23 de dezembro de 2015

Desporto por linhas entortadas / Novo Jornal / Luanda 23-12-2015



Desporto por linhas entortadas
Faleceu recentemente o professor José Esteves, uma figura incontornável na pedagogia e na sociologia do desporto que fala português.
Pessoa de grande dimensão humana e muito arreigado a princípios de democracia e liberdade, José Esteves assumiu na ditadura um combate permanente, o que lhe valeram vários castigos, um dos quais ter sido obrigado a lecionar em Luanda, no Liceu Salvador Correia em 1949 e 1950.
Da sua experiencia saiu um conjunto de textos onde sintetiza a pungente realidade da colónia no dealbar dos anos 50, onde o racismo e a consequente segregação social eram evidentes, e assumia maior evidência perante o olhar de quem foi coagido a trabalhar em Angola.
Partilhei com ele alguns momentos, e uma das histórias que contava era sobre uma das muitas conversas que manteve com o sacerdote e antropólogo Carlos Easterman, em Sá da Bandeira (Lubango); Ter-lhe-á perguntado quantas “assimilações” tinha havido na Huíla desde que o “Estatuto do Indígena”(1921) tinha sido instituído. Carlos Easterman respondeu: “Umas sete ou oito”. E depois acrescentou:” Mas este ano parece que não haverá nenhuma. O administrador que há poucos dias encontrei, casualmente, já me foi dizendo que não estava na disposição de continuar a diminuir a mão-de-obra indígena, cada vez mais necessária e procurada…”. Os assimilados podiam, por exemplo, adquirir propriedade e não eram obrigados pela autoridade a trabalhar em obras públicas. Porém, tinham que prestar o serviço militar e trabalhar para o serviço publico, apresentar formação escolar em português, comprovar bens e manter uma vida cristã.
Uma das coisas que o surpreendeu em Luanda foi que a filial do “popularíssimo” Sport Lisboa e Benfica ( Sport Luanda e Benfica) não admitia praticantes negros, algo que só acabou já no fim da década de 1950.
Deixa publicado um trabalho excecional: “O Desporto e as Estruturas Sociais”, um estudo brilhante sobre a ligação do desporto à sociedade e a sua interação com a realidade social e política. Um livro de leitura obrigatória, embora o seu enquadramento histórico corresponda a todo o seculo XX. O “Racismo e Desporto” foi um livro de grande impacto no fim dos anos 70, e recordo com apreço que me autorizou a copiá-lo integralmente para o Boletim Desportivo editado pelo CNDI da ex-Secretaria de Estado de Educação Física e Desportos, no dealbar dos anos 80.
Um estudo interessantíssimo saído recentemente no domínio da intervenção política no desporto é o do brasileiro Marcello Bittencourt, “Jogando no Campo do Inimigo: Futebol e Luta política em Angola”. Este texto faz parte de um trabalho maior em que o autor participa como coorganizador de uma coletânea partilhada com Victor Andrade Melo e Augusto Nascimento: “Mais que um jogo: O Esporte e o Continente Africano” (2010).
Em Luanda o desporto constituiu-se como um espaço de negociação entre a população colona e estratos da pequena burguesia crioula, que criaram os seus clubes como a Liga Angolana, o Grémio Luso-Angolano e mais tarde o Clube Atlético de Loanda, fundado em resposta à discriminação existente no Clube Naval.
Em Luanda, como refere Marcello Bittencourt, o campeonato local juntava clubes de brancos, como o Benfica, o Sporting ou o Futebol Clube de Luanda, o clube de mulatos, o Atlético, e o clube dos contratados, o Ferroviário do Bungo, onde os negros jogavam ao lado dos brancos pobres, filhos dos trabalhadores do caminho-de-ferro.
Nos subúrbios de Luanda subsistiam ligas de futebol separadas do universo do colono e com as quais as pequenas burguesias africanas mantinham uma relação de controlo associativo.
Curiosamente o atletismo, sobretudo as corridas, prática que não exigia material específico ou o desenvolvimento de uma técnica apurada, foi uma das modalidades que mais rapidamente integrou elementos de grupos socialmente segregados.
Porque o texto é um conjunto de evocações, vale a pena reproduzir a experiencia e a surpresa do repórter do jornal desportivo Goal ,no seu relato em 1950, de um jogo de um “campeonato indígena de futebol” que decorria nos campos da Boavista e da Exposição Feira (Hoje na zona do Bungo e do Miramar respetivamente).
O campo de jogo, para espanto do repórter, estava marcado, as balizas tinham redes e a assistência era superior à que comparecia habitualmente no estádio municipal dos Coqueiros.
A entrada era gratuita: “ A nossa deslocação tinha em vista dois objetivos bem determinados: em primeiro lugar, havia interesse em conhecer das possibilidades dos grupos indígenas, sua capacidade de organização e sentido desportivo; em segundo lugar, como girava a orgânica do campeonato, valor real das equipas e o conceito formado pelo indígena relativamente à prática do desporto como meio de desenvolvimento físico” Conclusão: “Esperávamos muito pior. No jogo entre o Atlético de Icolo e Bengo e o Futebol Clube do Porto Malanjinos, o árbitro e os fiscais de linha foram pescados entre os assistentes. Muitos dos jogadores jogavam descalços. A taça do campeonato em disputa, designada Taça Francezinhos, havia sido oferecida pela Empresa dos Tabacos de Angola”.
Os jogos, considerou o repórter, eram fracos tecnicamente e taticamente, mas ainda assim há “uma noção muito apreciável de conjunto e cada um dos elementos constitutivos da equipa sabe sempre o que lhe cumpre fazer”. As “torcidas” eram “pitorescas”!
No campo da Boavista tudo era semelhante. O recinto possuía uma tribuna de honra coberta por folhas de palmeira. Uma das características destas equipas suburbanas, registou o jornalista, foi que “quase todas são homónimas das que disputam o Nacional da 1ª divisão na Metrópole”, o que assinalava a circulação de referências e informações que ultrapassavam em muito o âmbito do subúrbio e que evoluíam pelas vias criadas por um sistema de relações urbano.
As autoridades coloniais, sobretudo a partir da década de cinquenta e seguintes, começaram a olhar para estas práticas desportivas autónom,as, separadas social e geograficamente das populações colonas, com uma atenção inédita, na sequencia dos problemas de gestão social que se multiplicaram neste período.
Em Angola continuaram a realizar-se, de modo mais ou menos informal, campeonatos suburbanos, durante a vigência da administração colonial. Neste sentido, inspiraram e ajudaram a concretizar algumas das “expectativas de modernidade” (Ferguson) de parte da população urbana e suburbana das maiores cidades.
Durante décadas estas competições, mais ou menos informais, fizeram parte de um processo de construção comunitária repleto de tensões e conflitos. A apropriação do desporto, nomeadamente do futebol, afirmava-se como um elemento da relação das populações com um conjunto de hábitos sociais modernos e urbanos.
Fernando Pereira
20/12/2015


6 de novembro de 2015

Cultura Física e Desporto na Angola independente. / Revista Dipanda 40 anos/ Luanda /6-11-2015

Artigo que saiu na revista DIPANDA 40 ANOS.
Revista do Novo Jornal e do Expansão

Cultura Física e Desporto na Angola independente.
Nestes quarenta anos de Angola enquanto País, a cultura física e o desporto foram um poderoso aliado da afirmação da unidade da nação angolana, e um fator agregador de múltiplas vontades num dinamismo associativo participativo.
O desporto no tempo colonial jamais conseguiu sair do espartilho em que as autoridades o ataram e a realidade é que, em nenhuma modalidade, a colónia de Angola conseguia alguma notoriedade no paupérrimo espaço do “império português”. Nos chamados confrontos com equipas da então “Metrópole”, os resultados eram confrangedores com a agravante de que Portugal era dos países europeus com piores desempenhos ao nível de modalidades coletivas ou individuais, para além da reduzida percentagem de praticantes que tinha no conjunto da sua população.
Porque este artigo é uma tentativa limitada de fazer uma retrospetiva do que foram estes quarenta anos de construção de um desporto na afirmação de um país, não é muito importante fazer um exercício de memória sobre o tempo colonial, onde a atividade desportiva pouco mais conseguia ser para além de um desporto recreativo e de competição doméstica sem expressão.
Houve no fim do período da administração colonial uma tentativa de se criar um conjunto de estruturas que permitissem, de uma forma profissional e com métodos pedagógicos inovadores, melhorar a qualidade desportiva através de um exercício que possibilitasse o acesso das crianças e jovens em idade escolar à prática regular da educação física e desporto.
Cercearam-se entretanto as atividades da Mocidade Portuguesa que era, no contexto do ensino primário e secundário, a única estrutura organizada que permitia a prática de educação física, contaminada por uma forte componente ideológica assente nos valores que eram indispensáveis à sobrevivência da estrutura ideológica salazarista.
Quando da independência existia um Conselho Provincial de Educação Física e Desportos, a entidade do governo que supervisionava todo o desporto no território e, simultaneamente, fiscalizava o movimento associativo que se “desejava” cordato e portador da ideologia prevalecente. Ao tempo já existia uma escola de formação de professores de educação física, de nível médio, que pretendia que os recém formados ocupassem as vagas nas escolas onde normalmente militares e alguns antigos praticantes lecionavam.
No dealbar da independência, o quadro no desporto era semelhante ao que aconteceu nos outros sectores: fuga maciça de quadros, um abandono e degradação de muitas estruturas físicas pelo País inteiro.
Havia que começar a trabalhar e no primeiro governo de Angola criou-se, na dependência do Ministério da Educação, o Conselho Nacional dos Desportos, liderado pelo António Augusto, que teve um curto e atribulado período, tendo acabado o seu mandato no 27 de Maio de 1977. Em 30 de Agosto de 1977 é empossado Hermenegildo de Sousa, como Secretário Nacional do Conselho Superior de Educação Física e Desportos que cumpre o seu mandato até 4 de Julho de 1979,altura em que a lei 7/79 extingue o CSEFD e cria em sua substituição a Secretaria de Estado de Educação Física e Desportos, autónoma do Ministério da Educação. Como Secretário de Estado toma posse Rui Alberto Vieira Dias Mingas e este facto marca o início de um período, provavelmente o mais pujante, do grande desenvolvimento no desporto de Angola.
Refira-se que em 21 de Janeiro de 1978 são nacionalizados todos os bens que integram o património desportivo da Cidadela Desportiva de Luanda, que compreendia o estádio, o pavilhão desportivo, os prédios inacabados em redor e os terrenos circundantes. No seguimento desta nacionalização, o Secretário de Estado exara um despacho publicado em 19 de Fevereiro de 1980 que “determina que todas as instalações municipais, assim como as instalações de clubes da era colonial que se encontrem em estado de abandono, passem para a gestão direta da SEEFD” .
Iniciam-se os primeiros passos para a edificação de uma estrutura desportiva que permitia iniciarem-se campeonatos nacionais federados e simultaneamente proverem-se os lugares que, no contexto das associações desportivas internacionais, cabiam a Angola. Durante o período entre Agosto de 1979 e Fevereiro de 1980 decorreu a instalação das Federações desportivas da maior parte das modalidades e, inerentemente, a criação de associações provinciais. Este edifício organizativo associado à publicação do diploma orgânico da SEEFD, publicado em DR em 16 de Novembro de 1981, permite que tudo comece a correr dentro da legalidade institucional.
Em Novembro de 1980 Luanda recebe a organização de uma competição continental, a primeira em solo angolano, o Campeonato Africano de Juniores em Basquetebol, que a RPA ganhou numa final épica contra a República Centro-Africana. Foi a partir dessa conquista que a RPA se consolidou como uma das maiores potências africanas na modalidade tendo conquistado, a nível de seleção, onze títulos continentais, o que tem permitido a presença do País nos diferentes Jogos Olímpicos e Campeonatos Mundiais.
O Comité Olímpico de Angola fundado no início de 1979, teve como primeiro presidente o Dr. Augusto Lopes Teixeira seguido de Augusto Germano de Araújo, de Rogério Nunes da Silva e de Gustavo Vaz da Conceição. O COA permitiu ao longo dos anos levar aos Jogos Olímpicos uma representação que dignificasse o País, mesmo em momentos em que a vida coletiva era difícil e o futuro da Nação incerto.
Em Agosto de 1981 organizaram-se em Luanda os 2ºs Jogos da África Central, a maior realização de sempre na Angola independente. Milhares de participantes, voluntários, árbitros e dirigentes aliados ao entusiasmo e engajamento das populações nas cidades que acolheram os jogos, fizeram deste evento algo inolvidável. “A realização destes jogos em Angola não acontece por acaso, nem é fachada vistosa que escondemos para utilizar as debilidades de um desporto sem princípios, sem organização, sem praticantes. E nem persegue sequer outros objetivos senão os bem generosos que norteiam as relações desportivas internacionais, particularmente entre os Países do nosso continente”; estas palavras fazem parte do discurso proferido pelo Secretário de Estado de Educação Física e Deportos Rui Mingas, no dia 20 de Agosto de 1981, no ato de abertura dos Jogos, numa Cidadela recuperada e com as bancadas cheias de público e animadas por um extraordinário trabalho de quadros humanos, escolhidos entre a juventude das escolas de Luanda que aceitaram o desafio que lhes foi proposto de forma empenhada e voluntária.
Entretanto, ia-se reconstruindo o parque desportivo que se degradara fruto do abandono a que tinha sido votado. Simultaneamente iam-se construindo novas infraestruturas, nomeadamente campos relvados, pavilhões cobertos e centros de Estágio para desportistas. Instalaram-se por todo o País novas “Casas do Desportista”, para alojar com dignidade os atletas dos diferentes campeonatos nacionais de modalidades coletivas e individuais.
Desde 1980 que iam decorrendo os Conselhos Consultivos da SEEFD, o primeiro dos quais no Bié, que eram fóruns de intervenção de eleição por parte de dirigentes e responsáveis das estruturas centrais e descentralizadas da Secretaria de Estado e dos dirigentes máximos das federações nacionais.
Simultaneamente ia-se construindo a estrutura organizativa de todos os organismos ligados ao desporto e cultura física no País, e dois instrumentos fundamentais para o futuro saíram nos anos 80: a Lei de Bases do Sistema Desportivo em 1986 e 1987 e a Lei das Associações Desportivas. Esta legislação foi o corolário da ampla discussão do 1º encontro Nacional de Desporto realizado em Luanda (7 a 29/10/1984).
Em 1985, ano em que começa a ser disputada em futebol a Supertaça de Angola, defrontam-se, para a sua conquista, os vencedores do “Girabola” e da Taça de Angola (nessa 1ª edição o Estrela 1º de Maio de Benguela, campeão, vence o Ferroviário da Huíla, vencedor da Taça). Em 1985 foram inauguradas, a 10 de Dezembro, a “Casa do Desportista” na Ilha do Cabo e o Estádio da Cidadela Desportiva assim como alguns pavilhões anexos construídos de raiz. Neste mesmo ano realizou-se em Angola o prestigiado torneio internacional de Andebol Marien Ngouabi, o primeiro torneio de uma modalidade que, no sector feminino, tem trazido ao longo de quarenta anos um prestígio enorme ao País (onze títulos africanos, medalha de ouro em seis jogos africanos). A par do basquetebol masculino e feminino (vencedores do campeonato africano em 2011 e 2013) o andebol feminino é o orgulho de toda uma nação pelo conjunto de títulos conquistados.
A deterioração da situação militar no território não conseguiu parar os campeonatos, mas impôs uma degradação das infraestruturas desportivas que obrigou a deslocalizar algumas equipas para outros locais, onde a segurança dos protagonistas fosse assegurada.
Os esforços em manter a prática desportiva redobravam-se num contexto de valorização do cidadão, e como processo integrador não só no desenvolvimento físico como no seu conteúdo educativo e formativo.
Foi muito fácil integrar as crianças e jovens na prática desportiva, quer na componente de recreação quer na competição e consequentemente inseri-las nas estruturas federadas. A educação física e desporto mobilizavam as pessoas, e muita gente aderiu às atividades desportivas. Nas empresas, nos organismos do Estado a nível central e provincial, nas forças armadas, nos bairros, na comunicação social e naturalmente nas escolas havia uma apetência quase generalizada para se organizarem uma quantidade de torneios e campeonatos que engajavam muita gente, recorrendo aos parcos recursos que ia havendo. A título de exemplo podia referir o extraordinário torneio dos “Caçulinhas da Bola”, uma organização da Rádio Nacional de Angola, que nos anos 80 mobilizou milhares de crianças num torneio de futebol infantil, com um êxito que não conseguiu ver repetido noutras iniciativas. Desse torneio saíram alguns jogadores que acabaram em clubes de primeiro plano no País.
Apesar de terem participado como convidados nos Jogos Olímpicos de Moscovo em 1980, oficialmente Angola entra pela primeira vez nos JO em Seul 1988, com uma delegação em várias modalidades individuais, depois de ter boicotado os Jogos de Los Angeles em 1984.
Em 1989, a SEEFD dá lugar ao Ministério da Juventude e Desportos ao abrigo da Lei Nº 3/89 , sendo nomeado ministro o Dr. Marcolino Moco, passando a ocupar o lugar de Vice-ministro do Desporto o Professor José da Rocha Sardinha de Castro, pessoa que desde 1979 ocupava o lugar de Diretor Nacional dos Desportos com grande competência e sobriedade.
É uma opinião muito subjetiva, mas ao alterar-se a missão do Ministério e ao ser-lhe configurado um novo quadro orgânico, alguma importância terá sido retirada ao enquadramento político do desporto no País, alijando uma parte significativa das responsabilidades da ex-SEEFD e remetendo-as para as Federações desportivas. Convenhamos que já se antecipava alguma mutação ideológica no quadro da política global da República Popular de Angola, e obviamente a cultura física e o desporto teriam outro figurino nos novos tempos que se adivinhavam.
Em 1992 toma posse como Ministro, por um ano, Osvaldo Serra Van-Dunen que mantém Sardinha de Castro como Vice-ministro, num período fervilhante da política angolana. Nesta fase, só acabou por ser relevante a participação nos Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992, onde a equipa masculina de Angola de basquetebol, campeã africana, venceu a superfavorita seleção espanhola, ainda hoje um feito nos anais da modalidade.
A Osvaldo Van-Dunen sucede, também durante um ano, Justino Fernandes, ex-defesa direito do ASA nos anos sessenta, que entretanto passara por algumas pastas ministeriais e que deixa o Ministério para ir ocupar o lugar de Governador de Luanda. Foi mais uma passagem transitória em que, dadas as circunstâncias, também nada de desportivamente notório aconteceu.
Em 1994 toma posse como Ministro o Dr. José da Rocha Sardinha de Castro e como Vice-Ministro para o desporto o Prof. Guilherme Espirito Santo Carvalho, dois homens da “casa” e que acompanharam todo o desenvolvimento do desporto angolano e foram protagonistas ativos nas suas múltiplas transformações.
O Dr. Sardinha de Castro é um profundo conhecedor da realidade do desporto angolano, professor de educação física e uma pessoa de convicções saudavelmente fortes, o que por vezes lhe trouxe algumas situações muito incómodas por parte de uns quantos, habituados a tentar colher benefícios por meios pouco claros e cumplicidades com ligações espúrias. Foi durante o seu mandato que se reorganizou o Ministério da Juventude e Desportos sendo publicada a lei n.º 10/98, (Lei de Bases do Sistema Desportivo Angolano).É aprovado o diploma do regime de prémios aos Atletas na Alta Competição em Novembro de 1996, regulamentação que veio colocar um ponto final num critério pessoalizado e aleatório sobre a distribuição de prémios e outras menções aos que representavam o País em competições internacionais. O Estatuto Orgânico do Ministério da Juventude e do Desporto, Lei 7 /97, foi também aprovado nesse mandato.
Os problemas que o País ia vivendo nesses anos 90 eram transversais a todos os sectores da sociedade angolana, e as dificuldades em conseguir que os campeonatos federados decorressem a um ritmo normal exigiam uma mobilização total dos recursos, que naturalmente eram parcos dada a dimensão das exigências colocadas. Simultaneamente, ia-se assistindo à destruição das infraestruturas desportivas um pouco por todo o País, e ao tempo, até as próprias instalações desportivas nas escolas e clubes, serviram para acolher refugiados de uma guerra sem quartel e que se generalizou a todo o território.
As participações das seleções nacionais em campeonatos continentais, campeonatos do mundo, Jogos Olímpicos e outros compromissos internacionais iam sendo cumpridos, com grande dignidade, por parte de todos e com algumas excelentes performances.
A juventude angolana continuava a ver na prática desportiva a única hipótese de preencher os seus tempos livres, que aumentavam com o encerramento prolongado de escolas e o atrofiamento da atividade económica, por razões perfeitamente justificadas.
Em 1999 Sardinha de Castro é substituído pelo seu Vice-ministro da Juventude, Dr. José Marcos Barrica, e o ministério tenta adaptar-se aos novos tempos de Angola.
Havia que começar a reconstruir todo o equipamento que foi sendo destruído e, simultaneamente, disponibilizar aos delegados provinciais meios para promoverem o reequipamento dos clubes, dotarem-nos de quadros técnicos e reativar as associações provinciais.
Com o fim da guerra em 2002, com a abertura da circulação em todo o País e com fundos postos à disposição, Angola assiste a um período de grande euforia, as infraestruturas de apoio às seleções são significativamente melhoradas e os clubes mais representativos na capital e nas províncias começam a construir todo um conjunto de equipamentos, úteis para o desenvolvimento do desporto de competição no País.
Com a nova orientação política, o Estado começa a demitir-se de algumas competências e atribuições passando a entregá-las às federações, associações e, claro, aos clubes. A formação de técnicos, árbitros, dirigentes foi saindo da órbita do Ministério da Juventude e Desportos e só a escola e os clubes passaram a mobilizar a iniciação desportiva.
Em 2005 Angola apura-se, pela primeira e única vez, para a fase final de um campeonato do mundo de futebol que decorre na Alemanha em 2006, não tendo o País logrado passar da fase de grupos.
Em 2008, o Ministro Marcos Barrica é substituído pelo Vice-Ministro Gonçalves Manuel Muandumba, que herda o pesado encargo de organizar no País o Campeonato Africano das Nações em Futebol (CAN), ideia que germinou do Mundial da Coreia Japão (2002).
Este era, indiscutivelmente, o maior desafio que se colocava à Angola em paz, já que organizar um CAN em 2010 exigia um esforço enorme para conseguir que um evento deste nível pudesse correr de forma satisfatória. Construíram-se estádios de raiz em Luanda, Huíla, Cabinda e Benguela, todos eles com lotações superiores a 25.000 espectadores. Alteraram-se profundamente as infraestruturas circundantes desses estádios, tal como a construção de novas vias a envolverem esses parques desportivos, que cresciam como fruto de trabalho continuado para cumprimento de prazos. Emergiram dezenas de novos hotéis, muitos deles de excelente qualidade, adaptaram-se e construíram-se de raiz novas instalações aeroportuárias e houve necessidade de se disponibilizarem novos campos relvados, ginásios, spas, instalações para apoio médico, em síntese: montou-se uma pequena parte do País.
A verdade é que tudo correu quase bem, ensombrado apenas pelo que ocorreu com a seleção do Togo em Cabinda,o que terá diminuído o pleno êxito dum CAN disputado por 16 nações, a maior parte delas atuais estrelas do futebol mundial. Angola mais uma vez fracassou no aspeto desportivo, mas no cômputo geral foi positiva e muito boa a organização por parte do COCAN, liderado pelo ex-Ministro Justino Fernandes.
Em 2013 Angola organiza o campeonato do Mundo de hóquei em patins, distribuído nas cidades de Luanda e Namibe, cidades onde se constroem dois novos pavilhões para receber um evento de importância relativa, já que é uma modalidade de pouca expressão ao nível internacional, e que mesmo no País tem muito poucos praticantes.

SINTESE FINAL

Neste pequeno e incompleto percurso nos caminhos da educação física e desporto angolano ao longo dos quarenta anos de Angola, enquanto País soberano e independente, um fator que não deve ser negligenciado: foi através da expressão desportiva que Angola conseguiu uma visibilidade exterior importante, que dificilmente seria possível noutros sectores de atividade, quer na área social, quer na área económica.
Quando da opção socialista do País, a educação física e o desporto foi uma área onde se terão conseguido assinaláveis progressos, pela mobilização de recursos, na constante procura de formação de quadros e otimização de novas competências,na promoção de acordos de cooperação assertivos com partilha continuada de experiências e, acima de tudo, a vontade de promover uma República Popular de Angola nova, com dificuldades, mas orgulhosa da sua soberania e acima de tudo muito ciosa em defender valores solidários no contexto das nações.
Não foi fácil edificar uma estrutura deste tipo, e ainda hoje se vão colhendo os frutos das sementes que se colocaram nesses anos em que muito se discutia, mas que também muito se fazia.
O basquetebol e o andebol feminino continuam a ser as nossas mais honoráveis representações a nível internacional, mas são urgentes novos desafios porque aquilo a que vamos assistindo é a um niilismo, que substituiu a erradamente chamada “massificação”. Pouco mais se faz que navegação à vista o que não é nada bom augúrio para o futuro!
É muito importante repensar estratégias, e também fazer um apelo a contribuições que permitam que não se perca a formação, porque será aí que se irão buscar os que hoje precisam de ser substituídos. Não se pede necessáriamente “injeção de sangue novo”, mas alerta-se para que talvez seja a hora de oxigenar o sangue que existe.
Convém também alertar que o desvario urbanístico e imobiliário impediu as pessoas de terem espaços para a prática de modalidades, e nem o jogo de futebol de rua, tão popular entre nós,pode ser praticado, já que os largos, os terrenos baldios e os becos desapareceram para se construir a esmo.
Nunca teremos gente para os estádios inaugurados por toda a parte se não tivermos muita juventude a praticar um pouco por todo o lado, num País em que as condições climáticas aliadas à apetência inata da nossa população pela prática da educação física e desporto são motivos suficientes para termos muita gente engajada.
Viva o 11 de Novembro de 1975!

Fernando Pereira
27/10/2015


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24 de outubro de 2015

Ricos e Ricos Meninos / Ágora / Novo Jornal / Luanda 23-10-2015




O “Expansão”, na semana passada publicou que Luanda tem 4.900 milionários, que juntos valem 3% da fortuna do continente africano, e posicionam-na como a sexta cidade no “ranking” dos ricos das cidades africanas!
Não fiquei particularmente entusiasmado com esta notícia, porque uma parte significativa das pessoas da lista, tem um papel relativamente encolhido no pouco dinâmico sector produtivo do País.
Gente com hábitos de consumo exagerados no contexto atual de Angola, a ostentarem muito e a fazerem francamente pouco na criação de emprego para os cidadãos, e inerentemente que ajudasse à criação de uma média burguesia que alavancasse novos desenvolvimentos, e alguns projetos ideológicos que pusessem o Estado a funcionar com regras bem definidas.
Os ricos só serão respeitados se promoverem o desenvolvimento económico e simultaneamente ajudarem à integração social das pessoas. No estado em que estamos, a diferença entre os que os invejam e o que os criticam pela sua inação é muito pequena e a perpetuar-se esta situação, o respeito dos cidadãos por este estrato da população aumenta em agressividade verbal ou até de forma física.
Obviamente que há exceções, que desenvolvem o País, mas ainda não conseguem ser em número suficiente que permitam esconder a riqueza aviltante que vai circulando pelos olhos chocados de uma população a quem falta muito de quase tudo!
Vou deixar aqui algumas histórias de gente de “sucesso”, para muitos saberem que outros bem mais ricos eram “bem mais discretos”, o que também não faz certas pessoas terem um caracter imaculado.
Num restaurante no Guincho em Cascais dois clientes numa mesa despertavam a atenção dos outros comensais e recebiam as atenções dos empregados. Jorge de Melo, antigo todo-poderoso do grupo CUF e Américo Amorim, acionista de muitas empresas e considerado pela revista Forbes o mais rico de Portugal.
A conversa ia fluindo e a determinada altura dizia Amorim em voz moderadamente alta: “Sou o homem mais rico do País” ao que terá retorquido Jorge de Melo: “Já fui eu, mas era mais discreto”! Ainda nessa conversa Amorim dizia:” É uma maçada ser o homem mais rico do País” ao que o interlocutor replicou que “Não ligue, isso passa”!
António Champalimaud, foi durante muitos anos o único português com fortuna pessoal, que tinha direito a figurar recorrentemente no top das cem maiores fortunas europeias. Numa rara entrevista a um canal de TV quando se abordava a proverbial “forretice” e a frugalidade da sua vida quotidiana, foi questionado, entre outras trivialidades, qual a marca do seu carro, respondeu que era um luxuoso Bentley, com quase trinta anos; Perante a surpresa da entrevistadora, retorquiu Champalimaud que quando mudava de carro tinha que ser um durável para que pudesse manter-se muitos anos e em condições.
O sueco Ingvar Kamprad, dono do poderoso IKEA, uma das cinco pessoas mais ricas do mundo, parece viver uma vida bastante modesta. Apanha o metro para ir trabalhar, voa nas companhias aéreas “low cost”, fica em hotéis de categoria média e outras idiossincrasias que o tomam por avarento. Kamprad diz: “ As pessoas dizem que sou avarento e que não me importo que eles também sejam. Mas a verdade é que me sinto muito orgulhoso por seguir as normas da nossa empresa”. Apesar disso, também é verdade que não se privou de ter uma casa fantástica na Provença (França), nem de residir na Suíça, um país habituado às extravagâncias dos milionários.
Amâncio Ortega, dono da Inditex, a maior fortuna de Espanha, segunda na Europa, sétima no mundo segundo a revista Forbes, é um discreto galego que fundou em 1975 e uma pequena alfaiataria numa rua discreta na cidade portuária do norte de Espanha, La Coruna.
Homem que não dá entrevistas, não se deixa fotografar e preserva a sua intimidade ao ponto de não se saberem pormenores tão comezinhos como os seus hábitos quotidianos ou as suas relações de amizade. A marca mais conhecida da empresa é a Zara, mas agrega também a Pull&Bear, Massimo Dutti, Bershka, Stradivarius, Oysho, Zara Home, Uterqüe e Tempe. O império de Amancio Ortega estende-se por 73 países, com mais de 47.000 lojas e quase 90.000 empregados. Em todo o mundo há uma loja do grupo, por isso se diz que “No Império Ortega, o Sol nunca se põe”.
John Rockefeller (1839-1937), fundador e dono da Standar Oil Company, que se ramificou nas atuais ExxonMobil, Chevron, Conoco Philips e a Sohio. Dono de uma fortuna calculada em 325.300 milhões de dólares passou a imagem de um filantropo mas um dos seus maiores prazeres era lutar contra os sindicatos operários, empenhando-se com métodos verdadeiramente nojentos na repressão das greves e na perseguição a dirigentes sindicais.
Para se ter a noção exata da fortuna de Rockefeller, compare-se a sua fortuna com a do 1º do mundo, o mexicano Carlos Slim Helu, segundo a Forbes com uma fortuna estimada em 53500 milhões de dólares, seguido de Bill Gates com 53000 milhões de dólares. O PIB de Angola em 2013 foi de 124.200.000.000 de dólares, isto só para termos de comparação.
Andrew Carnegie (1835-1919) com uma fortuna estimada ao tempo de 298.000 milhões de dólares, foi o rei do aço nos EUA. Nasceu pobre na Escócia e emigrou para os Estados Unidos e deixou uma frase que ainda hoje é lapidar nas escolas de gestão mais famosas da América: “ Um dos segredos do sucesso empresarial não consiste em fazermos nós próprios o trabalho, mas sim em saber identificar a pessoa mais indicada para o fazer”. No epitáfio da sepultura de Carnegie pode ler-se: ”Aqui jaz o homem que soube rodear-se de homens mais hábeis que ele.”
Para finalizar citar o moçambicano Mia Couto: "A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos. Mas ricos sem riqueza. Na realidade, melhor seria chamá-los não de ricos mas de endinheirados. Rico é quem possui meios de produção. Rico é quem gera dinheiro e dá emprego. Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro ou que pensa que tem. Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele.
Fernando Pereira 5/10/2015

15 de outubro de 2015

Lentidão das Facas / O Interior / !5/10 /2015



Lentidão das Facas
Já muitos falaram do resultado das eleições portuguesas. Vamos, porém, aguardar serenamente pelo que aí vem, embora o meu ceticismo quanto a alterações importantes permaneça inalterado, apesar de algumas movimentações.
Talvez muitos dos poucos que me leem não saibam, mas durante muitos anos tive apenas nacionalidade angolana e só muito recentemente readquiri a portuguesa, mantendo naturalmente a angolana.
Angola comemora quarenta anos de independência. A 11 de Novembro de 1975, a então República Popular de Angola emerge no conjunto de nações independentes.
Marcada por uma saída generalizada de quadros que asseguravam o quotidiano de uma colónia muito dependente das opções pouco assertivas de uma Lisboa centralista, Angola enfrenta, simultaneamente, uma guerra civil que se prolongou até 2004.
Com índices de pobreza enormes, mesmo num contexto terceiro-mundista, e com uma sociedade onde a segregação racial era profunda, a jovem Angola é confrontada com o abandono quase generalizado dos portugueses, o que acaba por destruir o único sistema de distribuição que existia por todo o território, para além de outras implicações que levaram à paralisia de todo o sector económico e social do território.
Neste contexto, o esforço dos angolanos foi de enorme estoicismo, embora tivessem sido tomadas algumas opções estratégicas erradas, assumiu-se algum radicalismo ideológico que trouxe constrangimentos institucionais a médio prazo. Claro que é fácil dizer-se hoje que “tudo poderia ter sido diferente”, mas as circunstâncias exigiam respostas rápidas, com necessidades óbvias de reafirmar militarmente a soberania do território e a resolução dos problemas imediatos de um povo que se libertava das “grilhetas do colonialismo”.
Conhecemos a história do que foram estes 40 anos de Angola, ou melhor, uns quantos conhecem, mas, como em tudo, muitos, não sabendo,opinam e dão palpites com argumentos do mais risível possível.
Não tenho pretensões a explicar o que foi este percurso de quarenta anos de Angola enquanto afirmação de um País, já que hoje é cada vez mais fácil explicar-se que um País africano, economicamente dependente das receitas petrolíferas, vive em sobressalto permanente, um pouco pela oscilação na cotação internacional do petróleo e também pelas opções económicas e políticas erradas que os dirigentes do País vão tomando ocasionalmente.
Fico triste com algumas situações, por outro lado fico indiferente, e fico particularmente entusiasmado com o muito que o País foi conseguindo fazer numa tentativa de inverter o marasmo e a destruição que a guerra justificou.
Há ainda um caminho longo a percorrer mormente na defesa dos princípios constitucionalmente consagrados no que concerne aos direitos dos cidadãos e ao direito de reunião e manifestação.
Convenhamos que não alinho com as posições da maior parte das manifestações que se fazem em Angola, mas também tenho que admitir que a forma de as impedir ou dispersar é demasiado violenta no quadro da legalidade prevalecente.
Quando se perpetua a prisão de um conjunto de pessoas por um período demasiado longo, invocando-se um argumento perfeitamente bizarro de “tentativa de golpe de estado", só se contribui para desacreditar as instituições angolanas, e a ausência de respostas para este caso revela que há muitas dúvidas na estrutura de topo, legalmente constituída, no País.
Não partilho das convicções nem da linguagem desbragada que os prisioneiros utilizam, alguns dos quais conheço pessoalmente, mas há uma coisa que insisto em defender que é a preservação da liberdade e dos direitos dos cidadãos a manifestarem-se de forma ordeira. É urgente que se acabem as prisões arbitrárias pelo crime de “delito de opinião”. Só assim o País passará a merecer respeito por parte das pessoas que não andam a ver a cotação do petróleo para tomarem uma posição.
Até lá, continuamos a não conseguir fazer o 11 de Novembro de 1975!

Fernando Pereira
13/10/2015

2 de outubro de 2015

DECEPÇÃO À REGRA / Ágora / Novo Jornal/ Luanda /2-10-2015



Estamos a pouco mais de um mês do dia da independência do País, e convém começarmo-nos a habituar que “o colonialismo acabou”!
As desculpas sistemáticas para os erros que cometemos nos tempos de Angola como País independente têm invariavelmente um culpado: o colonialismo!
No dealbar de Angola enquanto País independente e durante um período relativamente dilatado da nossa vida coletiva, justificavam-se perfeitamente grande parte das críticas, embora pontualmente atirávamos para cima do “fantasma”, erros que nós próprios cometíamos, algumas vezes avisados nem que fosse pela sua repetição.
“Quem não viveu, esqueceu, ou renunciou às delícias das ilusões desses grandes dias nunca vai conhecer o exato perfume das flores” dizia um velho camarada, já falecido há poucos anos, quando confrontado com a realidade de um contexto completamente diferente do que ele e muitos sonharam naquele Novembro nunca esquecido. Justificava a sua alegria do onze do onze de mil novecentos e setenta e cinco, para esquecer a frase tantas vezes pisada e repisada entre muitos que da utopia julgavam fazer um País: “Não foi isto que combinámos”.
É um dado adquirido, o colonialismo morreu, e não vale a pena matraquear em volta de um argumento estafado! Sem errar, penso que entre oitenta a noventa por cento da população angolana não tinha nascido para assistir ao estertor do colonialismo, ou viveu-o num período em que a perceção das desigualdades inerentes ao sistema ainda são demasiado difusas, para poderem ter a verdadeira dimensão de quão mau e degradante foi o que se procurou enterrar naquela noite de Novembro!
Não vale a pena continuarmo-nos a enganar, remetendo tudo que é mau para as sequelas do colonialismo, porque na realidade esse argumento começa a ter pouca ou nenhuma justificação, perante uma opinião pública diferente que temos no nosso País, a quem raras vezes é dada alguma importância.
Os responsáveis por investimentos errados, má administração da coisa pública, venalidade nos negócios em que o Estado é parte interessada, desmandos, perseguições e prisões feitas de forma injustificada tem rostos, nomes, apelidos, cognomes, nomes de guerra e paz, urge que sejam responsabilizados, de forma a evitar o abastardamento das instituições.
A oposição ao MPLA clama por liberdade, mas a realidade que se nos depara quotidianamente, é que internamente os partidos e organizações políticas que corporizam o “contra” o governo, acabam por usar métodos internos, que não indiciam nada de bom para recuperar os valores de liberdade e democracia que badalam aos quatro ventos.
Se o MPLA, enquanto maior força política, alicerçada pela vitória no voto popular, se apropriou de forma algo imprudente do aparelho de Estado, para usar alguma brandura nas palavras, a realidade é que a contestação dos partidos da oposição é pouco aglutinadora em propostas e muito débil em convicções.
Urge o debate no seio do MPLA fora do “folclore comicieiro” que arrasta multidões, mas de onde não surge uma proposta ou uma ideia que proporcione desenvolvimento e uma maior e mais cuidada distribuição de riqueza.
Não devemos continuar a perpetuar um País onde se cortam as árvores para que não façam sombra aos arbustos, e para não corrermos o risco de amanhã termos parido uma geração de ressabiados e desesperançados formatados num espírito individualista que só se une para desancar nos que não lhe deixaram perspetivas e odiarem toda uma geração onde há muita gente que não é venal e defendeu as suas convicções de liberdade e socialismo!
Angola tem hoje uma cobertura de internet do melhor que há em África, e tem um número crescendo de internautas que enxameiam as redes sociais com propostas, comentários, insultos, apoios e outras formas de intervenção. O tempo dos “órgãos de difusão massiva” acabou, por isso é perfeitamente dispensável fazer cercos aos meios de comunicação estatais para evitar as opiniões do contraditório.
O que se nota, da leitura quotidiana que faço nas redes sociais, é que encontro muita gente a divergir do status quo vigente, com comentários inteligentes, fundamentações interessantes e assentes em realidades presenciadas, vividas ou investigadas. Também há o aviltamento gratuito de pessoas e instituições, mas isso não se consegue evitar, e acaba por ser irrelevante quando não se dá importância.
Esta gente já passou da decisão da idade para a idade da razão, o que quer dizer que é gente que já passou a juventude e estão na fase de maturação, e muita destas pessoas tem lídimas razões para terem maiores ambições profissionais e políticas. Urge começar a falar-se de uma hierarquia de competências em detrimento de fidelidades, algumas caninas, ao superior hierárquico no “partido e estado”, para recuperar uma saudosa frase de um tempo em que tínhamos todas as esperanças do mundo.
Angola no quadro dos países aparece em desonrosos lugares nos itens de desenvolvimento, e a culpa não é do colonialismo, é nossa! Não vale a pena tapar o sol com a peneira, pois a continuar assim a degradação vai ser continuada e continuamos a ser zombados e olhados com desconfiança em tudo, tolerando-nos pontualmente em certos lugares como por exemplo Portugal onde alguns gastam à tripa-forra, compram empresas a falir e dão chorudas gorjetas em restaurantes e cabarets. Deixemos de ter dinheiro para gastar, que os portugueses deixam de ligar alguma coisa aos angolanos.
“Uma sociedade só é democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém seja tão pobre que tenha de se vender a alguém”, dizia Rousseau, e esse devia ser um dos pilares do nosso quotidiano de vida coletiva. Estamos muito longe disto!
Infelizmente, continuamos há quarenta anos a arranjar as desculpas, quando devíamos era enfrentar as adversidades e ter a humildade para reconhecer os nossos erros, sem que isso macule o orgulho na angolanidade construída em quarenta anos de lutas, de vitórias, de derrotas, muitas delas que a opinião publicada transformou em vitórias.
Urge fazer a exumação do cadáver “colonialismo”, e nada melhor que o fazer neste início de novo ciclo que se aproxima. A história passará a tomar conta dele, nós é que não devemos continuar a perpetuá-lo com desculpas de mau pagador.
“É horrível assistir à agonia de uma esperança” Simone de Beauvoir.
Fernando Pereira
26/9/2015

25 de setembro de 2015

Retornar / Ágora / Novo Jornal/ Luanda edições de 19/9/2015 e 25/9/2015



Retornar…
Um brilhante e pouco conhecido texto de António Lobo Antunes, que nunca me canso de ler. Retirado das “Naus”, um dos seus livros menos divulgados! E escreve bem melhor que eu!
“Passara por Lisboa há dezoito ou vinte anos a caminho de Angola e o que recordava melhor eram as discussões dos pais na pensão do Conde Redondo onde ficaram entre tinir de baldes e resmungos exasperados de mulher. Lembrava-se da casa de banho coletiva, com um lavatório de torneiras barrocas imitando peixes que vomitavam soluços de água parda pelas goelas abertas e da altura em que topou com um senhor de idade, a sorrir na retrete de calças pelos joelhos urinava nos lençóis por medo de encontrar o cavalheiro do sorriso atrás dos peixes oxidados ou as cabeleiras que rebocavam notários corredor adiante, baloiçando a chave do quarto no mindinho. E acabava por adormecer a sonhar com as ruas intermináveis de Coruche, os limoeiros gémeos do quintal do prior e o avô cego, de olhos lisos de estátua, sentado num banquito à porta da taberna, ao mesmo tempo que uma manada de ambulâncias assobiava Gomes Freire fora na direção do Hospital de São José. No dia do embarque, a seguir a uma travessa de vivendas de condessas dementes, de lojas de passarinheiros alucinados e de bares de turistas onde os ingleses procediam à transfusão de gin matinal, o táxi deixou-nos junto ao Tejo numa orla de areia chamada Belém consoante se lia no apeadeiro de comboios próximo com uma balança de uma banda e um urinol da outra, e ele avistou centenas de pessoas e de parelhas de bois que transportavam blocos de pedra para uma construção enorme dirigidos por escudeiros de saia de escarlata indiferentes aos carros de praça, às camionetas de americanas divorciadas e de padres espanhóis, e aos japoneses míopes que fotografavam tudo, conversando numa língua bicuda de samurais. Então poisámos a bagagem no terreiro, por cima dos agapantos que as mangueiras mecânicas aspergiam em impulsos circulares, perto dos operários que trabalhavam nos esgotos da alameda que conduzia ao estádio de futebol e aos prédios altos do Restelo, de tal modo que os tratores dos cabo-verdianos se cruzavam com carroças de túmulos de infantas e de pilhas de arabescos de altares. Passando por uma placa que designava o edifício incompleto e que dizia Jerónimos esbarrámos com a Torre ao fundo, a meio do rio, cercada de petroleiros iraquianos, defendendo a pátria das invasões castelhanas, e mais próximo, nas ondas frisadas da margem, a aguardar os colonos, presa aos limos da água por raízes de ferro, com almirantes de punhos de renda apoiados na amurada do convés e grumetes encarrapitados nos mastros aparelhando as velas para o desamparo do mar que cheirava a pesadelo e a gardénia, achámos à espera, entre barcos a remos e uma agitação de canoas, a nau das descobertas. O pai morreu de escorbuto antes do Cabo Bojador ao darem pela proa com uma água tão tranquila como o pó das bibliotecas, e apodreceram um mês, comendo castanhas e carne salgada, até o vento estremecer o casco e empurrar uns contra os outros os pingentes de lustre dos marinheiros de uma revolta abortada enforcados nas enxárcias, depenados por gaivotas e milhafres atlânticos. Depois de sete amotinações sangrentas, onze assaltos de baleias extraviadas, missas incontáveis e um temporal idêntico aos suspiros de Deus na sua insónia pedregosa, um gajeiro berrou Terra, o mestre firmou o óculo no castelo da popa e lá estava a baía de Loanda invertida pela refração da distância, a fortaleza de São Paulo no cume, traineiras de pescadores, uma corveta da Armada, damas que tomavam chá sob as palmeiras e fazendeiros engraxando os sapatos enquanto liam os jornais nas pastelarias das arcadas. E agora que o avião se fazia à pista em Lisboa espantou-se com os edifícios da Encarnação, os baldios em que se ossificavam pianos despedaçados e carcaças rupestres de automóvel, e os cemitérios e quartéis cujo nome ignorava como se arribasse a uma cidade estrangeira a que faltavam, para a reconhecer como sua, os notários e as ambulâncias de dezoito anos antes. Tinha demorado uma semana com a mulata e o miúdo na sala de embarque do aeroporto de Loanda, estendidos no chão, enrolados em mantas, roídos de fome e de vontade de urinar, numa confusão de malas, sacos, crianças, soluços e odores, na esperança de vaga para fugir de Angola e das metralhadoras que todos os dias cantavam nas ruas brandidas por negros de camuflado, bêbedos de cálices de aftershave e autoridade. Um chanceler que consultava papéis e pulava sobre os corpos deitados pingava um nome de hora a hora, e por detrás dos vidros milícias da UNITA de pulseiras de crina e lanças emplumadas, orientados por conselheiros americanos e chineses, vigiavam-nos sob os tubos de flúor do teto. Em vez do labiríntico mercado da manhã da partida, a seguir aos palácios das condessas maníacas e aos bares de sombras lúgubres dos estrangeiros anémicos, em vez da praia do Tejo onde erguiam o mosteiro e dos pedreiros talhando o calcário a grandes golpes de maço, em vez dos bois e das mulas das carroças de carga e dos arquitetos a gritarem para os ajudantes endechas parecidas com a fala dos criados dos restaurantes galegos, em vez das vendedeiras de ovos e frangos e pargos doirados e miniaturas de chaminés do Algarve e quinquilharias de latão, em vez da claridade de lágrima das cebolas nos tabuleiros de madeira, dos ardentes poderes ocultos das ciganas que exaltavam as virgens outonais com promessas de amores de vice-reis, em vez das furgonetas de para-brisas azuis dos turistas e das caravelas e dos cargueiros turcos sob a ponte, enxotaram-me para um miserável edifício de cimento com painéis de voos nacionais e internacionais a pulsarem ampolas coloridas ao lado do free-shop dos uísques. Uma máquina de vender chocolates e cigarros estremecia de febre a um canto, vomitando caramelos após uma complicada digestão de moedas, e os passageiros do avião alinhavam-se em fila como nas mercearias, nas padarias e nos talhos pilhados de Loanda, em busca do arroz, do pão e da carne que não havia mais, somente poeira e côdeas e gordura e um empregado que a vassoura não levara a abanar a cabeça ao balcão apontando com o dedo as vitrinas vazias. E lembrou-se dos entardeceres espavoridos dos últimos tempos de Angola, dos moleques que assaltavam os escritórios e os apartamentos do centro, das fachadas rombas de balas e das beneméritas do Bairro Marçal sem clientes, oferecendo a ninguém as coxas de sereias órfãs nas vielas onde os faróis dos jipes se aparentavam às lanternas traseiras dos comboios. Os que regressavam consigo, clérigos, astrólogos genoveses, comerciantes judeus, aias, contrabandistas de escravos, brancos pobres do Bairro Prenda, do Bairro da Cuca, abraçados a volumes de serapilheira, a malas atadas com cordéis, a cestos de verga, a brinquedos quebrados, formavam uma serpente de lamentos e miséria aeroporto adiante, empurrando a bagagem com os pés (na faixa reservada aos passageiros em trânsito passavam islandeses altos e desgrenhados como pássaros de rio) na direção de uma secretária a que se sentava, em um escabelo, um escrivão da puridade que lhe perguntou o nome (Pedro Álvares quê?), o conferiu numa lista dactilografada cheia de emendas e de cruzes a lápis, tirou os óculos de ver ao perto para o examinar melhor, inclinado de banda no poleiro de fórmica, passeou o polegar errático no bigode e inquiriu de repente Tendes família em Portugal?, e eu disse Senhor não, muito depressa, sem pensar, porque a minha velha se finou de icterícia há seis anos e dos tios que aqui permaneceram quase não me recordo ou não me recordo nunca, ignoro se ficaram em Coruche e se ficaram onde moram, com quem moram, quantos filhos têm, se estão vivos sequer. Guardo o perfil vago de um primo a chegar de licença fardado de recruta, pisando as alfaces da horta com as botas cruéis, mas por exemplo a casa, que é que quer, sumiu-se-me, salvo o espelho do vestíbulo comprado na feira de Almeirim entre choro de leitões e tambores de saltimbancos, que deformava os rostos e torcia os gestos em ondulações embaciadas, devolvendo a cada um a sua face secreta e genuína, aquela que apenas a solidão do sono ou o abandono do amor finalmente revelam. Lembro-me dos invernos com uma sementeira de alguidares e panelas no soalho a fim de receberem a chuva que descia em ampulheta das fissuras do teto, e, mais recuada no tempo, da madrinha do meu pai a coser peúgas e ceroulas sob a cerejeira estéril das traseiras, que erguia uma das patas do tanque de lavar a roupa com a força de bíceps das raízes. E esta memória remota trouxe-lhe de súbito ao nariz o aroma de bosta de vaca dos derradeiros meses, desde que a telefonia anunciou a independência de Angola decretada por Sua Majestade, no rescaldo de um motim, durante as cortes de Lixboa, o odor do suor, da di arreia, do medo, quando colávamos em pânico os armários aos caixilhos porque daqui a nada uma coronha desventra o aparador, daqui a nada uma sapatilha esmaga o tapete a rir-se, daqui a nada o MPLA principia a disparar ao acaso e as nucas estoiram como figos numa pasta de carne branca e de grainhas vermelhas, o que julgaria o Infante, se vivo fora, lá na escola de Sagres, desdobrando mapas e consultando estrelas frente às janelas do mar, enquanto os seus capitães perseguiam dinamarquesas nas praias de Albufeira e Gil Eanes se apresentava em Lagos, pingando como um noivo exausto, com um ramo de florinhas murchas na mão. Disse Nem por sombras e pensou Claro que não, visto que em dezoito anos de África não recebi uma carta, um postal, um presunto, um retrato sequer. Quase que aposto que morreram todos há séculos, sepultados sob o lajedo das igrejas com o nome em latim apagado por solas de noviças, acomodados no tecido cor de pérola dos caixões, vestidos de casacos de xadrez, de xailes lilases, de blusas claras, de mãos postas e malares agudos como as estátuas jacentes nas criptas das capelas. A minha família de queixo amarrado e moedas de prata nas órbitas a fitar-me com reprovação, Este é o que foi para Loanda morar no meio dos pretos em lugar de explorar uma tabacaria na Venezuela ou um escritório de transportes na Alemanha, este é o que montou um comércio de talhante nos musseques, vendia costeletas aos cafres, fez um filho a uma mulata, habitava um prefabricado da Cuca, nem um coche, nem um batel possuía, aos domingos espojava-se na sala, de calções, a ouvir relatos de futebol e a comer merda de sanzala, o escrivão da puridade aplicou-se em apontamentos góticos adiante do meu nome, sacudindo as orelhas entendidas como se partilhasse o desprezo ou o desgosto dos meus tios, e o diácono que o acolitava, com uma coroa de cabelos e bochechas de Santo António de azulejo insistiu Nenhuns parentes, nenhum cunhado, nenhuma relação distante, à medida que preenchia formulários, multiplicava números numa calculadora de bolso, me estendia um papel para assinar, Aqui, entornava uma gota de lacre no termo da página e a oferecia ao outro para que apusesse o anel de armas na nódoa de sangue fumegante. A mulata, de sandálias de plástico e lenço amarrado na testa, que antes de morar comigo servia à mesa num restaurante da Ilha, abismava-se num cartaz de férias orientais que exibia um casal de grinaldas ao pescoço refastelando-se de caneca de cerveja num poente marinho. Ninguém, disse eu, só a mobília do quarto que há-de chegar no próximo galeão se a não desviaram no porto com esta história de roubalheira, democracia e socialismo, e orgulhei-me das mesinhas de cabeceira com maçanetas de loiça, da consola de três portas para garrafas, cristais e copos de água e de vinho, para além da cómoda da roupa de sumptuoso tampo de mármore no qual se gravavam as veias que se ramificam de leve nas pálpebras das crianças, ao mesmo tempo que o escrivão me entregava, com a pompa de um diploma de menção honrosa, uma notificação ilegível, Tem oito dias para comparecer nesta repartição, agora veja lá. Nas minhas costas um plebeu de muletas protestava contra as demoras da burocracia, Em saindo daqui apresento queixa aos jornais, e eu cessei de ouvi-lo porque me lembrei de novo de Coruche e da madrinha do meu pai a coxear para casa, com a cesta das molas da roupa na mão, desfocada na latada das videiras. Quanto ao comer e ao dormir, explicou o escrivão alheio ao das bengalas, sem olhar sequer ou se preocupar nunca com a mulata ou o miúdo que se me enrolava nas pernas, de boca aberta numa espiral de angústia, arranjámos-lhe lugar na Residencial Apóstolo das Índias, Largo de Santa Bárbara, meta-se num autocarro e pergunte pelo senhor Francisco Xavier, o que se segue. Um ruivo grosso e tímido, gaguejando empenhos, acotovelou-me para se aproximar da secretária e estávamos sozinhos e postos de banda numa cidade que conhecia sem conhecer e cheirava à carne doce dos javalis que os monteiros açulam no verão perseguindo-os pelas praças e travessas de Linda-a-Velha ou de Bucelas, enquanto homens de negócios holandeses e capitães dos mares de Malaca desapareciam nos táxis do aeroporto na direção do centro da cidade e do fedor de vazante dos seus becos, e nós os três cá fora, no passeio, à torreira, à espera das mesinhas vindas de Angola como se as caravelas atravessassem as avenidas para nos depositarem aos pés um caixote bolorento de limos de baixios, amolecido pelas gengivas das ondas, destruído por correntes contraditórias e gumes de recife, barbudo de mexilhões e ostras oceânicas, com um resto de colchão e uma maçaneta dentro. “

Fernando Pereira
8/09/2015

28 de agosto de 2015

FECHOU A LELLO / Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 28-8-2015




Fiquei perplexo, quando li a notícia do recente encerramento definitivo da livraria Lello de Luanda. Era uma situação expectável porque os “mujimbos” eram mais que muitos, sobre o encerramento de uma das mais emblemáticas lojas da nossa cidade capital.
Por causa do capital na cidade, é que há muito o “Palácio da Palmeira” estava na mira dos que se vão encarregando de aumentar a bolha imobiliária, e quando rebentar serão os angolanos a pagar por estes desmandos de grande calibre!
Um dos edifícios mais nobres da baixa luandense, o seu nome refere-se à característica palmeira estilizada na grade que protege as escadas, do edifício na praça Rainha N’ZINGA, em frente, à outrora mais majestática Sonangol. Há muito que se sabia que era um espaço cobiçado, como é qualquer canteiro em determinada zona da cidade, mas os anos foram passando e lá se ia mantendo com o ar vetusto, a lembrar tempos do antanho em que o popular e Angola se confundiam num quotidiano político, que deixa saudades a muitos de nós.
Foi adquirido por uma daquelas sociedades que compram coisas, que não se sabem a quem pertence e quando aparece alguém a colocar nomes dos societários é uma inquietação a todo o tamanho para muita gente. Compraram o edifício para o deitar abaixo, é um dado mais que adquirido, e já estou a ver os olhos raiados de cifrões de alguns, a verem surgir mais um megatério, de uma sordidez visual e conceptual que nada tem a ver com uma urbe, com cada vez menos pessoas e com cada vez um maior número de habitantes.
Não vou voltar ao estafado tema da degradação continuada que estão a fazer ao coração da cidade, o que me deixa muito triste, mas neste momento o que interessa é mesmo é o encerramento da Lello.
A Lello já lá estava há umas décadas quando eu vim ao mundo há sessenta anos, na Casa de Saúde de Luanda (Augusto Ngangula). Curiosamente o primeiro livro que recebi foi lá comprado, conforme a minha mãe anotou num “livro do bebé”, algo habitual nos nascimentos desse tempo no seio da burguesia colonial!
Na Lello foram-me comprando livros infantis, de colorir, de pano, escolares e tantos outros que me aborreciam um pouco no desafio continuado por parte dos meus vizinhos para as brincadeiras de rua.
Apesar de muitas vezes desejar que não optassem por livros nas datas em que era habitual dar prendas, a verdade é que gostava muito de os ir lendo, e lembro-me de ter lido toda a coleção do Tintin em francês, o Ben-Hur, o Marco Polo, o Simbad, os irmãos Grimm, Charles Perrot, Hans Cristian Anderson, a Enid Blyon com os famosos “Cinco”, o Nodi e os “Sete”, enfim “varri” tudo e a Lello era um dos maiores “filões” na pachorrenta e algo provinciana Luanda colonial, de um tempo em que o ar condicionado era para uns poucos e que o calor se mantinha dia e noite.
Durante os anos 50 e 60 Luanda tinha para além da Lello, a “Lusitana”, acima do hotel Globo, a “Minerva”, hoje em ruinas, a ABC, quase em frente ao “esqueleto” do que foi em tempos o garboso edifício da Biker, e a Mondego, mais conhecida pela “Argente Santos”, que hoje encolheu o mais possível para passar a ser um bar, em frente ao Chá de Caxinde. É da mais elementar justiça falar da “Livraria Popular” de José Marques da Cunha, numa loja pequenina na ex-“Av. dos Restauradores de Angola”, e que foi durante muito tempo o único alfarrabista de Angola. No meio de um amontoado de livros saia sempre qualquer coisa que o Senhor Cunha convencia o meu pai a comprar, por “dez reis de mel coado” , como diria o mestre Aquilino Ribeiro. O Senhor Cunha desapareceu e a sua livraria fechou há muitas décadas, mas cada vez que por ali passo olho para aquele lugar com a saudade de” um homem muito bom, mas que tinha tido pouca sorte na vida”, como ouvia dizer em Luanda nos meus tempos de descuidada meninice.
Mas a Lello era o sítio! Era lá que me compravam os meus livros da escola primária e no “Salvador Correia”. Foi da papelaria que os meus pais levaram os estojos de desenho Kern e a Pelikan, que era uma caneta de tinta permanente, um pouco uma Montblanc de remediados. Comprava-se a tinta-da-china, os godés, as aguarelas e o papel cavalinho; Tudo material que invariavelmente ia parar aos calções, pernas e camisa porque fui um verdadeiro desastre em desenho.
Continuava a comprar na Lello, os dicionários, as enciclopédias juvenis e livros de todo o tipo, pois fui-me tornando um leitor compulsivo, chegando a alternar entre o David Copperfield do Dickens e as fotonovelas interiores da “Crónica Feminina”!
A partir de determinada altura, começo a partilhar na Lello a amizade com o pai de um colega de Liceu, que era uma pessoa notável, e que muitos em Angola maltrataram, o mais velho Felisberto Lemos.
Quando fui estudar para Coimbra no dealbar dos anos 70 despedi-me do Felisberto oferece-me um livro do Dr. Videira, “Angola”, com desenhos de Neves e Sousa, editado pela Lello, que também era editora e reproduzia excelentes postais de artistas angolanos.
O Felisberto Lemos, o “Livreiro da Esperança” como lhe chamou Manuel Alegre, foi uma referência importante no combate à ditadura e ao colonialismo português, já que foi “desterrado” para Angola, e tantos lhe agradeceram o muito que fez por todos os muitos que chegavam a Luanda, e iam ter com o Felisberto para terem acesso a livros e a prepararem conspirações. Melo Antunes, Fernando Assis Pacheco, José Carlos de Vasconcelos, Bessa Murias, e tantos outros deixaram o seu testemunho reconhecido a um homem de quem nunca ouvi um queixume pela forma “cobarde” como foi tratado, tendo regressado a Portugal pobre, e valendo-se da ajuda de amigos que não o esqueceram, mas que nunca lhe conseguiram mitigar a tristeza. Morreu amargurado e com muitas dificuldades económicas, esquecido por muitos, a quem deu guarida e matou a fome, e que em determinada altura foi acusado de deslealdade e “traição” porque entre vários livros na montra da Lello tinha o livro do Nito Alves em exposição e para venda.
Outra figura da Lello foi o poeta Ricardo Manuel, autor de vários livros de poesia, e que nos anos 80 foi galardoado com um prémio literário na Coreia do Norte, num concurso onde foi o mais encomiasta relativo a Kim-Il Sung e à doutrina Juche. Foi receber o prémio a Pyongyang, e durante meses a fio o “Grande Líder” teve direito a uma foto gigante, numa montra toda decorada com cetim e cheia de livros coreanos traduzidos para português e espanhol, sobre as ideias centrais de uma deriva marxista-leninista algo bizarra.
Na Lello, ao fim da tarde, reuniam-se no fim dos anos 70 e durante a década de 80 um conjunto de pessoas de gerações diferentes, que constituiu uma das tertúlias mais interessantes da Luanda solidária que se vivia. Os irmãos Guerra Marques, Osvaldo Pinto, Galeano, Chaves, o velho Lello, Antero de Abreu, Dionísio Rocha e outros onde me incluía, juntavam-se ali o fim de tarde numa amena e salutar cavaqueira, em que quase todos tínhamos uma visão diferente das coisas e pasme-se soluções para elas, o que não deixava de ser algo pueril entre pessoas, a maioria ao tempo ao tempo já com 50 anos ou mais.
Foi na Lello que comprei Jorge de Sena, Garcia Marques, Hemingway, Camilo José Cela, Maria Teresa Horta, Carlos Malheiro Dias, Castro Soromenho, Albert Camus, Alvin Toffler, Frantz Fannon, Mário Pinto de Andrade, Agostinho Neto e tantos que me enriqueceram para a minha afirmação de cidadão solidário e politicamente interventivo.
Quando vejo fechar a Lello, vejo encerrar algo que fazia parte do coletivo da cultura de um País, que tem cada vez menos livrarias e se conformou com os esforços de bem-sucedidas campanhas de alfabetização, de um tempo em que o homem não era mercadoria, nem número de mercado.
A iliteracia prevalecente vai aumentando e o resultado terá consequências perniciosas na vida quotidiana dos angolanos. A cidade empobreceu e de que maneira com o encerramento da Lello.
Limito-me a agradecer os sessenta anos em que fui convivendo com ela.
“Sic transit gloria mundi”



Fernando Pereira 26/8/2015



22 de agosto de 2015

Liberdade, do seu uso e do seu abuso! / Ágora / Novo Jornal / Luanda 21-8-2015



Comunicar começa por ser um imperativo de todo o animal. Ele não poderia manter a comunicação da espécie sem comunicar. A comunicação é pois uma necessidade inilidível das espécies.
Tal conceito, porém, aponta-nos (se me é permitido dizer assim desta maneira) para uma comunicação não livre. O animal comunica na estrita obediência de funções irrecusáveis, próprias da sua natureza. O animal neste sentido não é livre.
Mas contrário é aquilo que acontece com o Homem, um ser ao qual já definiram muitas vezes, desde o sisudo ponto de vista filosófico, até ao mais simples ramo humorístico.
Beau Marchais, por exemplo, teve esta expressão feliz:” o Homem difere dos animais porque bebe sem ter sede e ama em todas as estações do ano”. Menos prosaico, menos material, para Anatole France, “aquilo que distingue o Homem dos outros seres vivos é a mentira. O que tudo quer dizer é que os homens fazem mais coisas do que só as necessárias para a conservação da sua espécie”.
Entre elas, como veículo de mentir, de ficcionar, e numa de otimismo, também de dizer a verdade, o Homem tem capacidade para comunicar, com outros através de mensagens para lá do seu gesto transitório e da sua voz extinguível.
Se é que ele realiza Imprensa, ou como é habitual dizer-se comummente hoje: Comunicação Social. Importa relembrar que durante anos o termo “meios de difusão massiva” entravam num léxico que em certos aspetos era portador de tempos de maior esperança e menos conformismo!
Tudo se reduz ao estafado clichê do B A BA do aprendiz de filósofo: “O Homem é um animal social”. A verdade é que tal reconhecimento implica outro: o da necessidade de uma intercomunicação coletiva humana, consequentemente uma comunicação social.
Hegel foi o primeiro que logrou expor de modo exato as relações entre liberdade e a necessidade, salientado por Engels num determinado passo do “Anti-Düring”!
A liberdade não representa outra coisa senão o reconhecimento da necessidade. Desde o cavernícola temeroso da trovoada (Uma ira dos Deuses), até ao cientista do nosso tempo, o homem foi sendo tanto e tanto mais livre quanto progressivamente foi conhecendo e dominando a realidade objetiva.
A liberdade é, pois, uma tomada de consciência por parte do homem. È uma conquista progressiva, constante. È um rasgar no sentido de um cada vez maior horizonte.
A liberdade constrói-a o próprio homem; A liberdade não é um direito que a lei, mesmo a Constituição, conceda ou atribua ao cidadão.
Quando nos é proposto refletir acerca da liberdade de imprensa, logo nos ocorre que a noção mais evidente, aquela que afinal, mais se nos impõe é, no âmbito dos factos a da não liberdade de imprensa.
Na realidade, quando enfrentamos o problema da comunicação social segundo um prisma geográfico e utilizando noções não muito rigorosas como sejam as de liberdade ou censura, tão sujeitas a gradações, facilmente somos obrigadas a reconhecer que as áreas de não - liberdade constituem a mancha maior.
Temos um cada vez maior pouco por todo o lado em todo o mundo, regimes de censura oficial, externa aos órgãos de comunicação social.
Um dos primados da liberdade de imprensa está enunciado na Declaração de 1789,”Declaração dos direitos do Homem e do cidadão” no seu artigo 11ª diz: “A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do Homem; todo o cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na Lei.”
Liebling em 1961, referindo-se à situação da imprensa nos Estados Unidos dizia:” Temos hoje uma imprensa livre. Quem quer que disponha de dez milhões de dólares tem a liberdade de comprar ou fundar um jornal numa grande cidade como Nova Iorque ou Chicago”.
Há evidentemente, formas grosseiras de censura, outras que o são menos, outras que variam no grau de subtileza com que se exercem. Se nos países de regimes políticos concentracionários existe declarada censura, também nas democracias que erigem a liberdade de imprensa como um dogma, a liberdade está cada vez mais longe de ser total.
Nos primeiros o sistema, como entidade coletiva, rígida, burocrática, invoca como lídimo direito de se defender e cria os mecanismos que lhe asseguram o domínio direto ou indireto dos meios de comunicação, os segundos criam do mesmo modo mecanismos de autodefesa, embora não burocrática e difusa.
Num e noutro caso a liberdade é, desde logo e grosso modo, condicionada pelo estatuto de propriedade dos meios de comunicação, geralmente restrita aos poderosos, sejam eles o Estado ou o capital. Em qualquer dos casos, o jornalista se está no essencial, consciente ou inconscientemente, de acordo com o sistema que o integra e condiciona pode ir e não há verdadeiramente motivo para que não se sinta livre. Pode sentir-se livre, mas é-o realmente?
Num e noutro caso, numa ou noutra modalidade, o jornalista coim veleidades de independente(???) que se interrogue acerca da sua inserção na profissão ou mesmo numa sistema vai refletindo criticamente como se posiciona e como se colocam os seus colegas.
Os riscos que um jornalista desacomodado enfrenta são mais que muitos, em todo o lado, mas o caminho é aliciante, evitando sempre que nos atirem para a marginalidade. A rejeição centrífuga dos marginais é da natureza dos sistemas.
O que importa muitas vezes ao jornalista importa riscos. Há quem pense, mesmo na incomodidade, que vale a pena correr riscos, a fim de poder transmitir aos vindouros a imprescritível ideia de liberdade.
Desculparão este ensaio, mas como se aproxima o Congresso dos Jornalistos Angolanos (Julgo que em Setembro) estas reflexões talvez possam não cair de todo em saco roto!

Fernando Pereira
15/8/2015

14 de agosto de 2015

“O SENHOR LUBITO”/ o Chá / Luanda / Maio Junho de 2015




Já há muito que acho que era indispensável fazer-se um inventário do que vulgarmente se chamou “a geração africana” , denominação dada a arquitetos portugueses que por perseguição política ou por divergências conceptuais em relação ao status quo instalado na arquitetura portuguesa estadonovista tiveram que procurar trabalho nas então províncias ultramarinas africanas.
O falecimento de Francisco Castro Rodrigues (1920-2015) ocorrido recentemente é uma oportunidade de se falar de um grupo de arquitetos que trabalharam e inovaram o conceito de cidade em Angola, entre os anos 30 e a primeira metade da década de 70.
Fala-se porque esta plêiade de gente valorosa recusa participar na intervenção gradual da definição ideológica de uma estética nacionalista que sirva o salazarismo. A partir de 1945 a oposição do movimento moderno de arquitetos, consegue combater o “português suave” e alcandora-se para novos e arrojados conceitos, que merecem a crítica dos poderes instalados ao nível central e local. Nota: Em Angola, os mais emblemáticos edifícios do estilo “Português Suave” é o Liceu Salvador Correia (Mutu-ya-Kewela), o edifício sede do Banco Nacional de Angola, delegações do banco espalhadas pelo território e alguns palácios de governo provinciais.
Realiza-se em Lisboa “Congresso Nacional de Arquitetura” em 1948, reunião magna onde se sente emergir uma nova geração e em paralelo uma vontade coletiva de mudança, de recusa consciente e teoricamente alicerçada da arquitetura do Estado Novo. É um “momento de viragem na reconquista da liberdade de expressão dos arquitetos” como refere Nuno Teotónio Pereira, oposicionista e preso político do Salazarismo.
A arquitetura que se propunha a partir de então, seguia de perto os ideais expressos na Carta de Atenas, documento internacional que, escrito ainda nos anos 30 com o apoio de Le Corbusier, tinha conceptualizado e enumerado o programa de renovação mundial da linguagem arquitetónica: os grandes blocos em altura, de habitação coletiva, assentes em pilotis, com sistemas mecânicos de transportes e infraestruturas orientadas corretamente em relação ao Sol (e controlando a sua incidência através de brise-soleils móveis), arejados, alternando com espaços verdes servidos por circuitos pedonais. Importa referir como nota que foi Francisco Castro Rodrigues e sua mulher Lurdes Rodrigues que traduziram integralmente para português a Carta de Atenas, documento de trabalho para o “Congresso Nacional de Arquitetura”.
Este “estilo internacional” tinha influencia direta das obras sul- americanas (onde os pioneiros como Le Corbusier tinham deixado sementes), cheias de vitalidade que faltava ao emperrado contexto europeu do pós-guerra.
O que objetivamente interessa é discutir a influência desta gente numa dinâmica inovadora de transformação das cidades e simultaneamente propostas que entravam em choque com as dos arquitetos do regime a quem eram encomendados a esmagadora maioria dos projetos.
Francisco Castro Rodrigues, vive continuadamente no Lobito (Lubito, como sempre escreveu) entre 1953 e 1988, será sempre o “Senhor Lubito”,como carinhosamente lhe chamava nas conversas que íamos mantendo nestes últimos anos.
A cidade tem o seu “ferrete” nas Portas do Mar, no edifício Universal, na Colina da Saudade, na Casa do Sol, no Liceu Saydi Mingas, no Cine Flamingo, nas atuais instalações do Instituto Lusíada adaptadas no silo-auto da Casa Americana, na reconversão do Tamariz, no Mercado Municipal, na urbanização do Alto Liro, na Bela Vista, no obelisco, no edifício da aerogare e num conjunto muito variado de vivendas e prédios um pouco por toda a cidade. Fora do Lobito projetou os Paços do Concelho do Sumbe, um edifício que foi depois adulterado, bem como os de Luena e Ganda. São seus trabalhos no Sumbe o liceu , o palácio da justiça e a magnífica catedral (um pouco a recordar Frank Lloyd Wright), de onde terá sido plagiada a catedral de Benguela.
Criou o Museu do Lobito na casa que foi da madame Berman (uma alemã com poderosos interesses no minério e na agricultura de Angola), onde os soviéticos queriam a todo o custo instalar o consulado recuando perante um obstinado FCR com o apoio do Comissário Ramos da Cruz.
Francisco Castro Rodrigues pela participação, decisiva e simultânea, nos planos municipais, urbanístico, infraestrutural e arquitetónico tornou-se num verdadeiro “fazedor da cidade moderna” em relação ao Lobito.
Logo no início em 1953 entendeu de modo dinâmico a velha aspiração do Lobito, a de passar da “cidade do mangal”, insalubre e litorânea para a mais ampla e expansiva “cidade do morro”, com uma dimensão moderna.
Percebeu que a cidade era mais que um espaço de casas, atividade económica ou local de recreio. Era sobretudo um espaço de crescimento dinâmico onde se iam absorvendo realidades importadas de sociedades diferentes e com contornos de estigmatização rácica visível em cada um dos seus movimentos sociais e laborais.
Castro Rodrigues entendeu globalmente o sistema urbano em presença, com toda a complexidade das suas novas e crescentes funções. Foi o autor único que evoluiu na feitura de uma cidade luso-africana, com a visão e a possibilidade prática “ de controlar (pelo menos em parte) a sua dimensão e qualidade-em termos de planeamento/expansão, de sistema de zonamento funcional, de desenho urbano e de mobiliário, de espaços verdes e da sua arquitetura- e esta em projetos e obras para equipamentos, para publicação de classe média e de tipo «social» ”.
Conseguiu modificar o primeiro plano diretor de 1944 e essa alteração profunda serviu como guião à expansão de determinadas áreas da cidade. Não conseguiu, nas suas múltiplas batalhas ultrapassar os “direitos adquiridos” pelo poderoso Caminho de Ferro de Benguela que continua a dividir a cidade ao meio. Uma das suas batalhas perdidas, que faria infletir as linhas do CFB para os arredores da urbe, praticamente na saída do porto mineiro.
Numa das últimas conversas que tivemos mostrou-se muito triste por terem autorizado a refinaria no Lobito, uma das guerras que as gentes do Lobito tinham ganho às autoridades portuguesas quando tentaram instalá-la nos anos sessenta!
Para além da sua faceta de arquiteto, Francisco Castro Rodrigues casado com a atriz Lurdes Rodrigues, foi militante do PCP até 1949, preso no Aljube em 1941, participante no MUD, mandatário no Lobito das candidaturas de Arlindo Vicente e Humberto Delgado (o general ganhou com 83,5% dos votos expressos) manteve sempre uma empenhada atividade politica progressista e depois da independência de Angola um promotor cultural com muito trabalho feito.
Foi fundador e dinamizador do Cine Clube do Lobito, de Oficinas de teatro, a que não será alheio o facto de sua mulher ter sido atriz profissional em Portugal e também o representante da Sociedade Cultural de Angola na cidade do Lobito.
Produziu alguma imprensa e apesar de lhe ter perguntado diretamente se fez parte da maçonaria, respondeu-me sempre com o evasivo: “eram bons rapazes”!
Sugiro que leiam, se conseguirem encontrar, o livro “Um cesto de cerejas”, um livro editado pela Fundação Mário Dionísio - Casa da Achada que é afinal uma descrição bem-humorada e muito catalogada do que foram os seus trinta e quatro anos de ligação a um “Lubito” que terá levado consigo.
O livro é uma conversa escorreita com a Drª Eduarda Dionísio, filha do meu professor Mário Dionísio, um dos grandes do neorrealismo, corrente que marcou a literatura portuguesa do fim dos anos trinta a meados dos anos sessenta. FCR foi um grande dinamizador da instalação do Museu do Neorrealismo em Vila Franca de Xira, tendo sido um dos coautores do projeto do edifício e a quem doou uma parte significativa do seu formidável espólio.
Perguntei-lhe se o título “um cesto de cerejas” tinha alguma coisa a ver com a canção emblemática da Comuna de Paris (1871)“O tempo das cerejas”, respondendo que havia esse conceito politico subjacente embora a escolha primordial foi porque a conversa no livro fluía como as cerejas.
Penso que era capaz de ser interessante que no Comissariado Municipal do Lobito se instalasse um pequeno “museu” com o acervo de FCR ,que por lá andará perdido e provavelmente mal conservado! Francisco Castro Rodrigues já foi homenageado pelo Município do Lobito aquando do centenário da cidade, e as autoridades locais não o esqueceram tributando-o com inúmeras provas de carinho que muito o sensibilizaram. Acho que inseri-lo na toponímia da cidade era da mais elementar justiça, pois foi um homem que “colocou pedras nos alicerces do mundo”, neste caso no seu “Lubito”!
Obrigado Francisco Castro Rodrigues, o “Senhor Lubito”.

Fernando Pereira
5/5/2015

FOFOCAGRAFIA POLITICA / Ágora /Novo Jornal / Luanda 14-8-2015



“Onde o Santo punha o pé
nasciam rosas
e o povo lamentava
que não fizesse o mesmo com batatas"
(Joaquim Namorado)
Fui companheiro de café, partilhámos cumplicidades políticas, foi meu explicador de matemática, com pouco sucesso diga-se de passagem, deu-me a conhecer José Mário Branco e Luis Cília, quando os que mandavam não queriam que as pessoas os conhecessem, foi um militante de causas na defesa da liberdade e da sociedade solidária, figura de relevo do neo-realismo, portador de palavras que eram de sonho, afecto e luta simultaneamente. Joaquim Namorado, um homem que só no ocaso da vida teve direito ao lugar de catedrático na vetusta Universidade de Coimbra, que o “Estado Novo” do “velho” usurpou de forma soez, obrigando-o a recorrer durante décadas ao expediente das explicações, intervalando com umas estadias pelos calabouços da PIDE.
Todos os estudantes das colónias portugueses que passaram por Coimbra nesses “sombrios tempos” tiveram em Joaquim Namorado um amigo, e alguém com quem podiam partilhar as desventuras do tempo vivido. Como um dos fundadores do neorrealismo, influenciou alguns escritores de uma geração mais nova, onde incluo Manuel Rui Monteiro, então um jovem cheio de sonhos que vem do Lubango para uma Coimbra de mentalidade sórdida e “rigorosamente vigiada”!
Alentejano de gema, resistiu sem vacilar e sem alterar o seu compromisso político que pela relevância do seu percurso cultural na revista Vértice, e em associações de carácter cultural na Figueira da Foz, promoveu o seu município nos anos oitenta um concurso literário com o seu nome, atribuindo um prémio pecuniário irrisório perante a dimensão do homenageado e até muitos dos premiados.
Foi meu médico da “garganta”, o Dr. Adolfo Rocha, pessoa de imagem austera e muito parco em palavras, mas que construiu uma obra de uma dimensão literária notável, Miguel Torga, pseudónimo surgido numa homenagem a dois vultos das letras espanholas que muito admirava, Miguel Unamuno e Miguel Cervantes, associando torga, uma pequena erva perene do seu Traz os Montes natal.
Cumprimentávamo-nos quando nos encontrávamos, de forma distante, e quando uma vez lhe disse que tinha comprado “Os bichos”, e que gostaria de ler outros livros seus, na esperança de ser presenteado com algum, ele no seu jeito curto e grosso diz-me: ”Tenho muitos e bons, pode comprá-los na Bertrand, estão lá todos”.
Miguel Torga era conhecido por cultivar muito pouco a sua aparência e víamo-lo demasiadas vezes descuidado, tendo em consideração o seu estatuto enquanto escritor lido em muitos países e traduzido nalgumas línguas. São curiosas as histórias de que Miguel Torga era forreta, que não dava autógrafos e que editava os seus livros para poder controlar todo o processo de edição.
Um dia, Miguel Torga foi surpreendido pelo chefe da estação Velha (em Coimbra há duas estações) subindo para uma carruagem de terceira classe. Julgando que se tratava de um equívoco, aproximou-se do escritor e observou:- V. Exª. vai em terceira classe? Torga, num sorriso:- Porquê? Há quarta?
Uma de muitas histórias de um homem que foi perseguido pela PIDE, que assinou manifestos para a libertação de presos políticos e nos seus diários deixa bem clara a sua posição anticolonial, e a sua oposição à guerra nas colónias.
Nunca foi muito pródigo em elogios para com os políticos que emergiram no fim dos anos 70, apesar de ter sido um antissalazarista assumido, sentindo na carne o ostracismo do Estado Novo, e foi-se distanciando cada vez mais das pessoas, até à sua morte ocorrida em Coimbra em 1995.
Somerseth Maugham gostava de dizer que um dos aborrecimentos da vida é ser mais fácil abandonar os bons hábitos que os maus. A grande qualidade contemporânea da maioria da classe política que vai polvilhando a máquina do Estado é a falta total e absoluta de sinceridade. Maus hábitos começam a transformar-se cada vez mais em farsantes e o que acaba por ser ainda mais deprimente, é que a maioria das pessoas também acaba farsante porque acredita no que dizem e nunca fazem, argumentando e jurando a pés juntos que não acreditam neles. Como dizia outro farsante Oscar Wilde, “um pouco de sinceridade é uma coisa perigosa, e muita sinceridade é absolutamente fatal” . É isso!
Contudo não se deve confundir classe política com a política, ou com a discussão política e as ideologias, por mais pueris ou idealistas que pareçam. Voltou a ouvir-se insistentemente os velhos clichés de outros tempos em “que a minha política é o trabalho”, “os políticos são todos uma merda” ou “a política não dá pão a ninguém”, etc. A realidade é que há politiqueiros que se fazem na politiquice, ganham o pão e querem que as pessoas achem que sem eles a terra não gira e o sol nunca aparece! Foi essa retórica, ou parecida que fez florescer as ditaduras e democracias travestidas de conceitos neoliberais, por isso olho sempre com reserva esse léxico. A desilusão acumula-se quando vou vendo o que acontece em sessões de cariz partidário e ouço a maior parte dos intervenientes, onde faltam ideias e sobra cada vez mais intriga pessoal sobre o desmando de certos mandos.
Jorge de Sena, na sua angústia perpétua, disse: "O nosso mal, entre nós, não é sabermos pouco; é estarmos todos convencidos de que sabemos muito. Não é sermos pouco inteligentes; é andarmos convencidos que o somos muito".
Fernando Pereira
10/8/2015

Vamos brincar à liberdadezinha! / O Interior / Guarda 13-8-2015


Vamos brincar à liberdadezinha!
“O desejo intenso de liberdade, aliado ao medo da responsabilidade, tem como resultado a mentalidade fascista”- Escreveu Wilhelm Reich em “A Função do Orgasmo”.
Gajo Petrovic em “Humanismo Socialista” afirma: “A liberdade é a essência do homem, mas isto não quer dizer que o homem seja sempre e em toda a parte livre. O ‘medo à liberdade’(escape from freedom) encontra-se difundido no mundo contemporâneo. No entanto, tal facto não refuta a tese de que o homem é o ser da liberdade; confirma apenas que o homem contemporâneo se aliena da sua essência humana, do que ele como homem pode e deve ser.”
A afirmação de W. Reich tem a apreciável virtude de conjugar a liberdade com a responsabilidade. Reich, tão incompreendido quanto perseguido, teve de expiar a repulsa pelas ideologias. Como pensador absolutamente antitotalitário, desprescindia da ligação intrínseca entre liberdade e responsabilidade, o que dificulta a mistificação paranoica dos que pretendem restringir, a todo o custo, a extensão significativa da palavra” liberdade”.
Partilhamos sólidas razões para reconhecer que a liberdade, constituindo a essência humana, tem estado sujeita a uma trama de restrições. Bem o sabemos. E será difícil rebatermos a afirmação universalizante segundo a qual o medo da liberdade constitui uma das características do “mundo contemporâneo”.
Já nos parece muito mais metafísica, quiçá desvirtuada e logicamente inexata, a afirmação de que o “homem contemporâneo se aliena da sua essência humana” -afirmação que implicando um inexistente conhecimento dessa “essência”, terá de ser devidamente arquivada na arqueologia do saber.
Retenhamos do confronto o seguinte: 1) que o medo da liberdade, enquanto complexo subjacente às atitudes de cidadão e comunidade, é reconhecido como um obstáculo à emancipação do homem; 2) que desse medo enraizado no inconsciente individual e coletivo, é uma esquiva à responsabilidade e só favorece aquilo que Reich chamou “a mentalidade fascista”.
Nós talvez tenhamos vivido durante excessivo tempo no tal “desejo intenso de liberdade”. E se o nosso “medo de responsabilidade” está na proporção direta desse desejo, facilmente se explica a grande cobardia que aos mais diversos níveis (mas todos mais ou menos privilegiados) tem atuado sobre a nossa vida.
“A liberdade é olhar em volta”, dizia o jovem Jean Luc Godard (1959 sobre o filne o “Acossado”) acaba por encerrar uma visão aristotélica de um novo caminho de liberdade do cinema francês do dealbar dos anos 60.
“Todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer: Uma prova disso é o prazer das sensações, pois, fora até da sua utilidade elas nos agradam por si mesmas, e, mais que todas as outras, as visuais. Com efeito, não só para agir, mas até quando não nos propomos operar coisa nenhuma, preferimos, por assim dizer, a vista ao demais. A razão é que ela é , de todos os sentidos, o que melhor nos faz conhecer as coisas e mais diferenças nos descobre”.
È com este belo parágrafo que Aristóteles começa a sua “Metafísica” e com ela inaugura, de certa maneira, os vícios do logocentrismo idealista que virão a marcar, praticamente toda a evolução da cultura e da filosofia ocidentais até à rutura instaurada pela teoria das formações sociais e da sua história.
No esquema mental dominante, ou prevalecente, como é mais gostoso dizer-se, determinado por um sistema de linguagem em que a noção de “ver” é obviamente assimilada à de compreender.
Uma das lutas que se desenvolvem os que amam a liberdade é contra a cobardagem. Há os que a coberto de uma prudente tranquilidade vão pontualmente delineando quotidianamente o apocalipse, cientes que em pouco tempo qualquer alteração do status quo se resolveria com um qualquer autoritarismo.
A cobardagem nunca estás de facto do lado da indecisão e conhece de que lado está a força das armas, a única força capaz de “libertar” os medrosos da responsabilidade. Trata-se de obter a segurança mediante o usufruto de algo monocromático.
Estamos a raiar a fase em que o inconformismo não se pode exprimir e o açaime que nos vão impondo aumenta em todas as frentes.

Fernando Pereira
8/08/2015

Judeus em Angola / Ágora / Novo Jornal / Luanda 7-8-2015



Amiúde, ouve-se falar da vontade de António Salazar em instalar em Angola uma colónia de judeus, expulsos da Europa, na sequência da onda de antissemitismo que precedeu a segunda-guerra mundial.
Uma perfeita estultice esta afirmação repisada ao longo dos tempos. Eu ouvia-a frequentemente nos serões de minha casa, onde os meus pais e alguns amigos discutiam estes assuntos, e durante anos eu próprio ia defendendo esta inverdade.
A primeira ideia “consistente” de colonização judaica em Angola surgiu em 1915 pelo judeu russo Walter Terlo, apresentada no Almanaque Israelita, estabelecia a fixação no “Planalto de Angola”, mais propriamente em Benguela. Esta proposta teria surgido do republicano José Relvas no dealbar da Republica em Portugal em 1910, por proposta de emissários da Jewish Territorial Organization (JTO).
Este projeto era concebido pela JTO, que sondou parlamentares portugueses no sentido de instalar uma colónia judaica em Angola. Esta ideia já vinha de 1903, na sequência do pogrom contra os judeus ocorrido em Kishinev, na Rússia, em que se colocava como alternativa de refúgio o Uganda ou Angola.
Houve propostas concretas no parlamento português e só a instabilidade política dos anos da 1ª republica em Portugal impediram a aprovação dessa instalação pelas duas camaras, que concedia a naturalização e punha à disposição de cada judeu , que se apresentasse, 250 hectares de terreno cultivado.
Em 1917 o processo é abandonado e retomado em 1930, já no período de vigência da ditadura em Portugal. A 7 de Janeiro de 1934 o jornal britânico Daily Herald faz referência a uma pretensa autorização dada pelo governo português, à emigração de um número limitado de judeus para a colónia. O artigo, reproduzido no “Século”, que acabou por ser censurado pelo regime, noticiava ainda que Portugal não tinha “capacidade para colonizar a região” e que, por outro lado, não se adequando “os seus meios agrícolas obsoletos” às “necessidades de uma economia agrícola mecanizada”, esta deveria ser “instalada na colónia”.
O putativo artigo do “Século”, acrescentava que o governo estava disposto a assistir-lhes com empréstimos a fim de lhes permitir que se dedicassem a trabalhos agrícolas e outras indústrias, na condição de se naturalizarem portugueses e cumprirem serviço militar nas Forças Armadas Portuguesas.
Em Londres, o embaixador português recebia insistentes pedidos de judeus alemães para a instalação de uma colónia de judeus em Angola, lembrando que em 1912 o Parlamento Português tinha aprovado essa fixação, ao que o MNE português lembrava que para aprovar essa legislação ao tempo era necessária a aprovação das duas camaras, algo que não sucedeu, não passando pois de um projeto lei.
O então ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal Macelo Mathias, ia colocando alguma contenção no entusiasmo do embaixador em Londres relativamente ao assunto, pois Salazar e o seu regime viam com muitas reservas a presença de grupos de estrangeiros organizados nas colónias, mesmo com as promessas de avultados fundos por parte de Fritz Seidler e Ernest Meyer, representantes da JTO.
Como era hábito na diplomacia portuguesa ao tempo, prolongava-se o “nim” até onde fosse possível, e só já no fim de 1934 é que saiu uma circular para os consulados de Portugal a impedir que fossem “visados passaportes de cidadãos estrangeiros que quisessem exercer atividades económicas em Angola”. Objectivamente era para impedir qualquer veleidade por parte de grupos de judeus.
O argumento usado pelo governo da ditadura para recusar a criação de um colonato judeu em Angola, foi um argumento do medo de abrir um “problema semita”, com a entrada em Portugal de judeus, “cuja tendência nómada e diferenciação rácica e religiosa os tornam praticamente inassimiláveis”. Marcelo Mathias, MNE ao tempo, atribuía aos judeus “certo caracter comunista” que os tornara “suspeitos à maioria dos estados capitalistas”.
Era necessário ter em consideração a matriz ideológica da Constituição de 1933 e simultaneamente a componente religiosa subjacente à Concordata assinada entre Portugal e a Santa Sé, que incluía o Estatuto Missionário, para justificar as reservas mantidas por Salazar em relação a qualquer hipotética instalação de colonatos de judeus em Angola. Nunca terá visto com bons olhos esta remota hipótese, e só a sua diplomacia de contemporizar terá permitido alimentar ilusões a alguns, que nunca terão passado disso mesmo.
A presença da figura discreta, mas de uma influência impar na diplomacia portuguesa nas décadas de 30 e 40 de Luis Teixeira de Sampaio, um germanófilo assumido, que contribuiu decisivamente para cortar cerce algumas tentativas deste tipo por parte de Armindo Monteiro, por exemplo, ministro das colónias (1931-1935), ministro dos Negócios Estrangeiros (1935-1936) e embaixador de Portugal em Londres (1937-1943), ao tempo figura de primeiro plano na constelação salazarista.
Julgo ter contribuído para repor alguma verdade sobre um tema que tem trazido múltiplas discussões e afirmações perentoriamente erradas ao longo de décadas, mas que face aos documentos que entretanto estão disponíveis, tudo que coloquei está muito próximo dos factos ocorridos. Perante a teimosia dos factos nada a fazer!
Em breve tentarei fazer um artigo sobre a espionagem alemã na segunda guerra mundial em Angola, para se acabar também com algumas suposições!

Fernando Pereira
3/8/2015
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