15 de março de 2007

Farto de Salazar





Este texto é do meu amigo António Ferreira, ilustre advogado da Guarda, campeão de xadrez, brilhante cozinheiro, bom companheiro, e que me autorizou a publicá-lo, depois de o ter publicado no Jornal "O Interior".


As caricaturas são do João Abel Manta


Karipande



Farto do Salazar
Continuo a ler, por aqui (por exemplo Alves Ambrósio) e por aí, textos sobre Salazar. Ouço notícias sobre um museu em Santa Comba Dão, descubro sites na Internet sobre o personagem (por exemplo em http://www.oliveirasalazar.org/), falam-me de truques utilizados pelos seus admiradores para levar incautos a votar nele na eleição do “maior português de sempre”. Do lado dos detractores vejo manifestações em Santa Comba Dão, ouço denunciar o branqueamento da figura do ditador.
É verdade que, para todos os efeitos, Salazar esteve no poder durante muito tempo, uma vergonha de tempo. Habituados hoje a ouvir falar de alternância no poder, fomos obrigados, como nação, a contentar-nos com o mesmo chefe de governo durante trinta e seis anos – e não contabilizo o tempo em que ele pensava que ainda era primeiro-ministro (entre 1968 e a data da sua morte, em 1970) ou ministro das Finanças (entre 1928 e 1932). Se o fizesse, teria de dizer que esse homem nos governou durante mais de quarenta anos. Acham isso normal? Eu não e interpreto o silêncio sobre ele das últimas décadas, especialmente a partir dos anos 80, como um recalcamento colectivo, uma generalizada manifestação de vergonha pela nossa tão longa passividade.
Irrita-me sobretudo é que se louve a figura porque no seu tempo havia “respeitinho”, coisa que não haverá agora. E irrita-me essa ignóbil palavrinha porque não passa de uma máscara para outra, ainda pior: subserviência. Dizem também, o que é ainda mais irritante, que dantes não havia a corrupção, a dissolução de costumes, a criminalidade que há hoje. Pelo menos, e aí dou-lhes razão, não apareciam nos jornais. É que, como dizia o próprio António de Oliveira Salazar, na inauguração do Secretariado Nacional da Informação: "Politicamente, só existe aquilo que o público sabe que existe." Por isso havia, caso não se recordem, censura prévia a tudo o que era publicado. Podia haver gigantescos apitos dourados, suculentos escândalos sexuais, milhares de funcionários corruptos, que o público não sabia nem tinha meios de saber. É por isso especialmente grotesco o argumento de que esses tempos tinham um qualquer tipo de predomínio moral sobre os nossos. É um duplo branqueamento: o da censura e o da baixeza ética própria de um regime ditatorial.
De resto, há é que recordar números e factos e comparar o pais de hoje com o do antigamente. Sugiro, por exemplo, os dados sobre mortalidade infantil, pobreza, esperança de vida, nível de protecção da segurança social, percentagem de casas com electricidade, água canalizada, saneamento básico, telefone, televisão, frigorífico. Verifiquem ainda as percentagens de analfabetismo (e dou de barato que quem acabava a quarta classe de antigamente sabia de cor todos os rios, montanhas e estações de caminho de ferro do Minho a Timor), de abandono escolar, a distância a que estavam então de um serviço de urgência os que agora protestam contra o seu encerramento. E sugiro outra coisa: tentem recordar a última vez que viram na rua alguém descalço (e essas hippies malucas não contam).
Posto isto, acho muito bem o museu do Salazar. Sugiro é que coloquem lá, em lugar de honra e devidamente envernizada, a cadeira de que ele caiu em 1968. Essa é, muito provavelmente, a peça de mobiliário a que os portugueses mais devem nos oito séculos de história da nação.

Sugestões:
Uma viagem: à Coreia do Norte, que é o pais mais parecido com o Portugal do Salazar.
Um livro: A Independência de Portugal (Rafael Valladares, a esfera dos livros, 2006). Sobre a guerra que se seguia a 1640 e como Filipe IV descobriu à sua custa, e do seu reino, o significado de um antigo provérbio polaco: “o pai bateu ao filho não por ter perdido ao jogo, mas por ter tentado recuperar”.

Zé Povinho em capa de "Os Ridículos"/1974


João Abel Manta

colono
Missionário
Império e dignificação das populações locais

Guerra (quase) colonial

João Abel Manta

João Abel Manta
Nasceu em 1928.Filho dos pintores Clementina Carneiro de Moura e Abel Manta, diplomou-se em Arquitectura pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, em 1951. Tem desenvolvido intensa actividade não só como arquitecto, mas também como pintor, cenografista e artista gráfico (cartaz, filatelia, ilustração e "design" de livros, jornais e revistas).É considerado o melhor cartoonista português deste século, na senda de Rafael Bordalo Pinheiro, Stuart Carvalhais e Leal da Câmara, tendo publicado três livros em Portugal e um na Alemanha.Obteve vários prémios nacionais e estrangeiros: 1961, Prémio de Desenho na II Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian; 1965, Medalha de Prata na Exposição de Artes Gráficas de Leipzig; e 1975, Prémio de Ilustração na Exposição de Artes Gráficas de Leipzig.


Este conjunto de caricaturas, pertencem a uma obra mais vasta de João Abel Manta, "Caricaturas Portuguesas dos Anos de Salazar", editado pelo "Jornal" em Dezembro de 1977, tendo sido reeditado recentemente pelo "Campo das Letras, Editores".


10 de Junho
Avião
Caçadores

Colonialismo e guerra colonial

Ah Diogo! Ah Cão! Em que deZaire pretendes colocar o teu padrão? El-rei morreu. As naus de clarear são agora de um povo nosso irmão.
Dispensámos as balas e os escravos e mais para diante navegámos. Negreiros não. Dissemos sim aos cravos. O mar não dói. E a terra não tem amos.
Ah Diogo! Ah Cão! Que resultadoesperavas deste povo a ver morrero seu corpo na farda de soldado?
Esta Nau do futuro há-de vencer! Mas há cães que só ladram o passado porque o presente é duro de roer!
Joaquim Pessoa

Américo Tomaz

E dizia o Américo Tomás ao inaugurar a fábrica Riopele, que tinha como inovação, um refeitório para os trabalhadores:
-So tenho um adjectivo para qualificar aquilo que vi: Gostei!!!


Um anuncio de graça

Poema Temperamental
Ó caralho! Ó caralho!Quem abateu estas aves?Quem é que sabe? quem éque inventou a pasmaceira?Que puta de bebedeiraé esta que em nós se vemjá desde o ventre da mãee que tem a nossa idade?Ó caralho! Ó caralho!Isto de a gente sorrircom os dentes cariadosesta coisa de gritarsem ter nada na goelafaz-nos abrir a janela.Faz doer a solidão.Faz das tripas coração.Ó caralho! Ó caralho!Porque não vem o diabodizer que somos um povode heróicos analfabetos?Na cama fazemos netosporque os filhos não são nossossão produtos do acasodesde o sangue até aos ossos.Ó caralho! Ó caralho!Um homem mede-se aos palmosse não há outra medidae põe-se o dedo na feridase o dedo lá for preciso.Não temos que ter juízoo que é urgente é ser loucoquer se seja muito ou pouco.Ó caralho! Ó caralho!Porque é que os poemas dizemo que os poetas não querem?Porque é que as palavras feremcomo facas aguçadascravadas por toda a parte?Porque é que se diz que a arteé para certas camadas?Ó caralho! Ó caralho!Estes fatos por medidaque vestimos ao domingotiram-nos dias de vidafazem guardar-nos segredose tornam-nos tão cruéisque para comprar anéisvendemos os próprios dedos.Ó caralho! Ó caralho!Falta mudar tanta coisa.Falta mudar isto tudo!Ser-se cego surdo e mudoentre gente sem cabeçanão é desgraça completa.É como ser-se poetasem que a poesia aconteça.Ó caralho! Ó caralho!Nunca ninguém diz o nomedo silêncio que nos matae andamos mortos de fome(mesmo os que trazem gravata)com um nó junto à garganta.O mal é que a gente cantaquando nos põem a pata.Ó caralho! Ó caralho!O melhor era fingirque não é nada connosco.O melhor era dizerque nunca mais há remédiopara a sífilis. Para o tédio.Para o ócio e a pobreza.Era melhor. Com certeza.Ó caralho! Ó caralho!Tudo são contas antigas.Tudo são palavras velhas.Faz-se um telhado sem telhaspara que chova lá dentroe afogam-se os moribundosdentro do guarda-vestidosentre vaias e gemidos.Ó caralho! Ó caralho!Há gente que não faz nadanem sequer coçar as pernas.Há gente que não se importade viver feita aos bocadoscom uma alma tão mortaque os mortos berram à portados vivos que estão calados.Ó caralho! Ó caralho!Já é tempo de aprenderquanto custa a vida inteiraa comer e a bebere a viver dessa maneira.Já é tempo de dizerque a fome tem outro nome.Que viver já é ter fome.Ó caralho! Ó caralho!Ó caralho!
Joaquim Pessoa

Artur Agostinho com roupagem nova (1974)


Alcacer talvez sequer





"Foi então que topámos com um grande aparato militar de castelhanos protegendo uma tenda alumiada de barraca de feira, centenas de estandartes, bandeiras e cozinhas de campanha, cirurgiões que amolavam bisturis e ilusionistas que divertiam a tropa, e uma sentinela que nos informou que o rei Filipe se reunia com os seus marechais na rulote do Estado-Maior a combinar a invasão de Portugal, porque D. Sebastião, aquele pateta inútil de sandálias e brinco na orelha, sempre a lamber uma mortalha de haxixe, tinha sido esfaqueado num bairro de droga de Marrocos por roubar a um maricas inglês, chamado Oscar Wilde, um saquinho de Liamba."


"Esperámos, a tiritar no ventinho da manhã, o céu de vidro das primeiras horas de luz, o nevoeiro cor de sarja do equinócio, os frisos de espuma que haveriam de trazer-nos, de mistura com os restos de feira acabada das vagas e os guinchos de borrego da água no sifão das rochas, um adolescente loiro, de coroa na cabeça e beiços amuados, vindo de Alcácer Quibir com pulseiras de cobre trabalhado dos ciganos de Carcavelos e colares baratos de Tânger ao pescoço, e tudo o que pudemos observar, enquanto apertávamos os termómetros nos sovacos e cuspíamos obedientemente o nosso sangue nos tubos do hospital, foi o oceano vazio até à linha do horizonte coberta a espaços de uma crosta de vinagreiras, famílias de veraneantes tardios acampados na praia, e os mestres de pesca, de calças enroladas, que olhavam sem entender o nosso bando de gaivotas em roupão, empoleiradas a tossir nos lemes e nas hélices, aguardando, ao som de uma flauta impossível que as vísceras do mar emudeciam, os relinchos de um cavalo impossível."

Um retornado. Muitos retornados. Um país. Uma recusa. Mútua. Uma História.

AS NAUS de António Lobo Antunes

Semanário " Os Ridículos" 8/8/74




"AS Naus" de António Lobo Antunes
"Nunca encalhei, no entanto, em homens tão amargos como nessa época de dor em que os paquetes volviam ao reyno repletos de gente desiludida e raivosa, com a bagagem de um pacotinho na mão e uma acidez sem cura no peito, humilhados pelos antigos escravos e pela prepotência emplumada dos antropófagos."

"a minha família de queixo amarrado em moedas de prata nas órbitas a fitar-me com reprovação, Este é o que foi para Luanda morar no meio dos pretos em lugar de explorar uma tabacaria na Venezuela ou um escritório de transportes na Alemanha, este é o que montou um comércio de talhante nos museus que, vendia costelas aos cafres, fez um filho a uma mulata, habitava um prefabricado da Cuca, nem um coche, nem um batel possuía, aos domingos espojava-se na sala de calções, a ouvir relatos de futebol e a comer merda da sanzala (...)";

"(...) o governo desocupou o hospital de tuberculosos que passaram a tossir nos jardins públicos hemoptises cansadas, e vazou nas enfermarias de muros de cenas de guerra e de actos piedosos, impregnados pelo torpor da morte dos desinfectantes, dos colonos que vagavam à deriva, de trouxa sob o braço, nas imediações dos asilos, na mira de restos de sopa do jantar.";

"Os pretos tomaram conta disto tudo, instalaram ninhos de metralhadoras jugoslavas nas arcadas, assassinaram-se uns aos outros a tiros de canhão, iam e vinham da mata açudados por vinganças sangrentas. O porto encheu-se de canoas e galés, destinadas a carregarem de volta o azedume dos colonos, as cabanas da ilha esvaziaram-se (...)".

Super Manos

Não acredito, que este anuncio de 1974/75 estivessem os manos Portas...Penso que quem tem a ver com electrodomésticos é o pouco doméstico, aliás nada doméstico presidente da Camara Municipal de Gondomar...Garantiram-me que eram mesmo os manos Portas, pelo que desconfiadamente assim reproduzo.
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