27 de janeiro de 2012

CHAMADA A PAGAR NO DESTINATÁRIO /Ágora/ Novo Jornal 210/ Luanda 27/1/2012




Há uns anos, uma ministra levou o telemóvel para uma audiência com a Rainha. Deixou-o ligado. E a certa altura, fatalmente, o telemóvel tocou. Então, a Rainha disse com brandura: «Atenda, querida. Pode ser alguém importante».
Esta história, ao que se supõe terá acontecido realmente tendo como protagonista a Rainha Isabel II, que sabe-se useira e vezeira nestas situações em que o humor britânico revela invulgar acuidade.
Porque em lugares onde a importância das pessoas é medida pela visibilidade em eventos sociais, número de viaturas disponíveis no agregado familiar, relógios e ouros q.b., fatos de fino corte etiquetados por costureiros famosos e outros sinais exteriores de riqueza, impera bastas vezes a vacuidade, o que deixa certa gente completamente fragilizada quando confrontadas com circunstâncias em que as provas têm que ser diferentes.
Dizia um angolano a um português na véspera da independência que “quando o caputo se for embora, faremos de Luanda uma Nova York em África”. O angolano da classe possidente sempre teve um fascínio por NY, apesar de nos últimos tempos estar numa fase de Dubaidada, e a realidade é que procura em certos aspectos copiar o “the americam mean of life”. Acho que para além de legítima é uma ambição sustentada e edificante, nos conceitos de liberdade, de desprendimento pela imagem num quotidiano de vida com pouca rigidez de “censura social”, de justiça e também de democracia. Haverá outros critérios que não serão tão razoáveis, mas a realidade é que os EUA vão funcionando, e nalguns aspectos fazendo girar o mundo à sua volta.
O “Central Park”, emblemático jardim de NY, planeado e construído em meados do século XIX, numa extensão de 341ha, foi motivo de grande controvérsia no sociedade novayorquina de então, pois terá havido uma enorme pressão do emergente sector imobiliário da cidade, para que esse espaço verde fosse urbanizado com os megatéreos que enchem o resto. As autoridades do Estado foram firmes no seu propósito e não se deixaram demover pelas tentativas de suborno e posteriores ameaças do poderoso lóbi da construção, enfrentando até pedidos públicos de linchamento. A população de NY agradece essa obstinação, que permitiu que a cidade possua um pulmão verde, verdadeiro ex- libris, e as autoridades de então quase lançadas ao opróbrio sejam hoje distinguidos como heróis.
Isto vem a propósito da ausência de espaços verdes em Luanda, discussão que curiosamente é recorrente desde a última fase do patobravismo da construção na última década e meia da presença colonial portuguesa em Angola.
Um dos argumentos que os “imobiliários “ iam esgrimindo assentava no facto de Luanda desprecisar espaço verde, porque era uma cidade com muitas vivendas, todas elas com quintal e ajardinadas. Essa discussão foi ampliada quando da construção da zona verde, resultado de uma adaptação do percurso do caminho-de-ferro desactivado nos anos cinquenta, e também do eixo viário, hoje local privilegiado para a construção de grandes edifícios. A verdade é que apesar dos inúmeros erros de concepção, mantiveram-se esses espaços, pequenos para a dimensão do que o plano director do início dos anos setenta projectava da cidade.
Hoje, a zona verde transformou-se numa zona castanha onde construíram uma rua de acesso a outras ruas de Alvalade, o eixo viário no conjunto de edifícios, que parecem ser o orgulho de alguns cidadãos e a carteira recheada de outros, o ex-parque Heróis de Chaves transformado num misto de parque de estacionamento e num espaço de festas decorado com o mais requintado mau gosto, e foi sobrando o pequeno jardim da cidade alta, que apesar de tudo ainda está num local privilegiado de Luanda no que à conservação diz respeito.
Hoje já nem consegue prevalecer o argumento colonial das vivendas ajardinadas, onde o cimento substituiu o jardim por falta de água por um lado, e para estacionamento de viaturas por outro, nem as árvores que ladeavam ruas, avenidas e estradas, literalmente arrancadas para no seu lugar surgirem parques de estacionamento e novas vias estruturantes.
Luanda começa a ser uma cidade irrespirável, “invívível” e por muita cosmética que se tenta colocar ao nível do equipamento urbano, é indisfarçável que a cidade irá soçobrar nos aspectos importantes para uma razoável qualidade de vida dos cidadãos.
A cidade foi construída num contexto urbano de bairros, onde se cimentavam amizades, solidariedades, militâncias, ligações de família e tudo isso está a desaparecer, tornando os seus habitantes individualistas, desumanos, interesseiros e a aumentarem perigosamente os níveis de violência. Tudo é fruto da realidade do País, mas também pela forma como se desagrega a cidade, em que as classes com maiores rendimentos se fecham em condomínios e prédios onde há tudo menos hábitos e práticas de vivencia colectiva, multiplicidades ideológicas, culturais, políticas, ideológicas e em que se preserva apenas a identidade económica.
Luanda pode querer ser uma Nova York,e era desejável que o conseguisse, mas a este ritmo e com estes conceitos o máximo que poderá ser é um Dubai doméstico, afinal uma imitação de uma Legolandia para adultos que vive apenas da especulação e dos serviços.
Era bom recuperar a cidade e a sua alma, talvez se consiga ir a tempo!


Fernando Pereira
24/1/2011

20 de janeiro de 2012

Sabes quando estás a escrever uma coisa e de repente percebes que não, não era nada por aí que querias ir? / Agora/ Novo Jornal 209/ Luanda 20-1-2012





Durante muitos anos no passeio fronteiro à Lelo juntava-se um grupo de pessoas, que tinham em comum serem amigos, companheiros de vida e terem assistido às mutações de Angola ao longo de décadas.
Era um grupo heterogéneo no contexto político e profissional, e invariavelmente todos os dias da semana ao fim da tarde reuniam-se para falarem do que calhava. O grupo era numeroso e lembro-me dos irmãos Guerra Marques, Antero de Abreu, Dionísio Rocha, António Chaves, o “mais velho “Lelo” e o Osvaldo, entre outros que o tempo diluiu na minha lembrança.
Pela mão do meu amigo Osvaldo Pinto integrei-me no grupo, era o benjamim, ia ouvindo, mais que participar nas conversas que invariavelmente eram sobre a cidade de Luanda e sobre a Angola, ao tempo a debutar como País independente. As discussões eram acaloradas e do muito que ouvi, fui aprendendo sobre a evolução da cidade e de algumas realidades de Angola que me iam escapando, também por excessos de romantismo revolucionário.
Algumas das histórias que aqui tenho colocado saiu daquela esquina, de onde há muito desapareceu aquela tertúlia porque a inexorabilidade das contingências da vida levaram muitos dos “tertulianos” , os que restaram começaram a debandar e a desertificar o espaço de gente e ideias.
Veio-me à lembrança uma recorrente conversa sobre colonos e cooperantes, no léxico actual talvez expatriados. Quando eu e outros defendíamos a cooperação com os países “socialistas” , Osvaldo Pinto, com o seu poderoso argumento de pulmão, dizia que “nenhum País se construía com cooperação”. Os argumentos assentavam na ideia que “vinham cumprir um contrato, fazer o menos possível e despacharem-se o mais rapidamente para as suas terras”. “Não se ligam a isto porque tem os pés noutro lado”. “Os países só se desenvolvem quando se tem o espírito do colono, de fixação, de adopção de culturas locais, de sentir a terra e esquecer o lugar de onde se vem”. “Só constituindo família as pessoas se ligam à terra, e nunca estão à espera de se ir embora e desenvolvem o que sentem seu, nunca se esqueçam disso”.
O tempo veio demonstrar que o Osvaldo Pinto tinha alguma razão, porque de facto a cooperação em Angola foi nalguns aspectos um fracasso, em que as pequenas excepções bem sucedidas apenas confirmaram a regra.
Vi um programa na TV dirigido pela “ moderadora” portuguesa Fátima Campos Ferreira, um “Reencontro”, que me fez lembrar programas de outros tempos, assim uma coisa que Artur Agostinho apresentava na RTP no início dos anos 70 que se chamava “25 milhões de portugueses”, patrocinado pelo sucedâneo do SNI e apoiado pela Agencia Geral do Ultramar, que me querem fazer crer que o Adriano Moreira nada teve a ver.
Confesso que despercebo a quem é que a “moderadora” e os que pensaram o programa quiseram fazer o frete, pois tudo o que vi foi uma péssima propaganda a Angola e à inteligência de muitos angolanos e portugueses que não pactuam com este folclore serôdio.
O programa que à partida já me suscitava alguma suspeição, pelo que me habituei a ver nos programas conduzidos pela FCF, acabou por se revelar um perfeito desastre, mal preparado, o debitar sistemático de lugares comuns, demagogia e panegíricos a todo o momento entre os convidados e as gentes da plateia, filmes numa Luanda domingueira, e momentos culturais pobres, o que de facto é incompreensível pela qualidade dos intervenientes. Confirmaram-se em absoluto as minhas suspeitas, e só espero que as relações entre os Países não tenham que passar por transes destes muitas vezes.
O título do programa, “Reencontro” é uma completa estultice, e revela quanto se desconhece a realidade da ligação estreita entre Angola e Portugal ao longo destes trinta e seis anos de soberanias próprias, mas de respeito entre dois povos que se identificam, partilham valores, saberes e vivem quotidianos comuns na cultura, no desporto e na economia.
A bem dizer, um a despropósito!

Fernando Pereira
17-1-2012

13 de janeiro de 2012

ABAIXO O QUINTO ANO! / ÁGORA / NOVO JORNAL nº208/ LUANDA 13-1-2011





"Vê que aqueles que devem à pobreza
Amor divino, e ao povo caridade,
Amam somente mandos e riqueza,
Simulando justiça e integridade;
Da feia tirania e de aspereza
Fazem direito e vã severidade;
Leis em favor do Rei se estabelecem,
As em favor do povo só perecem."

Luís de Camões ( Lusíadas, canto IX)

No meu quinto ano do Liceu, feito no vetusto Liceu Salvador Correia, que não era Sá e Benevides por razões que ainda hoje despercebo, tivemos que dar os Lusíadas do “semiótico” Camões.
Um “tijolo”, onde andávamos com um lápis a colocar traços nos versos e mais outros nas estrofes e mais outras coisas que nunca consegui perceber para quê.
Teoricamente devíamos dar os Lusíadas todos ao longo do quinto ano, mas a realidade é que andávamos a engonhar no primeiro canto, éramos mais lestos até ao quinto e tal e qual o Bob Beamon no México 1968 fazíamos um salto até ao décimo!
Durante muitos anos de Luis de Camões só gostei mesmo da sua “Lírica”, pela aversão com que ficara aos “Lusíadas”. A situação alterou-se e comecei a ler os “Lusíadas” e a encontrar sonoridades e mensagens diferentes de canto a canto. E o mais interessante é que adorei o canto IX, proscrito do programa do liceu no meu tempo, por razões perceptíveis se tivermos em conta o tempo e o modo.
Por falar no quinto ano colonial não seria interessante contar o bizarro episódio que marcou o quase final dos anos setenta, quando se tentava definir o que era num contexto revolucionário o perfil da pequena burguesia? O tempo foi passando e provavelmente a história vai ficar pouco verosímil, mas talvez contando-a permita que a verdadeira versão saia a terreiro.
No fervor da “Opção Socialista de Angola”, entre “emulações socialistas”, “movimentos de rectificação” e outras movimentações tendentes à criação do “homem novo”, uma das discussões candentes tinha a ver com a separação das classes, e tentava-se num arremedo de marxismo-leninismo fazer-se primeiro a albarda e depois procurar um macho a quem servisse.
A questão da inserção da pequena burguesia foi sempre um factor permanente de discussão no contexto da revolução, pois se por um lado ela aparecia como aliada natural dos operários e camponeses, por isso vitoriosa, por outro lado era contestada porque a sua ambição era objectivamente ascender à média burguesia assumindo os seus valores, contrários aos da revolução.
Encurtando, Kota Neto, ao tempo Comissário provincial de Malange, perante uma grande plateia, definiu que “a pequena burguesia, tinha o 5º ano colonial, usava fato e gravata, queria manter os privilégios do colonialismo” e por aí fora. Rapidamente ecoou um sonoro e repetido “Abaixo o 5ºano”, que empolgou as massas presentes no evento e foi o mote central da reunião
Quinze dias depois Kundi Pahiama, vai a Malange e impecavelmente vestido de fato e gravata, aos mesmos militantes, e depois de várias considerações sobre o tema diz: “ Tenho o 5º ano colonial, uso fato e gravata, sou da pequena burguesia?” Em uníssono todos disseram “Não” e logo o speaker de serviço repetiu a palavra de ordem repetida em uníssono por toda a assistência: “ Acima o 5ºano”. Em 15 dias reabilitou-se o 5º ano colonial!
Reitero que não sei se esta história é exactamente assim, se não for só peço desculpa aos presentes e ausentes.
Para um 2012 que espero cheio de prosperidades e quiçá propriedades, uma reflexão do poeta de um tempo em que não havia lusofonia: Alexandre O’Neill. Uma coisa em forma de assim: «Os idiotas, de modo geral, não fazem um mal por aí além, mas, se detêm poder e chegam a ser felizes em demasia podem tornar-se perigosos. É que um idiota, ainda por cima feliz, ainda por cima com poder, é, quase sempre, um perigo. Oremos. Oremos para que o idiota só muito raramente se sinta feliz. Também, coitado, há-de ter, volta e meia, que sentir-se qualquer coisa.»

Fernando Pereira
1/1/2012

11 de janeiro de 2012

Alguma intemporalidade dos patifes!/ O Interior/12-1-2012




Alexandre O’Neill em “Uma coisa em forma de assim”: «Os idiotas, de modo geral, não fazem um mal por aí além, mas, se detêm poder e chegam a ser felizes em demasia podem tornar-se perigosos. É que um idiota, ainda por cima feliz, ainda por cima com poder, é, quase sempre, um perigo. Oremos. Oremos para que o idiota só muito raramente se sinta feliz. Também, coitado, há-de ter, volta e meia, que sentir-se qualquer coisa.»
Mais de metade dos destinatários da mensagem estão contextualizados no que surripiei ao O’ Neill, os restantes merecem deferência, porque é gente de carácter, culturalmente interessante e desapegados de fobias continuadas, que o poder e a sua ausência beliscam noutros “mal caractistas” ,como bem diria Odorico Paraguaçu na imorredoira novela “O Bem Amado”.
Basta escolher as citações perfeitas para colocar em prateleiras de mofo um conjunto de gente de quem se fala demais para o pouco que valem. Ganha-se espaço e evita-se a banalização o artigo!
Esta semana fiquei contente com as movimentações de solidariedade em torno do comércio tradicional, talvez fruto da saída da SGPS que controla o Pingo para a Holanda onde já estavam uma quantidade de empresas portuguesas (?), algumas delas com administradores nomeados pela tutela. Desimporto-me pouco, porque o saque já vem de longe, e não é um Pingo qualquer que altera a minha ideia formada perante tipos que se apanham com uns dinheiritos de créditos na mão e já se julgam os intocáveis e os únicos que tem a verdade absoluta, para debitarem dislates continuados quando lhe metem o micro em riste.
O comércio tradicional também teve agora momentos de grande participação quando nos confrontamos com as lojas maçónicas. Julgava que Mozart fosse um compositor, ou uma taça da Olá, multinacional holandesa de gelados, representada em Portugal pela Jerónimo que agora foi transferida para a Holanda. Afinal há uma loja com esse nome, que é secreta porque não se sabe o que lá é vendido. Quando era miúdo proibiam-me de ver essas lojas, porque andavam por lá “mulheres frívolas”, no léxico actual as mulheres do striptease.
Tentando falar a sério, quero lá saber se há loja do Sino, se há GOL alta ou baixa, se os Opus rezam ou não antes de estipularem quem colocam em determinados lugares para fazer agiotagem, que segundo me disseram é pecado para a ICAR, o que me fez rir a aventais despregados.
Os partidos, excepto o PCP, tem uma horda de gente nestas lojas, onde fazem uns jantares para debaterem várias coisas, sem que perceba porque tem que se esconder e usarem sinais convencionais para falarem de liberdade, igualdade e fraternidade, e já agora relações económicas e colocações políticas que tragam vantagens supletivas aos membros deste ramo oculto e culto do comércio.
Aceito que no combate às ditaduras tenha sido necessário algum secretismo, mas algumas figuras gradas dos regimes ditatoriais também secretavam com os da oposição nas lojas e centros de opus, restando aos trauliteiros o papel para os desfiles, as legiões e o incitamento a encómios ao chefe supremo em espaços públicos, com muita gente cinzenta no palanque.
Preocupa-me que se avente a hipótese do avental dominar em conluio com os Dei a política portuguesa, com o olhar terno e eterno da ICAR e com a bonomia dos monárquicos que ninguém lhes liga nenhuma, que se vão encontrando entre fados, touradas e aspirando títulos, nisso acompanhados de adeptos de certos clubes de outras modalidades, com maior envolvência e paixão pelo povo.
Os partidos do arco do poder limitam-se a servir de lastro às congeminações das lojas, dos aventais, dos que rezam e só sexam para procriar, os que acham que tudo é fruto da “diarreia mental do século XIX”, como dizia o santacombista à mão armada, que conluiado com essa malta toda governou em ditadura este País quase meio século.
Se me quiserem oferecer um avental, façam o favor de contactar com a redacção deste jornal, mas não me peçam ritos, espadas e lucubrações ideológicas que façam a ligação entre o quotidiano e o paranormal em troca!

Fernando Pereira
8/1/2012
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