21 de agosto de 2009

Drogas, Sexo e Rock Roll/ Ágora / Novo Jornal / Luanda 21-08-09



Comemoraram-se neste início de semana, quarenta anos sobre a realização do festival de Woodstock, acontecimento musical marcante de uma geração que determinou que a partir daquele momento nada deveria passar a ser como antes!
Por obra e graça de um conjunto de cinco “candidatos” a empresários, que publicaram no New York Times e no Wall Street Journal, um anuncio que dizia literalmente isto: "Jovens com capital ilimitado buscam oportunidades de investimento legítimas, interessantes, e propostas de negócios". Montaram um esquema que proporcionasse a venda de bilhetes, em lojas de venda de discos em Nova York e pelo correio, para os três dias de festival.
Inicialmente as contas estavam feitas para 200.000 pessoas, o que já começava a ser demasiado para o pequeno espaço da cidade de [Bethel, onde se realizou o festival, que acabou por ser declarada “zona de calamidade publica”, pois acorreram 500.000 pessoas que derrubaram as cercas, e criaram embaraços enormes para a logística e apoio médico nos dias em que o festival foi decorrendo.
O festival inevitavelmente passou a gratuito, pois foi impossível cobrar o que quer que fosse, e acabou por ser o ponto culminante da contestação à guerra do Vietname, para além de ter constituído o maior marco referencial do movimento hippy, que acabou por marcar a alteração dos costumes dos anos setenta, e que não anteviam que pudessem ter surgido uns anos 80 tão cinzentos e conformistas.
Joan Baez, Arlo Guthrie, filho de Woody Guthrie, Ravi Shankar, Richie Heavens, Santana, Creedence Clearwater Revivel, Janis Joplin, The Who, Jefferson Airplane, Joe Cocker, Crosby, Still § Nash, Neil Young, Jimi Hendrix, Blood Sweet and Tears, foram só alguns das muitas bandas e músicos que desfilaram em 15, 16 e 17 de Agosto de 1969, naquela minúscula cidade que quase entupias as estradas do estado de Nova York, e que terá abanado as bases do conservadorismo cínico em que assentava a sociedade americana dos anos 60, herança de um maccarthysmo e da perseguição torpe a qualquer projecto liberalizante, de tendências vagamente conotadas com alguma esquerda, ainda que ideologicamente difusa.
Nada antevia que da geração de Woodstock viessem a sair alguns dos “jovens turcos” do Reaganismo, período marcadamente conservador, que terá sido uma resposta ao “desvario dos anos 60” como disse em determinado momento um conselheiro de segurança de Reagan, Oliver North, depois implicado numa obscura troca de armas em que envolvia o Irão e as forças que tentavam derrubar os Sandinistas na Nicarágua.
A propósito do falecido ex-presidente Ronald Reagan, lembro uma anedota interessante que era muito contada no epílogo da “Guerra Fria”, talvez actual q.b., tendo em conta a globalização e a circulação desregulada de capitais num capitalismo globalizado, que por acaso já teve outro nome mais em voga noutros tempos ainda não muito recuados: Imperialismo.
Reagan nunca perdeu o cabotinismo que sempre o caracterizou, como actor de filmes de segunda série, e volta e meia pegava no telefone vermelho e ligava a Brejnev, então todo-poderoso de uma União Soviética, que tentava afinar estrofes para os amanhãs que deveriam cantar, e que emudeceram ao primeiro safanão.
A conversa telefónica de Reagan era que estava a ter um sono em que o Kremlin, estava pintado de azul vermelho e branco, e onde estava hasteada a bandeira vermelha da foice, martelo e estrela, estava uma bandeira americana com 51 Estados ( a bandeira norte americana tem actualmente 50 estrelas). Brejnev não gostou da piada e no dia seguinte “ vingou-se” e telefonou a Reagan, dizendo que também tinha tido um sonho e que na Casa Branca estava definitivamente hasteada a bandeira vermelha com a foice, o martelo e a estrela. Reagan, porque tinha alguma fibra de cowboy, resolveu ligar na noite seguinte e disse a Brejnev, que concordava com o sonho dele no dia anterior, mas que ele também tinha sonhado que uma bandeira igual estava no alto da cúpula principal uma bandeira vermelha, com a foice, o martelo e a estrela, e Brejnev terá dito que não achava nada de extraordinário, pois era a bandeira que lá flutuava desde 1917, mas Reagan disse que em baixo estava escrito em caracteres chineses: Bem vindo à Republica Popular da China!
Desculpar-me-ão este devaneio, mas há dias em que as crónicas que temos que ir fazendo não saem assim tão bem, como comemorar quarenta anos de Woodstock mereceriam!
Fernando Pereira
17/08/09

16 de agosto de 2009

Passadeiras/ Ágora / Novo Jornal 14-08-09 / Luanda



Até há poucos dias nunca tinha ouvido falar de Iain Macmillon (1938-2006), mas quando no pretérito 8 de Agosto, uma imensidão de fãs, se deslocou à famosa passadeira de Abbey Road, para comemorar o quadragésimo aniversário do lançamento do último LP dos Beatles, fiquei a saber que a foto perene foi sua.
Em Londres, em frente ao estúdio de gravação, a passadeira de Abbey Road transformou-se na “zebra” mais conhecida do mundo, cenário simples da capa do último LP gravado pelos quatro de Liverpool.
Já que se fala de musica, por se “efermizar” quadragésimos aniversários, lembro ter tido a oportunidade de “telever” um dos programas de ruptura, no espaço televisivo português nos anos sessenta, o efémero mas sempre lembrado Zip-Zip.
Vivia circunstancialmente em Lisboa, e partilhava o entusiasmo possível de uma significativa fatia de telespectadores, que invariavelmente todas as segundas feiras de Abril a Outubro desse cada vez mais distante 1969, se juntavam aos magotes para ver um programa, que destoava claramente do cinzentismo criptofascista da cultura então prevalecente.
Eu era um adolescente, que gostava de música, e que tinha o privilégio de ter um hábito ganho precocemente, o da leitura, pelo que comecei a ver o Zip-Zip com um interesse enorme.
Neste programa, que o meu professor de português no Liceu Camões, o escritor Vergílio Ferreira, nos incentivou a ver com detalhe, comecei a conhecer muita gente que nem sonhava que existia, e cantores de que nunca ouvira falar e que nada tinha a ver com o nacional-cançonetismo, que animava o Portugal do Minho a Timor.
José Afonso que a 2 de Agosto faria 80 anos, já conhecia, pois tinha sido colega da minha mãe em Coimbra, embora o que cantou no Zip-Zip foi uma surpresa, e todo o conjunto dos chamados “baladeiros”, foram motivadores para passar a entrar noutros conceitos musicais.
Francisco Naia, Fanhais, Hugo Maia de Loureiro, Filarmónica Fraude, Duarte e Círiaco, Carlos Moniz, Manuel Freire, José Jorge Letria, Carlos Bastos, Julio Pereira, José Barata Moura e tantos outros que anos mais tarde deram tons e palavras a um libertador 25 de Abril de 1974.
Nesse programa de Fialho Gouveia, Raul Solnado, já falecidos, Carlos Cruz e José Nuno Martins surge um “baladeiro” de trinta anos, angolano, atleta do Benfica e do Belenenses, que faz a sua aparição no mundo da musica, e passou a ser a voz de Angola com maior notoriedade em Portugal. Rui Mingas, com uma camisola de malha clara, cantou Ixi Ami – Minha Terra, e o Teatro Villaret quase vinha abaixo, perante a estupefacção dos espectadores pela voz que acabava de ser revelada.
Foi a primeira vez que vi o Rui Mingas, e apesar da diferença dos anos se manterem, numa verdade do senhor de La Palice, continuo a admirá-lo como intérprete de excelência, para além de uma amizade e respeito que me habituei a aumentar a cada momento, lastimando apenas que a musica de Angola só o consiga ter a espaços muito prolongados no tempo.
Tanta vez trauteei a “Cantiga por Luciana”, entusiasmado pela versão de Rui Mingas, que é indiscutivelmente melhor que a de Evinha, vencedora do quarto Festival Internacional da Canção do Rio de Janeiro em 1969.
Rui Mingas, que há quarenta anos estava provavelmente longe de pensar que seis anos depois, iria partilhar com Manuel Rui Monteiro tanta coisa bonita, principalmente o hino que acompanhou a subida da vermelha, negra e amarela roda dentada, catana e estrela do Novembro de todo o nosso contentamento.
Atrasados, aqui ficam os parabéns para o Rui Mingas, que este ano comemorou quarenta anos do dia 12 de Maio de 1969, dia em que fez trinta anos!

Fernando Pereira
11/08/09

10 de agosto de 2009

Divagando/ Ágora / Novo Jornal/ Luanda / 7-08-09




Luanda nos anos cinquenta era uma cidade calma, mas com a estratificação social bem demarcada em todos os locais de trabalho, ócio, cultura e habitação.
A cidade tinha começado a desenvolver-se, com as receitas provenientes das súbitas subidas das cotações do café no mercado internacional, e começava a ganhar algum movimento, e a importar, ainda que de uma forma algo pacóvia algumas “modas”, assumindo a xenofilia dos costumes, hábito transversal à sociedade angolana desde há décadas.
No Largo ex-D. Fernando, hoje Rainha Jinga, em frente ao “megatéreo” que é a sede da Sonangol na Baixa de Luanda, em meados dos anos 50, era colocado um pano branco na Casa da Palmeira, como era conhecido o edifício da Lello, e à noite passavam desenhos animados, anúncios diversos e algumas revistas de actualidades. Foi a primeira experiencia de cinema ao ar livre na cidade, para a população, mas com uma duração efémera.
A Casa da Palmeira, ou o Palácio da Palmeira, como também era chamado esse imóvel magnífico que ainda se vai perpetuando na baixa de Luanda, por causa da palmeira de ferro que serve para tapar o saguão das escadas para os andares superiores, onde inicialmente houve uma pequena pensão de má qualidade. Tinha no telhado um reclame à pasta medicinal Couto e ao óleo Bardhall; Mais tarde veio a Pelikan e a Kodak!
Já que estamos por este Largo, neste passeio pela Luanda de gerações e olhando para o prédio onde funciona o Millenium (Angola), lembro-me de ter sido antes, o DOI do BNA, a Escola de Formação Bancária e antes de 1975, a sede do Banco de Crédito Comercial e Industrial, pertença do grupo Quina, a firma Martins e Macedo, representante em Angola de várias marcas de automóveis, lubrificantes, baterias e correlativos. Até aqui, ainda me lembro, mas já não sou suficiente velho para me lembrar da existência do Hotel Colonial, que foi demolido entretanto.
O edifício dos Correios lá se vai mantendo em recuperação, o que deixa alguma esperança no ar que o desvario camarteleiro ainda não tem rédea livre, e que o omnipresente valor de mercado, ainda esbarra com a assertiva disponibilidade para deixar intactos alguns edifícios que fazem parte da memória colectiva da cidade.
A Igreja dos Remédios, que de vez em quando vai levando uma lavagem, foi “despromovida” de Sé Catedral, mas ainda se vai mantendo como um espaço agradável no meio de tanto frenesim destruitório e construtório, que vai imperando à volta. Por acaso fui baptizado nessa Igreja, nos idos anos cinquenta, e convenhamos que só me lembro disso quando lá tenho que passar e esperar vinte minutos que o trânsito vá fluindo.
Se o imóvel onde tem funcionado a Sonangol, tem alguma dignidade e mostra um período marcante do desenvolvimento da cidade, a mastodôntica sede actual, não consegue fazer esquecer uma das mais bonitas montras de Luanda, que era a da Farmácia Dantas Valladas. No tempo colonial a pastelaria Gelo, deu lugar a um banco, o que prova que a indiferença pelo património não é causa de agora; Era um espaço muito bonito e com personalidade, e hoje, mesmo o Banco, que acabou com o Gelo, foi engolido por um dos prédios espelhado do centro da cidade.
Não consigo perceber, por mais que tentem, porque é que Angola, sendo uma terra de desafogo em território, tem que estar tudo concentradinho no município das Ingombotas. A bem dizer todos os ministérios lá estão, excepto o das Pescas.
Desculpem-me qualquer coisa, mas às vezes acho que em certos detalhes importantes não se consegue ultrapassar para além das Ingombotas!
Fernando Pereira
2/08/09
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