29 de junho de 2012

Perguntas de um Operário Letrado/ Ágora/ Novo Jornal 232/ Luanda 29-6-2012




Perguntas de um Operário Letrado

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Índias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas
Bertold Brecht (1898-1956)
Com este novo “shuttle” entre Angola e Portugal desenvolveram-se novas apreciações sobre o nosso País por parte dos expatriados contratados com o objetivo de trabalharem por cá em empresas que localmente não encontram quadros para cumprir cabalmente as exigências do mercado.
A maior parte das vezes há cá trabalhadores qualificados, mas faz-se uma manigância nas condições de concurso que impede encontrar angolanos para a empreitada. Talvez ainda se chegue ao tempo em que só poderá concorrer um engenheiro civil que tem que ao tempo do concurso viver na R. S. António à Lapa nº 18 em Lisboa ou um arquiteto da Torre da Mantinha lote 4-16 no Seixal e por aí fora!
Olho com alguma preocupação o germinar de alguns conflitos que pontualmente começam a ensombrar as relações de trabalho entre estrangeiros e angolanos, o que acabará por se generalizar e as consequências decorrentes passam a assumir foros de outro tipo de segregação bem mais perigosa e com consequências desagradabilíssimas.
Porque já começo a ter idade e vivências suficientes para ter memória sempre foi recorrente chamar-se indolentes e irresponsáveis aos trabalhadores angolanos, algumas vezes para justificar erros de planeamento.
Vamos por partes, desde tempos imorredoiros que o angolano é tratado com particular virulência por todos os que por Angola demandaram na busca da “vida boa que procuro e não encontro cá”, como diz o estribilho de uma canção alentejana de emigração.
O léxico que invariavelmente anda em torno da indolência do trabalhador angolano fez-me recordar Brecht, e o seu “perguntas de um operário letrado”, como também me lembro de perguntar quando circulo nas cidades de Angola, todas feitas pelos seus cidadãos trabalhando muitas vezes em condições inumanas e aviltantes da sua dignidade de cidadão e trabalhador com direitos.
A Angola dos portugueses que chegam e de onde os progenitores, tios, amigos ou simples conhecidos que zarparam do País em 1975 foi integralmente feita por angolanos, e não foi por serem indolentes que deixaram por fazer espaços urbanos e vias de comunicação que os colonos se orgulhavam.
É da mais elementar justiça que se respeite o angolano e isso urge ser feito com novas leis de proteção, menor diferenças no leque salarial, apoio à saude, ao ensino, cultura e acima de tudo proteger as realidades culturais com que o povo angolano se identifica e se reconhece.
Ninguém pode ou deve em circunstância alguma questionar o absentismo por causa de um komba pois faz parte de uma tradição secular entre os povos de cultura bantu, e que os tecnocratas de gravata albardada contestam com o argumento da defesa da sacrossanta “produção e o mercado”.
O expatriado vai para Angola ganhar dinheiro, não vai para mais nada, pelo que se dispensam dichotes ou comentários que os locais que os acolhem não merecem em circunstancia alguma, pois recebem-nos como a maioria não os receberia nas suas terras.
Numa recente visita a Bath, perto de Bristol no Sudoeste de Inglaterra, visitei alguns colégios que conheci há alguns anos e onde fiz então algumas amizades. Num tradicional chá das 5h, com scones quentinhos ouvi lastimarem-se professores de dois prestigiados colégios internos ingleses, um em Bath outro em Salisbury, pela falta de alunos ingleses de família da média-alta burguesia, principais utilizadores desses estabelecimentos.
Perguntei as razões e fiquei petrificado quando eles me disseram que a nova onda é enviar estudantes de muitos países da Commonwealth para colégios privados na India. As razões que me foram apontadas têm a ver com o rigor da disciplina, que os colégios ingleses foram obrigados a aligeirar para cumprirem determinações do ministério da educação inglesa, que proibiam castigas dos mais insignificantes. Os colégios da India têm também excelentes projetos pedagógicos, magníficos professores, muito bem equipados e com um sucesso na empregabilidade muito bom.
Os meus amigos dizem-me que todo o ensino de top inglês anda alarmado e que o entusiasmo dos pais ingleses é tão grande nesta inovação que cada vez mais novos levam as crianças para os colégios da “maior democracia do mundo”.
Antes que acabe peço-vos que leiam de novo o poema de Brecht que é capaz de dar para muita coisa nos tempos que se avizinham!
Fernando Pereira
29/06/2012
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