20 de julho de 2012

Revisitar é preciso! / Novo Jornal 235/ Ágora/ Luanda 20-7-2012




A derrota da seleção angolana de basquetebol, frente à congénere russa, no recente play-off de apuramento para os Jogos Olímpicos de Londres, deixou no quotidiano desportivo nacional um sentimento enorme de desilusão e frustração.
Há alguns tempos a esta parte que vamos assistindo a sucessivos insucessos no quadro competitivo das seleções nacionais, e nem as recentes vitórias dos selecionados femininos de andebol e basquetebol conseguem esconder o estado pré-comatoso do desporto nacional.
Se olharmos em redor, vemos que o futebol angolano não consegue ultrapassar a mediania no continente, quer a nível de clubes quer ao nível das diferentes seleções. O basquetebol, apesar do mérito indiscutível da conquista do campeonato africano por parte da seleção feminina, vê o seu selecionado masculino a soçobrar porque a renovação não foi feita no tempo devido. No andebol feminino vamos mantendo a hegemonia, mas no andebol masculino vamos sendo cada vez piores. As outras modalidades coletivas começam a estar apenas a um patamar acima do desporto de recreação, o que as torna irrelevantes no quadro competitivo. Nas modalidades individuais o marasmo é demasiado evidente. O estado geral do desporto angolano, depois de um período de mobilização de vontades, de dinamismo organizativo, de participação massiva, com políticas desportivas objetivas conseguiu guindar o desporto angolano para a primazia ao nível continental e para o galarim das grandes competições internacionais.
Não vale a pena procurar culpados pela situação atual, porque a realidade tem a ver com a ausência de políticas económicas e sociais perenes no País e consequentemente a desarticulação das políticas sectoriais, onde a cultura física e o desporto é uma vertente com alguma importância na promoção e formação da juventude angolana.
Enquanto se vai deixando abastardar a política desportiva, que teve os seus cabocos no início da década de oitenta do século passado, vamos assistindo a um cada vez maior divórcio entre a juventude e a prática desportiva regular, por vários motivos onde avulta a falta de organização das estruturas e a desmotivação que se vai instalando, mercê do aparecimento de novas conceções impactantes na chamada “sociedade de mercado”.
As federações desportivas foram-se transformando em lugares de discussão estéril e de afirmação para alternativas que a maior parte das vezes pouco têm a ver com o desporto. Durante as eleições discutem-se pessoas e não se consegue vislumbrar programas de trabalho onde se promova a área formativa de técnicos e dirigentes, mobilização de recursos tendentes a possibilitar uma adesão massiva de crianças, adolescentes e jovens, desenvolver o quadro competitivo nos diferentes escalões e alargá-lo a todo o País, e no fim assumir a seleção nacional como reflexo de todo um trabalho continuado e largamente participado.
A manter-se esta situação, vamos ver regredir, mais rápido do que aparentemente se julga, o desporto angolano para algo do tipo “quintal” que era mais ou menos aquilo a que se assistiu no estertor do tempo colonial.
É absolutamente indispensável um grande debate sobre a cultura física e o desporto, com caracter de urgência, e que daí saiam, para a nova Assembleia Nacional, propostas de legislação que permitam mobilizar a juventude, aliciá-la para uma atividade física regular e incutir-lhe valores de solidariedade, lealdade e respeito tão queridos na sã competitividade.
Obrigar o Estado a dar verbas suficientes para a formação e motivar as empresas para contribuírem para a sustentabilidade da atividade competitiva nacional e nas competições internacionais, são apenas algumas das muitas propostas que têm que ter enquadramento legal e cumprimento obrigatório de forma a não deixarmos sectores tão importantes ao sabor dos balanços do “mercado”, da volatilidade da “mercadoria” e claro dos “sabores e dissabores” de alguma gente.
A cultura física e o desporto têm que voltar a ter a mesma importância que a saúde, a educação e a cultura, num quadro de uma sociedade que se pretende mais harmoniosa e menos ostensiva e pedante ao nível da afirmação de valores.
Quando se mudarem dirigentes desportivos, tem que se ter em consideração que o mais importante mesmo é mudar-se de política. Era muito bom que cada vez mais tivéssemos aberto melhorados caminhos à política desportiva encetada por Ruy Mingas e a sua equipa há mais de trinta anos, mas a realidade demonstra à saciedade que a regressão nalguns casos é demasiado evidente, o que não deixa de ser preocupante.
Fernando Pereira
16/7/2012


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