráticos travestidos de democracia plena.
Como diria José Gomes Ferreira, “Tenho saudades de não poder inventar o futuro”.
Nada me entristece quando comemoro um dos dias mais felizes da minha vida, que foi esse longínquo, mas presente 11 de Novembro de 1975! Também terá de ser mais um dia de festa para os angolanos, porque a liberdade tem que ser um espaço coletivo!
Dizem alguns amigos que vem da luta de libertação: “Não foi isto que combinámos”! Percebo a sua deceção, mas também terão combinado a coisa num tempo de esperança e raras vezes a esperança se materializa! Como dizia o saudoso Millor Fernandes, “Há duas coisas que ninguém perdoa: as nossas vitórias e os nossos fracassos”.
Convém lembrar que o recentemente falecido Gerald Bender, um dos que mais de perto acompanhou Angola nos últimos cinquenta anos teve uma fase que foi premonitória e que de certa forma condicionou o passado e espera-se que não seja presente no futuro:  “MPLA never lost an  opportuniy do lose an opportunity” (trad: O MPLA nunca perdeu uma oportunidade de perder uma oportunidade)
Porque ainda vamos a tempo de tudo e de combinar coisas novas e devolver as estrelas ao povo, partilho com muitos a mesma alegria de todos os anos neste sempre bom comemorar o Novembro da esperança.

Fernando Pereira
8/11/2018




9 de novembro de 2018

Ephemera / O Interior / 8-11-2018




Tenho um grupo heterogéneo no pensar e nos gostos que invariavelmente à quinta feira de tarde se junta para a confraternização semanal.
                Há alguns como eu que somos novos há muito tempo, há uns quantos mais novos, mas que pensam velho e há os mais velhos que nalgumas coisas pensam novo e noutras sentimos que as suas ideias foram envelhecendo.
                É boa gente, e seguramente não se junta pela qualidade da comida, porque já fomos sofrendo algumas deceções.
                Estes jantares para além do afiar a língua viperina são simultaneamente uma partilha saudável de opiniões numa mesa de alguns extremos. Discute-se politica local e nacional, comenta-se o quotidiano da cidade, fala-se de bola, degustam-se em palavras alguns vinhos e outras miudezas no meio de umas vitualhas.
                No meio deste estendal de mil e uma coisas vamos também partilhando outro tipo de fazeres desde a viagens a visitar património, ajudar a promover obras de alguns honoráveis cidadãos da urbe, ou ações solidárias com instituições que nos merecem respeito e que dignificam a atividade associativa no distrito.
                Todos vão tendo o seu percurso pessoal, profissional e de atividade social  na sociedade sem grandes razões para críticas especiais, para além das que são habituais por algumas pessoas não gostarem de fulano, sicrano ou beltrano.
                Vamos ao que interessa. Este grupo foi desafiado para promover a instalação de um ponto de recolha da Ephemera na Guarda. Naturalmente que não irão ser os “comensais da quinta”, que irão desenvolver todo o trabalho de instalação de um local que promova a recolha de documentação para um centro em boa hora criado na Marmeleira pelo Dr. Pacheco Pereira.
                Conseguimos que a Associação de Jogos Tradicionais da Guarda fique com a responsabilidade de recolher todos os documentos que acharem uteis ajudando a fazer a primeira triagem e  a construir um local que seja o  primeiro depósito para posterior  catalogação e colocada à disposição do publico de tudo o que possa ajudar a história contemporânea do País.
                Claro que isto não será algo estanque, mas será fundamentalmente aglutinador de um conjunto de pessoas que possa ajudar a colocar mais um centro “Ephemera”, igual ao que há em muitas capitais de distrito ou cidades do País, num trabalho que tem a vindo a ser crescentemente valorizado.
                O projeto Ephemera é extraordinário pelo pioneirismo ao nível português e quase único a nível europeu, e quando o Dr. Pacheco Pereira foi por nós desafiado a resposta foi pronta e entusiasmante. A Guarda não vai ficar mal e dia 15 de Novembro está prevista a sua vinda para explicar em detalhe o que é a Ephemera.
                Porque nenhum de nós anda com projetos políticos em carteira, ou porque desejamos protagonismo achamos que este movimento se pode alargar e vai permitir recolher e colocar à disposição de investigadores de todo o mundo, documentos, ou outro tipo  de objetos que permitam conhecer um passado que faça conhecer melhorar no futuro.
                Aproveitei a minha crónica regular para sensibilizar as pessoas a aderir a esta iniciativa, e que dela surjam outras que coloquem o distrito e as suas gentes como fazedoras de coisas, que enobreçam a investigação e promovam conhecimento para afirmar com cada vez mais relevância a história e a cultura contemporânea portuguesa.
                Também estamos avisados pela frase de Hemingway: “O primeiro esboço de qualquer coisa é sempre uma merda!”.

Fernando Pereira
2/11/2018

1 de novembro de 2018

A VIDA NÃO PASSA DE UMA TROCA DE CHEIROS / Novo Jornal / Luanda 1-11-2018




A VIDA NÃO PASSA DE UMA TROCA DE CHEIROS

“Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem livremente, nas condições por eles escolhidas, mas sim nas condições diretamente determinadas e legadas pela tradição. A tradição das gerações mortas pesa como um sonho mau no cérebro dos vivos. E até mesmo quando parecem ocupados em transformar-se, a si e às coisas, em criar algo que ainda não tenhamos visto, é precisamente nestas épocas de crise revolucionária que evocam com inquietação os espíritos do passado, pedindo-lhes emprestados os seus nomes, as suas palavras de ordem, os seus costumes, para entrarem na nova cena da história debaixo desse disfarce venerável e com essas palavras emprestadas.”
                                                                               Karl Marx in Early Texts

                Apesar de a partir de determinada altura se rejeitar na sociedade angolana o marxismo, transformando-a num misto de neoliberalismo e capitalismo selvático (diferente de selvagem) não devemos deixar de fazer reflexões sobre qual será a nova matriz ideológica do País.
                Passámos de um tempo de arremedo de marxismo-leninismo, ou socialismo científico, como alguns gostavam de o propalar nas intermináveis reuniões do partido nos ministérios ou empresas, para um petro-marxismo em que tudo gira em função do preço do barril.
                Angola deixou “a moda do marxismo-leninismo”, como disse em determinada altura Dino Matross, quando se referiu, de uma forma algo infeliz, a um período de Angola pós Novembro de 1975, para passar para uma situação híbrida que foi o navegar à vista ao sabor do preço do Brent.
                O angolano, que fruto da necessidade de afirmação no contexto de dificuldades inerentes à independência do País, criou um “umbiguismo”  endógeno, que o estado de abastança do petróleo hiperbolizou. Angola era o centro do mundo e tudo o resto rodava à volta do País. Não nos perguntávamos se éramos suficientemente melhores, ou até mesmo suficientes para sermos de facto o que julgávamos ser, com alguma soberba de permeio.
                Hoje navegamos na desesperança e nem a mudança do “sloganguismo” consegue dar um rumo aos novos tempos tantas vezes prometidos, e penosamente adiados.
                Pepetela no Mayombe na personagem Sem Medo: “queremos transformar o mundo e somos incapazes de nos transformar a nós próprios”. Foi premonitória esta frase da figura central dum dos livros maiores da literatura angolana.
                Angola foi durante demasiados anos a mata, ou a “guerrilha” na cidade, com todas as suas convicções, com o seu determinismo, e com a vontade de fazer, mas foi simultaneamente o lugar de desconfianças, de intrigas, de violência, de traição e também do amiguismo.
                João Lourenço acaba com um ciclo que já devia ter acabado há uns anos! O fim dos da guerrilha no aparelho do Estado, nas Empresas e na condução dos destinos da economia e da política do País.
                Quando Neto morreu e José Eduardo dos Santos emerge como Presidente da Republica pairou a ideia que iria haver um maior enfoque na hierarquia das competências, já que a experiencia vivida até então, com muito voluntarismo à mistura tinha transformado o País num estado desolador mormente na economia.
                Na altura dizia-se em surdina que “Angola ganharia muito se desse aos guerrilheiros uma vivenda no Mussulo, uns criados, carros e outras mordomias diversas e que se mantivessem afastados da direção económica e política do País”. Obviamente que este tipo de retórica vinha de sectores muito críticos da evolução política do País, e que anos mais tarde fizeram parecerias e sociedades com os que na altura vilipendiavam.
                O novo Presidente da Republica consegue inverter um ciclo que só poderia ser possível com o desaparecimento físico dos que emergiram da guerrilha.  Isso abre algumas novas oportunidades aos cidadãos, porque se acaba de vez com essa honorável, mas a partir de determinada altura dispensável condição de guerrilheiro, para se subir na hierarquia, ou ter direitos mais que adquiridos.
                “…a fronteira entre a verdade e a mentira é um caminho no deserto. Os homens dividem-se dos dois lados da fronteira. Quantos há que sabem onde se encontra esse caminho de areia no meio da areia?
                Existem, no entanto, e eu sou um deles. Sem medo também o sabia. Mas insistia que era um caminho no deserto. Por isso se ria dos que diziam que era um trilho cortando, nítido, o verde do Mayombe. Hoje sei que não há trilhos amarelos no meio do verde.” Mayombe-Pepetela

                Fernando Pereira
                29/10/2019
               

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