16 de maio de 2011

APITA O COMBOIO! / Ágora /Novo Jornal / Luanda/ 13-5-2011



“Não existem países subdesenvolvidos, existem países subgeridos” Peter Drucker (1909- 2005)
De forma desinteressada comecei a ver um documentário num canal de satélite de temas históricos. Passados uns minutos comecei a interessar-me pois era um capítulo da série “Histórias dos Comboios” dedicado à introdução do caminho-de-ferro no continente africano.
Já tinha visto alguns capítulos desta série, que sempre se situou num bom nível, mas o que constatei do que vi é que esta era curiosa. Falando de comboios em África, a série, que é uma produção francesa da Pathé, e portanto acima de qualquer suspeita, sentiu-se obrigada a falar do colonialismo europeu. E teve a honestidade suficiente de o fazer com palavras suficientemente claras. Disse que o colonialismo explorou Àfrica de duas formas consecutivas, extorquindo-lhe matérias-primas e vendendo-lhas depois sob a forma de produtos manufacturados. Que os comboios que os europeus introduziram em África tiveram por exclusivo objectivo servir esse derrame de matérias-primas e, para mais foram construídos com material de rebotalho, de tal modo que os caminhos-de-ferro africanos têm doze medidas diferentes, o que de todo impossibilita agora a sua utilização conjunta. Lembrou que os colonizadores evitaram sempre proceder à industrialização dos territórios africanos, a fim de não suportarem a sua eventual concorrência. Por isso deixaram a África, quando foram obrigados a abandoná-la, num estado de total dependência económica.
Foi assim que “História dos Comboios” caracterizou suficientemente a “acção civilizadora” dos europeus em África.
Como esta série era do início dos anos 80, fui a um velho e esfarrapado atlas de África muito minucioso ver as linhas de caminho de ferro que existiam, e de igual forma recorri a mapas recentes para saber que troços de caminho de ferro foram melhorados, alterados, prolongados ou quiçá mesmo construídos de novo. Pouco mais que os mesmos troços, pelo menos em mapas recentes.
Os comboios em África têm traçados completamente diferentes da Europa, da América do Norte e da Ásia. Todos acabam num porto e invariavelmente percorrem no sentido perpendicular ao mar, em direcção ao interior, e quase todas acabam em zonas de produção de minério. Os traçados no resto do mundo são entre cidades para transporte de passageiros e normalmente num percurso Norte-Sul ( A título de curiosidade a India tem 55.000Km de via férrea e cerca de 1.200.000 funcionários).
O actual Caminho de Ferro de Luanda foi inaugurado em 1909 com uma extensão de 479km, e nunca deixou de ser uma linha de indecisões, acabando o seu traçado em Malange, por incapacidade de financiamento para o prolongar até ao Congo.
O primeiro troço é Luanda-Funda em 1888, quando ainda se pensava fazer um caminho-de-ferro a ligar Luanda ao Congo pelo Norte, acabando depois por inflectir para leste.
As peripécias do financiamento deste empreendimento foram motivo de demissões no governo português, falência de casas bancárias, rixas no Chiado com um denominador comum: Insuficiência de verbas para construir a linha de caminho de ferro do Ambaca, depois transformado em Caminho de Ferro de Angola, para aproveitar as iniciais provavelmente.
A construção inicia-se em 1885, tendo os trabalhos sido dirigidos por João Batista Burnay entre 1889-1902.
A esta “tremideira” financeira não é alheia a posição dos Ingleses que entretanto fazem um Ultimatum a Portugal em 1890, relativamente às terras do chamado “mapa cor-de-rosa”, que incluíam a Zambia e o Zimbabwe, ao tempo baptizadas de Rodésia do Norte e Rodésia do Sul, em homenagem ao colonialista Inglês Cecil Rhodes (1853-1902), o administrador e proprietário da magestática British South Africa Company.
Os estudos para a construção do caminho de ferro de Luanda a Ambaca são iniciados por documento régio de 18 de Outubro de 1876, em que é nomeado responsável o eng. João António Bisac das Neves Ferreira.
O engenheiro Neves Ferreira projectou e fabricou-se no local uma ponte perto do ramal do Dondo de 180m que maravilhou alguns engenheiros estrangeiros da obra, que julgavam impossível no ermo que era aquela região construir e implantar no terreno uma estrutura metálica arrojada e segura para o tráfego ferroviário.
Hoje recuperada a linha vai ser certamente um motor de desenvolvimento do interior de Angola, não sendo de negligenciar a sua utilização recorrente no percurso urbano na cidade de Luanda, como um dos transportes de eleição quer nos países desenvolvidos, quer nos países em vias de desenvolvimento, terminologia que substitui “O Terceiro Mundo”, denominação que deve a sua paternidade a Alfred Sauvy.
Fernando Pereira
7/4/2011

Pra não dizer que não falei das flores! / O Interior / 12-5-2011



Primeiro levaram os negros/ Mas não me importei com isso/ Eu não era negro. / Em seguida levaram alguns operários/Mas não me importei com isso/ Eu também não era operário. / Depois prenderam os miseráveis/ Mas não me importei com isso / Porque eu não sou miserável. / Depois agarraram uns desempregados/ Mas como tenho o meu emprego/ Também não me importei. / Agora estão-me levando / Mas já é tarde/ Como eu não me importei com ninguém / Ninguém se importa comigo.

Bertold Brecht (1898-1956)


Começo esta crónica com um poema de uma das poucas referências que trouxe da “idade da razão” e que vou mantendo, quase como espólio, nestes anos que preenchem a “razão da idade”.

Guardei sempre de Brecht alguns versos para ilustrar situações e esta “Do rio que tudo arrasta/ Se diz que é violento. / Mas ninguém diz violentas/ As margens que o comprimem” tem sido a recorrentemente utilizada nas mais variadas ocasiões e, pelos vistos, tem que ser mais lembrada que o cartão de débito ou crédito.

Não vou falar de Brecht, porque, de certa forma, sou demasiado “possessivo” para o partilhar, mas vou dar um pouco de ruído a gente aparentemente silenciada.

Daniel Filipe (1925-1964) foi um dos poetas cabo-verdianos de pouca obra mas profícua e importante para muitos da minha geração. A sua “Invenção do amor” era para muitos de nós “um cartão/ que o amigo maninho tipografou/ por ti sofre o meu coração/ num canto ‘sim’/ noutro canto ‘não’/, como estava no “Namoro” de Viriato da Cruz. Era o livro que dávamos a alguém, esperando receber o seu amor em troca ou, não sendo possível, pelo menos uma atençãozinha de “sua parte”. Ainda hoje tenho um que me devolveram e ainda bem porque já não se encontra à venda em lado nenhum. Há um disco de Mário Viegas, reeditado recentemente em CD, notável pela força do poema, reforçado pela declamação virtuosa e talentosa do actor.

Combatente da ditadura salazarista, anti-colonialista, Daniel Filipe foi cedo para Portugal onde estudou. Preso e torturado pela PIDE, regressa a Cabo Verde onde dirige jornais, morre precocemente, ignorado e esquecido por todos. “Pátria, Lugar de Exílio” é outra das suas obras poéticas de tomo que, de certa forma, me faz lembrar muito dos poemas de outro “espoliado de pátria”, Jorge de Sena.

Poderia estar a escrever sobre troikas e baldroikas mas preferi esforçar-me por me esquecer dos dislates constantes que todos nós vamos quase “catando” e rindo.

Talvez vos surpreenda este texto aparentemente descontextualizado, e acima de tudo as minhas desculpas a Geraldo Vandré por lhe ter “usurpado” o título de uma canção emblemática de contestação à ditadura dos generais, iniciada por Castelo Branco em 1964 no Brasil. “Vem, vamos embora/ Que esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora/ Não espera acontecer”.


Fernando Pereira
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