8 de julho de 2018

O Jogo Poético.- Jornal de Angola- Luanda 3/7/2018



O meu artigo no "Jornal de Angola" no dia 3 de Julho de 2018


O Jogo Poético.

“Jogamos tal como vivemos, somos como jogamos e o futebol é o jogo que escolhemos. Onde há uma bola está envolvido até à alma o projeto de um homem. Crianças que correm e a mesma aparência sugere-nos uma realidade diferente. Nalguns sítios, a bola parece uma barriguita inchada pela fome. Noutros um mundo que é possível dominar. Jogam com bolas que só para eles parecem bolas e chocam ou esquivam-se, riem ou chateiam-se, e tudo serve para irem ajustando o seu delicado sistema de comunicação.
O futebol a todos confere direitos: a egoístas ou generosos, valentes ou cobardes, exibicionistas, lestos ou violentos.”
Recolho este excerto de um texto de Jorge Valdano, campeão do mundo pela Argentina, um dos eleitos que ao longo dos anos melhor tem traduzido o futebol fora do contexto das “comentarices”, dos muitos que vaticinam perentórios o que se vai passar durante o jogo, e que depois acabam por dar o dito por não dito quando fazem a avaliação no final.
Um dos mundiais com o final mais dramático de sempre foi o de 1950, quando o Uruguai bateu o Brasil no Maracanã, perante a incredulidade e a tristeza povoada de uma mole imensa de 200.000 brasileiros, expressão local de um choro coletivo de uma nação que organizou um campeonato do Mundo para o vencer, sem sequer pensar que a derrota em futebol, como na vida, é um resultado possível.
Cada país, cada cultura, tem a sua maneira de integrar o negro ou, dito de outra maneira, o modo como o negro se impôs, no caso brasileiro, no futebol, superando barreiras sociais e raciais.
Como noutros países o futebol chegou ao Brasil levado por ingleses a trabalhar em fábricas como a Companhia Progresso Industrial do Brasil, cujo mestre de estamparia, John Stark, fundou o The Bangu Athletic Club: sete eram ingleses, um italiano e só um brasileiro, branco. O futebol começou desporto de elites e só mais tarde se popularizou. No Brasil, a implantação do profissionalismo na década de trinta “abriu as portas dos grandes clubes para jogadores profissionais negros, mulatos e de origem humilde”.
O “desastre de 16 de Julho” de 1950, com o Maracanã em festa antecipada para a final com o Uruguai, levou o Brasil a profunda depressão, encontrando nos negros, Barbosa – guarda-redes cuja imagem, depois do golo de Gighia, é a personificação da derrota – Juvenal e Bigode. “Culpou-se o preto pela derrota, melhor os três pretos. Os brancos, diz Mário Filho (“cujo nome, merecidamente, crismou o monumental estádio construído no bairro do Maracanã, Rio de Janeiro, para a Copa do Mundo de 1950”) não foram acusados de nada”.
Barbosa até à sua morte, ocorrida há meia dúzia de anos, suportou sempre esse “fardo” da pior humilhação que o Brasil terá tido, até que a Alemanha lhe conseguisse dar algum descanso quando no Mundial de 2014 deu 7-1 a uma seleção sem brilho orientada por um tipo de extrema-direita, Filipe Scolari. Barbosa para perpetuar a sua tristeza imensa comprou o poste e as traves da baliza onde sofreu o fatídico golo de Gigghia e com essa madeira mandou fazer uma cruz, símbolo do seu martírio.
Em 1954 o Brasil foi derrotado pela Hungria de Puskas, Kocsis e Czibor com uma equipa que integrava dois grandes jogadores negros, Djalma Santos e Didi.
No Campeonato do Mundo de 58, o selecionador Vicente Feolla “escalava” o branco preterindo o negro. O capitão Bellini, branco, loiro, ficou para a história pelo gesto de levantar o “caneco” acima da cabeça, para que todos a pudessem ver; Garrincha, mulato, só entrou depois de pressão do mestre Didi. Com Pelé, Garrincha na direita, mais o “centro-avante” Vavá e o ponta-esquerda Zagalo, o Brasil derrotou a URSS e partiu para a conquista do título. Um mulato e um preto tronaram-se os ídolos da conquista do 1º campeonato do mundo para o Brasil
Este texto tem pouco a ver com o Mundial da Rússia, mas tem com a história dos Mundiais, que começaram em 1930, na capicua dos 88 anos!
Fernando Pereira
1/7/2018




Related Posts with Thumbnails