20 de julho de 2012
Mudar para que tudo fique na mesma? / O Interior / 20-7-2012
No Brasil costuma-se dizer que rico de cidade é imediatamente “doutor” e proprietário agrícola é logo “coronel”. Não tem nada de especial, pois temos recebido do Brasil futebolistas, telenovelas, empregados de hotelaria, professores, dentistas e outras profissões multifacetadas, portanto também temos pleno direito de reproduzir os seus status. Eça dizia que «o brasileiro tem os defeitos dos portugueses só que dilatados pelo calor».
Uma prévia declaração de interesses: “dessou” licenciado.
Volta e meia lá vem este folhetim das licenciaturas. Agora é o ministro Relvas, que nada tem a ver com o distinto republicano José Relvas (1858-1929), este sim, um impoluto político ribatejano, que anuncia a 5 de Outubro de 1910 a instauração da República do alto da varanda da Câmara Municipal de Lisboa.
Não gosto particularmente deste Relvas, pelos mesmos motivos políticos porque não gosto dos que lá estiveram antes. Ando preocupado com a “histeria nacional” em volta da licenciatura do ministro, mas apenas porque considero isto uma cortina de fumo para que não se discutam os verdadeiros problemas com que os portugueses se confrontam, e esses sim, deviam ser mobilizadores para uma maior participação na rejeição. O Relvas fez o mesmo que a maioria dos que andam por lá calados fizeram, que foi pedir um diploma para colocar numa moldura por cima de um cão de porcelana, no hall de entrada da casa.
Há dezenas de anos que sei de diplomas deste tipo em universidades públicas e privadas e institutos, a maior parte deles privados de um mínimo de dignidade para darem os velhos cursos do “Álvaro Torrão”, quanto mais cursos de “Epistemologia das Ciências Sociais” ou “ Técnico de turismo final”, como agora chamam aos cangalheiros com licenciatura.
Sou do tempo das passagens administrativas que muito profissional prestigiado na nossa praça usufruiu; Sou do tempo dos exames para militares, em que podiam quase ter um exame de dois em dois meses; Sou do tempo em que o IARN aprovou licenciaturas feitas “além-mar” em locais onde nem uma escola de artes e ofícios havia; sou do tempo em que o instrutor de educação física, mestre de artes, professor de lavores, professores primários e por aí adiante passou tudo a licenciados com um golpe de magia, tipo Conde de Aguilar, e ninguém ligou ou fez que se ligasse.
Podia estar aqui a desfolhar milhares de situações deste tipo, mas acho que a opinião mais feliz sobre o assunto veio do Jerónimo de Sousa: «…antigamente chamavam-se os doutores da mula ruça»!
Por absurdo, ninguém pensou que pode estar o Miguel Relvas a rir-se porque o governo vai saindo com legislação em catadupa, privatizações em riste e outras manobras ultrajantes, enquanto se discute o diploma de licenciatura, sem tampouco se saber quem é do GOL alto ou da Soberana da Malta, esses sim, os verdadeiros mandantes do país.
Neste amadorismo circense ainda há tempo para aparecer o senilocrata Soares a dizer sobre o Euro: «Se não há dinheiro emitam-se notas», algo do tipo Maria Antonieta quando lhe disseram que «O povo não tem pão» e ela retorquiu «Se não tem pão coma brioches». Pelo menos esta ficou sem cabeça para não reproduzir mais dislates.
«No es necessário decir todo lo que se pensa, lo que si es necessário es sentir e pensar todo lo que se dice», Quino.
Texto escrito recorrendo a uma ortografia que não sei se é a antiga se é a posterior ao acordo.
Por: Fernando Pereira
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