26 de outubro de 2012

Turismaldamente!(II) / Ágora / Novo Jornal nº249/ Luanda 26-10-2012





Turismaldamente!(II)
Voltando à BITUR, importa referir que os relatórios da Organização Mundial de Turismo apontam para pouco mais de 5% o número de turistas anuais no nosso continente, contra os 54% da Europa, os 5% do Médio Oriente, 15% no continente americano e 21% na região Asia/ Pacífico.
Dos discutíveis 5% que cabe ao nosso continente, o Egipto e a Republica da Africa do Sul partilham os primeiros lugares no acolhimento pontual de visitantes, deixando o resto em valores quase residuais para os outros países onde se salientam as Maldivas, Seychelles, Quénia, Moçambique, etc.
Com o proverbial hábito do angolano na hiperbolização dos números estimados, logo se apontaram metas que como na maior parte das situações pecam por demasiado exagero.
“Angola é o segundo destino turístico em número de vistos a seguir à Nigéria no continente africano”, “Estimamos num curto espaço de tempo acolher quatro milhões de turistas ano”, “ ressaltadas as enormes potencialidades do País em termos de turismo”, “Angola com infraestruturas para fazer face a exigências de turismo de qualidade” foram algumas das muitas frases ditas, repetidas e que se ousaram proferir durante o evento.
Este é um tema aliciante para um grande debate e não para uma crónica avulsa como esta, pois a realidade no terreno está cada vez mais longe desta mirífica linguagem.
Angola tem mar, sol, paisagem, rios, vegetação, fauna diversa, gente acolhedora e estabilidade política. Os condimentos indispensáveis para um turismo de qualidade parecem que estão todos reunidos. Pura estultícia.
Deixemo-nos de chauvinismos pueris porque sobejam exemplos de desordenamento do território que vão inibir a oferta turística do País durante muito tempo.
Um dos exemplos inerentes ao desordenamento do território tem a ver com os desmandos que a indústria do petróleo faz em toda a costa de Benguela a norte, e que tem vindo a transformar as “idílicas” areias de águas tépidas da costa de Angola numa mistura hidrocarbonada de água do mar. Acresce a tudo isto que os barcos petroleiros e cargueiros aproveitam a falta de fiscalização do nosso território marítimo para lavarem porões e depositarem detritos que se alojam ao longo da costa. Quando se tenta compatibilizar uma refinaria, como a que está em construção no Lobito com as qualidades das praias das redondezas temos que convir que o resultado é no mínimo uma bizarrice angolana.
A sul de Benguela as águas são frias, e naturalmente que haverá na costa africana muito mais opções, mais baratas e melhor localizadas para o chamado turismo de sol e mar.
Importa referir que Angola fica “longe” da Europa, principal “municiador” da indústria turística, e só franjas muito residuais poderão acabar por ser seduzidas pelo apelo ao turismo no País.
Formação de quadros, menos exigências burocráticas para a obtenção de vistos, melhoria das acessibilidades aos locais de interesse turístico, diminuição gradual mas rápida da pobreza, erradicação de doenças propiciadores de pandemias, assistência médica ao nível da excelência, harmonização de tarifas aéreas e possibilidade de companhias de low-cost operarem em vários aeroportos do território, campanhas agressivas em mercados de grande procura turística e melhorar a apresentação de Angola nos pavilhões em certames internacionais de turismo, são apenas alguns exemplo só do muito que há a fazer para alterar o quase nada que há feito neste momento. Só nessa altura o Turismo poderá então ter veleidades para representar um dígito no PIB angolano.
Gostaria que houvesse um debate sobre este assunto e anuncio que numa crónica futura irei falar sobre o turismo solidário e sustentável no mundo e em Africa particularmente onde há exemplos muito interessantes e economicamente viáveis. Era uma via a ser observada com interesse porque começa a haver muitos parceiros e muitas adesões a um mercado com grande potencial nas próximas décadas.
“O espaço turístico é antes de mais uma imagem.” “Imagem complexa, sonhada, adormecida e que reflete pinturas, livros, roteiros, filmes, odores, sons, sensações, enfim as experiencia e o imaginário de cada individuo” Jean-Marie Miossec.

Fernando Pereira
17/10/2012

Turismaldamente I/Ágora/ Novo Jornal 248 / Luanda 19-10-2012




Encerrou a 1ª Bolsa Internacional de Turismo de Luanda (BITUR), organizada no âmbito da programação anual das Feiras e Exposições que vão mostrando o trabalho desenvolvido em múltiplas áreas de intervenção económica.
Porque é uma área que tenho acompanhado de perto, nem que apenas seja porque partilho a gestão de uma pequena unidade de “turismo de habitação” nos contrafortes do Parque Natural da Serra da Estrela no interior de Portugal.
Pelas imagens que vi, pelo conjunto de informações que saiam em catadupa na imprensa e na internet, a sensação com que fiquei foi que o certame correu acima das expectativas, e que há neste momento alguma motivação extra para que as potencialidades do País sirvam para propiciar receitas acrescidas numa industria que tem um peso residual no quadro global.
Desde que o Homem se tornou sedentário, começou a sentir uma enorme necessidade de evasão e, ao mesmo tempo, uma forte curiosidade de contactar com outras terras e outras gentes, que só conhecia através dos contadores de histórias. Este apelo à viagem talvez tenha a ver com o facto de durante milhões de anos o homem e seus ascendentes terem sido nómadas. É neste contexto, de necessidade de evasão/curiosidade de conhecer, que reside a base do turismo moderno.
O fenómeno turístico é, em termos conceptuais, um fenómeno que tem acompanhado a evolução, o uso do tempo e o conceito de lazer.
O uso do tempo está, diretamente relacionado com a organização das estruturas socioeconómicas da sociedade. Já as civilizações clássicas tiveram a sua forma de utilizar o tempo e a praticar o lazer – o termalismo. As termas (Spas como modernamente são chamadas) eram utilizadas não só como aspeto terapêutico, mas também sob o aspeto lúdico.
Com a queda do Império Romano, e até ao final da recessão medieval (Sec. XIV), as pressões de caracter religioso e social, associados a grandes epidemias que contagiavam as águas, conduziram a um progressivo abandono do termalismo e em seu lugar surgem as peregrinações a lugares de culto, onde havia sempre “Santos” para receber os seus prosélitos, então únicos turistas dignos desse nome.
O período mediado entre o seculo XIV até ao seculo XVVIII é caracterizado pelo desejo de conhecer mundo. Numa base de aventura e comércio, a que também começa a associar-se a prática de atividades lúdicas.
O seculo XVIII é sem dúvida, uma época de grande mudança para o turismo. A partir de então este começa a organizar-se e a sistematizar-se. O que hoje existe é o resultado da evolução do que se passou nesse tempo.
A palavra turismo constituiu-se a partir do vocábulo inglês “The tour”, ou seja volta ou ida, com retorno ao ponto de partida. Este “tour” designava a viagem que o jovem aristocrático britânico fazia no final dos seus estudos académicos. Esta viagem era por norma realizada à França, Itália ou à Grécia com o objetivo de complementar a sua formação.
Após a Revolução Industrial, a burguesia, detentora de um grande poder económico, possuía um enorme fascínio pelos valores e hábitos da aristocracia, e para a imitar começou a enviar os seus filhos para os melhores colégios da Europa, e no final lá vinha a tal viagem. O fascínio por Paris era grande já que era o local privilegiado pela aristocracia.
O turismo surge intimamente ligado ao crescimento económico concomitante com o nascimento da civilização industrial ocidental.
Com o fim da IIª Guerra Mundial, num quadro de grande dinâmica económica e com as alterações no domínio social, nomeadamente férias remuneradas, o reforço das acessibilidades (transporte ferroviário, rodoviário, aviação, vulgarização do automóvel particular),a escolaridade obrigatória, em suma a melhoria generalizada da qualidade de vida nos países industrializados leva aquilo que hoje se designa correntemente pela massificação do turismo.
O progressivo sucesso da atividade turística reside, não só no desenvolvimento socioeconómico e cultural das sociedades modernas mas também no crescente aumento do tempo livre.
(Continua no próximo numero)

23 de outubro de 2012

O CHÁ,/ "EU, KARIPANDE" / "O POETA DA INCOMODIDADE" Nº 2- Setembro de 2012 / Luanda






EDITAL
Foi afixado
nos locais do costume
que É PROIBIDO MENDIGAR.
Logo mão que se descobre
escreveu a tinta por baixo
MAS NÃO É PROIBIDO SER POBRE.
Joaquim Namorado (A Poesia Necessária, 1966)

“ O poeta de Incomodidade desde sempre escolheu a não comodidade de se entregar de corpo e alma, muito mais do que à sua obra, ao afã quase secreto de organizar e dinamizar culturalmente e ao, não menos importante, de preparar novos organizadores e dinamizadores”- Disse Mário Dionísio numa das últimas homenagens feitas em vida a Joaquim Namorado, em 1983, na Figueira da Foz.
Joaquim Namorado e Mário Dionísio tinham muita coisa em comum na literatura enquanto cultores do neorrealismo, nas cumplicidades políticas de luta contra o fascismo e o colonialismo português, na forma solidária como se habituaram a viver e terem sido ambos meus professores em períodos distintos da minha longa vida académica.
Todos os estudiosos desse fecundo período da literatura portuguesa, são aliás unânimes a tal respeito. Alexandre Pinheiro Torres, por exemplo, no seu livro sobre o neo-realismo refere-se a Namorado como “corajíssima e exemplar personalidade” em torno do qual gravitou, em Coimbra, o movimento neo-realista, tal como aconteceu em Lisboa relativamente a Mário Dionísio. Jorge de Sena e Eduardo Lourenço partilham essa opinião e o segundo, num ensaio que lhe dedica no seu livro “ Sentido e forma de poesia neo-realista” (Dom Quixote, Lisboa), atribui a Joaquim Namorado o papel de “polarizador de energias de um grupo, a sua referência ativa e ativista, tanto como ética”.
“Só a revelação da insuficiência e incapacidade do esteticismo para efetuar uma transformação social que se tornava premente e nos levaram a defender uma arte inspirada nas circunstâncias corretas da vida real que achávamos imperioso modificar. Isto é uma arte que era ao mesmo tempo sujeito e agente transformador do real em que se inseria”, assim definia o neo-realismo, Joaquim Namorado, um homem que nasceu no Alentejo em 1914 e faleceu na Coimbra em 1986. Nesta cidade, onde sempre viveu, licenciou-se em matemáticas na Universidade onde foi proibido de lecionar, foi preso pela PIDE algumas vezes, tendo sido reintegrado após o 25 de Abril de 1974. Foi ainda aqui que exerceu a atividade cultural e intervenção cívica que o transformaram num pilar de coerência e determinação, símbolo para muitas gerações de gente que por lá passou e na qual me incluo.
Recordo-me de ter ido, numa tarde cinzenta, no dealbar dos anos 70, a sua casa pedir-lhe para me dar explicações de matemática, onde me recebeu, na sua sala” desarrumadamente” pejada de livros, jornais e discos. Com um ar matreiro perguntou-me de onde era e eu disse-lhe que “era de Luanda”. Indagou-me então se sabia o que eram os musseques e quem lá vivia. Fiquei surpreendido com a pergunta, mas respondi de forma algo titubeante que eram os negros. Perguntou-me se eu vivia lá, e eu respondi-lhe que não, limitando-me a vê-lo encolher os ombros e pegar num disco de José Mário Branco, “ Margem de uma Certa Maneira”, que tinha entretanto saído e imediatamente sido censurado e proibida a sua venda no Portugal de Caetano. Foi com Joaquim Namorado que ouvi este álbum pela primeira vez e também o “Portugal-Angola “do Luis Cília editado pelo “Les Chants de Lutte” em meados dos anos 60, a primeira denúncia em disco das atrocidades do colonialismo português. Aí já tinha percebido o alcance das perguntas que me deixaram tão surpreendido no primeiro contacto.
A relação de Joaquim Namorado com várias gerações de angolanos onde avultam os nomes de Agostinho Neto, Antero de Abreu, Eugénio Ferreira, com quem partilhou a liderança da “Vértice”, Manuel Rui Monteiro entre outros sugere terá havido uma forte influência do neo-realismo na fase debutante dos conhecidos percursos literários de autores africanos, sugerindo uma reflexão sobre o assunto.
Tive o privilégio de o ter acompanhado em várias ocasiões desde manifestações, convívios, homenagens, e tê-lo quotidianamente como companheiro de café, no velhinho “Tropical” em Coimbra, lugar de muita inspiração, algumas aspirações e poucas bem sucedidas conspirações.
Assumidamente comunista, pouco dado a transigir nas suas arreigadas e determinadas convicções, nunca temeu nem nunca vergou, mesmo quando o quiseram ostracizar na ditadura, e já depois na democracia, na “revanche” de uns quantos que nunca conseguiram ser como ele na defesa firme nas suas inabaláveis certezas.
Percebi o sentido do “não gosto de velhos” repetido nas múltiplas discussões que mantinha com Deniz Jacinto, Orlando de Carvalho, Jaime Serra, seus contemporâneos e Soveral Martins, Henrique Faria, Cristóvão de Aguiar, gente mais nova que ainda convivia connosco, os benjamins do grupo.
Ora, quando se pensa que o grupo neo-realista de Coimbra nos deu escritores tão importantes como Fernando Namora, Carlos de Oliveira, João José Cochofel ou Álvaro Feijó, e o de Lisboa como Manuel da Fonseca, Mário Dionísio, Alves Redol e Sidónio Muralha, etc, logo se alcança a importância de Joaquim Namorado num período relevante da vida portuguesa.
Sempre desenvolveu uma intensa atividade de dinamização cultural, colaborando na redação ou direção de revistas tão significativas como “O Diabo”, “Sol Nascente”, “Latitude”, etc. Foi desde sempre o animador da “Vértice”, presença ativa e constante na resistência cultural ao fascismo e, durante muitos anos, espécie de “órgão oficioso” do neo-realismo.
Joaquim Namorado : Um homem e poeta “incómodo”, que não esquecemos!

Fernando Pereira
19/9/2012

12 de outubro de 2012

Encargos II / Ágora/ Novo Jornal 247/ Luanda 12/10/2012



Querem um desporto escolar onde? Nas escolas onde o camartelo não funcionou e o parque desportivo foi ocupado por mais um prédio ou pelo parque de estacionamento de alguma empresa vizinha, com acordos sórdidos de permeio com autoridades que deveriam zelar pela manutenção das estruturas escolares na sua globalidade? Do ensino básico ao superior, conto pelos dedos das mãos o equipamento desportivo edificado em condições em todo o País, principalmente na nossa cidade capital.
O próprio ensino privado, pago a peso de ouro, está “privado” de instalações desportivas porque, na lógica do mercado, é mais rentável uma sala para trinta alunos numa hora, que dez alunos a ocuparem, em duas horas, um lugar onde cabem oito salas, no mínimo. O alvará é concedido sem que alguém se importe e os resultados começam a estar à vista.
Não temos quadros técnicos que se disponham a inverter este estado de coisas, o que não deixa de ser algo inquietante porque, se houve um esforço enorme na formação de quadros, foi de facto na Secretaria de Estado dos Desportos com Ruy Mingas e durante os consulados de Sardinha de Castro, no Ministério da Juventude e Desportos, apesar das inerentes dificuldades. Onde pára essa gente jovem ao tempo, que tinha uma disponibilidade total para trabalhar, desenvolver projetos e mobilizar gente? Era urgente recuperá-los nem que fosse para formar outra geração de técnicos.
Não é saudosismo dizer que as campanhas que Vitorino Cunha e outros faziam para arregimentar gente para o basquetebol, produziam resultados. Tal como as gentes do andebol feminino como os Betos (Ferreira e Batista) a pegarem em miúdas, algumas descalças, a jogarem em campos de cimento, iluminados por um holofote conseguido à má-fila.
Não é querer voltar ao passado, quando recordamos os Caçulinhas da Bola, onde o entusiasmo de um saudoso Rui de Carvalho na sua RNA, à frente de tanta gente generosa e solidária, montou o maior movimento de futebol infantil de que há memória no desporto do País, com meios exíguos, mas com uma alegria enorme entre participantes e organizadores.
É este País que temos que vir a ter, com maior empenho de empresas, individualidades e estruturas oficiais, para que as pessoas se mobilizem numa dinâmica coletiva indispensável à homogeneidade do País, unidos na defesa de princípios fundamentais, mas na diversidade de opiniões e também da ação política baseada no respeito e na dignidade da pessoa.
Apesar do meu proverbial agnosticismo e algum arreigado ateísmo, por vezes demasiado primário, não deixo de sublinhar que é nas missões, em colégios ligados a confissões religiosas, que vai havendo um trabalho aceitável ao nível da educação dos jovens, o que na realidade só sublinha que há envolvimento de uma estrutura que tem sido uma resposta eficaz ao vazio que a administração central não resolve em determinados lugares. O próprio desporto de recreação é muito valorizado nestas estruturas, que vão mantendo com alguma dignidade os seus espaços físicos de prática educativa.
A cultura física, nas suas diferentes componentes (e de que o desporto é parte integrante), é indispensável na formação plena de qualquer cidadão. Quanto ao desporto, permite, a qualquer um que o pratique, na forma de rendimento e até no domínio da recreação, o saber distinguir até onde vai o individual e onde se inicia o colectivo.
À imprensa, exige-se maior divulgação do grande debate que urge fazer para, daqui por quatro anos, por mais debilitados que estejamos no que à representatividade desportiva diz respeito, não recorrermos às ladainhas do costume na procura de "responsáveis". Isto, se entretanto não tivermos mexido uma palha nem sugerido o que quer que seja de construtivo para nos podermos voltar a orgulhar da nossa bandeira em provas internacionais de clubes ou seleções.
É urgente também acabar com os discursos encomiásticos em alturas em que isoladamente lá vem uma vitória, mas enaltecer-se os que verdadeiramente trabalham e se sacrificam para ser campeões, o que, naquele léxico, é muitas vezes deslembrado.
Convém deixar bem claro que, enquanto estou a escrever este texto, não sei quem serão os responsáveis pela Educação, Juventude e Desportos do País, no novo governo saído das eleições. Mas a minha conceção do desporto, a minha análise crítica do desporto que temos e a minha disponibilidade para colaborar através deste tipo artigos vai ser total, porque, como angolano, tenho a noção de que não vai ser nada fácil colocar outra vez o País no pelotão da frente do desporto africano, nem que seja apenas nas modalidades em que dominámos anos a fio.
Querem um culpado de tudo isto? NÓS TODOS!

Fernando Pereira
29/9/2012


Caderno de Encargos I / Ágora/ Novo Jornal 246/ Luanda 5/10/2012




Passadas as eleições, empossados os eleitos, talvez não fosse má ideia começarmos a falar de como resolver os problemas do quotidiano do País.
O desporto angolano foi um catalisador maior para a edificação de Angola enquanto Nação, de afirmação plena no quadro dos países africanos, e mobilizadora de vontades e manifestações de enorme solidariedade por parte dos cidadãos nos momentos de muitas vitórias das nossas seleções nalgumas modalidades coletivas.
Os Jogos Olímpicos de Londres, neste Verão de 2012, evidenciaram o que muitos de nós vaticinávamos, alguns em surdina e outros, onde me incluo, de forma pública.
Penso que não vale muito a pena andar à procura dos responsáveis por esta situação, que infelizmente vai começar a repetir-se com regularidade nas futuras participações das nossas seleções, clubes ou atletas em modalidades individuais.
Num artigo que fiz neste espaço antes da deslocação da delegação olímpica, infelizmente antecipei o que efetivamente veio a acontecer, o que não me trouxe satisfação alguma, mas a vontade de ajudar a inverter um estado de coisas que, para não voltarem a dar os mesmos resultados, vão exigir uma década, no mínimo, de reflexão, empenho, trabalho, afirmação política e mobilização de muita gente.
Vamos começar a acabar com a linguagem do novo-riquismo. Na realidade, a Etiópia, o Uganda, o Quénia e até a Jamaica têm menos poços de petróleo que Angola, Arábia Saudita, Qatar e outros países, que acham que podem comprar tudo ... menos medalhas olímpicas, como se comprova no quadro de medalhados. Era bom que deixássemos de olhar para o nosso umbigo, e olhássemos antes para a presença da Africa do Sul, em termos desportivos, em competições internacionais, e não arranjássemos argumentos pueris para justificar a cada vez maior distância que nos separa deles.
Os discursos frívolos de muitos agentes desportivos devem ser substituídos por um trabalho aturado de planeamento, que passe, numa primeira fase, pela avaliação do que está a acontecer no quotidiano das crianças e jovens do País.
Vamos começar a falar verdade connosco próprios; a maior parte das crianças e jovens do País não frequenta a escola, pelo que o desporto escolar não pode servir de campo de recrutamento para a competição e ainda menos como trampolim para a alta competição. O que estamos a construir é uma sociedade de contornos perigosos porque, ao ideológico coletivo e gregário, substitui-se a máxima do liberalismo económico francês de François Quesnay (1694-1794) do “Laissez-faire, laissez-passer, le monde va de lui-même”. As crianças e os jovens proliferam em bairros socialmente degradados, em famílias destruturadas, e têm necessidade absoluta de sobreviver, num quadro onde as referências são poucas e nalguns casos desrecomendáveis. Terá que ser através do desporto que tem que se recuperar essa juventude, nem que seja só para a sua integração de cidadania plena, o que, convenhamos, já era um enorme avanço e um progresso assinalável para o País.
Fala-se de desporto escolar e da sua revitalização, e houve aí, de facto, um esforço valoroso ao ir buscar-se uma figura referente e maior da cultura física e desporto angolano: Ruy Mingas. Mas, na realidade, acho que nem ele vai conseguir inverter a situação actual. Para isso, exigem-se compromissos que obrigam a um cumprimento faseado e a ultrapassar vaidades pessoais ou interesses económicos de outra ordem. Só a autoridade moral de ter sido o grande obreiro da edificação da educação física e deporto no País poderá permitir ter-se alguma réstia de esperança para o êxito de um trabalho que tenho acompanhado e por saber do seu empenho e capacidade dificilmente inigualáveis.
(Continua no próximo jornal)

11 de outubro de 2012

1900 O INTERIOR 11/10/2012


Muito antes de os EUA sonharem sequer que teriam um presidente mestiço, um ator negro nascido nas Bahamas( 20 de Fevereiro de 1927), conseguiu uma proeza impressionante: um Óscar de Hollywood pelo melhor desempenho masculino em “Lírios do Campo”.
Ocorreu em 1963, por acaso no ano em que Martin Luther King fazia um dos mais belos discursos de todos os tempos, declarando em Washington que “sonhava com um mundo onde os homens não pudessem ser julgados pela cor da pele”!
Sidney Poitier estava então para o cinema como Barack Obama está hoje para a política. Impôs-se desde muito jovem em filmes como “No Way Out” (Joseph L. Mankiewicz, 1950), “Sementes de Violência” (Richard Brooks, 1955) e “Um Homem tem Dez Metros de Altura” (Martin Ritt, 1957). Contracenou com Paul Newman, Tony Curtis, Glenn Ford, Richard Widmark, todas as vedetas da época. E continuou a romper barreiras raciais em filmes como “Adivinha Quem Vem Jantar” e “No Calor da Noite”, ambos de 1967. Neste, ficou célebre uma réplica sua a Rod Steiger, que fazia de polícia racista: "Chamam-me Mister Tibbs." Uma das frases mais memoráveis do cinema, pronunciadas pelo “senhor” Poitier. Antes dele, os negros em Hollywood apenas podiam ser mordomos, porteiros de hotel ou pianistas de bar. Depois dele, puderam ser tudo.

Julgo curioso recordar que o filme de 1967 “Guess Who’s Coming to Dinner” /”Adivinha quem vem jantar”, de Stanley Kramer, só conseguiu ser estreado em Portugal já durante o ano de 1969, naquilo que se denominou “ A primavera marcelista”, pois Sidney fazia de Dr. Prentice, o noivo de Joey, uma jovem WASP, com uns pais conservadores que rejeitavam o seu amor. Ver um negro e uma branca beijando-se no grande ecrã, foi para muitos, algo que não dá hoje muito para acreditar, um ato quase de militância antirracista e anticolonialista. Para não esquecer que tudo isto acontecia há menos de meio século num País que nalgumas coisas mudou pouco, e em que a saudade é de algo que nunca se viveu.

Porque estamos em tempos de “lembradoras”, convém não esquecer que estamos no limiar da comemoração da publicação dos quarenta e cinco anos do “Álbum Branco” dos Beatles, e não gostaria de deixar de relevar uma efeméride. Até o Vaticano se associou quando “despenalizou” John Lennon, por ele ter dito ao tempo que “ Os Beatles eram mais importantes que Jesus Cristo”. Valeu-lhe a ira dos cristãos, que convenhamos iram-se demais com pouca coisa, e ameaças do Ku-Klux-Klan, para além de manifestações públicas de partir discos ao que o baterista Ringo Starr, terá dito:” Partam mais, porque quanto mais partirem mais tem que comprar”, (pragmatismo q.b.).
Podia fazer uma crónica a dizer mal de alguma coisa, mas todos os meus colegas da “achologia” o fazem não me permitindo ser original, por isso cá ficam as banalidades e simultaneamente falar de gente que vale a pena ser lembrada e nomeada.
Para o fim, só digo que apesar de não ter nada a ver com o resto do texto, mas como precisava de um título apelativo para uma crónica preguiçosa, apraz-me dizer que o 1900 do Bernardo Bertolucci é só um dos dez melhores filmes que já vi antes de ter morrido.
Fernando Pereira
9/10/2012

10 de outubro de 2012

Gustavo Costa ganha "Maboque 2012"



"Gustavo Costa, jornalista do “Novo Jornal”, conquistou, na noite desta terça-feira, em Luanda, a 19ª edição do Prémio Maboque de Jornalismo"."Gustavo Costa venceu, em 2010, o Prémio Nacional de Jornalismo, na categoria de imprensa."-ANGOP.

Sou suspeito por falar sobre o Gustavo Costa, porque partilhamos uma amizade há mais de trinta anos, cumplicidades multiplas e muitos caminhos paralelos no domínio da comunicação social e no dirigismo desportivo.
O Gustavo é uma das referencias do jornalismo escrito angolano e um simbolo da irreverencia cuidada, sem ultrapassar a linha sempre difícil em limitar a crítica política e a pessoalização.
Hoje, quando lhe dei os parabéns ele lembrou que o Novo Jornal é um fazedor de prémios. Todos os que fizemos, ou fazemos parte desta equipa, como é o meu caso sentimos um orgulho enorme partilhar esta "avalanche" de reconhecimento em Angola e no exterior.
O NJ é provávelmente o melhor jornal de Angola, e só digo provavelmente porque sou seu colaborador desde o numero 1, e não ficaria bem fazer elogios em casa própria. Este prémio atribuído ao nosso director tem que ser partilhado com todos e aqui cabe também o contributo dado pelo Victor Silva, 1º director do NJ, companheiro de muitos passos nesta jornada onde caminhámos todos juntos. O Gustavo Costa é também o correspondente do "Expresso" em Angola e por isso motivo de orgulho tb de portugueses que há 40 anos vão tendo esse jornal todas as semanas.
Um reiterado obrigado por teres conquistado mais um prémio meu amigo, companheiro e camarada GUSTAVO COSTA

Fernando Pereira
10/10/2012
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