14 de fevereiro de 2008

Ágora/Novo Jornal / Quase Memórias








Talvez “Quase Memórias”


Dois volumes, mil páginas, uma escrita excelente, reveladora de uma inteligência e sagacidade muito particular, o “Quase Memórias” é um passear por caminhos onde Almeida Santos foi protagonista, por acidente, como ele nunca se cansa de referir.
Na leitura que fiz do livro, fiquei precisamente com a ideia “quase” contrária, ao que autor diz em determinada altura que é exactamente: “Talvez agrade a alguns. Desagradará necessariamente a muitos, tão amargas são algumas das recordações que evoca. Mas, quem se põe a remexer na história, não pode satisfazer-se só com uma parte dela. Não pode deixar de tentar ser exaustivo, objectivo e verdadeiro.”.
Almeida Santos é um indivíduo brilhante, com uma verve notável, e explica, com algum detalhe, as múltiplas fases do seu percurso, enquanto personagem com responsabilidades determinantes num enquadramento político difícil, do Portugal no após 25 de Abril de 1974. Penso, e considerando as suas palavras acima transcritas, que o autor faz, ou tenta fazer, quase uma catarse sobre episódios passados, que ainda hoje são mobilizadores de controvérsia entre muitos que falam português. Não digo que o que é escrito, é uma tentativa de alijar pontualmente responsabilidades, mas a convicção com que fico, talvez porque tenha conhecimento de outras leituras por parte de outros intervenientes nos mesmos episódios descritos, é que A. Almeida Santos, estará porventura a não ser tão “objectivo” quanto se propôs.
Na nota do autor: “… Porque a história da descolonização e dos sentimentos que a sublinharam, já arrefeceu o bastante, e porque fui ficando velho, e era de todo o ponto exigível que eu depusesse sobre ela antes de eu próprio arrefecer. O que relato neste livro é a minha verdade. Sem arranjos nem atavios. Também sem sombra de subjectivismo? Quem dera que fora assim! Filtrada pelas minhas próprias vivências? Daí o título de «quase memórias» nunca em absoluto haveria de sê-lo. Penso que história objectivamente pura é coisa que não existe. Mas afianço que tentei a máxima objectividade de que fui capaz.”.
O “Quase Memórias” é um livro recomendável para um futuro estudo da descolonização portuguesa, se conseguirmos despi-lo de sectarismos pueris. No caso dos acordos do Alvor, Almeida Santos diz que foi no quadro geral da descolonização, onde a sua presença foi menos significativa. Aqui surgem muitas omissões, pois Pezarat Correia, Gonçalves Ribeiro, Melo Antunes, Rosa Coutinho, Albertino de Almeida e até mesmo Costa Gomes, em livros, entrevistas e conversas sobre esse período, conseguem ser mais loquazes que o autor, apesar das reservas que este tema ainda vai trazendo.
Penso que é uma obra de interesse relativo, fundamentalmente recomendada a historiadores, jornalistas e a alguém que tenha curiosidade sobre o percurso do Portugal do Abril 1974 às independências em 1975.
Numa de “quase desafio”poderia dizer ao Dr. Almeida Santos que ficamos a aguardar as “Memórias”…Não basta tirar o “Quase” !!


Fernando Pereira
4/2/2008
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