“Perdidos numa
espécie de coisa.”
Confesso que andei às voltas para
fazer esta crónica. Tenho vários temas, mas também pensei para comigo, quem é
que quer saber o que escrevo?
Há já
há uns anos que vamos assistindo à lenta descredibilização do jornalista no
espaço mediático em Portugal. No mundo também, mas prefiro ficar pelo
quotidiano local. Não sou dos que acham que os meus textos vão mudar o que quer
que seja na localidade onde vivo, quanto mais num mundo que discutimos enfaticamente
como donos de uma razão pura e dura.
Hoje
não sou jornalista, não sou analista, limito-me a ser um comentador com opinião
própria, que poucos se apropriam!
O
jornalismo, que terá sido sempre uma profissão respeitável, nalguns casos nem
tanto, mas que não dá para tomar a nuvem por Juno.
O
jornalista foi a profissão que todos os que adoravam a verdade e a firmeza de
mudar o mundo abraçavam, num juramento de narrar apenas os acontecimentos,
quebrando barreiras e levando ao publico uma realidade assentes em factos
verosímeis.
Há
muitas décadas que não é assim porque o tal quinto poder, um termo criado por
Ignacio Ramonet para denunciar os media que estavam ao serviço de governos,
indústrias, sindicatos e outros espaços de abastardização da organização social
tem vindo cada vez a cercear o trabalho do jornalismo e abafá-lo ao serviço dos
grupos dominantes.
Há umas
décadas fui a Snagov na Roménia a um congresso da IASI, uma estrutura da UNESCO
para a Informação e documentação desportiva. A determinada altura foi-nos
oferecida uma apresentação, no que hoje seria uma obsoleta máquina da IBM, do
que seria o jornal do futuro e a quase desnecessidade do diretor nomeado pela
administração, sair do seu lugar para que uma publicação fosse feita, e que com
a conivência do Chefe de redação ou dos diferentes editores as alterações nem
tampouco seriam comunicados a quem fez o trabalho. Quando o jornal feito pelos
jornalistas chegava ao altar do diretor ele tratava de colocar tudo nos carris,
e submeter os valorosos jornalistas a um estatuto de subserviência para defesa
do seu ganha-pão. Era um pouco a figura de William Randolph Hearst, o magnata
americano dos media do fim do seculo XIX e do dealbar do seculo XX, genialmente
revelado no extraordinário filme Citizen Kane de Orson Wells.
Confesso
que fiquei relativamente desconfiado da mostra e julguei que seria impossível. Desaparecer uma redação com o frenesim dos repórteres e jornalistas a matraquearem
nas teclas de pesadas máquinas, com o fumo dos cigarros a deixar um espaço com
uma nuvem junto ao teto, com alguém a perguntar como se escrevia determinada
palavra, com “bocas” aqui e ali, e a necessidade de acabar o trabalho para que
o chumbo dos tipógrafos, os ouvintes da rádio ou os telespectadores, enfim os cidadãos
ávidos das notícias tivessem em tempo útil o desígnio de poderem ter uma
verdade, servida em bandeja e decorada pelos bastidores. Pelos vistos não
esperei muitos anos.
O
jornalismo hoje, não por culpa dos profissionais, na sua maioria dedicados e
mal pagos vive um pouco as mudanças sem que se saiba o que será o futuro. De um
passado que hoje muitos querem fazer reviver, deixo esta frase de Salazar, um
homem que diabolizava tudo que pudesse sair do ar fétido da sacristia em que o
País vivia: “Um engenheiro forma-se e procura ser um bom engenheiro. Um
advogado forma-se e procura ser um bom advogado, mas se algum deles não dá para
nada, ou alguém não dá para nada, vai ser jornalista. São uns biltres.”
Era um
tema que gostava de desenvolver e quiçá mesmo envolver, porque o futuro do
jornalista está em risco de se confundir com um promotor de eventos, um
ficcionista, um roteirista, um panegirista, um publicitário, enfim tanta coisa
respeitável, mas que não é efetivamente um profissional da verdade, da isenção
e promover a comunicação com o universo
dos sobre as realidades do seu quotidiano.
“Quanto
mais a sociedade se distancia da verdade, mais ela odeia aqueles que a revelam”
George Orwell.
Isto
vai longo, mas quero aqui prometer que vou fazer um texto sobre o meu amigo
Fernando Santos Cabral, recentemente falecido e a quem a Guardo tanto deve.
Porque ainda não consegui a serenidade suficiente para fazer um texto com a
dignidade que ele merece, fica para uma próxima crónica.
Convém
esclarecer que o título é de um poema de José Mário Branco.
Para o
ano há mais. Boas Festas.
Fernando Pereira
8/12/2025
