15 de janeiro de 2010

Tristão sem Isolda/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 15-01-2010



Reconheço, que não terei começado da melhor forma a Ágora neste iniciar de 2010. Vamos ver se as coisas melhoram!
Fez no pretérito 4 de Janeiro, precisamente 50 anos que morreu o incontornável Albert Camus. Filho de francês e de espanhola, viu o precoce desaparecimento de seu pai durante a 1ª Guerra Mundial, e daí teve que ir viver com os seus avos, em Argel. Prémio Nobel da literatura em 1957, um dos grandes dos primórdios do existencialismo, companheiro de Sartre, Senghor, Césaire e ocasionalmente de Mário Pinto de Andrade, era um homem de “humanismo insistente, estreito, puro, austero e sensual”( Sartre no seu elogio fúnebre).
Camus foi uma pessoa que foi afirmando a sua personalidade política, de apoio à independência de uma Argélia, embora fosse um pied-noir, e sendo uma das maiores referências literárias do século XX, é uma inegável autoridade moral, e reflecte em toda a sua obra as grandes contradições morais do pós-guerra. Foi militante do PCF, que abandonou, e durante a 2º Guerra Mundial, como jornalista organiza núcleos de resistência ao nazismo. Era um apaixonado por futebol, modalidade que praticou na Argélia.
“O Estrangeiro”, “O Mito de Sisifo”, “A Queda”,” O Homem Revoltado” e a “Peste” são um conjunto de obras que me fizeram sentir muito próximo de um autor que tem humor, e há nele uma leveza na forma como trata as questões e o quotidiano.
Esta deambulação minimalista pela obra de Camus, coincide com o facto de haver em França, uma grande discussão sobre a transladação, dos seus restos mortais para o Panteão Nacional, onde a xenofobia e o reaccionarismo fazem brado, pois colocar um “impuro” ao lado de Victor Hugo, Descartes, Madame Curie, e pode abrir caminho a sabe-se lá a quem!!!
Acho que em Angola, devia-se começar a pensar onde enterrar os seus heróis com a dignidade que merecem, pois é obrigação de um Estado enaltecer os que foram determinantes na sua história, colocando-os em locais nobres, onde a população possa saber onde estão os que foram melhores, sem que naturalmente violente as convicções religiosas e tradicionais do cidadão e sua família.
São dispensáveis mausoléus, de discutível qualidade arquitectónica, de total inutilidade política, e acima de tudo de conclusão imprevisível, mas um lugar, que conjugasse a contemplação e o respeito, pelos que em vida construíram algo de importante para nós.
Dirão alguns, que não há gente em quantidade suficiente, mas nem o Panteão de Lisboa (1916), nem o de Paris (1790) Roma (1436), o Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves (1986), em Brasília, e outros locais do tipo foram feitos para esgotar a lotação logo após a construção.
Vão-se lembrando disso, porque se hoje muito poucos lá caberiam, julgo que “atrás de tempos virão tempos e outros tempos hão-de vir” (Fausto), e não se pede um Vale dos Reis de Tebas, mas um sítio onde os católicos, agnósticos, ateus, protestantes, animistas, possam ter o seu lugar, se a vida o fez para o merecerem.
De quando em vez lembro coisas deliciosas na nossa cidade capital, como por exemplo ainda estar numa parede no largo perto do BPC, um azulejo com o nome de “Largo Tristão da Cunha governador -1666”. Aparentemente nada tem de extraordinário, mas a realidade é que esse tal Tristão foi governador cinco meses, e logo teve direito a Largo numa zona nobre da cidade, e o sendo tão despercebida a acção este governador, não deixa de ser risível, que ninguém se lembrasse de mudar o nome do largo.
Podem vir com muitos argumentos, mas de facto, eu se fosse de uma comissão de toponímia, não iria admitir em circunstancia alguma que se perpetuasse uma placa com o nome Tristão, quando o angolano é uma pessoa alegre, comunicativa, profundamente afectiva, nada que tenha a ver com o nome Tristão, que se vê bem que é um nome mais adaptado ao cinzentismo colonialista, que à garridice do nosso País.
Já que falo nesse largo lembro-me que a velha confeitaria Royal, tinha uma porta de serviços para lá, quando acompanhei o meu pai até ela ter fechado, num prédio hoje demolido. O que me fascinou sempre, ainda hoje, foi ter visto aí a primeira matrioshka, que ainda hoje é a latinha mágica do fermento Royal, que tem um rótulo que vai sendo repetido até desaparecer. Latinha branca e vermelha, que nada tem a ver com as cores de um clube a que tenho uma visceral antipatia.
Bom ano, sem Tristão!
Fernando Pereira
11/01/2010

7 comentários:

Anónimo disse...

Ser angolano e ter antipatia por um clube português é obra.Mas devo estar enganado a sua antipatia se percebo bem é pelo Sport Luanda e Benfica.

Fernando Manuel de Almeida Pereira disse...

Provocação q.b....
Posso informá-lo, que o Presidente José Eduardo dos Santos e Kundy Payama, Ministro da Defesa de Angola, entre outros ilustres membros do governo são adeptos do grande Futebol Clube do Porto, assim como eu, que também sou adepto do 1º de Agosto e do Barcelona FC. Isso nada tem a ver com ser angolano, português, ou espanhol...Já agora não gosto nada do Benfica de Luanda, do Sporting, mas o clube no mundo que mais detesto é o Real Madrid por conotações com o franquismo, como os clubes de Lisboa eram ligados ao regime de Salazar e Caetano.

Anónimo disse...

Lendo o seu comentário, não posso deixar de achar alguma graça á sua ignorância, caso não saiba o SLB é o clube do povo (os seis milhões representam o povo), mais são do SLB grande parte dos lutadores pela liberdade em Portugal (o SLB é tb o clube das comunidades africanas em portugal), o PCP chegou a dominar na decada de 40 as estruturas directivas do SLB, o estádio da luz foi inaugurado em 5 de Outubro data que Salazar não comemorava (por ser Monarquico) o seu fcp curiosamente inaugurou o estádio a 28 de Maio... outra curiosidade, o unico presidente de 1 clube de futebol portugues a fugir depois do 25 de Abril curiosamente era do... fcp, a história é lixada principalmente quando se quer ocultar certos factos.

Fernando Manuel de Almeida Pereira disse...

Como é anónimo e pelos vistos quer continuar, vou-lhe responder pela ultima vez, com alguma comiseração.
De facto como benfiquista é normal que fale da "tontaria" dos seis milhões, frase proferida pelo ex-presidente Manuel Damásio (o que declarava o ordenado mínimo), que bem podia dizer que eram oito ou dez, que isso pouco importava... Tem muitos, mas isso é outra conversa!
Quanto ao Estádio da Luz, não foi inaugurado em 5 de Outubro, mas sim no 1º de Dezembro de 1954 (data muito cara a Salazar, que enviou uma mensagem- aliás foi ao unico clube que mandou mensagem, já que foi convidado e não compareceu).
Em relação a presidentes do clube, o que lhe posso dizer é Afonso Pinto de Magalhães, foi preso por apoiar Humberto Delgado em 1958. Foi o unico presidente de clube grande que apoiou monetáriamente a candidatura, e fugiu para o Brasil em circunstancias que se sabem depois do 25 de Abril. O Benfica teve 3, digo bem 3 presidentes presos depois do 25 de Abril...Fezas Vital, por ser juiz do Tribunal Plenário, Jorge de Brito por sabotagem económica (BIP) e o DHL Vale e Azevedo...
História, meu caro é isto, o resto é especulação!!!

Anónimo disse...

Atenção que eu não sou o 2º anònimo.Quanto a misturar politica com futebol não é de todo o meu estilo,por isso a pergunta.Eu e a minha mãe somos Portugueses naturais de Angola e duas coisas não me podem tirar:
-Nasci em angola
-Sou português com orgulho
portanto não sou daqueles que andaram 30 anos a circular com BI portugues e depois com o eldorado correram logo, alguns com umas cunhazitas (amizades) do tempo colonial a pedir o BI Angolano.
C.Silva

septuagenário disse...

Deve-se misturar Futebol e política, sim.

Nunca como hoje, as duas coisas não vivem uma sem a outra.
No tempo do Salazar era um amadorismo e semi-amadorismo, e tirando a taça de Portugal, nenhum político se exibia num campo de futebol.

Agora é uma pouca vergonha, que até usam jogadores nas campanhas eleitorais.

Sem falar no conluio dos presidentes de Câmara com desvios de dinheiro para os clubes.

Uma pouca vergonha.

Anónimo disse...

Sr. Séptuagenário, disse tudo sem tirar nem por. Sr. Autor do Blogue ( sou o 2 anónimo) peço-lhe desculpa por comentar no seu blogue, se soubesse que não era adepto da democracia e da pluridade de ideias não o teria feito. Já agora dê uma vista no youtube tem lá umas conversas interessantes (devem fazer o seu genero) acerca desse homem da liberdade que é o presidente do clube portugues de quem o sr é adepto.

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