22 de agosto de 2015

Liberdade, do seu uso e do seu abuso! / Ágora / Novo Jornal / Luanda 21-8-2015



Comunicar começa por ser um imperativo de todo o animal. Ele não poderia manter a comunicação da espécie sem comunicar. A comunicação é pois uma necessidade inilidível das espécies.
Tal conceito, porém, aponta-nos (se me é permitido dizer assim desta maneira) para uma comunicação não livre. O animal comunica na estrita obediência de funções irrecusáveis, próprias da sua natureza. O animal neste sentido não é livre.
Mas contrário é aquilo que acontece com o Homem, um ser ao qual já definiram muitas vezes, desde o sisudo ponto de vista filosófico, até ao mais simples ramo humorístico.
Beau Marchais, por exemplo, teve esta expressão feliz:” o Homem difere dos animais porque bebe sem ter sede e ama em todas as estações do ano”. Menos prosaico, menos material, para Anatole France, “aquilo que distingue o Homem dos outros seres vivos é a mentira. O que tudo quer dizer é que os homens fazem mais coisas do que só as necessárias para a conservação da sua espécie”.
Entre elas, como veículo de mentir, de ficcionar, e numa de otimismo, também de dizer a verdade, o Homem tem capacidade para comunicar, com outros através de mensagens para lá do seu gesto transitório e da sua voz extinguível.
Se é que ele realiza Imprensa, ou como é habitual dizer-se comummente hoje: Comunicação Social. Importa relembrar que durante anos o termo “meios de difusão massiva” entravam num léxico que em certos aspetos era portador de tempos de maior esperança e menos conformismo!
Tudo se reduz ao estafado clichê do B A BA do aprendiz de filósofo: “O Homem é um animal social”. A verdade é que tal reconhecimento implica outro: o da necessidade de uma intercomunicação coletiva humana, consequentemente uma comunicação social.
Hegel foi o primeiro que logrou expor de modo exato as relações entre liberdade e a necessidade, salientado por Engels num determinado passo do “Anti-Düring”!
A liberdade não representa outra coisa senão o reconhecimento da necessidade. Desde o cavernícola temeroso da trovoada (Uma ira dos Deuses), até ao cientista do nosso tempo, o homem foi sendo tanto e tanto mais livre quanto progressivamente foi conhecendo e dominando a realidade objetiva.
A liberdade é, pois, uma tomada de consciência por parte do homem. È uma conquista progressiva, constante. È um rasgar no sentido de um cada vez maior horizonte.
A liberdade constrói-a o próprio homem; A liberdade não é um direito que a lei, mesmo a Constituição, conceda ou atribua ao cidadão.
Quando nos é proposto refletir acerca da liberdade de imprensa, logo nos ocorre que a noção mais evidente, aquela que afinal, mais se nos impõe é, no âmbito dos factos a da não liberdade de imprensa.
Na realidade, quando enfrentamos o problema da comunicação social segundo um prisma geográfico e utilizando noções não muito rigorosas como sejam as de liberdade ou censura, tão sujeitas a gradações, facilmente somos obrigadas a reconhecer que as áreas de não - liberdade constituem a mancha maior.
Temos um cada vez maior pouco por todo o lado em todo o mundo, regimes de censura oficial, externa aos órgãos de comunicação social.
Um dos primados da liberdade de imprensa está enunciado na Declaração de 1789,”Declaração dos direitos do Homem e do cidadão” no seu artigo 11ª diz: “A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do Homem; todo o cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na Lei.”
Liebling em 1961, referindo-se à situação da imprensa nos Estados Unidos dizia:” Temos hoje uma imprensa livre. Quem quer que disponha de dez milhões de dólares tem a liberdade de comprar ou fundar um jornal numa grande cidade como Nova Iorque ou Chicago”.
Há evidentemente, formas grosseiras de censura, outras que o são menos, outras que variam no grau de subtileza com que se exercem. Se nos países de regimes políticos concentracionários existe declarada censura, também nas democracias que erigem a liberdade de imprensa como um dogma, a liberdade está cada vez mais longe de ser total.
Nos primeiros o sistema, como entidade coletiva, rígida, burocrática, invoca como lídimo direito de se defender e cria os mecanismos que lhe asseguram o domínio direto ou indireto dos meios de comunicação, os segundos criam do mesmo modo mecanismos de autodefesa, embora não burocrática e difusa.
Num e noutro caso a liberdade é, desde logo e grosso modo, condicionada pelo estatuto de propriedade dos meios de comunicação, geralmente restrita aos poderosos, sejam eles o Estado ou o capital. Em qualquer dos casos, o jornalista se está no essencial, consciente ou inconscientemente, de acordo com o sistema que o integra e condiciona pode ir e não há verdadeiramente motivo para que não se sinta livre. Pode sentir-se livre, mas é-o realmente?
Num e noutro caso, numa ou noutra modalidade, o jornalista coim veleidades de independente(???) que se interrogue acerca da sua inserção na profissão ou mesmo numa sistema vai refletindo criticamente como se posiciona e como se colocam os seus colegas.
Os riscos que um jornalista desacomodado enfrenta são mais que muitos, em todo o lado, mas o caminho é aliciante, evitando sempre que nos atirem para a marginalidade. A rejeição centrífuga dos marginais é da natureza dos sistemas.
O que importa muitas vezes ao jornalista importa riscos. Há quem pense, mesmo na incomodidade, que vale a pena correr riscos, a fim de poder transmitir aos vindouros a imprescritível ideia de liberdade.
Desculparão este ensaio, mas como se aproxima o Congresso dos Jornalistos Angolanos (Julgo que em Setembro) estas reflexões talvez possam não cair de todo em saco roto!

Fernando Pereira
15/8/2015
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