13 de setembro de 2025

Lipotímia da Democracia/ O Interior/10-9-2025

 


Lipotimia da Democracia?

Eis-nos na “antecâmara” das eleições autárquicas.

                Vamos ter um mês de propostas requentadas, de proposituras em reprise e sobretudo muito folclore. Depois tudo amança e volta-se ao quotidiano do repetível.

                Talvez não fosse mau as pessoas saberem à partida quanto ganha um autarca, desde os membros das juntas aos executivos, e quanto custam as ajudas para os membros das assembleias municipais e freguesias. Julgo que iria surpreender muita gente quando soubessem os valores que auferem os “eleitos do povo”.

                Não pretendo pôr em causa o pagamento aos eleitos, achando que a democracia merece esse preço a pagar pelo erário público, e que as pessoas devem receber pelo trabalho em favor da comunidade. Não partilho, contudo, da ideia que as pessoas façam discursos tão inflamados em que misturam o amor declarado à terra ao sacrifício pessoal e familiar. Ninguém lhes pede isso. Mantenham convictamente as promessas, muitas delas incumpríveis, mas evitem pedir aos eleitores o voto para o supremo sacrifício do poder.

                Não sei porquê vem-me à lembradura nestas circunstâncias esta texto do truculento poeta brasileiro Nelson Rodrigues em “óbvio ululante”: “Uma verdade historicamente demonstrada: o canalha, quando investido de liderança, faz, inventa, aglutina e dinamiza massas de canalhas. Façam a seguinte experiência: ponham um santo na primeira esquina. Trepado num caixote, ele fala ao povo. Mas não convencerá ninguém, e repito: ninguém o seguirá. Invertam a experiência e coloquem na mesma esquina, e em cima do mesmo caixote, um pulha indubitável. Instantaneamente outros pulhas, legiões de pulhas, sairão atrás do chefe abjeto.”

                Talvez mesmo que seja do meu mau feitio esta de citar outros com um pior que o meu!

                Há anos que ando a clamar no deserto pela alteração desta legislação eleitoral ridícula nos tempos que correm. 

                A autonomia do poder local foi uma das grandes conquistas do 25 de Abril de 1974, a par de muitas outras que vão sendo silenciosamente esmagadas.

                Quando se criou esta estrutura de poder autárquico teve-se em consideração a necessidade de haver uma representatividade acrescida dos presidentes de junta, sem que estes ficassem na dependência de amores ou maus humores dos presidentes de Camara. Tinham, e mantém uma representatividade na Assembleia Municipal para levarem os seus problemas a um fórum aberto. A situação prevalecente traz-me à memória alguns aspetos da Camara Corporativa em que havia membros nomeados pelo parlamento, organizações sindicais, patronais, grémios e outros. Era um órgão consultivo ao invés da Assembleia Municipal que é um órgão que tem poderes para vetar e aprovar documentos emanados do executivo, incluindo o orçamento municipal, instrumento indispensável para a prossecução do trabalho de uma autarquia.

                A bizarrice de tudo isto tem a ver com o facto dos membros da AM serem eleitos pelos eleitores do concelho e quase metade serem eleitos só pela população de uma freguesia. Podemos ter um eleito para um órgão alguém com 400 votos e uma força partidária com 5000 votos não conseguir eleger alguém para um órgão em que a legitimidade democrática fosse salvaguardada pela representatividade das pessoas pelo número de votos.

                Não vou alongar-me muito mais, mas acho que os executivos deviam sair de uma Assembleia Municipal eleita nos mesmos moldes da Assembleia da República, podendo o Presidente da Camara fazer o executivo como quisesse sem se cingir ao absurdo critério dos vereadores eleitos. Aí a AM tinha uma importância maior nos concelhos. Os Presidentes de Junta fariam parte de um Conselho Consultivo, ou uma estrutura com alguma hibridez que obrigasse a que a Camara Municipal ouvisse as suas queixas e recomendações e fosse obrigada a aceitar quando houvesse propostas de alterações estruturantes.

                Acho que era um tema interessante para salvaguardar a democracia e que deixe de continuar a haver alguma demagogia no atual modelo desatualizado pelas alterações do status quo político.

                Fernando Pereira

                7/9/2025

 

 

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