31 de outubro de 2008

Silogismo/ Opinião/ Novo Jornal 31-10-08





“Na minha biblioteca, que nem sequer é particularmente valiosa, há muitíssimo mais títulos do que em todas as livrarias angolanas juntas" – José Eduardo Agualusa


Quando li esta frase de Agualusa, confesso que não fiquei como ele, provavelmente, gostaria que toda a gente ficasse: furibunda!
Comecei logo a contar os livros da minha biblioteca, que tem piada, nem é assim tão valiosa quanto isso, e a meio da contagem percebi que eventualmente, teria mais títulos que a do Agualusa, o que me levou a concluir que metade da minha biblioteca tem mais títulos que todas as livrarias angolanas juntas!
Exultei, porque a minha biblioteca já provou que ultrapassou largamente a do Agualusa, e também a de todas as livrarias de Angola juntas, e continuei a contar, para ver que novo recorde poderia estabelecer, já que como referi estava ainda a meio da contagem.
Cansado, cheguei ao fim, e já comecei a pensar que talvez pudesse alcandorar-me a levar esta contenda ao continente, temendo alguns países nomeadamente o Senegal, Nigéria, Mali ou África do Sul, que editam muitos e bons autores!
O desafio fica aqui lançado, para que durante as próximas semanas, venha alguém desses países, ripostar com dados concretos sobre um maior numero de livros que a minha biblioteca, a sua metade, a do Agualusa, ou em situação de maior desvantagem, a de todas as livrarias angolanas juntas.
Excluo naturalmente bibliotecas, embora admita, que a do Agualusa, que não sendo valiosa, mas que tem mais livros que todas as livrarias de Angola, e quiçá menos que metade da minha biblioteca, que tal como a do Agualusa não é muito valiosa!
Creio que o Director Geral da Biblioteca de Alexandria já está a tentar montar uma estratégia, tendente a aumentar o seu acervo, de forma a não ser ultrapassado pelo numero de títulos da minha biblioteca, que tem o dobro dos títulos da do Agualusa, que segundo ele tem mais títulos que todas as livrarias angolanas juntas!
Nesta fase pede-se apenas às pessoas que não desatem a comprar livros a esmo para tentarem ter mais títulos, já que no caso de se constituir uma comissão de avaliação, o que conta é mesmo a biblioteca de José Eduardo Agualusa, que para quem não saiba tem mais títulos que todas as livrarias de Angola juntas e menos de metade que a minha própria biblioteca, o que me leva a concluir que a referência é mesmo a biblioteca do Agualusa.
Um pouco à margem disto, contaram-me certa vez uma história passada, em casa de um ilustre empresário madeirense que se afortunou na África do Sul, e que na sua casa tinha uma biblioteca razoável (não sei se ao nível da minha, se ao nível da do Agualusa, que tem metade dos títulos da minha, e mais que os de todas as livrarias de Angola), e que tinha uma das paredes forradas de lombadas em couro e madeira, com títulos de autores clássicos e que servia de porta de uma portentosa garrafeira. O curioso dessa garrafeira, é que tinha bebidas brancas de um lado, e do outro bebidas não-brancas, e em cima das correspondentes prateleiras havia duas placas, uma com os dizeres: Whites Only (Slegs Blanks) e noutra Non Whites Only ( Slegs Nie-Blanks), tiradas de um qualquer vestiário na África do Sul do tempo do apartheid. Este empresário é muito dado à cultura, o que justifica a frase: “A cultura é como a marmelada, quanto menos se tem mais se espalha”.
Não quero deixar de referir que a minha biblioteca tem provavelmente o dobro dos títulos da do Agualusa, que não sendo muito valiosa, tem mais que todas as livrarias de Angola juntas.
Disto só há a reter, que talvez eu não tenha tanto título, que muitos achem que quando não se fala deles é motivo para os pôr a falar, nem que seja mal, e já agora que a questão tem a ver com o Agualusa, faço uma pergunta inocentemente continuada: As vírgulas estão todas no sítio?

Fernando Pereira
31/10/08

Desculpem qualquer coisinha!/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 31-10-08





Em 1 de Julho de 1970, o Papa Paulo VI recebe no Vaticano Agostinho Neto, Amílcar Cabral e Marcelino dos Santos, representantes dos movimentos de libertação das colónias portuguesas.
Foi um momento marcante da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), nas já debilitadas relações com o regime colonial português, a que não eram alheias as posições de alguns clérigos, sobre a forma como se desenvolvia a repressão, a violência e a segregação racial nas colónias.
Longe iam os tempos do “Acordo Missionário” de 10 de Julho de 1940, em que o Estado português e o Vaticano celebram um acordo, que mais não é que o alijar responsabilidades por parte do Estado nas colónias, em troca da “vigilância” permanente dos dignitários da igreja e seus acólitos, sobre as populações autóctones e tentativas de rebelião.
A Itália de Mussolini, que com Pio XII assinou o Tratado de Latrão, que constituiu o Estado do Vaticano em 11 de Fevereiro de 1929, era a grande aliada da Alemanha, numa Europa varrida pela bestialidade nazi, nesses anos 40 de má memória.
Sobre isto, é interessante lembrar que numa cimeira entre Hitler e Mussolini, sobre o número de esquadrões disponíveis por parte das tropas do Eixo, o primeiro contava os países alinhados: Roménia, Croácia, Espanha, etc. O “Duce” disse que pelo seu lado podia contar com a Itália e o Vaticano. Hitler terá perguntado quantas divisões tinha esse Estado, e a resposta óbvia de Mussolini foi que não tinha divisão nenhuma. Hitler terá dito então, se não tem divisão nenhuma não serve para nada!!!
Convenhamos que esta história, ou a cena enorme da chegada de Benzine Napoloni a Berlim no “Grande Ditador”, essa obra imperdível de Chaplin, conseguem ser os poucos momentos de alguma piada, perante a vil degradação da vida humana e dum holocausto que existiu, e que alguns ineptos hoje colocam em dúvida.
O papel de Pio XII marcou a ICAR de forma perpetuamente negativa, pois nunca houve uma palavra de condenação por parte do Papa, aos crimes hediondos que o regime nazi praticou de forma sistemática de forma a erradicar judeus, ciganos, e outras raças da Europa. Tem sido discutida desde essa altura, se o papel do Papa foi o mais correcto, mantendo-se ainda hoje em aberto essa discussão, que pelos vistos está a condicionar a visita do Papa a Israel.
Tudo isto vem a propósito porque foi confirmada a visita de Bento XVI a Angola, em Março de 2009 para comemorar os 500 anos da “evangelização do território”.
Confesso que não sou grande entusiasta de religiões, embora tente respeitar quem é entusiasta e militante, mas ganho uma certa aversão quando as religiões determinam o quadro ético de um espaço civilizacional; Objectivamente, gosto mais da “separação das águas”.
Entre alguns dos meus filmes de eleição, a “Via Láctea”e a “Viridiana”, ambos de Bunuel consigo encontrar uma ironia e uma mordacidade sobre a prática das sociedades monogamicamente acoplados a uma religião.
Tenho um respeito enorme por grande parte da prelatura angolana, pois em circunstâncias difíceis, permaneceram quase isolados, na busca de soluções para que o viver conseguisse ser mais que uma fatalidade. Estas pessoas merecem o agradecimento dos angolanos e sinto-me em dívida para com eles.
A visita de João Paulo II, Papa com que antipatizei, nada trouxe na sua vinda a Angola, no fim do século passado.
Penso, e oxalá que me engane, que o seu sucessor nada de inovador vai trazer, tendo em conta os conceitos pisados e repisados que existem no Vaticano sobre a evolução da ciência, desde que Ratzinger foi nomeado por João Paulo II prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, um ministério ideológico entre a Inquisição e a Engenharia das Almas.
Importa referir que existe um livro interessantíssimo, do Instituto de Investigação Científica de Angola, editado em Luanda em 1973 de António Brásio, que se chama História e Missiologia, que é um excelente trabalho sobre quatrocentos anos da presença de católicos em Angola.
Para rematar, temos que admitir que o Vaticano tem a melhor diplomacia do mundo, e se vem a Angola, motivos sobrarão!!!

Fernando Pereira
28/10/08

Acácio Barradas (1936-2008)






Já sabia que Acácio Barradas estava doente, mas não esperava um desenlace tão célere, e a verdade é que o jornalismo lusófono ficou mais pobre.
Acácio Barradas morre aos 72 anos, mas deixa entre os seus contemporâneos uma imagem de grande seriedade, de um militante de causas solidárias, profundamente humanista e de um rigor profissional de enorme exigência.
Nascido em Gaia, Portugal em 1932, faz um percurso entre Portugal e Angola, nomeadamente no “Comércio de Angola”onde entra como repórter em 1954, tendo passado depois pelo “Jornal do Congo” no Uige, “Província de Angola”, revista “Noite e Dia”, “ABC- Diário de Angola”, tendo sido director da revista do ATCA e redactor-chefe da revista “Notícia”, acumulando como correspondente do jornal lisboeta “Diário Popular” em Luanda. Foi casado com Edite Soeiro, a primeira repórter de guerra portuguesa, também ela jornalista no “Notícia”, onde Acácio Barradas acabou depois por trabalhar em Lisboa em 1972/74.
Esteve sempre ligado a Angola, tendo colaborado em 1963 com as edições Imbondeiro do Lubango, em colaboração com Mário António de Oliveira, em textos assinados sob o pseudónimo Álvaro Reis, e em colaborações diversas com historiadores e escritores, sobre factos relevantes da história recente do País.
A sua última aparição publica, foi no documentário de Joaquim Furtado sobre a guerra colonial, que teve grande êxito na TV portuguesa este ano, sobre um tema que só agora começa a ter o seu espaço, em termos documentais e históricos.
Estive com o Acácio Barradas, há cerca de três anos na apresentação do livro do Carlos Ferreira, onde fez uma intervenção brilhante sobre os valores que sempre lhe foram queridos, a solidariedade, a defesa dos direitos e garantias dos trabalhadores e a elevação da dignificação da vida humana com Angola sempre como pano de fundo.
Um adeus angolano a Acácio Barradas!

Fernando Pereira

29/10/08
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