11 de maio de 2012

“Nas Brumas da Memória” / Ágora / Novo Jornal nº 225/ Luanda 11-5-2012








Um destes dias tive necessidade de recorrer ao livro “Desporto e Estruturas Sociais”, do professor José Esteves, para tirar uma dúvida sobre o número de praticantes desportivos numa determinada modalidade, em Portugal, na primeira metade dos anos sessenta e assim corrigir, com precisão, um amigo sobre o assunto.
Como sempre acontece quando estou com algum livro do professor José Esteves, continuo a relê-lo e gostaria de partilhar aqui algumas histórias que marcaram o quotidiano político do “Portugal uno e indivisível”.
O Diretor Geral dos Desportos era, no distante ano de 1958, o tenente-coronel Sacramento Monteiro que, cheio de boas intenções, resolve pedir uma audiência a Salazar para a discussão de um plano de construção de instalações desportivas em Portugal e colónias.
Com a frieza habitual com que recebia os subalternos, mesmo que titulares de cargos de responsabilidade governativa, recebeu o Diretor que lhe entregou um dossier. Salazar perguntou que era aquilo. “ Trata-se de um plano de construção de piscinas, para o fomento da natação entre a nossa juventude, Sr. Presidente”. O militar Sacramento Monteiro contou ainda: “o homem olhou para mim, olhou para o dossier, afastou-o logo a seguir, com um dedo só, com um ar de muito desprezo e despede-me com esta simples frase: Senhor Diretor Geral, está muito frio para tratar desse assunto. Venha lá mais para o Verão!”.
Em 1959, numa visita efetuada ao Estádio Universitário de Lisboa, ao verificar, na planta geral das instalações, que havia um espaço destinado a uma piscina, ali mesmo decidiu a eliminação pura e simples de tal hipótese. O homem abominava a natação.
A verdade é que em Angola, a iniciação à natação e a sua prática competitiva era apenas dirigida a sectores bem determinados da sociedade angolana, no caso a filhos da burguesia colonial, ou a funcionários de companhias majestáticas como era o caso da “Diamang” e “CFB”.
Em Angola, a primeira piscina olímpica, ainda a única no País, está em Luanda e foi inaugurada em 1969. Tudo o resto eram tanques e piscinas de vinte e cinco e trinta e três metros, como a velhinha do Nun’Álvares, hoje Clube Náutico da Ilha.
No elitista Lobito Sports Club e no Ferroviário de Nova Lisboa, hoje Huambo, havia duas piscinas que, para além de estarem ligadas à natação enquanto modalidade competitiva, eram usadas para práticas de lazer dos funcionários e familiares do CFB. Em determinada altura a construção de piscinas passou a ser uma obra de grande visibilidade dos governadores e administradores nomeados pela administração colonial, mas quase nenhuma delas desenhadas para a prática da natação enquanto modalidade desportiva. Curiosamente nem a “Bufa”, corruptela que correntemente designava a Mocidade Portuguesa, tão ligada a desportos náuticos como a vela e o remo, manifestava algum interesse em desenvolver a natação.
No contexto continental continuamos infelizmente ao nível da maioria dos Países no quadro da iniciação e competição da natação, onde a Républica da África do Sul domina em toda a linha, com alguns medalhados olímpicos de permeio.
Como estou com o livro do José Esteves entre mãos, e porque tenho muita consideração e estima pelo Ruy Mingas, gostaria de lembrar uma entrevista sua concedida ao jornal “A Bola” de 17-6-1974. Referindo-se ao panorama sociodesportivo do seu País dizia: “os negros nunca puderam beneficiar da integração, mesmo mínima, ao nível da atividade desportiva (…). Mesmo assim, no entanto, os negros ainda conseguiram afirmar uma certa posição, ainda que muito relativa, no desporto. Sem escolas, sem empregos decentes, sem nível económico que lhes permita chegar aos divertimentos que, então ao alcance dos brancos, os negros têm como único escape para a sua vida oprimida- para não dizer, já, escravizada- o desporto e a música. E é assim que interligam e interpenetram ambas. Jogar com uma bola, correr ao lado de um camarada e dançar ao som da música feita por mãos a percutir madeira, não custa dinheiro”.
Já agora alguém me pode explicar porque é que quase toda a gente chama falta de luz à falta de eletricidade? Confesso que nunca vi ninguém chamar falta de fogão à falta de gás, ou falta de torneira à falta de água!..
«Se um artista tem uma obra dentro de si, deve sacrificar os outros ou a obra?» Agostinho da Silva (1906-1996)

Fernando Pereira
8/5/2012
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