4 de março de 2011

Salteados/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 4-3-2011




É quase um ritual assistir à festa de entrega dos Óscares, cerimónia já demasiado rotineira, com encenação e apresentação ao jeito do que os espectadores da TV e da imprensa exigem ter para comprar e com alguns protagonistas interessantes, vestidos a preceito como convém ao espectáculo mediático da grande indústria do cinema.
Os resultados foram os previsíveis e nem a mim me decepcionaram no quadro das minhas expectativas, já que tinha visto a maior parte dos filmes a concurso.
A única situação dissonante, pouco habitual nestes eventos acabou por ser a intervenção do laureado Charles Ferguson, que optou por começar o seu discurso dizendo: «Perdoem-me, mas eu preciso começar dizendo que, três anos após a horrível crise financeira causada por uma grande fraude, ainda nenhum executivo foi para a cadeia. E isso está errado!». O Óscar para melhor documentário foi atribuído a "Inside job", de Charles Ferguson e Audrey Marrs, um trabalho que pretende ser um retrato do lamaçal, da podridão, da pulhice e dos crimes que estão na origem da “crise financeira” que ainda atravessamos.
Pró ano em princípio há mais.
Vi neste jornal que um grupo de artistas portugueses, muito ligados à “revista” viriam provavelmente a Angola dar um espectáculo. Não questiono as potencialidades artísticas da Marina Mota, nem de outros que conheço no seu elenco. Acho-a talentosa, com muita força em palco, mas sinceramente acho que é um tipo de teatro que me cheira ao revivalismo dos tempos do colonial, dos espectáculos para os soldados, promovidos pela Supico e patrocinados pelo governo português de forma a manter viva a chama da portugalidade.
Acho que a vida cultural da nossa cidade merece bem mais que “teatro de revista”, fenómeno urbano lisboeta dos fins do século XIX, importado de França e adaptada à brejeirice algo rasteira que o português ocasionalmente escolhe para fazer humor e sátira.
Em 1971 salvo erro, vi pela última vez um espectáculo de “revista” no recentemente demolido Teatro Avenida, com uma companhia onde andava o Ribeirinho, a Mariema, o Henrique Viana, entre vários e uma talentosa actriz de teatro que se despedia do palco para ir viver com o marido em Calomboloca, a Lia Gama.
Lia cedo se cansou de mato, da guerra, já que o marido era militar, e da pasmaceira cultural da Luanda colonial, tendo ao fim de dois anos bazado para Portugal onde retomou com grande êxito o teatro, tendo sido uma das melhores intérpretes de Brecht que vi até hoje em palco. Ainda hoje é das mais conceituadas artistas portuguesas.
A primeira companhia de teatro profissional de Angola, a CTA, com dedinho do empresário Vasco Morgado, resolveu trazer Rodolfo Neves, recentemente falecido, Lily Neves, que fazia voz de falsete nos Parodiantes de Lisboa, e mais uns recrutados localmente como Maria Dinah, Carlos Quintas, Vera Mónica e outros que me deslembro resolveram montar um teatro de revista permanente, e a julgar pelos textos eternamente deprimente, mas que a sociedade colonial a quem o falecido Horácio Roque vendia cabeleiras delirava, e fazia de uma ida à revista uma actividade do tipo social de uma ida ao Lincoln Center em New York ou ao Scala de Milão.
Poupem-nos a estes dislates e apoiem o trabalho das companhias locais de teatro que existem em Angola, com gente muito séria, que há muito querem fazer com mérito o que outros tentam fazer com saloiice, no critério serôdio de tentar reavivar os valores doantigamente.
Por este andar qualquer dia temos a reabertura das casas de fado, onde sempre me impressionou ver uma cantora com um xaile preto de lã nos ombros, com as temperaturas da Luanda que tem meses de tal canícula que o cidadão só se lembra de duas estações: a das chuvas e a do Bungo!
Quando há meses o “Elinga Teatro” esteve em risco de ver o seu local de ensaios demolido, não houve apoio de nenhum destes “iluminados”. Os mesmos que querem trazer a Luanda um modelo de teatro que está decadente em Lisboa, já que a expressão revisteira é nula na maior parte de Portugal e só alguma réstia de indefectíveis nostálgicos vai mantendo uma única sala em Lisboa, a Maria Vitória, num Parque Mayer, que nos anos cinquenta era chamada a “Broadway portuguesa”, naquela megalomania pacóvia, que alguns angolanos desconseguem de se libertar.
Querem uma ideia, porque não fazem touradas, agora que são proibidas na Catalunha, e pelo caminho proibidas em Espanha. Acho que ia haver muito aficionado a caminho de Luanda, dando corpinho às declarações algo destemperadas de responsáveis governamentais na recente Bolsa de Turismo de Lisboa.
Esta fica para outro dia, e por ora só peço que se apoie o teatro angolano, e se deixem de folcolorismos pueris.

Fernando Pereira
1-3-2011
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