A Pílula do dia
seguinte
“A mentira constante não serve apenas para enganar—seu
verdadeiro propósito é destruir a própria noção de verdade. Quando um povo já
não consegue distinguir entre o real e o falso, também perde a capacidade de discernir
entre o bem e o mal. E um povo assim, desarmado do pensamento crítico, torna-se
presa fácil para qualquer poder que deseje controlá-lo.” (...)Hannah Arendt, in
"A mentira como ferramenta de poder"
Há umas décadas, no dealbar da
independência de Angola, por razões de serviço tive que fazer uma viagem de
serviço a uma povoação no centro-sul do País, que uns anos antes era um
florescente entreposto de cereais do Caminho de Ferro de Benguela. Ao tempo
essa vila, Longonjo, estava num perfeito estado de abandono, e o último comboio
já tinha ali passado há 3 anos (Uma linha da Beira Alta antecipada), e não
tornaria a passar nos 25 anos seguintes. Os trabalhadores do CFB sentavam-se a
cumprir o horário “inventando coisas novas”, frase roubada ao meu amigo, o
escritor Manuel Rui Monteiro dos “Meninos do Huambo”.
Estive
lá três vagarosos dias, num ermo e alojado numa pensão restaurante, de muito má
qualidade e ainda por cima sujeita a faltas de produtos de manutenção ou até de
apoio a mínimos para a despensa e concomitantemente para a mesa do hóspede
único, que era eu. O dono era um português idoso de uma terra entre Moncorvo e
Freixo Espada à Cinta, com a sua mulher que também era desses sítios. Ao som do
pálido petromax, digo-o porque a luz transformava as nossas caras em bonecos de
cera e o som era um silvar constante. Como havia pouco que partilhar, quer
comida quer bebida íamos falando de tanto que aconteceu, acontecia e
aconteceria. A única coisa certa foi mesmo o que aconteceu. A determinada
altura, quando lhe perguntei porque ficou em Angola, naquele ermo, só com a
mulher, longe dos filhos, amigos e outros entes queridos ele respondeu-me: “Sabe
camarada Fernando, era assim ao tempo o tratamento quotidiano a na então República
Popular de Angola, eu tenho um lápis e uma orelha. Pegou no lápis e pendurou-a
na orelha, e disse a cobra não tem orelha, portanto não tem onde guardar o
lápis. Pedi-lhe que me explicasse, e ele disse que tinha nascido com orelha
para pôr lápis e as cobras eram os outros que comiam tudo, e quando não
tivessem que comer começavam a comer a própria cauda até acabarem por morrer. O
do lápis na orelha ia-os vendo morrer e comerem-se! No fim ele diz: Esta terra
sem os dos lápis nas orelhas é um ofidiário tormentoso!
Toda
esta história que tenho contado repetidas vezes talvez tenha a ver sobretudo
sobre tanta coisa que aceleradamente estamos a assistir em Portugal e no Mundo.
Já tenho idade para ter visto muita coisa e o seu contrário, mas sinceramente
nunca me lembro de ver as estrelas tão alinhadas para que tanta coisa má
aconteça, e o dramático é que são os sem orelhas que nos tentam dar a receita
de como vai ser o nosso futuro. Os do
lápis na orelha são marginalizados e calados.
Vamos
muito em breve para a primeira de três eleições no período de um ano. E volta a
estafada teoria da necessidade de se votar útil para derrotar uma qualquer
inutilidade política. Eu sempre votei útil, de acordo com a minha consciência,
e sem andar a ver se uns são melhores, assim-assim, piores, mas melhores que
outros que são muito maus e por aí forma. Se o meu voto, que não tem muita
companhia não conta para colocar deputados nacionais, deputados municipais,
vereadores a culpa não é minha, é sobretudo de um sistema que se está
borrifando para as minorias. Continuam a legitimar e a promover alguns, que
deveriam estar a fazer voluntariado em alguns museus, porque muito do acervo é
do seu tempo. Mas não é assim, ei-los com aquele ar circunspecto a dizerem
banalidades, com a autoridade que o País, a Europa e o mundo estejam à espera
de saber se a posição política deles é em decúbito ventral ou dorsal. Mais uma
vez vou votar útil, mesmo que isso não me traga representação nenhum (Olhem que
nos Açores e na Alemanha todos os votos contam)
Para
acabar que já vai longo recomendo que façam como eu e peguem no livro “Sim
Senhor Primeiro Ministro” de Jonhathan Lynn e Antony Jay. Eu estou a relê-lo
mais uma vez!
Quem
estiver empenhado na campanha, aproveite e leia os livros das intervenções
parlamentares dos deputados eleitos pelo distrito da Guarda, no ultimo ano e
porque não pegar nos livros dos deputados eleitos há mais de 30 anos. Era um
excelente exercício.
E em
Maio saberemos quem toma a pilula do dia seguinte!
Já
agora, comemorem como puderem o 25 de Abril de 1974. Essa data sim, merece
respeito!
Fernando Pereira
7/4/2025