27 de novembro de 2009

Volfrâmio/ Ágora / Novo Jornal / Luanda / 27-11-09



Volfrâmio
Fui recentemente a Londres, e enquanto aguardava em Heathrow pelo avião de regresso, deambulando entre as lojas do aeroporto, vejo uma portuguesa radicada em Angola, que apenas conheço pela sua contínua participação em eventos e presença em revistas “cor-de-rosa” ,tão em voga no mercado emergente angolano.
Na loja da “Shwarovski”, insistia que queria uma coleira para a sua cadelinha, pois já tinha vários modelos da referida marca. Não sei se a chegou a comprar porque entretanto saí da loja, já que a conversa entre a “colunável”, e a sua intérprete era no mínimo soez.
Mais uma ilustração do trabalho que o jornal “Expresso” e a SIC fizeram recentemente sobre os “gostos apurados dos angolanos”, e que terá provocado alguns engulhos. Ouvimos, vemos e lemos muito sobre o assunto, e basta ver a pagina de anúncios do Jornal de Angola, para esclarecer, quando: “Vende-se vivenda, com gerador, blá, blá, e com garagem e quintal para cinco carros”!!!
Todas estas manifestações ostensivas de novo-riquismo, que naturalmente acompanha estes períodos de rápido crescimento económico, aliada à muita facilidade em possuir dinheiro, acabam por propiciar a aquisição de bens tangíveis e luxuosos, e transformar a sociedade numa verdadeira ficção, durante um limitado período de tempo.
Sei talvez, porque é que hoje me voltei a lembrar, do grande mestre das letras portuguesas, Aquilino Ribeiro (1885-1963) homem indómito no combate à injustiça, que lhe valeu várias vezes a prisão e o exílio. Em 1943 saiu o “Volfrâmio”, que é a imagem do Portugal rural, iletrado e atrasado, que de um momento para o outro com a II guerra mundial, vê o volfrâmio das terras de paupérrimos recursos, valorizado, permitindo que o dinheiro começasse a jorrar a ritmos nunca previstos nas aldeias do interior do território.
A obra, escrita por um homem com uma verve inigualável nas letras lusófonas, faz a descrição minuciosa, do ridículo desse período fugaz de abastança no “Portugal dos tamancos” , e os gastos em festas, verdadeiras loas ao bacoquismo, em carros que as pessoas nem faziam ideia sequer como trabalhavam, mas que punham na loja, a par do burro ou da junta de bois, não longe do porco para a matança, no jogo, artefactos de joalharia, nalguns casos pagos como tal, e mais não eram que pechisbeque, roupas caras e meretrizes, mandadas vir de Espanha para volúpias, pouco coincidentes com os códigos sexuais restritos da moral católica.
Aquilino Ribeiro foi um escritor com enorme capacidade ao colocar o seu virtuosismo, na “denuncia do que pensa e sente a gente certa”(Ary dos Santos 1937-1984), pelo que “O Volframio” fosse uma obra a ler e talvez fazer exercício de “estudo-comparado” com a situação que se vai vivendo, e que também pode ser mesmo uma situação passageira num percurso evolutivo de uma sociedade, que ainda busca valores que irão reger a sua vivencia colectiva.
Mudando de assunto, li o livro de José Milhazes, “Angola, o princípio do fim da União Soviética”, um título demasiado pretensioso para quem constantemente nos diz ao longo do livro, que os documentos importantes ainda estão arquivados e mantidos secretos. Ficamos a aguardar que os abram, para saber se os poucos depoimentos no livro coincidem.
Milhazes como eu, e muitos outros acreditámos num projecto de sociedade, que ainda se afigura cedo para se retirarem conclusões definitivas, embora nunca tenha acreditado que “o Muro de Berlim servisse para evitar que as pessoas de Berlim Ocidental fossem a Berlim Oriental (ou a Republica de Pankow, como dizia a direita europeia) roubar o que elas lá tinham”, conforme cheguei a ouvir a um ortodoxo comunista. Sobre isto, talvez fosse bom ver o “Good Bye Lenine”, esse magnífico filme de Wolfang Becker de 2003!
Em jeito de lembrete final, não deixem de ir à apresentação do livro “Tibete em África”, da minha amiga Margarida Paredes, no Chá de Caxinde às 18, 30h do dia 3 de Dezembro!

Fernando Pereira
22/11/09

20 de novembro de 2009

Esgravatar II/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda/ 20-11-09



Esgravatar (II)
Tentava tanto quanto possível não usar, mas por vezes, invocando superiores interesses de alguma coisa, lá tinha que participar no uso da gravata, que posso dize-lo, nem o nó sei fazer, pedindo sempre ajuda a alguém.
O hábito é tão limitado que certa vez num jantar no Panorama, na circunstância da assinatura de um acordo de cooperação com a então URSS, no domínio da Educação Física e Desportos, eu apareci de fato e gravata, sapatos a brilhar, e quando me vou preparar para sentar nos momentos que antecedem o jantar, reparei que me esquecera de colocar as meias, pois não era hábito usá-las; Quedei-me de pé até irmos para a mesa, onde a toalha poderia ocultar os meus tornozelos desnudados, e sempre a puxar as calças para tentar tapar os sapatos. Inventei uma desculpa, para não ir à discoteca, e lá me pirei do repasto, que não estava a correr bem.
Num desses jantares de fim de trabalhos de assinaturas de tratados, houve um que por muito que viva nunca esquecerei. Era a assinatura do acordo bianual de cooperação com a RDA, e o jantar final foi no Costa do Sol. Levei gravata, fato, meias, enfim ia “formatado” para a ocasião. O Rui Mingas ia cumprindo cabalmente as suas obrigações de bom anfitrião, e em determinada altura eu fiz uma coisa que raras vezes faço, porque sinceramente não tenho jeito rigorosamente nenhum: contei uma anedota!
A intérprete ia traduzindo o meu português para o alemão, e o Presidente do INDER da RDA ia ouvindo. A anedota era típica das do Reader’s Digest, empresa que me dá uma certa alegria saber estar à beira da falência, por antipatias ideológicas já antigas.
” No Muro de Berlim estavam duas crianças, uma de cada lado; A do lado ocidental todos os dias dizia: Não tens carros bons, não tens brinquedos, não tens casas aquecidas, etc. ao que a do lado oriental replicava que não tinha desemprego, tinha saúde e ensino gratuito, etc.. Isto repetia-se até que um dia a criança do ocidente trouxe laranjas, e começou a dizer: Não tens laranjas, não tens laranjas, ao que o outro meio embatucado replicou: Tenho Socialismo. A criança do ocidente chega a casa e conta ao pai, e o pai diz-lhe: Diz-lhe que hás-de ter socialismo. No dia seguinte ei-los no muro e voltou a ladainha da véspera com o ocidental a dizer que não tinha laranjas, o outro a dizer que não tinha socialismo, o de Berlim ocidental a lembrar-se o que o pai disse: Hei-de ter socialismo, ao que o de Berlim oriental com um ar triunfante replicou: Quando tiveres socialismo não tens laranjas!!”
Escusado será dizer qual foi a reacção da intérprete, porque ela nem sabia se havia de reproduzir o que eu havia contado, perante o olhar malandreco do Sardinha de Castro, Paulo Murias, Espírito Santo e o riso diplomaticamente contido do Rui Mingas. A verdade é que o convidado aceitou com disfarçada fleuma, mas não deixou de me explicar as virtudes do socialismo na RDA, o que foi muito incomodativo diga-se em abono da verdade. Vinte anos depois da queda do muro, gostava de perguntar aos visitantes se vem laranjas todos os dias!
Já que se fala de indumentárias e acordos, fui por vezes advertido, ainda que com a sua proverbial bonomia, de que deveria ser mais formal no vestir quando havia visitas ao ministério, por parte do Rui Mingas, e tudo girava em volta da” torturável” gravata.
A minha convicção é que se banalizou o uso do fato, e as características do clima africano desaconselham o seu uso quotidiano. Obviamente que não gostamos de ver um locutor na TV em mangas de camisa, mas já não me escandaliza que um repórter de rua vá fazer o seu trabalho de forma mais informal, sem que para isso seja negligenciada a sua apresentação.
Dizia um amigo, quadro dirigente de um ministério, que saiu uma circular a recomendar o uso generalizado do fato e gravata, e o paradoxal é que havia esgotos a céu aberto à entrada e as casas de banho exalavam um fedor, que nem o ar condicionado dos gabinetes conseguia dissipar. Uma questão de prioridades julgo eu!
Desculpem a esgaravata dela, mas o comentário do leitor não me deixou indiferente, e aproveitei a boleia.

Fernando Pereira
5/11/09

13 de novembro de 2009

Esgravatar/Ágora/ Novo Jornal / Luanda/ 13-11-09



Esgravatar (I)

Numa das últimas edições deste jornal, vi um comentário de um leitor, sobre a indumentária, e a parafernália de adereços, que as pessoas se habituaram a usar, para tentarem mostrar estatuto, obrigando-me a concordar totalmente o comentário do leitor.
Nunca gostei de usar gravata, e nos lugares quentes, este adereço torna-se num perfeito instrumento de tortura, e um acumular continuado de odores que perturbam qualquer pituitária empedernida. A gravata foi utilizada pela primeira vez, por mercenários croatas, contratados pelo exército francês de Luis XIII e Luis XIV na guerra contra a Alemanha, em 1636.Segundo reza a história, esse regimento de cavalaria foi chamado de Royal-Cravate, pois croata escrevia-se, numa das suas formas, Krawat.
Confesso que poucas vezes a tenho usado, e quando o faço sinto-me perfeitamente constrangido, por muito informal e descontraído que seja o ambiente.
Quando hoje vejo nas ruas de Luanda, saltitando entre buracos e água esverdeada onde voam varejeiras de dorso azul, os engravatados a suar em bica, com os reluzentes ouros, desconsigo evitar uma ainda que comedida gargalhada, pois são autenticas árvores de Natal em movimento urbano, tal a quantidade de penduricalhos.
Confesso que gostava do “safari”, um fato que ainda por cima tinha muitos bolsos, o que dava um jeito enorme, onde conseguíamos escolher tecidos leves e de cores claras, o que nos dava alguma comodidade, para além de ser um fato que me traz alguma nostalgia, desses tempos de tanta certeza e propósitos simples e sinceros.
Fui desde pequeno, um mártir com a gravata, e desde muito novo a minha relação com o fato e a gravata nunca foi muito boa. Tinha para aí os meus sete anos, quando foi inaugurada a Igreja da Sagrada Família, e como em minha casa havia por parte da minha mãe devoção a esmo, lá fui vestido num fato feito a preceito por um alfaiate, que havia ali para os lados do Município, e que hoje aparece recorrentemente como “estilista” de renome. Fui lá três vezes provar o fato, o que de certa forma me aumentou o sofrimento, e a má vontade foi sendo adquirida.
A missa era demoradamente cantada e eu com os meus níveis de glicemia a baixar, com uma gravata de elástico a sufocar-me, um calor tenebroso, “numa camisa de doze varas”, a meio do evento desmaiei aos pés do governador colonial Silvino Silvério Marques, e terei alterado o protocolo, já que mesmo a veneranda figura do Tomás, presidente da república ficou muito preocupado. Ainda hoje estou para saber, se foram estes os meus quinze minutos de fama como diria Andy Warhol!
Em 1969, depois de viver um ano em Lisboa, vinha para Luanda no paquete “Infante D. Henrique”, e na primeira noite ao jantar, em que iria conhecer os meus parceiros de mesa, sou impedido de entrar na sala de 1ª classe porque não ia de fato e gravata. Já estava tudo na sala, e acabei por voltar para o camarote e pedir que a refeição me fosse lá servida, tendo que comprar esses adereços no Funchal onde o barco aportou no dia seguinte. Depois de me fazerem o nó passei a jantar com fato e gravata até ao fim da viagem, com umas nódoas de permeio, pela inabilidade que tenho com o uso da indumentária.
No Liceu Salvador Correia faziam festas de finalistas e saraus, e lá se obrigava a farpela, mas aí era pôr para passar a porta, e o decente pólo dava para a noite toda.
(CONTINUA)

6 de novembro de 2009

5º Ano de Praia/ Ágora/ Novo Jornal /6-11-09



Numa viagem recente ao Lobito, vi no início da Restinga, provavelmente a melhor denominação de uma casa de import-export no País. A casa localizada na Av. de Moçambique nº 4, tem o pomposo nome de “5º ano de praia”, que de facto é de uma originalidade enorme, e mesmo que não venha a ser uma sociedade com grande futuro comercial, ficará indelevelmente ligada ao léxico comercial da cidade.
Já que falamos em nomes de estabelecimentos comerciais, e recuando no tempo, o que vemos é que dos anos 40 ao fim dos anos 60, o nome mais apetecido para qualquer estabelecimento comercial era Império, e caso não fosse possível algum correlativo, tipo Imperial. No dealbar dos anos 70, já não dava grande emoção o nome, pois o estertor presumia-se próximo.
Houve o Salão Império, cabeleireiro afamado (antes da concorrência das cabeleiras postiças, do ainda não BANIF Roque), ao pé do actual MIREX, a foto Império, perto da Mutamba, o cine-Império, hoje Atlantico, a sapataria Império na baixa, o Hotel Império por cima do Centro Aníbal de Melo, que já foi o CITA e as primeiras instalações do Banco Comercial de Angola, em suma um conjunto de Impérios que se espalhavam de Cabinda ao Cunene, na esteira do Império do Minho a Timor.
Havia, onde hoje está o canibalizado Hotel Turismo, perto da Senhora dos Remédios, uma casa muito bonita que foi em tempos o restaurante Império, orgulho da família Oliveira, e que não tinha nada a ver com a cervejaria Imperial, situada até meados dos anos 60 na marginal, no local onde esteve a companhia russa de aviação Aeroflot.
O Zé Oliveira, um colono que depois de vários e bem sucedidos empregos, o ultimo dos quais no desaparecido Atlantic Palace Hotel, que teria merecido ser conservado para memória futura, já que era um dos poucos exemplares de arte nova na cidade de Luanda, tomou de trespasse o Império. Para ilustrar quais eram as dificuldades de um industrial de hotelaria nos anos 50 em Luanda socorro-me do depoimento de seu filho, José Carlos Oliveira: “Os artigos finos para a confecção de refeições vinham especialmente de três conceituados importadores: O Joaquim Valente, que tinha os enchidos e presuntos Mata, o leite em pó Klim, vindo dos EUA; a Casa Africana, com a sua afamada manteiga Zarco, recebida com frequência da Ilha da Madeira, o belo bacalhau e o fino azeite…; o Pinho e Arvela primava pelo melhor arroz, o melhor feijão manteiga, a marmelada e o excelente queijo da serra e flamengo, além de óptima mortadela; e a Royal conhecida pelo excelente fiambre e pasteis de nata; Todos estes estabelecimentos distavam escassas dezenas de metros uns dos outros, em plena baixa de Luanda”
Para abreviar o peixe era comprado aos pescadores da ilha do Cabo, ou aos “amadores de pesca” que usavam armadilhas de bordão, as “muzuas”, que eram assinaladas com bóias de mafumeira, num local onde hoje é o porto de Luanda, e que era uma língua de areia que ia até à casa de reclusão. Pargos, garoupas, linguados, cherne, carapaus eram as espécies que iam enriquecer a cozinha do Império.
Esta é uma parte da descrição que o José Carlos Oliveira, antropólogo, mestre em Estudos Africanos, faz desses anos 50, num livro interessante e muito pouco divulgado chamado “Comerciante do Mato”, prefaciado pelo Dr. José Carlos Venancio, ilustre catedrático da Universidade da Beira Interior, mas que talvez mereça uma leitura.
Este artigo sugere-me que um dia destes conte neste espaço, o que foram os grandes mixordeiros de vinhos e bebidas importadas numa determinada fase de Luanda, não esquecendo os peritos na contrafacção de rótulos, onde havia o maior mestre de seu nome Porfírio Martins.
Fernando Pereira
3/11/09
Related Posts with Thumbnails