26 de novembro de 2008

Obituário quase avulso!


O artigo de hoje é quase uma pagina de obituário, quer pela ocorrência de mortes de gente, que foi marcando individualmente cada um de nós, ou acontecimentos que iniciaram milhões de mortes, o que exige de nós uma continuada militância no reforço da liberdade individual e colectiva.
Premonitória a frase de Miriam Makeba, “I will sing until the last day of my life”, pois foi na realidade o que aconteceu na noite de do pretérito 9 de Novembro em Nápoles, onde depois de cantar mais uma vez o “Pata-a-Pata”, num espectáculo de solidariedade para com Roberto Saviano, escritor italiano autor do livro “Gomorra”, e alvo de perseguição e ameaças por parte da Máfia napolitana.
Aos 76 anos, apaga-se o coração de uma mulher que vi actuar algumas vezes, e sempre em locais onde a solidariedade e a luta pela liberdade eram bandeiras. O desaparecimento da “Mamã África”, deixa-nos angustiados, porque esta mulher ao longo de décadas, constituiu na cena artística mundial um símbolo inesquecível da dor, do exílio forçado, do sofrimento e da luta contra o «apartheid» no seu país e do combate pela liberdade dos povos de África.
No dia 10 de Novembro, comemoraram-se setenta anos da Noite de Cristal (Reichskristallnacht), a noite em que por toda a Alemanha e Áustria dominada pelo nazismo, foram incendiadas sinagogas, lojas, onde foram presos milhares de judeus, para além de umas centenas de mortes, que depois se transformaram em milhões, no afã de eliminar todos os judeus de solo alemão ou por si ocupado, numa operação que se chamou de “Solução final”.
Lembrei-me disto neste 11 de Novembro de 2008, noventa anos depois do dia que marcou o fim da 1ª Guerra Mundial, porque na República Democrática do Congo o general Laurent Nkunda, e seus sequazes, vem novamente semear a devastação e a morte, com os argumentos torpes de que as milícias tutsis se estarão a defender de hutus que se movimentam na RDC, com a complacência das autoridades do Rwanda. Mais um episódio serôdio, na procura de autoridade e riqueza fácil, à frente de uma legião de maltrapilhos, com a utilização, já em “reprise”, de apelos a messianices e recurso a cultos esotéricos com rituais macabros.
Normalmente a comunidade internacional, olha para estes casos com a confrangedora calma quiçá com algum indisfarçável cinismo, e mantendo a eterna distancia, que a consciência só lhes dita quando algo mexe nos seus interesses próximos.
O que se passa no Kivu, não é diferente do que se passa no Curdistão, no Kosovo, ou na Geórgia, o que acontece é que os interesses sejam diferentes, e daí o assobiar para o lado.
Para finalizar um artigo, que vai longo, só me resta lamentar a morte do Almarjão, que era o cognome de José Maria da Ponte e Horta Gavazzo do Rego Barreto da Fonseca Magalhães da Costa e Silva.
Quem me lê, pergunta naturalmente quem era este tal Almarjão? Posso dizer que este senhor, quase nonagenário, era um dos melhores alfarrabistas de Lisboa em edições coloniais, de uma loja que é um verdadeiro tesouro, para todos os que se interessam por obras para que o futuro seja o passado estudado.
A livraria Histórica e Ultramarina ficou com o seu sócio Fritz Bekermeier, e as suas tertúlias, ali no Bairro Alto. Qualquer livro, documento, ilustração de Angola, esta casa sabe onde encontrar em qualquer parte do mundo, pelo que seria um acto de profunda injustiça não dar aqui uma nota sobre o falecimento deste ilustre homem da cultura, e publicitar aos académicos angolanos este espaço.
Uma vez na sua labiríntica loja, alguém perguntou o preço de um determinado conjunto de obras raras sobre Angola, e ele disse: "Isto é para Angola"!
- "Para um angolano ou um português?" -
- "Não, para a República Popular" - respondeu com um sorriso revelador da enorme bonomia.

Fernando Pereira
11/11/08

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