2 de maio de 2009

"O Imenso Adeus"/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda/ 25-04-09



Reeditado, agora pela Asa, de Milan Kundera, “O livro do Riso e do Esquecimento”, lançado em Paris há 30 anos, e segundo o Observer, é um dos cem melhores livros da literatura mundial.
Lembro-me de o ter lido, de ter gostado, mas de facto Kundera não era do meu “clube”, e para mim não era fácil, ao tempo, aceitar que um escritor que tinha abjurado o socialismo da Checoslováquia, escrevesse bem! O seu outro livro, “A Insustentável leveza do ser”, saído em 1984, é uma obra mais trabalhada, imensamente cáustica para com o regime saído da invasão soviética de 1968, e só me caiu no goto, porque estava num processo de rotura com alguns dogmas, talvez porque tinha tido a oportunidade de “ver para descrer”.
Já que se efemeriza, recordo António Machado (1875-1939), escritor sevilhano ,dizia que “há horas que são minutos e outras que são séculos”, foi um dos muitos que sofreu na guerra civil de Espanha, que comemorou no dia 1 de Abril deste ano, setenta anos sobre o seu trágico epílogo.
A história da guerra civil de Espanha fascina-me, porque na realidade foi a ultima guerra romântica da história. Quando visito a “desinteressante” cidade de Guernika, no País Basco, e passeio nos lugares bombardeados, avulta-me um sentimento de indignação, pois a Europa, e os países ocidentais aceitaram e apoiaram economicamente a ditadura espanhola, que esmagou a democracia, até ao estertor de Franco na segunda metade da década de 70.
Quando o primeiro-ministro Zapatero, neto de um fuzilado na Guerra de Espanha, faz aprovar a “Lei da memória histórica”, demonstra uma invulgar coragem, porque vai mexer em feridas que só assim podem sarar de vez, recuperando a dignidade de muitos que tombaram, e jazem em valas comuns, porque cometeram o “crime hediondo de defender a liberdade”.
Foi a guerra que mais livro pariu, e foi a que teve maior número de voluntários a lutar por ambos os lados. Ao fim destes setenta anos é bom vermos, quando passamos em localidades emblemáticas de Espanha, os símbolos da falange e do seu caudilho Franco serem apeados, sem qualquer tipo de problema, já que a justeza da lei é incontornável.
Ainda de Espanha, fomos surpreendidos pela morte de Corin Tellado (1927-12/04/2009), a espanhola de literatura de cordel e fotonovelas, que era mais lida que Cervantes. Muito lida em Angola no tempo colonial, ainda manteve fãs durante estes quase trinta e quatro de independência!
Como estamos num mês de efemérides, é justo que se faça uma referência ao 17 de Abril de 1969, que marca o início de uma das greves académicas mais participadas e longas, do regime deposto em 25 de Abril de 1974.
Inaugurava-se em Coimbra o edifício das Matemáticas, com a presença do Presidente Tomás e outros dignitários do regime. A contestação à “Velha Universidade” assumia um cada vez maior entusiasmo, com o eco do “Maio de 1968” em Paris, e a vitória da lista de “Esquerda” para os órgãos sociais da AAC, proposta pelo Concelho de Republicas, contra o “Riso e Ritmo” apoiante da lista de direita, cilindrada na votação democrática dos estudantes.
Não acho que seja oportuno, estar aqui a explicar detalhadamente o que se passou, e talvez por isso recomendo entre outros, “Grandes Planos” de Gabriela Lourenço, Jorge Costa e Paulo Pena, editado pela Ancora, que ilustra bem esses tempos, num trabalho feito por jovens já nascidos no dealbar dos anos 80, e por isso com alguma distância do processo.
Só estou a referir esta efeméride, porque na realidade houve muito angolano engajado nessa luta. Alguns vivos, como Roberto Monteiro (Ngongo), Gil Ferreira, Décio de Sousa, Luis Filipe Colaço, Saraiva de Carvalho, Aníbal Espírito Santo, Orlando Rodrigues, Nene Pizarro, Manuel Rui, Carlos Correia, outros já falecidos como, Eurico Gonçalves, Garcia Neto e Fernando Sabrosa, entre outros.
A 19 de Março de 1959, em La Jolle, numa cidadezinha costeira perto de San Diego, falecia um dos meus preferidos escritores de romances policiais: Raymond Chandler, que curiosamente detestava o mar ("Too much water! Too much drowning!"), e por ironia acabou por morrer à sua beira. O seu Philip Marlowe, foi provavelmente a figura mais fascinante da literatura policial, e um anti-herói que todos, os que de forma quase omnívora, devorávamos Chandler desejávamos ter sido um pouco, levando menos surras. O seu “Imenso Adeus” traduzido por Mário Henrique Leiria, da Vampiro, é uma obra para reler muitas vezes, até que um estado demencial mo impeça.

1 comentário:

Fernando Ribeiro disse...

Citação:

"(...) é justo que se faça uma referência ao 17 de Abril de 1969, que marca o início de uma das greves académicas mais participadas e longas, do regime deposto em 25 de Abril de 1974.

(...)houve muito angolano engajado nessa luta. Alguns vivos, como Roberto Monteiro (Ngongo), Gil Ferreira, Décio de Sousa, Luis Filipe Colaço, Saraiva de Carvalho, Aníbal Espírito Santo, Orlando Rodrigues, Nene Pizarro, Manuel Rui, Carlos Correia, outros já falecidos como, Eurico Gonçalves, Garcia Neto e Fernando Sabrosa, entre outros."


Caro Fernando Pereira,

Antes de mais, peço desculpa por não ser um visitante habitual deste seu blogue porque, a mim, ele diz muito pouco. De qualquer modo, quero felicitá-lo, porque os artigos que escreve são muito bem feitos.

Encontrei uma transcrição deste seu artigo no blogue "Pensar e Falar Angola", onde já deixei um comentário a respeito dos parágrafos citados acima.

Sempre que se fala da crise académica de 1969, em Coimbra, é da mais elementar justiça referir a participação particularmente empenhada dos angolanos que então estudavam na Universidade daquela cidade, numa luta que visava, em última instância, o regime colonial-salazarento e o seu abominável ministro da Educação em funções naquele tempo, José Hermano Saraiva.

Não quero pôr em causa, portanto, os nomes dos angolanos que indica. Só quero reparar uma omissão, a de um nome que deveria ter sido referido antes de todos os outros.

Nem todos os angolanos que estudaram na Universidade de Coimbra passaram pela república Kimbo dos Sobas. Alguns não passaram, nomeadamente do sexo feminimo. É o caso da angolana Fernanda da Bernarda, que esteve na primeiríssima linha do combate então travado, na sua qualidade de membro da direcção da Associação Académica de Coimbra, proposta pelo Conselho das Repúblicas e eleita, por esmagadora maioria, pelos estudantes da Academia, direcção esta que conduziu de forma magistral a greve académica.

Eu só conheci pessoalmente a Fernanda da Bernarda "de raspão" e receio bem que ela já tenha falecido. Mas o que dela me foi dado conhecer criou em mim um sentimento de muita admiração e de grande respeito. Por isso aqui vim. Não referir o nome de Fernanda da Bernarda, entre os dos angolanos que participaram na crise académica de 1969 em Coimbra, foi a lacuna que me trouxe aqui.

Um abraço

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