7 de maio de 2010

PALAVRAS CRUZADAS/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda- 7/5/2010




«Não tem direitos por isso compra favores. Fica a dever favores. Faz favores. Para pagar os favores. Compra novos favores. Fica a dever favores. Faz novos favores. Para pagar os favores faz favores. Paga favores. Gosta assim. Não tem direitos. Prefere favores. Gosta assim. Os direitos não se vendem nem se compram e ele tem alma de traficante».
Alberto Pimenta (1973)
Este poema traz-me à memória, um conjunto de poetas, que em determinados momentos das suas vidas, resolveram não calar o inconformismo por tudo o que estaria à sua volta.
Hoje, dei uma volta a pé pela cidade de Coimbra, e quando me sentei no café Tropical, que anda em comemorações dos seus sessenta anos, lembrei-me de várias pessoas que me ajudaram a moldar ideias, a fortalecer valores e objectivamente a fazer escolhas ideológicas, e uma clara afirmação de opção de classe, algo que desapareceu quase por completo do léxico político, do comum dos cidadãos com responsabilidades políticas de mando.
Está diferente, o Café Tropical, mas não o suficientemente diferente, para olhar para os locais, onde revi sentado o Joaquim Namorado (o tal do “Aviso à Navegação”), o Orlando de Carvalho, que embora falando para si com os ouvidos dos outros, era um verdadeiro senhor, culturalmente do melhor com quem tive o privilégio de conviver, o Soveral Martins, que com o Manuel Rui Monteiro e outros “românticos” puseram de pé “A Centelha”, editora marginal, talvez inspirada no poema do Sebastião da Gama: “Pelo sonho é que vamos/ comovidos e mudos… . Era lá que encontrava Zeca Afonso nas suas vindas a Coimbra, para tentar atrasar a doença que o minava, e ainda é por lá que vou encontrando o Fernando Martinho o Henrique Faria, o Ferreira Mendes, dedicadíssimos amigos, excelentes esculápios, sempre disponíveis para tratar da sua gente de Angola, que os procura porque os conhece, ou porque conhece alguém que os conheça a eles. Parou por lá Orlando Rodrigues, Fernando Sabrosa, Óscar Monteiro, Aníbal Espírito Santo, Garcia Neto, Eurico Gonçalves, Roberto Monteiro, Luís Filipe Colaço e seu irmão, Nene Pisarro, Saraiva de Carvalho e tantos de muito boa gente que não fazendo vida de café, ajudou à mesa do café Tropical decidir muito da vida colectiva de muitos, e de cada um.
Carlos de Oliveira, João Cochofel, Fernando Assis Pacheco, José Carlos de Vasconcelos, tiveram poiso certo no Tropical antes de debandarem para outras paragens. Em determinada altura 60m2 de sala, distribuídas por oito mesas, apertadíssimas conseguiam reunir um pouco da elite intelectual de Portugal e colónias, em circunstancias que as pessoas terão pensado que nunca se chegaria a situações que vamos vivendo, sintetizada na velha frase do nosso descontentamento, e do esboroar dos sonhos: “Não foi isto que combinámos!”
Porque me apetece recordar Joaquim Namorado, que tanto me ensinou, menos Matemática, e convenhamos bem tentou, aqui fica o seu poema: “Fábula”
No tempo em que os animais falavam/ Liberdade! / Igualdade! / Fraternidade!
Fernando Pereira
2/5/2010

1 de maio de 2010

Eyjafallajokull /Ágora/ Novo Jornal / Luanda 30-4-2010



Os Islandeses, que vivem num território com intenso cheiro a enxofre, empanturram-se de peixe e cordeiro, Inverno de Janeiro a Janeiro, e com uma língua imperceptível a quase todos os estrangeiros, devem neste momento rir-se que nem os perdidos, da partida que fizeram às economias mundiais.
A Islândia foi praticamente relegada para a insolvência, resultado da crise internacional dos mercados financeiros há um ano e meio atrás. O vulcão, que invariavelmente os atormenta de tempos a tempos, o serviu para fazer parar durante cinco dias a maior parte do tráfego aéreo europeu, com péssimas consequências para a economia de países, companhias aéreas, hotelaria, comércio, indústria, em suma, um pouco em todos os sectores de actividade neste imenso mercado mundial. Foi a vingança dos Islandeses, que até resolveram dar um nome impronunciável ao vulcão, e conseguiram parar as fortes economias, que lhes ditaram uma espartana forma de vida.
Desígnios do vulcão Eyjafallajokull!
No meio disto tudo, é bom recordar “Under the Volcano” (1984), um filme notável de John Huston, com a interpretação soberba de Albert Finney e Jacqueline Bisset.
Já que se fala em filmes, e porque se falou em destruição, quero fazer menção a um livro recente de arquitetura, em que a capa é o quase esqueleto do que foi no tempo colonial o orgulho dos lobitangas, o cinema “Flamingo”(1963), projectado pelo enorme arquiteto do Lobito, Francisco Castro Rodrigues.
O “Moderno Tropical”,arquitetura em Angola e Moçambique 1945-1978, é trabalho interessantíssimo da arquiteta Ana Magalhães(1965), partilhada com a fotógrafa Inês Gonçalves (1964), que fazem um levantamento muito exaustivo do acervo arquitetónico moderno de Luanda, Lobito, Lourenço Marques (Maputo) e Beira.
No que a Angola diz respeito, é feita uma recolha muito pormenorizada do património edificado, os detalhes da sua construção e materiais utilizados, sua funcionalidade ao tempo e na actualidade e a marca do arquitecto. Esta geração de arquitetos, deixou em Angola,património edificado de inegável valor, que só a estultícia permite a sua continuada degradação e desaparecimento, servindo os “nobres” interesses da iniquidade imobiliária, disfarçada pelo chavão do progresso.
Entre texto de investigação e imagens, ficamos a conhecer o belíssimo trabalho de oito arquitectos portugueses, que no contexto colonial africano puderam aproximar-se da vanguarda da arquitectura moderna, enquadrada no que ficou conhecido como Movimento Moderno.
No prefácio, Ana Tostões sinaliza algumas das razões que levaram dezenas de arquitectos portugueses (sobretudo os da Escola do Porto) a emigrar para aquelas duas Colónias: «É justamente essa geração de arquitectos, politicamente amadurecida como nunca o fora a geração dos anos 30 modernistas, que vai fazer a diferença e mergulhar na contemporaneidade. Cheios de força e com a audácia da juventude vão fazer a ‘utopia moderna em África’.»
Uma das facetas interessantes do livro, feito por duas jovens que nada tem a ver com África, é o facto de não terem um olhar nostálgico, o que dá um valor acrescido ao trabalho. Vasco Vieira da Costa (1911-1982), Francisco Castro Rodrigues (1920) e Simões de Carvalho (1929) são alguns dos escolhidos pelas autoras, de um livro encomendável e rigorosamente recomendável.
Em jeito de remate final fica o depoimento sobre o “Flamingo”, pelo facto de hoje estar transformado numa escola, onde as crianças se sentam para ouvir a aula, com o anfiteatro vazio, e o ecrã reflecte as sombras que o sol vai deslocando ao longo do dia. Diz Ana Magalhães: “Claro que associamos estes cinemas ao glamour dos anos 50 e 60, e gostamos de imaginar como seriam na altura. Mas a arquitectura e as cidades são coisas evolutivas e é, de certa forma, um privilégio para estes miúdos estarem aqui. É um recreio natural, entre os mangais e o mar. Não está abandonado. Está degradado mas tem vida”.
Uma excelente publicação editada pela Tinta da China, que irá merecer novos comentários.

Fernando Pereira
27/4/2010

23 de abril de 2010

Branco de quintal/Novo Jornal/ Ágora/ Luanda 23-04-2010



“Prefiro morrer, a mudar de clube!”, dizia o Fernando Teixeira (Baião), nas saudáveis discussões, sobre a continuada ausência de títulos do seu Sporting.
Teríamos de todo preferido, que tivesse mudado de clube, e que se tivesse mantido vivo entre os muitos que o estimávamos.
Há uns tempos que a sua saúde se degradava, e o combate era uma luta desigual, mas que o Baião ia encarando com relativa serenidade, e quase invariavelmente com o seu proverbial humor.
É complicado falar de uma pessoa, que era amigo dos seus amigos, pai extremoso, dedicado à família, solidário e de uma probidade intelectual, assumindo sem tibiezas publicas posições políticas, afirmativas da vontade de ver uma Angola independente e progressista.
Depois de ter andado uma vida inteira com números às voltas, dedica-se à escrita, e num curto espaço de oito anos publica quatro livros, onde procura transmitir um colorido de linguagem, com a sua verve, que o tornava um sedutor em todos os locais onde aparecia, e onde todos apreciavam a sua companhia.
Passa a meninice e juventude em Luanda, onde era um verdadeiro “capitão da areia”, na ocasião frequentando o Instituto Comercial, o vetusto colégio D. João II, e a Liga Africana.
Embarca para Lisboa, para prosseguir os seus estudos superiores, acabando por se licenciar em Economia na Bélgica, para onde vai por razões políticas, engajado numa luta contra o colonialismo português em Angola.
Regressa e entra para a Inspecção de Crédito, faz parte da coordenadora que em 14 de Agosto de 1974 nacionaliza a banca, depois no Banco Nacional de Angola onde passa por todos os lugares de direcção, tendo chegado a Governador.
Administrador da parte angolana de uma companhia de capitais belgas (FINA), Fernando Teixeira (Baião) começa a ter tempo para ler e absorver novas realidades, começando a escrever, para que todos nós pudéssemos partilhar a muita história, que contou ao longo dos anos, naquele “jeito” inconfundível, onde nunca havia momentos de tédio.
Pediu-me várias vezes opinião sobre o que escreveu, e sempre o fiz, sem qualquer hipocrisia, porque na realidade era um amigo e aos amigos, ensina-se a tentar ser melhor. Fui muito crítico de alguns textos, que lia antes de o livro ir para o prelo, e agradecia-me a crítica e aceitando algumas sugestões que lhe dava, o que ilustra bem como estava na vida e qual a sua relação com as pessoas.
Desapareceu um amigo, um homem de uma grande energia, e Angola empobrece com o desaparecimento de pessoas com esta nobreza de carácter, que enquanto director do DOI do BNA, nunca regateou ajudar pessoas de parcos recursos, que necessitavam de urgência em tratamentos médicos no exterior do País.
A sua alcunha de Baião, vem do seu virtuosismo para a dança, que fazia furor nas farras de Luanda, onde invariavelmente acabava descalço.
Valia a pena ter mudado de clube, nem que fosse só pelos seus filhos, sua mãe e seus amigos, onde sei por experiencia própria, que tinha lugar cativo.
Fernando Teixeira (Baião) faleceu no passado 12 de Abril com 70 anos e publicou “Estórias a Corta Mato” (Luanda 2002), “Branco de Quintal” (Luanda 2006), “O Crime do Bairro da Cuca” (Luanda 2007), que serviu de guião a uma telenovela recentemente exibida na TPA,”Kimalanga” (Luanda 2009).

Fernando Pereira
18/04/2010

21 de abril de 2010

Muimbo Ua Sabalu - Agrupamento Nzagi

Ao fruir de uma escuta em modo aleatório pelos milhares de ficheiros áudio de música angolana de todas as épocas que colecciono, deparo-me com uma pérola: o poema "Muimbo Ua Sabalu" do insígne Mário Pinto de Andrade (1928-1990), interpretado pelo Agrupamento Nzagi.

Pouco ou nada sei sobre este Agrupamento Nzagi. Quantos eram, quem o compunha, em que época precisa trabalharam? Este constrangimento não me inibe de partilhar o áudio, precioso arquivo sonoro evocador de outras épocas e lutas comuns.

Toda a contribuição esclarecedora destas e/ou outras incertezas colaterais será bem-vinda, e imensamente apreciada.
Grato,
Toke
Luanda-Angola








Muimbo Ua Sabalu
Poeta: Mário Pinto de Andrade (1928-1990)

Mon'etu ua kassule
Akutumissa ku San Tomé
Mon'etu ua kassule
Ua kutumissa ku San Tomé

Kuexirié ni ma documentu
Aiué, aiué
Kuexirié ni ma documentu
Aiué, aiué

Mon'etu ua ririlé
Mama ua sanukilé
Mon'etu ua ririlé
Mama ua sanukilé

Aiué, aiué
akutumissa ku San Tomé
Aiué, aiué
akutumissa ku San Tomé

Mon'etu ua kassule
akutumissa ku San Tomé
Mon'etu ua kassule
akutumissa ku San Tomé

Kuexirié ni ma documentu
Aiué, aiué
Kuexirié ni ma documentu
Aiué, aiué

Mon'etu uai kia
Uai imu pulaia
Mon'etu uai kia
Uai imu pulaia

Aiué, aiué
akutumissa ku San Tomé
Aiué, aiué
akutumissa ku San Tomé

Mon'etu ua kassule
akutumissa ku San Tomé
Mon'etu ua kassule
akutumissa ku San Tomé

Kuexirié ni ma documentu
Aiué, aiué
Kuexirié ni ma documentu
Aiué, aiué

Mon'etu ua dirilé
Mama ua salukilé
Mon'etu ua dirilé
Mama ua salukilé

Aiué, aiué
akutumissa ku San Tomé
Aiué, aiué
akutumissa ku San Tomé

Mon'etu ua kassule
akutumissa ku San Tomé
Mon'etu ua kassule
akutumissa ku San Tomé

Kuexidié ni ma documentu
Aiué, aiué
Kuexidié ni ma documentu
Aiué, aiué

Mon'etu uai kia
Uai imu pulaia
Mon'etu uai kia
Uai imu pulaia

Aiué, aiué
Ua kutumissa ku San Tomé
Aiué, aiué
Ua kutumissa ku San Tomé
Aiué, aiué
Ua kutumissa ku San Tomé
Aiué, aiué
Ua kutumissa ku San Tomé
Aiué, aiué, aiué
Ua kutumissa ku San Tomé

(Nosso filho caçula
Mandaram-no pra S. Tomé
Não tinha documentos
Aiué!


CANÇÃO DE SABALU

(Nosso filho chorou
Mamã enlouqueceu
Aiué!

Mandaram-no pra S. Tomé
Nosso filho partiu
Partiu no porão deles
Aiué!

Mandaram-no pra S. Tomé
Cortaram-lhe os cabelos
Não puderam amarrá-lo
Aiué!

Mandaram-no pra S. Tomé
Nosso filho está a pensar
Na sua terra, na sua casa
Mandaram-no trabalhar
Estão a mirá-lo, a mirá-lo
—Mamã, ele há-de voltar
Ah! A nossa sorte há-de virar
Aiué!

Mandaram-no pra S. Tomé
Nosso filho não voltou
A morte levou-o
Aiué!)


"Muimbo Ua Sabalu" - Agrupamento Nzagi

"Muimbo Ua Sabalu" - Bonga Kwenda - Angola 72

"Muimbo Ua Sabalu" - Rui Mingas - Temas Angolanos

"Muimbu Ua Sabalu" - Rui Mingas - Memória



18 de abril de 2010

A Rosa de Porcelana/ Ágora / Luanda / Novo Jornal / 16-4-2010



A rosa de porcelana, é uma flor de encantos inigualáveis a miríade de plantas ornamentais da flora angolana.
É uma flor inodora, que permanece durante muito tempo bastante viçosa, tirada do arbusto que a fez crescer, e mesmo seca mantém a auréola de particular beleza
A rosa de porcelana, é bem a imagem viva do que vamos mantendo quando nos queremos recordar de tempos idos, em que julgávamos conseguir aldrabar tudo, menos a felicidade solidária que nos uniu nas carteiras do liceu Salvador Correia.
Trinta anos depois de ter largado o liceu, e ao recuperar memórias e gentes desses anos de desobrigação mental, a felicidade do reencontro tem sido um exercício maravilhoso de reconstrução de ideias e projectos, que de certa forma julgámos encerrados no baú, dos nossos tempos de transição, entre o calção de tecido da Gajajeira, e o primeiro par de calças de ganga.
Só não partilho com Fernando Pessoa (Álvaro Campos), no seu “Aniversário”, a frase «raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira», porque o meu passado, todos os meus passados andam sempre comigo, e por isso trago hoje à lembrança o mercado que invariavelmente se ia fazendo à porta do liceu, durante os intervalos das aulas.
Um conjunto de vendedores, com uma panóplia de doçuras e gelados, invadia o portão fronteiro do liceu.
Comecemos pelos paracuquistas, que vendiam o amendoim torrado, envolto em açúcar, ou tiras de coco misturados com açúcar e canela, que nós desenrolávamos de um cone de papel pardo. Havia depois os vendedores de “bolas de berlim”, muito açucaradas e sempre acompanhadas por umas “varejeiras” azuis brilhantes, que mais não faziam que atestar o bom estado de fritura das mesmas. Por vezes os paracuqueiros traziam os famosos guarda-chuvas de açúcar, uma coisa vermelha, verde e amarela, embrulhada num papel acelofanado , que demorávamos tempos a tirar, mas que era um verdadeiro potenciador de uma hiperglicémia com que pouco nos preocupávamos então! Sobravam neste conjunto os mais destacados dos vendedores: Os dos gelados!
Os carros dos gelados eram todos mais ou menos iguais, com as rodinhas, com os homens fardados, normalmente uns com umas fardas menos imaculadas que outras e vinham dos locais mais recônditos da cidade. Do Baleizão vinha o gelado embrulhado em papel, com preços diferentes em função do tamanho; da Maianga vinha um carro igual aos outros, com duas rodas, mas que era servido na altura com uma espátula que dava para todos os sabores, que convenhamos era pouco mais que água, um projecto de leite em pó e açúcar.
Com uma performance, a raiar a modernidade, apareciam os “gelados Torrão” . A família Torrão praticamente conseguiu secar a concorrência disputadíssima na entrada do Liceu. A família Torrão faz-me hoje lembrar um pouco a “família Adams”, pois nas suas imaculadas batas brancas sobressaia uma alvura de pele, que nós estávamos pouco habituados a ver. Era a família toda no negócio, e os gelados até nem eram maus, mas também era o único que só enchia o cone por cima, o que fazia que à primeira lambedela, e quão sôfregas eram as nossas lambedelas na altura, o gelado ia direitinho para o asfalto, sob o nosso olhar desalentado, e víamos a indisfarçável alegria que as faces rosadas dos Torrões não ocultavam, pois potencialmente, seríamos um cliente no intervalo seguinte.
O patriarca Torrão ia olhando para todos os Torrõezinhos, que nos iam limpando os parcos trocos, que dificilmente conseguíamos subtrair aos nossos pais, e através de um código de olhos e sinais, todos iam sabendo qual o estado da safra e da necessidade de poupar na dose, que nunca era igual de um dia para o outro. Talvez a despropósito, mas faz-me lembrar o que disse um dia o realista milionário norte-americano Warren Buffet, “a luta de classes existe e a minha classe ganhou-a”. Os Torrões ao tempo não deram hipóteses à concorrência!
Nunca me apercebi que os Torrões apanhassem sol, pois sempre os vi com aquela cor branca acinzentada,homens e mulheres usavam bigode, no caso dos homens mais denso, no caso das mulheres, com menor exuberância capilar, e pareciam-me a mistura perfeita entre o gelado de leite e as moedas de dois e quinhentos da altura, custo de apenas uma só lambedela.
Convém dizer que a última vez que comi um gelado azul, foi em frente ao liceu, uma bizarrice que nunca mais consegui ver para repetir, em parte alguma do mundo, nem sequer no meu adorado “estádio do Dragão”! Com a independência foram-se os Torrões, mas mantiveram-se todos os outros, e hoje alargou-se o mercado e a mercadoria!
A rosa de que falei no início, é apenas mais uma pétala de uma flor que nos deve unir, enquanto portadores de coisas bonitas que vivemos em tempos idos e que hoje só não vivemos se não quisermos, nem que seja na lembradura.

Fernando Pereira
5/3/2010

2 de abril de 2010

Desculpem qualquer coisinha/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 2-4-2010



Nada do que está a acontecer, sobre os usos e abusos da Igreja Católica me tem surpreendido, e convenhamos que só ainda estamos perante a ponta do icebergue, porque diariamente, as notícias de actos de sordidez sexual por parte do clero, fazem novas manchetes na imprensa internacional.
Sou agnóstico, embora aceite como positivo, uma parte da doutrina social da Igreja, mas sinceramente sou muito relutante, em aceitar os desígnios nebulosos onde se refugiam as religiões para perpetuar a sua influência, e manter o seu estatuto de aparente neutralidade, de igual forma a servir democracias ou totalitarismos, como se pode ver ao longo da história da humanidade.
Nenhuma religião assenta os seus fundamentos numa democracia, algumas até se violentam, quando tem de conviver com os exercícios de cidadania, inerentes à diafonia exigível num espaço de intervenção democrática quotidiana.
No caso da Igreja Católica, assente no primado da infalibilidade do Papa, há toda uma sucessão de situações que me intrigam, e por mais que tente que o silogismo seja certo, desconsigo.
Para além da inspiração divina para a nomeação do Papa, e isso não faz parte do silogismo, mas por obra do Espírito Santo, a verdade é que são os cardeais que nomeiam o Papa, que por sua vez nomeia os cardeais que irão eleger um ou mais Papas, dependendo das circunstâncias versas ou adversas. Porque isto também não é tudo a sério, há cardeais que são pontos, e há Cardeais que são uns verdadeiros pontos. De uns preciso deles, nem me dando a oportunidade de gostar, dos outros sinceramente não gosto, embora reconheça que faço parte de uma minoria, mas paciência.
A maioria habituou-se a gostar deles, porque foi a cultura judaico-cristã que definiu o mapa da Europa e concomitantemente os Novos Mundos, onde Angola se insere, desenhando mapas que na maior parte dos casos estimularam a destruição de sociedades mais justas.
Constantino, Imperador Romano, quando se dá conta que os “bárbaros “, ameaçam as fronteiras do que resta do Império, resolve aderir ao cristianismo, e assim reforça os exércitos e consegue alianças que lhe permitem lutar contra os Otomanos. Manda o Baco, Júpiter, Minerva, Saturno e outros Deuses da mitologia romana” às malvas”, e ei-lo na adesão ao monoteísmo, deixando esses deuses para nomes de marisqueiras, barcos, casas de espectáculos, hotéis e por aí fora.
Anda muita ebulição, nos 44ha do Estado da Cidade do Vaticano, que pelo Tratado de Latrão, assinado em Fevereiro de 1929 entre o Papa Pio XI e o fascista Mussolini, se constituiu como País.
O conjunto de acusações relativas á pedofilia por parte da Igreja Católica, não são de agora, são práticas continuadas há séculos, só que o medo e a possibilidade de manter tudo entre as sólidas paredes da instituição, impediram que a divulgação assumisse a dimensão que estamos a ver, e a expectativa que paira é que nada vai ser como antes.
Hoje, o laicismo dos Estados, a forte dinâmica dos media, a busca de uma cada vez maior liberdade e consequentemente o encontrar novas respostas, leva que a Igreja Católica tente desesperadamente alargar um espartilho por si próprio criado, e não vale a pena dizer-se que há uma ofensiva contra a Igreja, porque na realidade já há demasiados “ casos isolados” , para que as pessoas fiquem indiferentes.
Nada tenho a ver com a Igreja Católica, mas como cidadão acho que uma reflexão sobre o desenvolvimento acelerado da ciência no ultimo século, exige que se acabem dogmas e que não se partilhem silêncios cúmplices, que como já se viu só o são por períodos limitados de tempo, e ninguém está disposto já a guardá-los para o “Juízo Final”.
Aos Estados cumpre apoiar as vítimas, deste sórdido exercício de mentecaptos, que a coberto de uma sotaina, provocam danos irreparáveis em crianças e jovens colocados a seu cuidado.
Devem ser punidos exemplarmente, para que sirvam de exemplo a futuras tentativas de devaneio por parte de quem, muitas vezes se acha com superior autoridade moral, para fazer apreciações sobre algo que recusam no seu próprio seio: a utilização plena da liberdade!
Desculpem-me, mas estou irritado e enojado com tudo isto!

Fernando Pereira
30/3/2010

26 de março de 2010

A Ínclita Geração do capital!/ Ágora /Novo Jornal / Luanda/ 26-3-2010



“ O pé do dono é o adubo da terra”, era divisa da família “Espírito Santo”, base do grupo económico BESA, por sinal proprietária deste jornal.
Em 3 de Fevereiro de 1955, os jornais de Lisboa tiveram quase metade da edição em anúncios de necrologia. A TAP, o Cassequel, o Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, a SACOR, a CADA, a Companhia de Seguros Tranquilidade, a Academia dos Amadores de Musica, a Fundação Ricardo Espírirto Santo, várias delegações do Sporting, e muitos outros, manifestaram-se na imprensa de então, pela morte da figura incontornável do grupo, o Dr. Ricardo Espirito Santo Silva. Salazar e quase todo o ministério acompanharam o funeral que teve quase Lisboa em peso, segundo as descrições da época.
Começou esta saga na casa bancária Beirão Pinto e Silva & C.ª, fundada em 1884, depois a casa bancária José Maria Espírito Santo Silva, que em 1920 cria o Banco Espírito Santo, e com a fusão em 1937 com o Banco Comercial de Lisboa, se transforma no Banco Espirito Santo e Comercial de Lisboa, designação que se manteve até meados dos anos 90 do século passado, dando depois origem ao BES, que hoje conhecemos.
Ricardo Espirito Santo era um homem de enorme vitalidade e fina argúcia, que para além da sua visão sobre a multiplicação do dinheiro, era um “mecenas”, um desportista de eleição, um hábil político, de tendências germanófilas no decorrer da 2ª guerra mundial, e um sedutor que partilhou muitas companhias femininas, algumas notáveis, como por exemplo a fadista Amália Rodrigues.
Era um dos três irmãos, filhos de José Maria, que acabou por criar, um dos maiores grupos financeiros eminentemente familiares em Portugal e nas colónias, proprietários, ou com participação significativa em empresas como o Cassequel, e posteriormente da Companhia do Açúcar de Angola, da CADA, da Companhia Tranquilidade, da Petrofina, da SACOR e da subsidiária angolana ANGOL (a antecessora da SONANGOL), TAP, Companhias de seguros Bonança, União, Cimianto, AGRAN, entre outras.
Com a sua morte o seu irmão Manuel continua na direcção do BESCL, e o seu irmão José fica no conselho geral. Manuel morre em 1973, quatro anos depois da morte de José. A Manuel sucede à frente do grupo Manuel Ricardo, tio do actual presidente do grupo, Ricardo Espirito Santo Salgado, partilhando a gestão com o seu primo José Maria Ricciardi, de um universo que se estende a três continentes num universo de quatrocentas empresas, em ramos tão diversificados como a banca, a indústria transformadora, extractiva, pesada e mineira, o turismo, o imobiliário, transportes, comunicação social, agricultura e pescas.
A ligação de Ricardo Espírito Santo à banca internacional nos tempos da IIª guerra mundial, o facto de ser uma pessoa de grande cultura e muito próxima da aristocracia europeia, permitiu que nesses anos o Banco se consolidasse através da aquisição de outras empresas, nomeadamente algumas casas bancárias portuguesas de menor dimensão.
Germanófilo, intimo de Salazar e seu grande admirador, como se tem podido observar pela correspondência trocada entre ambos, recentemente divulgada num livro da “Queztal” de Novembro de 2009, titulado de “Salazar e os Milionários” , Ricardo marcou de forma inequívoca a passagem de uma banqueta, a um grupo económico importante no contexto português e com sólidas alianças no contexto financeiro internacional, que foi determinante no seu reerguer depois dos períodos conturbados em 1975, em Portugal e em Angola. É também conveniente ter em conta, que só com a política proteccionista de Salazar aos grandes grupos económicos portugueses, foi possível o desenvolvimento das chamadas “setenta fortunas” que governaram Portugal.
Este grupo nasceu na Monarquia, atravessou discretamente a 1ª Republica, exuberante no salazarismo, acreditava-se que finado em 1975, reergue-se no final dos anos 80, trazendo para a esfera da lusofonia a experiencia recuperada na finança europeia, e hoje é um grupo que vai mantendo as características determinadas pela matriz familiar inicial.
Para este artigo recorreu-se ao livro de Henrique Guerra: “Angola: Estruturas Económicas e Sociais” das Edições Maiaka (1973), Eduardo Sousa Ferreira, “Capitalismo português e neocolonialismo” CIDAC 1975, Maria Belmira Martins “ Sociedade e Grupos em Portugal” edição do autor 1972 e” Portugal de Perto” de Maria Antónia Pedroso de Lima, D. Quixote, Lisboa 2003. Também me ajudou, um artigo do meu antigo professor Romero Magalhães, da revista Visão (Julho de 1999)
Fernando Pereira
21/3/2010

19 de março de 2010

Jean Ferrat- “Cest un jolie nom camarade”

Jean Ferrat- “Cest un jolie nom camarade”
(26/12/1930-13/3/2010)
Desabituei-me de ouvi-lo, mas de vez em quando, lá pegava no “Nuit et Brouillard” (Noite e a Neblina- 1963) , um velhinho vinil cheio de uso, identificável pelos muitos riscos.
Era um dos meus preferidos da canção francesa,” compagnon de route” do PCF, chegando a ser autarca eleito em Ardeche, terra onde se fixou em 1964 e onde morre no dia 13 de Março de 2010, com setenta e nove anos.
Prolífico e discreto Jean Ferrat compôs cerca de duzentas canções, muitas com letra do poeta comunista francês Luis Aragon, e a sua voz serena, emprestava às lutas um sentimento forte de solidariedade.
Nunca foi membro do PCF, mas sempre se mostrou reconhecido, pois foi a resistência comunista, que o libertou do assassínio que os nazis se preparavam para perpetrar, na sequencia do que fizeram a seu pai, assassinado em Auschwitz.
Nesta hora do seu desaparecimento, mais um da 'chanson' francesa, ao lado de Jacques Brel, Leo Ferré e Georges Brassens, fica-nos o sentimento de vazio, pois a sua musica dava força para acreditar.
Crítico da intervenção soviética em 1968 em Praga, terá feito então uma das músicas mais bonitas da canção francesa de intervenção,”Camarade”, embora mantendo sempre uma postura de alinhamento às políticas dos comunistas franceses.
Enorme compositor e cantor de uma certa música francesa, que soube e mereceu ser a banda sonora de muitos e grandes sonhos colectivos.
C'est un nom terrible Camarade
C'est un nom terrible à dire
Quand, le temps d'une mascarade
Il ne fait plus que frémir
Que venez-vous faire Camarade
Que venez-vous faire ici
Ce fut à cinq heures dans Prague
Que le mois d'août s'obscurcitca:
Fernando Pereira
14/3/2010

Bafio's / Ágora / Luanda / Novo Jornal/ 19-03-2010



Muitos dos pouco que sei que me vão lendo, se recordam de um colonialista primário, Reis Ventura, que em tempos idos foi um estagiário de guru, na ideologia do “Império”.
Manuel Reis Ventura (1910-1988), nasceu no norte de Portugal, desistiu da vida sacerdotal em 1930,fixa-se em Angola. Escreveu a metro, enaltecendo as virtudes do colono, e o modelo que era Salazar e a sua visão aldeã do Portugal de Minho a Timor.
Ventura, escreveu um livro de poemas “A Grei”, que anos mais tarde num panegírico às tropas portuguesas na guerra colonial, transformou em “Soldado que vais à guerra”. Pelos vistos, transformar obras, começou a ser recorrente nos livros de Reis Ventura, porque só o “Sangue no Capim”teve uma versão em 1962, outra em 1963 e uma outra em 1978; Sei que é deselegante, mas de facto noutras circunstâncias, a saga do “Padrinho” de Francis Ford Coppola, passaria completamente ignorada, perante a visão suprema, do autor arregimentado do tempo passado.
Reis Ventura , ainda escreveu um livro de contos “A cidade e o muceque” (1970), e dos romances”Quatro Contos por Mês” (1955), “Fazenda Abandonada” (1965), “Caminhos” (1965) e “Engrenagens Malditas” (1965), entre outros. Publicou também um romance de ficção científica, “Um Homem de Outro Mundo” (1968), em que o protagonista, Thull, um ser do planeta Mil, efectua um périplo pela Terra depois de aterrar nos arredores de Luanda. Há também a referir “Cidade Alta” (1958), “Filha de Branco”(1960), “Engrenagens Malditas”(1964) e “ Cafuso” de 1956, o seu romance autobiográfico.
Para além disso opinava na Rádio, num célebre programa em que o mote era “Rádio Moscovo não fala verdade”, intercalando em 1961 com o programa de Ferreira da Costa, com a canção de fundo “Angola é Nossa”, marcha marcial entoada pelo Orfeão da FNAT. Escrevia também em jornais, e onde podia desancava nos “turras”, nunca deixando qualquer dúvida em relação ao seu posicionamento ideológico, aliado a uma verve racista, que deixa poucas saudades.
Podia ter falado de outra coisa, mas como aqui há tempos aconteceu que o Prémio Nacional de Cultura, na componente literatura, foi motivo de acesa discussão seguido de um mutismo ensurdecedor, lembrei-me do Reis Ventura.
Reis Ventura esteve involuntariamente (?) envolvido em 1934 numa célebre polémica sobre galardões literários, quando o seu livro A Romaria (que assinou como Vasco Reis) obteve o prémio Antero de Quental do SPN. Inicialmente, a obra de um outro escritor tinha sido preterida e, aparentemente, só a intervenção pessoal do director do SPN, António Ferro (1895-1956), apaziguou o clima de contestação que se gerou; Através da sua intervenção, nesse ano foram concedidos, excepcionalmente, dois galardões ex-aequo. O livro preterido tinha sido Mensagem, de Fernando Pessoa (1888-1935). Como se diria em Coimbra, foi confundir a “Estrada da Beira” com a “Beira da Estrada”, apesar da “Mensagem” ser quanto a mim, o pior trabalho de Fernando Pessoa, um génio da literatura universal.
Sobre este assunto, recolho aqui uma entrevista dada por Reis Ventura ao jornal “A Província de Angola”, em 10 de Junho de 1970: "– Sabemos que ganhou o Prémio Antero de Quental em concorrência com Fernando Pessoa...
– Não é verdade! E sinto-me envergonhado sempre que se fala nisso. Aconteceu apenas que a "Mensagem" de Fernando Pessoa, apresentada como "a Romaria", ao primeiro concurso literário do Secretariado da Propaganda Nacional, em 1934, não tinha o mínimo de cem páginas, exigido pelo Regulamento para as obras concorrentes ao Prémio Antero de Quental. Mas, ao atribuir-lhe o Segundo Prémio (apenas para respeitar a letra do Regulamento), o Júri proclamou o valor excepcional da "Mensagem" e declarou equiparados os dois prémios da Poesia. Perante tão clara atitude, até eu, que era então ainda um garoto cheio de pequenas vaidades, compreendi que o Primeiro Prémio de Poesia, em 1934, estava conferido, de direito e de facto, a uma obra de génio, perante a qual os meus versinhos de rapaz nem sequer existem."
Eu sempre fui pegando na “literatura ultramarina portuguesa”, guiado pela “luminária” Amândio César, que já foi citado aqui na Ágora, curiosamente nunca pelas melhores razões. Fui sempre lendo um ou outro escritor, e nalguns casos, evitando dar muita importância às convicções, e tenho encontrado algumas coisas interessantes, nomeadamente sobre fases pioneiras do colono em determinadas regiões de Angola.
Ferreira da Costa (1907-1974), que era a voz do regime na rádio, e creio que em determinada altura, director do “Comércio de Luanda”, escreveu um livro “Pedra do Feitiço” (1945), ou melhor compilou um conjunto de quatro contos, onde fervilha imaginação a rodos, mas que acaba por ser uma obra com piada, e acima de tudo muito bem escrita. Não é fácil encontrar o livro, mas não deixa de ser um livro interessante.
Talvez um dia destes volte a falar de mais alguma desta gente, a malta das naus!

Fernando Pereira
13/03/10

12 de março de 2010

Ainda.../ Ágora / Novo Jornal /Luanda 12-03-2010



“Vós, ó portugueses da minha geração, que, como eu, não tendes culpa de ser portugueses (…). O povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, Portugueses, só vos faltam as qualidades.”Eles estão em todo o lado, na blogosfera, nas salas dos aeroportos, nas esplanadas sobranceiras à praia, nos restaurantes, e ei-los a comentar de forma despudorada a realidade de uma Angola, que procuraram para ganhar dinheiro, e resolverem problemas de falta de emprego no “torrão natal”, ou em terras de Gilberto Freyre, símbolo maior do embuste, o luso-tropicalismo.
Não me surpreende que isso aconteça, mas curiosamente vi no jornal “Publico” de Portugal, a transcrição de um resultado de um estudo científico do Prof. Luís de Sousa, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Lisboa, em que refere que “os portugueses são muito tolerantes com a corrupção”, alicerçados num inquérito, em que 63% da população portuguesa, aceita a corrupção desde que seja para beneficio colectivo. A afirmação clara do “chico espertismo”, retira qualquer argumento, a que se fale de Angola ou dos seus negócios e alianças económicas.
Não me interessa, pelo menos por ora, vir aqui dizer o que acontece em Portugal, no Brasil, ou noutros locais, onde sem estudos, mas a “olhómetro” tresanda ao pequeno favor e à corrupçãozinha, mesmo para aquilo que aparentemente é julgado desnecessário.
O que efectivamente me aborrece, é que corruptos são os angolanos, os generais, os filhos da nomenklatura e por aí fora, que também é infelizmente verdade, mas certas posturas do tipo: “ó filha, chama-a devassa, antes que ela te chame a ti”, deixa-me com pele de ciclóstomo, antes de ser servido à bordalesa, acompanhado de um qualquer verde tinto, das terras entre Douro e Minho.
A própria imprensa e comentadores” independentes” usam algum destempero opinativo, esquecendo a circulação de capitais inerente ao capitalismo em qualquer lugar, quando os angolanos entram legitimamente em certas empresas, despreocupando-se com a ética em dinheiros de proveniências pouco conhecidas e menos badaladas, longe do espaço lusófono.
Enfatizam o “ainda” quando algum angolano responde sobre algo que ainda não aconteceu, nem está feito. A mim o “Ainda”, lembra-me o verso da resistência de Agostinho Neto: “Ainda, o meu canto dolente…”, poesia de resistência e combate, contra este tipo de coisas indiciadoras de racismo, acobardado de vitupérios que não conseguem esconder, e aceitar que estão em terra que os acolheu, e lhes paga por vezes bem mais do que vale o seu trabalho, mas sobre isso, a culpa não sobra para eles.
Não tomo a” nuvem por Juno”, e continuo a admitir que a maior parte dos estrangeiros de Angola, ama a terra, gosta das suas gentes, e vai perdendo os tiques de superioridade, herdadas por circunstâncias antropológicas e históricas, que erradamente foram doutrina e arreigaram-se quase consuetudinariamente às pessoas por gerações!

Não venho aqui usar o génio da língua portuguesa, Jorge de Sena, que fez um poema “Portugal”, que exprime quão madrasta a Pátria foi. Vale a pena conhecer a obra completa deste poeta, que fez provavelmente um dos melhores romances da língua portuguesa do século XX: “Sinais de Fogo”!

Pede-se comedimento, porque não há povos maus, há estádios de desenvolvimento económico e sociais diferentes, há diferenciado ênfase na educação, há populações mais condicionadas por religiões e ritos que outras, há povos algo assépticos e outros que exteriorizam toda a sua alegria, há a diversidade de que somos feitos, e por aí fora.
Respeitar Angola, as suas instituições, a opinião lídima e franca dos seus cidadãos, não pode ser confundida por aqueles que estão no País de passagem, pois os angolanos são afectivos e comunicativos, mas detestam que se metam nos seus assuntos. Desabituaram-se disso a partir de 11 de Novembro de 1975, e ainda bem porque assumiram e corporizaram, a velha frase tantas vezes batida e repetida: “Nós somos nós”!
O que se deseja mesmo é uma sociedade onde a mentira nunca dê lucro, onde a corrupção nunca compense. Ou, como canta o espanhol Joaquin Sabina na sua "Noche de bodas":”Que ser valiente no salga tan caro/ que ser cobarde no valga la pena”
Desculpem qualquer coisinha, e já agora para quem não sabe, a citação que abre este artigo é um post do poeta português, José de Almada Negreiros, do seu” Ultimatum Futurista” (1917).

Fernando Pereira
6/3/2010

5 de março de 2010

OS CAMPOS DE ALGODÃO ESTÃO DE LUTO/ Novo Jornal/ Luanda / 5-3-2010



Adriano Sebastião (11-8-1923/ 3-3-2010)
A morte de Adriano João Sebastião, no passado dia 3 de Março de 2010, deixa uma grande tristeza, para todos os que tiveram o privilégio de o ter conhecido, ou com ele colaborado.
Fui um dos que com ele colaborei, no fim dos anos setenta, quando vai para Lisboa instalar a primeira embaixada da então Republica Popular de Angola em Portugal.
Como primeiro embaixador de Angola em Portugal, Adriano Sebastião colocou ao serviço do País o melhor que tinha, e que era muito. De finíssimo trato, pessoa solidária, reservado q.b., politicamente coerente, com fortes convicções anti-colonialistas, que lhe valeram o degredo e a prisão, e acima de tudo portador de um grande carácter, conseguiu impor serenamente o respeito a todos os seus subalternos, colaboradores e até a pessoas com divergências ideológicas profundas.
Profundamente ligado à Igreja Metodista de Angola, o seu empenho cristão marca o seu quotidiano de vida, e a sua relação serena com a sociedade.
Já há uns tempos, na minha coluna semanal tinha feito um artigo sobre Adriano Sebastião, a propósito do seu livro, editado no início dos anos 90, “Dos campos de algodão aos dias de hoje”, que acaba por ser um instrumento indispensável, para o estudo do que foi a resistência anti-colonial nos anos 40 e 50, na região rural de Kalomboloca, Cassoneca e Catete.
Sabia-o muito fragilizado nos últimos anos da sua vida, felizmente longa, e acompanhado com grande dedicação pela sua esposa, D. Hermengarda, e suas filhas, Isabel (Tinha), Luzia (Gy), Ana Paula e Adriana (Didi), que me apresto a apresentar sentidos pêsames.
Nesta hora triste, Kalomboloca vê perder um dos seus filhos ilustres, e Angola despede-se de um cidadão impoluto, e um dos muitos que obstinadamente lutou para fazer este País.
Fernando Pereira
4/03/2010

"O GOLO" /Ágora /Novo Jornal/ Luanda/ 5-3-2010



De vez em quando, tenho fases de misantropia assumida. Nessas alturas, faço sempre coisas diferentes, e tanto quanto possível em locais irrepetíveis. Há um denominador comum nesta fase, para além da irascibilidade, que é a de não dispensar a releitura dos Cantos de Maldoror, obra “que nos ensina a voar sobre o abismo”, do Conde de Lautremont, um francês de nome Isidore Ducasse, nascido no Uruguai em 1846, e falecido em Paris em 1870.
Tenho sentido uma inquietude incomum, que será passageira, e nesses momentos para não vasculhar as ideias, vou desarrumar armários, baús e estantes onde possa encontrar algo de tangível que me faça sair de períodos de torpor prolongados.
Reencontrei nas minhas buscas, uns exemplares da “Revista Golo”, que em Novembro de 1987, representou o primeiro esforço de se fazer uma publicação graficamente apelativa, simultaneamente informativa e com objectivos formativos interessantes sobre a cultura física e o desporto em Angola.
Superiormente dirigida por Gustavo Costa, que me substitui melhoradamente, enquanto director do CNDI da então Secretaria de Estado dos Desportos, dos tempos entusiasmantes do Ruy Mingas, a “Golo” tornou-se o primeiro elo editorial da lusofonia, no plano da educação física e desportos.
A revista era excelente, com o malogrado Alexandre Gourgel, Luís Costa e Miguel Correia Filho na redacção, Miguel Magalhães e Carlos Lousada na fotografia. Dos colaboradores permanentes, o saudoso Matos Fernandes, Paulo Murias, Helder Moura, Arlindo Macedo, Aguiar dos Santos, Américo Gonçalves, Severino Carlos, Raquel Grácio, João Madeira , Graça Campos e eu próprio.
Colaboradores “internacionais” era o Luís Fernando em Cuba, o saudoso amigo e enorme jornalista português Carlos Pinhão, o prof. António Sousa Santos, o prof. Manuel Sérgio e a extraordinária professora brasileira Drª Maria Licia Marques, que foi a minha companhia quase permanente, quando eu debutava no Congresso da IASI, nessa circunstância em Bucareste em 1981.
Vou provavelmente em futuras crónicas, tentar mostrar o que foi o dealbar do desporto angolano no período que se seguiu à independência, e as razões que permitiram que o basquetebol e o andebol, tenham sido campeões crónicos em campeonatos africanos, e com participações meritórias nos campeonatos do mundo e jogos olímpicos.
Resumidamente, o que se pode dizer é que a opção por estas modalidades corporizada pelo Ruy Mingas, e partilhada por todos os quadros superiores e responsáveis da SEEFD de então, deu os resultados esperados, apesar de haver tentativas, que nalguns casos tiveram protagonismos soes, na defesa do “colocar tudo no cesto do futebol”.
Só o facto de haver uma política desportiva definida, alicerçada num projecto político em que a cultura física e o desporto fossem determinantes na educação do jovem, e simultaneamente que servissem para a afirmação de Angola como nação num contexto internacional, ao tempo adverso, em relação à nada Republica Popular de Angola, permitiu que ainda hoje se prolongue com êxito o trabalho então encetado e tantas vezes vilipendiado.
Voltarei a este tema, e foi bom estar assim como que emocionalmente fragilizado, para ler “o Golo” que se metia de três em três meses, nesses anos oitenta de tanta ausência e simultaneamente de tanto empenho.
Já agora, o “Golo” nada tem a ver com os “Cantos de Maldoror”, indispensável livro de cabeceira de há trinta anos a esta parte.

Fernando Pereira
28/2/2010

26 de fevereiro de 2010

O “Sputnik” do tempo! / Ágora/ Novo Jornal/ Luanda/26-02-2010


Dificuldade de governar
Todos os dias os ministros dizem ao povo
Como é difícil governar. Sem os ministros
O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão sairia das minas
Se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda
Mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra
Nunca mais haveria guerra. E atrever-se ia a nascer o sol
Sem a autorização do Führer?
Não é nada provável e se o fosse
Ele nasceria por certo fora do lugar.
Bertold Brecht (1898-1956)

Esporadicamente, a bem dizer cada vez mais esporadicamente, leio “ A Caras” e outras revistas “enrosadas” de Angola, ou de outras latitudes, em que o denominador comum seja adornar o bem viver de certa gente.
Sou normalmente apanhado com estas revistas em riste, nos locais onde tenho de esperar por alguma coisa que me desagrade, e então vou folheando as paginas, e entediando-me com o normalmente execrável texto, que invariavelmente, ilustra fotografias razoavelmente boas, protagonizadas por gente amiudadas vezes não tão boa quanto isso.
A imprensa cor-de-rosa, gosta de mostrar o que de bom tem a sociedade, o glamour das iniciativas culturais genuínas e aculturadas, os casais felizes com quatro viaturas na garagem, duas moto quatro, quatro empregados a quem pagam pouco mais de cem dólares por mês, e comida, colocando-os ao nível dos servos da gleba no feudalismo da Europa, e mais proximamente no colonialismo português em África.
Não gosto do ar pouco natural com que certas senhoras recebem a repórter da revista em casa, a tentarem imitar os cruzamentos de pernas à Sharon Stone no “Instinto Fatal” , com roupa de cerimónia a maior parte das vezes mal engomada, e com um ar de tão pouco à vontade que nem os pés escondem algum indício de inchaço, sintoma claro de nervosismo.
Desculpem a ousadia de querer ser pedagogo, mas na realidade quem é verdadeiramente rico, não quer que se saiba, muito menos expor publicamente a riqueza. Nas revistas cor-de-rosas, o que vemos são remediados à procura de espaços ainda não conquistados, o que quer dizer ainda não tolerados em determinados círculos, ou gente muito tesa e endividada na busca de mais uns créditos junto de alguns incautos que possuem dinheiro, o que só por acidente sucede, confirmando a excepção à regra.
Aqui há anos, num conhecido restaurante de Lisboa, Américo Amorim, o nosso homem na Galp e simultaneamente o homem da Galp na nossa Sonangol, entre outros negócios no País, jantava com Jorge de Mello, ex-dono da CUF, símbolo maior do monopólio privado em Portugal e nas colónias antes da independência e naturalmente falavam de negócios; A determinada altura Amorim, para fazer valer alguma posição na conversa, sai-se com esta:” Comigo não, sou o homem mais rico de Portugal”, audível em toda a sala, ao que Jorge de Melo replicou num tom mais moderado replicou: “ Eu já fui, só que havia uma diferença entre nós, eu era mais discreto”!
Isto vem a propósito de algo que me intriga há muito tempo. Mudam dirigentes, ministros, vice-ministros, governadores provinciais, e não sabemos nada deles, a não ser fazermos a avaliação da sua governação, ou nalguns casos a sua desgovernação.
O que acabo de dizer é extensível ao nosso Presidente da Republica, Chefes de Estado Maior dos diferentes ramos das forças armadas, e até mesmo entidades eclesiásticas. Não sei que pratos gostam, que livros lêem, que filmes os marcaram, que musicas lhes são sensíveis, que viagens guardam, que medos e fobias tem, que gostariam de fazer depois de ocuparem os lugares que desempenham, até banalidades, e histórias de bairro, para que o cidadão os sinta com maior afectividade, sem que perca o respeito dos cidadãos.
Um País que se diz moderno “despe” os seus dirigentes sem tabus, sem tibiezas, e revelam-nos coisas interessantes, que nós nem supúnhamos possíveis de acontecer aos que nos habituámos a ver de forma distante e convencional.
Começo a ficar farto de ver gente banal a insinuar-se em revistas sociais, mascaradas entre reposteiros e vasos com plantas plastificadas.
Ah, esquecia-me que gostava de saber o clube da sua eleição, e desde já dou alguma margem de tolerância a quem for do 1º de Agosto, do Futebol Clube do Porto e já agora da Académica de Coimbra!!!

Fernando Pereira
21/2/10

19 de fevereiro de 2010

Rua da Maianga/Ágora/ Novo Jornal / Luanda/ 19-2-2010



“Penso que dentro de dois anos poderei publicar uma História do surgimento do nacionalismo em Angola, desde que surgiu a imprensa, portanto é uma coisa baseada em depoimentos escritos…”
Estas palavras foram de Mário António Fernandes de Oliveira (1934-1989), na ultima entrevista que deu em vida, ao recentemente falecido Michel Laban, para o seu livro “Angola, Encontro com Escritores”(2 volumes), editado em 1991 pela Fundação Engº António de Almeida.
Mário António pode ser considerado um dos fundadores do MPLA, já que foi com António Jacinto, Viriato da Cruz e Ilídio Machado, que em 1955 fundaram o Partido Comunista Angolano, um dos partidos que terá estado na génese do MPLA, segundo a maior parte das versões conhecidas.
Tive o prazer de ter conhecido Mário António, que na qualidade de director da Gulbenkian para as relações com os países africanos de língua oficial portuguesa, ajudou muito angolano, que por razões de caciquismo cultural e político em Angola, agradeciam a tantos que nada tinham feito, e omitiam o Mário, porque ao tempo era politicamente dissonante do regime!
Mário António de Oliveira deixa o PCA em 1957, porque “ia casar e não podia a mulher ficar fora de tudo, por isso vou-me embora”, ao que Viriato da Cruz terá dito que era a “primeira grande crise que surgia no nosso Partido”, isto segundo relato de um livro editado postumamente, “Reler África”, em 1989 pelo Instituto de Antropologia da Universidade de Coimbra.
Voltando à introdução a esta crónica, a realidade é que infelizmente para todos, Mário António deixou-nos sem que tivesse feito o que se tinha proposto, embora tivesse deixado uma obra poética considerável, que hoje só possível de encontrar em alfarrabistas, já que em lugar algum se reeditou: “Farra no fim-de-semana” (1961), “Gente para romance” (1961),”Crónica da cidade estranha” (1964), entre outros títulos, no domínio da prosa e do conto. Na poesia, para além da sua colaboração na “Mensagem”, e na “Cultura”, tem uma vasta obra publicada, como refere Manuel Ferreira no “Reino de Caliban II” (1976) editado pela Seara Nova e no livro do mesmo autor “Literaturas africanas de expressão portuguesa II” (1977), na Biblioteca Breve, do Instituto de Alta Cultura.
Mário António, antigo aluno do Liceu Salvador Correia, ex-director do Estudante, licenciou-se no Instituto de Ciências Sociais em Lisboa, e tem alguns trabalhos interessantes sobre a “Formação da Literatura Angolana (1851-1950) ”, e “Luanda, ilha crioula”, onde é o primeiro escritor angolano a utilizar a crioulidade. Mário Pinto de Andrade, na sua Antologia Temática de Poesia Africana (1) ” lembra Mário António com os seus poemas “Sob as acácias floridas”, “Linha quatro” e o incontornável “Rua da Maianga”.
Desde o primeiro livro, editado pelo Ministério da Educação e Cultura da R. P. Angola em 1976, “Poesia de Angola”, que Mário António tem sido injustamente ignorado, e penso que chegou a hora, de Angola relevar todos, os muitos que foram lutando pela elevação cultural dos angolanos, pela sua dignificação através da palavra escrita, e neste caso na sua participação, ainda que efémera, mas decisiva, na edificação do que veio a ser o MPLA.
Os organismos angolanos deveriam empenhar-se em procurar o arquivo de Mário António, e colocá-lo ao serviço de investigadores, de forma a ajudar a escrever a história do País, numa fase em que cada vez há menos vivos desse tempo, e dos vivos alguns já com pouca memória para se lembrar que tiveram memória.
A Fundação Calouste Gulbenkian, numa tentativa de homenagear o seu antigo colaborador e o poeta insigne, instituiu o Prémio literário Mário António de Oliveira, que teve início em 2001, tendo vencido Mia Couto, “O Ultimo Voo do Flamingo”, prémio entregue trienalmente, no valor de 25.000€
Seria de inteira justiça, que se desse o nome de Mário António de Oliveira a uma escola e a uma rua, preferentemente na Maianga, tão presente na sua quase “clandestina” obra. Podem fazê-lo em Maquela do Zombo, onde nasceu, mas realmente segundo ele diz “nasci no norte de Angola, mas nada me liga à terra pois o meu pai foi colocado lá como funcionário público, e durante pouco tempo”, pelo que julgo que não homenageavam objectivamente muito bem nem a terra, nem o escritor. Mas valeria mais isso, que nada!
Fernando Pereira
13/2/2010

12 de fevereiro de 2010

Hay Goberno? /Ágora / Novo Jornal/ Luanda /12-2-2010



Conheço a "estória" do anarquista espanhol contada assim: o anarquista fazia uma viagem de barco, quando naufragou. Nadou, nadou, nadou até chegar a uma ilha onde viviam miseravelmente, algumas pessoas que tinham naufragado num outro naufrágio. Quando chegou à praia, exausto, perguntou: "Hay Gobierno?". Responderam-lhe que sim e ele disse: "Soy contra!". Fez-se ao mar e continuou a nadar…
Ultrapassado este primeiro parágrafo, com as reticências inerentes, só posso dizer que estou entusiasmadíssimo pois resolvi rever “La Dolce Vida” de Frederico Fellini. Estreado há cinquenta anos (5-2-1960), com Marcello Mastorianni e Anita Ekberg, é um filme icónico da sua filmografia, recheada de uma visão social de uma sociedade italiana e europeia do pós-guerra. É uma marca de um cinema europeu, que urgia ser reinventado.
Por falar em revisões da matéria dada, recuperei o livro de BD de Quino, “Potentes, Prepotentes e Impotentes”, editado pela D.Quixote em 1972. O livro tinha sido emprestado a alguém, que felizmente ao mudar de casa, descobriu-o e devolveu ao seu lídimo proprietário. Porque é um autor referente para mim, porque é um livro de indiscutível mérito, fiquei naturalmente satisfeito por reavê-lo. Um livro obrigatório para os “Potentes, Prepotentes e Impotentes”, e para todos os que o são sem o saberem, e para os que os outros sabem que há gente que não o é!
O ultimo livro de Francisco José Viegas, foi o mais desinteressante do que dele li até hoje, “O Mar em Casablanca”. É pouco mais que um arremedo de um policial, em que o personagem central é talvez um cadáver encontrado num hotel de umas termas decrépitas do Norte de Portugal, e que teria estado ligado ao 27 de Maio de 1977. Toda uma história que não percebi porque ligava o homem ao 27, aos diamantes, e por aí fora! Um livro, talvez mesmo a evitar, embora o Francisco José Viegas seja um excelente escritor e um prestigiado divulgador cultural.
Na esteira dos livros, uma verdadeira pedrada no charco são os “Cadernos de Memórias Coloniais” de Isabel Figueiredo da Angelus Novus, pequena editora de Coimbra. Esta obra, embora fossem memórias de Moçambique, terá aberto a caixa de Pandora do que procurou ser escondido pelos retornados que viveram em África. Um livro sem margem, sem fronteiras, com descrições duras de realidades vividas ou de histórias ouvidas, mas sem recorrer ao artificio, e sem procurar qualquer exercício, ainda que dissimulado de expiação, ou abjurar o que quer que seja. Um livro duro de ler, mas como tem levado tanta pancadaria em fóruns e na blogosfera, por parte de retornados das ex-colónias em Portugal, já há garantia de que de facto mexeu com eles e bem.
Fui no dia 4 de Fevereiro à Casa do Alentejo em Lisboa, à apresentação do livro “Lucio Lara, imagens de um percurso”, e gostei do que vi; Numa das salas mais bonitas da cidade, completamente cheia, muitos colunáveis e outros nem por isso, prestaram uma homenagem a um Homem, que merece de Angola a eterna gratidão e o redobrado respeito. Zeferino Coelho, da Caminho, Conceição Neto e Veiga Pereira, recordaram um pouco o percurso do Tchiweka, e relembraram-nos na necessidade de apoiar a Associação, que a paciente organização de Lucio Lara, permite hoje ter divulgado esta obra magnífica.
Mais um 4 de Fevereiro muito bem passado!

Fernando Pereira
7/2/2010

6 de fevereiro de 2010

Angola Avante/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda /5-2-2010



Passaram quarenta e nove anos do 4 de Fevereiro de 1961. Não vou contar a história, porque na realidade nem os próprios intervenientes estiveram de acordo, com tudo que aconteceu nesse dia, que acabou por ser o princípio do fim do colonialismo português em África, que tem tentado ser branqueado de há uns tempos a esta parte.
Na polémica levantada no texto Constitucional, recentemente aprovado pela Assembleia Nacional de Angola, uma das questões que tem sido controversa, tem a ver com os símbolos do País.
Não conheço o texto, mas vou estando atento às críticas, e fico extraordinariamente agradado, com o facto de não se terem alterado os símbolos do Pais, no caso da Bandeira, do Brasão de Armas e do Hino. Já em relação a várias outras alterações não estou tão satisfeito, mas isso são “outros quinhentos”.
Esta discussão dos símbolos no nosso País, e a sua contestação é demonstrativo de alguma ignorância, do que representam os símbolos nos países do mundo, e principalmente mostram uma indisfarçável ausência, da mais elementar cultura e neste caso, é bem aplicada a frase “A cultura é como a marmelada, quanto menos se tem mais se espalha”.
Em relação ao Brasão de Armas não há grande rebuliço opinativo, embora vá recebendo os remoques, dos outros símbolos quando são exprobrados em conjunto. No caso da Bandeira Nacional já escrevi o que pensava, reiterando apenas o que sempre defendi.
Em relação ao Hino Nacional de Angola, com musica de Ruy Mingas e letra de Manuel Rui Monteiro, há talvez a maior controvérsia, pois a letra é adaptada a “outros tempos, e outras realidades”, como algumas bizarras opiniões salientaram numa tentativa vã de exigir a sua substituição.
O que esses “verdadeiros vituperadores” do hino não sabem, ou pelo menos mostram ignorar, que os hinos nacionais não são propriamente canções para festivais, que se realizam com determinada periodicidade, e vestidos com roupagens da moda.
O Hino de Angola foi o hino da independência do País, e a letra, que parece ser o pomo de uma discórdia que uns poucos querem fomentar, é adaptada às circunstâncias e ao sentir do tempo, embora numa hermenêutica do seu texto podemos admitir que não está nada descontextualizado.
Saúda-se o quatro de Fevereiro, enaltecem-se os que combateram e tombaram pela independência do País, afirmam-se propósitos de Homem Novo no trabalho, apela-se à solidariedade com povos de África e apoiam-se povos oprimidos, e escolhem-se os povos que combatem a liberdade. O refrão é uma reafirmação da soberania popular, de valores de liberdade e de unidade da Pátria. Desculpem qualquer coisinha, mas alguém consegue contestar estes valores?
Acabem-se definitivamente com discussões acessórias e discutam-se coisas importantes, porque o Hino Nacional está bem e recomenda-se, e espero continuar a cantá-lo com a emoção com que o ouvi pela primeira vez.
Por acaso sabem: que a Holanda tem o hino mais antigo do mundo, escrito em 1572? O da Alemanha, que nem Hitler ousou mudar, é de 1841 com um texto adaptado de uma peça de Haydn em 1797? Que o da França, com o violento texto da Marselhesa, é instituído como Hino Nacional em 1795? Que a Portuguesa de Alfredo Keil e Lopes de Mendonça, foi a hino dos republicanos contra a monarquia, e acabou por ser instituída em 1911, sem sequer Salazar a ter alterado? O hino da África do Sul é uma adaptação do Hino do ANC, pelo musico brasileiro Djavan?
Podia dar mais exemplos, mas acho que é uma discussão despicienda, porque em Angola encontramos de quando em vez pessoas isoladas, ou em grupo disponíveis para trazer para a ribalta da limitada opinião pública e publicada, temas que noutros países nem merecem atenção, independentemente de mutações políticas, ideológicas e económicas que se vão operando.
Ficas bem connosco “Angola Avante” !

Fernando Pereira 31/1/2010

29 de janeiro de 2010

Quem conta um conto…/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 29-1-2010



Num lugar esconso da minha estante, fui encontrar um livro de “Contistas Angolanos”, exemplar poli copiado da Casa dos Estudantes do Império, edição de 1960, com capa de Luandino Vieira e uma reflexão de Fernando Mourão.
Foi nalguma das minhas deambulações por alfarrabistas, que comprei este livro, pois doutra forma dificilmente me teria chegado à mão. Textos de Agostinho Neto, Arnaldo Santos, Costa Andrade, Helder Neto, Luandino Vieira, Mário de Andrade, Orlando Távora (Pseudónimo literário de António Jacinto), Mário António, Oscar Ribas e mais uns quantos, que foram fazendo estas colectâneas, primeiras obras conhecidas da literatura, enquanto arma de ruptura política, com o sistema colonial prevalecente.
Por falar em António Jacinto, que tem sido injustamente esquecido desde a sua morte, vem-me à memória uma situação insólita. Quando por ocasião, do 1º Congresso Extraordinário do MPLA, em Dezembro de 1980 foram colocados uns outdoors, um pouco por todo o País, com palavras de ordem de apoio à realização do congresso, com a matriz ideológica assente no “irreversível caminho para o socialismo científico”, “ao inimigo nem um palmo da nossa terra” e outras que me lembro, e que foram ficando no baú de recordações da história, embora com muitos protagonistas politicamente muito activos hoje. Num desses cartazes emergia a figura de Lenine, ao lado de um outro com os Presidentes Neto e José Eduardo dos Santos, e o motorista do meu serviço, informado militante, identificou logo os três: “Neto, José Eduardo, e o camarada António Jacinto”.
Nos anos setenta, com o dealbar da independência, houve aspectos deliciosos no monopartidarismo, que convenhamos foi indispensável para a coesão e unidade do País. Havia uma denominação que achava simultaneamente risível e bizarra, que era a designação de dirigentes e responsáveis. Nunca percebi muito essa distinção, pois para ser dirigente, parte-se sempre do pressuposto que se tem que ser responsável, embora indesejavelmente muitas vezes já se tenha verificado, que se pode ser dirigente, sendo até irresponsável, tendo em consideração ulteriores avaliações de desempenho.
Houve necessidade de em determinada altura, se adquirirem veículos para a máquina do Estado, já que o depauperado parque de veículos do tempo colonial, não respondia às necessidades.
Uma das primeiras importações de viaturas para dirigentes e responsáveis foram precisamente os LADAS, da então URSS, e os Volkswagen, Modelo Brasília, importados do Brasil num lote que incluía as Kombis e um jipe Gurgel de aspecto patusco. Continuavam-se a montar em Luanda os Land-Rover e as Renault 4L, e lá ia havendo uns carros para que as coisas funcionassem, ainda que de forma limitada.
Em determinada altura, já no fim da década de setenta, aconteceu a “Fiatocracia”, em que se importaram Fiats para quase tudo que era responsável, dirigente e alguns familiares ou dependentes.
Os Fiats inundaram Luanda, e algumas capitais de província, onde os delegados provinciais tiveram direito aos novos 128. Os membros do comité central do MPLA tiveram direito a Fiat, modelo 132 brancos: Os membros do governo não pertencentes ao comité central tinham direito ao mesmo 132, mas num azul-marinho carregado, assim como alguns majores das FAPLA, que tiveram direito ao 132 verde, de farda militar. Os militares de patente mais elevada, no tempo não havia nada acima de coronel, tinham direito ao soviético Volga Gaz, e no topo a Range Rovers, todos verdes. Os membros do Bureau Político do CC do MPLA tinham Mercedes preto e os Comissários Provinciais e alguns directores das famigeradas UEEs tinham os Range Rovers, então os jipes de topo no mercado mundial. Os directores nacionais e chefes de departamento nacionais de ministérios, e dirigentes de empresas ou serviços desconcentrados dos ministérios tinham direito ao Fiat 128, que só tinham três cores: branca, verde e cor de laranja. Também a juízes, quadros superiores de empresas e a alguns professores universitários foram distribuídos os 128. Na Sonangol proliferava o Volkswagen carocha amarelo.
As Renaults 4 montadas em Angola, e os “Zedus”, nome como foram carinhosamente baptizados os Volkswagen carochas importados do Brasil, foram substituindo paulatinamente a “Fiatocracia” instalada, que iniciaram outro período na história do veículo importado em Angola, que curiosamente tem acompanhado as mutações políticas e o modelo económico do País ao longo destes trinta e cinco anos.
Como um parque automóvel faz a história de um País!

Fernando Pereira
26/01/10

23 de janeiro de 2010

O ALVOR DA BANDEIRA / Ágora/ Novo Jornal / Luanda/ 22-01-10



Estou a escrever esta crónica no dia 15 de Janeiro de 2010. Há precisamente trinta e cinco anos no Alvor, Algarve, virava-se uma página determinante na história de Angola, no fim de uma cimeira de cinco dias, Portugal e os representantes da UNITA, FNLA e MPLA, acordavam a independência do território em 11 de Novembro de 1975, e os termos da transição do poder colonial para as novas autoridades do País a emergir.
Estou aqui rodeado de revistas, documentos, jornais e comunicados da época, e revejo com nostalgia esses dias de Janeiro de 1975, que acompanhei tão intensamente de perto.
Nesses dias movimentados, na circunstância, num cálido inverno algarvio, estabeleceram-se alguns princípios, camuflaram-se desconfianças e conseguiu que saísse o “Acordo do Alvor”, que estabelecia as regras mínimas da organização de um governo e uma forma algo pueril de manutenção da ordem no território, a partir desse momento sob administração portuguesa partilhada com movimentos de libertação.
Não vou perder muito tempo a falar do acordo do Alvor, nem dos cinco dias em que as delegações estiveram fechadas no Hotel da Penina, porque já se especulou o suficiente, e cabe agora aos historiadores fazerem o balanço desses dias da esperança para o povo de Angola.
O resultado imediato não foi bom para muita gente, mas a realidade é que trinta e cinco anos volvidos, valeu a pena, mesmo com o tempo em que houve coisas que não correram bem.
Trinta e cinco anos pode ser muito tempo na vida de uma pessoa, mas é uma gota de água no processo histórico de uma nação.
Os acordos do Alvor foram o princípio do fim de uma etapa de luta, de que o 11 de Novembro foi um parto difícil, mas conseguido “a golpes de vontade” (Ary dos Santos).
Quando há quatro anos, Angola foi ao Mundial de futebol, repetiu-se-me a euforia que sempre mantive desde Novembro de 1975, quando vejo a bandeira do País. Mas nessa altura a minha euforia era maior, porque vi por todo o lado a bandeira, e achei que se tinha dado a estocada final numa estulta ideia, de se fazer em Angola uma nova bandeira, como chegou a ser proposto por uma comissão!
Hoje é impossível mudar a nossa bandeira, porque na realidade passou a fazer parte da nossa forma de estar angolano, e agora no CAN, em que a “bandeiromania” tomou conta de todos, e já ninguém se lembra do projecto que ganhou, mas que convenhamos também não tinha entusiasmado ninguém.
O projecto que ganhou, que terá aparecido de uma ideia peregrina de “unidade nacional”, mais não foi que uma tentativa de promover divisões e gastarem-se uns dinheiros. Felizmente por omissão, imperou o bom senso, senão arriscávamo-nos a ter um arremedo de imitação da bandeira da Costa Rica, e também um pouco parecida com as toalhas de praia, que uma determinada marca de cremes para a pele ofereciam na compra de um pack de dois gel corporal e uma bisnaga anti-rugas.
Angola já ganhou o CAN, nalgumas coisas, e numa delas nesta euforia das bandeiras o que demonstra que as pessoas querem a que sempre conheceram, a da catana, roda dentada, estrela num fundo vermelho e preto.
Diziam que era a bandeira do MPLA, e daí? A bandeira da Namíbia não é uma cópia aproximada da SWAPO?, a da Guiné-Bissau não é a do PAIGC (que já acabou)?, a de Moçambique não é a da FRELIMO, a de Portugal não era, do extinto em 1926 ,Partido Republicano Português, a de França não foi a que saiu da Revolução Francesa no fim do século XVIII?, a DA Republica Popular da China não é a do PCC de 1949? e por aí fora, nunca mais saindo daqui, com exemplos, e as bandeiras por norma são escolhidas por um determinado momento histórico e prevalecem no tempo. No caso da nossa coincidiu com esse nunca esquecido 11 de Novembro de 1975.
A minha eterna alegria no País, entre outras, é ter os símbolos que vi nascer com ele. Se acabarem com eles depois de eu morrer, já pouco me interessa, mas até lá deixem-me ver o sonho acordado todos os dias, com a nossa bandeirinha negra, vermelha e amarela com os símbolos que a gíria popular resumiu de forma exemplar: “Se não entras na engrenagem levas uma catanada que até vês estrelas”!

Fernando Pereira
15/01/2010

15 de janeiro de 2010

Tristão sem Isolda/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 15-01-2010



Reconheço, que não terei começado da melhor forma a Ágora neste iniciar de 2010. Vamos ver se as coisas melhoram!
Fez no pretérito 4 de Janeiro, precisamente 50 anos que morreu o incontornável Albert Camus. Filho de francês e de espanhola, viu o precoce desaparecimento de seu pai durante a 1ª Guerra Mundial, e daí teve que ir viver com os seus avos, em Argel. Prémio Nobel da literatura em 1957, um dos grandes dos primórdios do existencialismo, companheiro de Sartre, Senghor, Césaire e ocasionalmente de Mário Pinto de Andrade, era um homem de “humanismo insistente, estreito, puro, austero e sensual”( Sartre no seu elogio fúnebre).
Camus foi uma pessoa que foi afirmando a sua personalidade política, de apoio à independência de uma Argélia, embora fosse um pied-noir, e sendo uma das maiores referências literárias do século XX, é uma inegável autoridade moral, e reflecte em toda a sua obra as grandes contradições morais do pós-guerra. Foi militante do PCF, que abandonou, e durante a 2º Guerra Mundial, como jornalista organiza núcleos de resistência ao nazismo. Era um apaixonado por futebol, modalidade que praticou na Argélia.
“O Estrangeiro”, “O Mito de Sisifo”, “A Queda”,” O Homem Revoltado” e a “Peste” são um conjunto de obras que me fizeram sentir muito próximo de um autor que tem humor, e há nele uma leveza na forma como trata as questões e o quotidiano.
Esta deambulação minimalista pela obra de Camus, coincide com o facto de haver em França, uma grande discussão sobre a transladação, dos seus restos mortais para o Panteão Nacional, onde a xenofobia e o reaccionarismo fazem brado, pois colocar um “impuro” ao lado de Victor Hugo, Descartes, Madame Curie, e pode abrir caminho a sabe-se lá a quem!!!
Acho que em Angola, devia-se começar a pensar onde enterrar os seus heróis com a dignidade que merecem, pois é obrigação de um Estado enaltecer os que foram determinantes na sua história, colocando-os em locais nobres, onde a população possa saber onde estão os que foram melhores, sem que naturalmente violente as convicções religiosas e tradicionais do cidadão e sua família.
São dispensáveis mausoléus, de discutível qualidade arquitectónica, de total inutilidade política, e acima de tudo de conclusão imprevisível, mas um lugar, que conjugasse a contemplação e o respeito, pelos que em vida construíram algo de importante para nós.
Dirão alguns, que não há gente em quantidade suficiente, mas nem o Panteão de Lisboa (1916), nem o de Paris (1790) Roma (1436), o Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves (1986), em Brasília, e outros locais do tipo foram feitos para esgotar a lotação logo após a construção.
Vão-se lembrando disso, porque se hoje muito poucos lá caberiam, julgo que “atrás de tempos virão tempos e outros tempos hão-de vir” (Fausto), e não se pede um Vale dos Reis de Tebas, mas um sítio onde os católicos, agnósticos, ateus, protestantes, animistas, possam ter o seu lugar, se a vida o fez para o merecerem.
De quando em vez lembro coisas deliciosas na nossa cidade capital, como por exemplo ainda estar numa parede no largo perto do BPC, um azulejo com o nome de “Largo Tristão da Cunha governador -1666”. Aparentemente nada tem de extraordinário, mas a realidade é que esse tal Tristão foi governador cinco meses, e logo teve direito a Largo numa zona nobre da cidade, e o sendo tão despercebida a acção este governador, não deixa de ser risível, que ninguém se lembrasse de mudar o nome do largo.
Podem vir com muitos argumentos, mas de facto, eu se fosse de uma comissão de toponímia, não iria admitir em circunstancia alguma que se perpetuasse uma placa com o nome Tristão, quando o angolano é uma pessoa alegre, comunicativa, profundamente afectiva, nada que tenha a ver com o nome Tristão, que se vê bem que é um nome mais adaptado ao cinzentismo colonialista, que à garridice do nosso País.
Já que falo nesse largo lembro-me que a velha confeitaria Royal, tinha uma porta de serviços para lá, quando acompanhei o meu pai até ela ter fechado, num prédio hoje demolido. O que me fascinou sempre, ainda hoje, foi ter visto aí a primeira matrioshka, que ainda hoje é a latinha mágica do fermento Royal, que tem um rótulo que vai sendo repetido até desaparecer. Latinha branca e vermelha, que nada tem a ver com as cores de um clube a que tenho uma visceral antipatia.
Bom ano, sem Tristão!
Fernando Pereira
11/01/2010

11 de janeiro de 2010

Opinião! Quando o dólar sobe, o Bangladesh! / Ágora / Luanda / 8-01-2010



“Imaginar, primeiro, é ver.
Imaginar é conhecer, portanto agir.”
Alexandre O´Neill
Poesias Completas
1951/1981

Penso deduzir, que 2010 reúne todas as condições para ser muito parecido com o de 2009.
Não sou economista, e convenhamos que em determinadas circunstâncias, nem percebo muito bem o que fazem; Sei que John Kenneth Galbraith, é um renomado economista americano que em 1975 foi autor de um livro, “ Money: Whence it came, where it went”, que diz exactamente isto, que é no mínimo alarmante: «O estudo do dinheiro na economia é, antes do mais, uma complexa forma que é usada para mascarar a verdade, isto é, para escondê-la em vez de a revelar».
Naturalmente, que não serei tão pueril, que acredite que tudo gira em torno dos usos, abusos e diferenças de fusos do dinheiro. Mas daí a ser um factor de unidade, vai uma distância enorme, e não sei bem porquê, mas toda esta história do dinheiro transformado em dinheiro reprodutivo, e de um momento para o outro o dinheiro volatilizar-se, por causa de mercados e mercadorias que nem sabemos tampouco onde são, nem para o que servem, traz-me à memória uma história que li há vinte e cinco anos na “Directa”, livro de um enorme autor português, Nuno Bragança, desaparecido em 1985.
“Era uma vez um surdo completamente surdo, um paralítico completamente paralítico e um calvo completamente calvo. Viviam juntos e de tanto se aborrecerem decidiram partir. A fim de alcançarem o ponto mais distante do mundo puseram-se a caminho a pé, ou seja: o paralítico ia deitado numa maca, porque era tão completamente paralítico que nem sequer se podia sentar, e o calvo e o surdo transportavam a maca. O surdo ia à frente.
A certa altura da viagem foi preciso atravessar uma floresta. Quanto mais os três homens penetravam nela mais o mato era denso e a folhagem cerrada: Por causa disso e do anoitecer, escurecia.
Iam a meio de uma clareira quando o surdo disse: «Poisa a maca.»E deixou de andar, o que obrigou o calvo a parar também. O calvo e o surdo puseram a maca no chão.
E o surdo disse assim: «Esta floresta está cheia de assassinos e malandros. Há já um bom bocado que oiço o restolhado deles.» O calvo respondeu: «Estou em crer nisso, porque sinto que os cabelos se me estão a pôr em pé.» Então o calvo e o surdo desataram a correr, seguindo o trilho que tinham aberto no mato.
O paralítico ficou sozinho na clareira. E ele pensou: «Não gosto de estar nesta floresta. Parece-me que vou mas é fugir daqui.»

Uma das novas tendências do trabalho ideológico actual, tem sido o de substituir nos homens o punho esquerdo fechado pela genuflexão, acabar com a luta de classes e harmonizá-la com a diferença entre os muitos homens do produzir e os poucos predestinados a reproduzir, e por aí adiante.
A grande questão é que os problemas continuam, e perpetuam-se, mesmo nalgumas economias ditas emergentes, que em tempos idos eram países em vias de desenvolvimento, quando o conceito de Sauvi, existia no léxico sociopolítico, da geografia das economias mundiais sob a designação de “Terceiro Mundo”.
Não me esqueço, que para a transição do século, os países que se apresentavam com economias mais promissoras para o investimento eram o Chile, o Paquistão, a Irlanda e o Zimbabwe! Na altura o Zimbabwe tinha um crescimento de quase vinte e dois por cento ao ano, o que surpreende quando nos confrontamos com a realidade actual, e quanto às outras promessas é o que se vai sabendo.
Só é possível desenvolvimento se apostarmos no envolvimento em coisas tão simples, como a democracia, a liberdade, a educação, a formação profissional, o estímulo ao trabalho, o acesso a uma saúde digna e um exercício de poder transparente e humanizado.
O poder é um calvário. E é simultaneamente uma sedução. Tanto para aqueles que apenas lhe imaginam as delícias, como os que já lhe sofreram os espinhos. Na maioria dos casos uns e outros, dispõem a sacrificar-lhe o melhor que a vida tão curta e tão avara tem para nos dar.
Não sei o que vai ser o ano de 2010, mas só espero que não se siga à risca o que os especialistas em macroeconomia desenham para o futuro, porque pode haver sempre um Madoff desconhecido que o pode surpreender, e lá volta o futuro ao ponto zero novamente.
Desculpem a ligeireza com que falo das coisas, mas dá para perceber que sei muito pouco do assunto, mas ainda aprendi que “Quando o dólar sobe, o Bangladesh”!
Bom ano para quem me leu até ao fim!
Fernando Pereira
6/01/10
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