18 de maio de 2018

Todo o poder abusa, o poder absoluto abusa absolutamente! / Jornal de Angola -17/05/2018




Todo o poder abusa, o poder absoluto abusa absolutamente!

Provavelmente o Maio de 1968 em França terá sido o ultimo movimento utópico mobilizador de gente na história contemporânea da Europa.
                Há obviamente muita subjetividade nesta afirmação, mas quando se faz uma retrospetiva do que foram esses dias fervilhantes, onde havia uma avidez por fazer tudo que acontecia de diferente do que tinha sido até então.
                A Europa vivia um período de relativa acalmia social e política, e a economia tinha adquirido uma estabilidade que ainda não se tinha observado no pós-guerra. Isso não conseguia esconder as contradições inerentes ao modelo capitalista prevalecente, nem à ideologia agregada ao convencionalismo burguês, assente em valores suportados por um ensino ainda fortemente matizado pela herança cristã.
                A União Soviética que tinha sido uma esperança para muito cidadão da Europa, e para um conjunto de intelectuais, enleou-se pela “burocracia da ideologia” e deixou de ser apelativa substituindo-se o “realismo soviético” por Trotsky, Mao Tsé-Tung, Fidel de Castro, Che Guevara e outros contemporâneos da luta pela libertação.
                O Maio de 1968 é o corolário de um tempo de contestação contra a guerra do Vietname, que tinha cada vez mais adesões a nível mundial particularmente nos EUA, e contra as ditaduras na América Latina e em Portugal e Espanha. Apoiava-se abertamente Cuba, a luta armada na América Latina e em África, a luta dos negros americanos pelos direitos cívicos e a Revolução Cultural na China (1966-1969).
                Em simultâneo agudizavam-se as lutas estudantis na Alemanha (organizada em Berlim pela SDS- Sozialisticher Deutscher Studentbund, tendo o seu líder Rudi Dutschke sofrido um atentado em 11 de Abril de 1968). Em Berkeley nos EUA iniciou-se um rastilho de contestação por parte dos estudantes, que rapidamente alastrou um pouco por universidades em todos os Estados dos EUA. No Brasil a repressão contra os estudantes foi violenta, mas não atingiu as proporções de Tlatelolco no México, onde o exército é mobilizado para calar a contestação estudantil saldando-se o balanço final em mais de 200 mortos, 500 feridos e 2000 pessoas presas.
                Um pouco por todo o mundo germinava a contestação estudantil, e os estudantes assumiam então que era altura de apoiar as lutas dos trabalhadores, e apoiar as conceções políticas inovadoras que emergiam em vários locais, nomeadamente na China, onde só muito mais tarde chegaram as terríveis descrições de uma então idolatrada Revolução Cultural.
                No Senegal afrontando a subserviência francesa de Senghor, e na procura de um ensino mais adequado à realidade africana, procuraram imitar os estudantes franceses, e através da UDES (União de Estudantes Senegaleses) que reagrupava os estudantes locais e a UED (união de Estudantes de Dakar, que aglomerava os estudantes de diferentes países africanos, fizeram um conjunto de manifestações fortemente reprimidas com muitas prisões de premeio e expulsão de centenas de estudantes do País.
                Voltando a França, e ao já distante 1968 importa referir que tudo começou no dealbar de Maio na Universidade de Nanterre, uma escola de subúrbios onde a origem social dos estudantes era claramente diferente das universidades do centro de Paris, frequentadas pelos filhos da burguesia, ao tempo os únicos que tinham acesso ao ensino superior.
                As reivindicações dos estudantes inicialmente eram de natureza corporativa, em que se pedia entre várias reformas o fim de que “as grandes disciplinas (ciências, direito, medicina, letras, sociologia, etc.) eram ensinadas em faculdades separadas”; pediam-se universidades pluridisciplinares para favorecer as evoluções científicas que acontecem nas fronteiras das disciplinas”.
                A realidade é que a repressão sobre os estudantes de Nanterre a 3 de Maio de 1968, acabou por despoletar uma irrupção social que chegou a colocar 10.000.000 de trabalhadores em França, incendiou a Bolsa de Paris, ocuparam-se escolas, universidades, teatros, fábricas, em suma tudo foi diferente naquela primavera de 1968.
                O ensino foi contestado no seu todo e pretendeu-se questionar a utilidade social de um conhecimento abstrato, separado da prática.
                O marxismo estava arredado do ensino superior nas ciências sociais e na economia, e exigiu-se que passasse a ter uma prevalência maior em todo o ensino, de forma a tornar-se mais identificada com a luta dos trabalhadores, inicialmente desconfiados dos estudantes pela sua origem de classe, mas depois aliados nos propósitos de alterar a sociedade.
                Os intelectuais participaram no movimento de Maio de 1968, principalmente nas conferencias que se realizavam um pouco por todo o lado, aproveitando-se os lugares mais incríveis como velhos armazéns ao longo do sena, ou os anfiteatros austeros de uma Sorbonne ocupada pelos estudantes. Charles Bettelheim, Lucian Goldmann, Louis Altusser, Henri Lefebvre, Henri Dennis, Jean Paul Sartre, Roger Garaudy, Simon de Beauvoir, e naturalmente Marcuse e Guy Debord, o anarquista que criou o “situacionismo”. Não esqueçamos Alain Krivine o trotskysta fundador da UEC, entre tantos outros.
                Para além de Marx, recuperou-se Gramsci, o “livro Vermelho de Mao”, Nicos Poulantzas, Giap, Freud e emerge William Reich, trazendo a sexualidade e o prazer para o centro do debate político, tema tabu até então.
                A comunicação social detida pelo Estado, ou pelos grandes grupos económicos tentaram através de manipulação de fotos e filmes inverter a situação para repor a ordem “velha” que o presidente de Gaulle exigia para recuperar a França que tinha idealizado. A verdade é que influenciados pela China, os jornais de parede tiveram uma influencia decisiva na mobilização, e na permanente informação aos cidadãos empenhados em fazer valer as suas convicções. Os jornalistas da rádio oficial, a ORTF, assumiram a sua postura de informar sem pressões, o que lhes valeu serem despedidos quando o poder recuperou as rédeas da situação. A própria ORTF fez uma greve solidária com a luta dos estudantes e trabalhadores. Os panfletos, as serigrafias e os cartazes encheram as ruas. Milhões de panfletos, 500.000 cartazes com cerca de 400 motivos diferentes executados por artistas, operários, estudantes, tipógrafos, etc. mostra bem o grau de engajamento das pessoas no Maio de 1968. Apareceu a figura do jornalista militante, que acaba por dar origem ao quotidiano “Libération”, onde colaborou Sartre entre outros e que ainda hoje existe com todo o seu prestígio acumulado desde então.
                Um dos pormenores pouco difundido no Maio de 1968 tem a ver com a instalação das Universidades Populares, locais de discussão permanente e partilha de conhecimentos que transformaram radicalmente a mentalidade dos que viveram o Maio de 1968. Outro aspeto pouco divulgado tem a ver com a atenção que os intervenientes deram aos problemas do terceiro mundo, e não devemos olvidar que havia colónias francesas que tinham ascendido à independência meia dúzia de anos antes. Outra ação de grande importância foi o trabalho de alfabetização feito pelos estudantes aos emigrantes africanos que enxamearam Paris para trabalharem duramente na recuperação da França no pós-guerra.
                Claro que houve detratores do Maio de 1968, nomeadamente Raymond Aron, que escrevo um libelo acusatório veemente “La revolution impossible”, mas “ninguém conseguiu impedir que as flores de Maio desabrochassem”!
                O Maio de 1968 foi claramente uma luta contra a ordem capitalista prevalecente. Não conseguiu vencê-la, mas ter-se-ão conseguido conquistas importantes em áreas que marcaram os anos seguintes, ou mesmo as décadas, até à inflexão que se vai assistindo na implantação de um liberalismo desregulado que se tem imposto na Europa e no mundo.
                Seria difícil de imaginar a Jacques Sauvageot, Alain Geismar e Daniel Cohn- Bendit e a outros, que a sua tenacidade em Nanterre iria provocar este abanão com consequências, a primeira das quais a demissão do General de Gaulle de Presidente da Republica francesa, para além de outras de maior significado no quotidiano das pessoas.
                Controversa sobre o significado dos acontecimentos de 1968, não se pode negar a sua importância na história da ultima metade do seculo XX.
                Uma geração de estudantes e jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos. Uma grande parte dessa gente participou nos debates universitários e manifestações de rua. Algo mudou no quotidiano de vida de muita gente, no relacionamento interpessoal, na visão do mundo e na afirmação clara entre o que se gosta e o que se detesta.
                Sonhou-se um poder numa premissa de igualdade, e de distribuição equitativa de riqueza. Pura estultícia, pois mesmo nas fases mais duras o capitalismo regenera-se e aparece travestido de novas roupagens. Ficam as lembranças vivas do que se tentou!
                Ficaram palavras que sintetizam muito do que foram aqueles dias e noites em que alguma Europa sonhou que tudo ia ser diferente, e outros tinham pesadelos porque podia ser o fim de um tempo que se perpetuava devagarzinho, como convinha ao poder instalado.
                Ainda hoje ecoam as palavras, os grafitis e de vez em quando aí voltam a ser palavras de ordem num tempo que episodicamente é de esperança: "Abaixo a sociedade de consumo.”, “Abaixo o realismo socialista. Viva o surrealismo." ,"A ação não deve ser uma reação, mas uma criação.”, "O agressor não é aquele que se revolta, mas aquele que reprime." , "Amem-se uns aos outros." ,"O álcool mata. Tomem LSD." ,"A anarquia sou eu.”, “as armas da crítica passam pela crítica das armas." ,"Parem o mundo, eu quero descer." ,"A arte está morta. Nem Godard poderá impedir." ,"A arte está morta, liberemos nossa vida cotidiana." "Antes de escrever, aprenda a pensar.”, "A barricada fecha a rua, mas abre a via." ,"Ceder um pouco é capitular muito.”, “Corram camaradas, o velho mundo está atrás de vocês.”, “A cultura é a inversão da vida." ,"10 horas de prazer já." ,"Proibido não colar cartazes." ,"Abaixo da calçada, está a praia.", "A economia está ferida, pois que morra!" ,"A emancipação do homem será total ou não será.”, "O estado é cada um de nós.”, “A humanidade só será feliz quando o último capitalista for enforcado com as tripas do último padre.”, “A imaginação toma o poder." ,"A insolência é a nova arma revolucionária.", "É proibido proibir." ,"Eu tinha alguma coisa a dizer, mas não sei mais o quê." ,"Eu gozo.”, “Eu participo. Tu participas. Ele participa. Nós participamos. Vós participais. Eles lucram.”, “os jovens fazem amor, os velhos fazem gestos obscenos." ,"A liberdade do outro estende a minha ao infinito.", "A mercadoria é o ópio do povo.", “As paredes têm ouvidos. Seus ouvidos têm paredes." ,"Não mudem de empregadores, mudem o emprego da vida." ,"Nós somos todos judeus alemães." ,"A novidade é revolucionária, a verdade, também." ,"Fim da liberdade aos inimigos da liberdade." ,"O patrão precisa de ti, tu não precisas do patrão.", "Professores, vocês nos fazem envelhecer." ,"Quanto mais eu faço amor, mais tenho vontade de fazer a revolução. Quanto mais faço a revolução, mais tenho vontade de fazer amor.”, “A poesia está na rua." ,"A política se dá na rua." ,"Os sindicatos são uns bordéis." ,"O sonho é realidade." ,“Só a verdade é revolucionária.”, “Sejam realistas, exijam o impossível.",
"Trabalhador: você tem 25 anos, mas seu sindicato é de outro século." "Abolição da sociedade de classes." ,"Abram as janelas do seu coração.”, “A arte está morta, não consumamos o seu cadáver. “,"Não nos prendamos ao espetáculo da contestação, mas passemos à contestação do espetáculo. “,"Autogestão da vida quotidiana", "A felicidade é uma ideia nova." ,"Teremos um bom mestre desde que cada um seja o seu." ,"Camaradas, o amor também se faz na Faculdade de Ciências." ,"Consuma mais, viva menos." ,"Escrevam por toda a parte!" ,"Abraça o teu amor sem largar a tua arma.”, "Enraiveçam-se!", "Ser rico é se contentar com a pobreza?", "Um homem não é estupido ou inteligente: ele é livre ou não é.", "Adoro escrever nas paredes." ,"Decretado o estado de felicidade permanente." ,"Milionários de todos os países, unam-se, o vento está a mudar.”, “Não tomem o elevador, tomem o poder."
            Uma coisa é certa, o debate nunca está encerrado!

Fernando Pereira
12/5/2018
               

4 de maio de 2018

“Proibido Proibir”/ Ágora/ Novo Jornal - Luanda 4-05-2018


                “Proibido Proibir”


            Comemora-se o cinquentenário da aventura de uma geração, em que nada a partir de então ficou como tinha sido até àquele momento!
            O Maio de 1968 surge numa Europa, que curiosamente vivia um dos melhores períodos de euforia económica do pós 2ªguerra mundial aliada a uma paz social como ainda não se tinha visto no século XX, e o seu epicentro é numa das cidades do mundo que foi sempre um local de culto pela defesa da liberdade, Paris.
            O dia 3 de Maio de 1968 é a data marcante da grande revolta estudantil, quando em resposta à concentração contra o encerramento da Sorbonne se inicia um período de grande explosão social, sem paralelo na europa contemporânea de então.
Os estudantes barricam-se no Quartier Latin e rapidamente as manifestações e confrontos generalizam-se por toda a cidade e um pouco por todo o País. As adesões à luta dos estudantes por novos valores e outras opções de participação popular multiplicaram-se, e de um momento para o outro 10 milhões de trabalhadores dos mais variados sectores de atividade estavam em greve paralisando toda a atividade económica de França.
Os estudantes e os movimentos cívicos contestavam a “velha ordem” instalada nos estabelecimentos de ensino superior, e reclamam um ensino conservador equidistante da realidade quotidiana dos cidadãos.
De Gaulle, ao tempo presidente francês, herói da resistência ao nazismo perde por completo o controle da situação, entrando em clara rotura com a rua que diariamente se agiganta em adesões e também em choque com o seu primeiro ministro Pompidou que tenta arranjar uma solução de compromisso que permita à França sair de uma situação de caos quase generalizado.
O movimento do Maio de 1968 furou o convencionalismo dos partidos tradicionais, e foi olhado com alguma reserva inicial pelo movimento sindical francês, muito cético “porque os estudantes eram os filhos da burguesia”, mas a verdade é que em determinada fase a própria CGT, a maior confederação sindical francesa aderiu a uma contestação que não tinha liderança e que queria discutir tudo.  Para se ter a dimensão da mobilização, a título de exemplo, foram editados em serigrafia, litografia ou gravura mais de 500.000 cartazes com cerca de 400 motivos diferentes, feitos por estudantes, professores, artistas e grupos de bairro.
A Bolsa de Paris ardeu, algumas igrejas foram locais de reunião, as salas de aula foram utilizadas para se discutir a ordem, a desordem e a pós-desordem.
 Tudo era posto em causa e palavras como: “O sonho é realidade”, “Todo o poder abusa. O poder absoluto abusa absolutamente”, “Não me libertem, eu encarrego-me disso”, “A poesia está na rua”,” A ação não deve ser uma reação, mas uma criação”, “A Revolução tem de deixar de ser para existir”,” Abram o vosso cérebro tantas vezes como a braguilha”,” É proibido proibir”, “Tomem os vossos desejos pela realidade”, “Não reivindicaremos nada. Não pediremos nada. Conquistaremos. Ocuparemos,” Um homem não é estúpido ou inteligente: ele é livre ou não é” e muitas outras que passaram a entrar no quotidiano das revoluções que se foram operando um pouco por todo o mundo.
Numa reportagem um jornalista ouvia um conjunto de intervenções e quando se dizia “Contestai, é preciso contestar tudo”, perguntou: “Mas não há nada que vocês não contestem?”” Há” respondeu alguém: “O direito que todo o homem tem a viver dignamente”.
No Odeon, um dos lugares míticos de debate contínuo nesses dias de permanente agitação há este diálogo captado por um jornalista: Uma mulher magra, de meia idade, algo irritada com frases do tipo “enforcar o ultimo padre nos intestinos do ultimo capitalista” grita do alto do balcão: “Atenção, Irmãos, Deus está vivo, está lá fora à porta”. Logo, alguém lhe respondera: “Então que entre depressa, já vem atrasado”.
O Maio de 1968 marca uma viragem em novas conceções políticas, abertas a novas doutrinas e mobilizadoras para vivencias diferentes do contexto centrado nalgum dogmatismo organizativo do seculo XIX e no princípio do seculo XX. Foi um tempo em que Marcuse, Sartre, Dérrida, e outros aparecem a ocupar os lugares que Marx, Engels, Lenine, Trotsky,Staline, Mao e outros disputam. Volta-se a Saint Simon, Fourier, Owen, Hegel e Goethe para perceber Dabord, Aragon, Althusser, Aron, Garaudy, Beauvoir, etc. Reinventa-se a história sem que o dogmatismo da luta de classes permaneça, e procura-se algo de hedonismo social, mas de contornos muito difusos, e nalguns casos pouco coerentes.
Nos EUA a contestação à guerra do Vietnam torna-se o motivo central da contestação estudantil, e o início das conversações de paz entre os EUA e o Vietname começam em Paris em Maio de 1968, o epicentro das múltiplas revoltas que se espalham um pouco por todo o mundo e que nalguns casos se revelam dramáticas para os manifestantes, por exemplo no México onde morrem algumas centenas pelo uso desproporcionado da policia e exército no que foi o triste massacre de Tlatelolco.
Cinquenta anos depois no mundo parece que quase não houve nenhum Maio de 1968, pois os o voluntarismo, o apelo de libertação, o espírito solidário,e outros valores desvaneceram-se, e a geração desse tempo engravatou-se e esgaravata-se em fazer prevalecer a ordem económica assente numa economia de mercado, de desmesurada ferocidade para com os trabalhadores, imigrantes e povos de países em vias de desenvolvimento.
Passou-se à concorrência feroz, à disputa de mercados e um apelo ao consumismo desregrado que empobrece povos, enriquece alguns e multiplica a fome e a indigência por milhões que não tem direito a rigorosamente nada. As mais valias que eram extorquidas aos trabalhadores no processo produtivo, gerando emprego, foram substituídas na forma de ações, títulos, participações e outras formas subtis de transferência de capital ao nível global.
O ano de 1968 foi o ano de todas as contestações desde as sucessivas manifestações contra a guerra do Vietname um pouco por todo o lado, o início da Primavera de Praga e o seu esmagamento por tropas soviéticas, revoltas estudantis em Espanha, Alemanha, Bélgica e Itália, para além do assassinato de Marthin Luther King em Menphis quando se preparava o maior movimento grevista nos EUA.
Na musica, nas artes-plásticas, no vestuário e noutras áreas da cultura houve uma mudança com o aparecimento de novas tendências e o ousar passou a ser o banal, acabando com o convencionalismo que então era quotidiano nas sociedades tecnologicamente e economicamente mais desenvolvidas.
Se ao tempo nada ficou como antes, passados os 50 em que Geismer, Sauvageot e Cohn-Bendit deram a cara por um Maio que fez abanar os fundamentos do “estado burguês”, temos hoje um mundo mais desigual, ideologicamente monocromático e que a democracia passou apenas a ser instrumentalizada para domínio do económico em detrimento de um social cada vez mais apagado.
“Sejamos realistas, exijamos o impossível”

Fernando Pereira
29/5/2018






20 de abril de 2018

Património Comum / Ágora/ Luanda 20-4-2018





Património Comum
«A cidade apareceu ocupada e radiosa. Deparámos com colunas militares inundados de sol; e povo logo a seguir, muito povo, tanto que não cabia nos olhos, levas de gente saída do branco das trevas, de cinquenta anos de morte e de humilhação, correndo sem saber exatamente para onde, mas decerto para a LIBERDADE!

Liberdade, Liberdade, gritava-se em todas as bocas, aquilo crescia, espalhava-se num clamor de alegria cega, imparável, quase doloroso, finalmente a Liberdade! cada pessoa olhando-se aos milhares em plena rua e não se reconhecendo porque era o fim do terror, o medo tinha acabado, ia com certeza acabar neste dia, neste Abril, Abril de facto, nós só agora é que acreditávamos que estávamos em primavera aberta depois de quarenta e sete anos de mentira, de polícia e ditadura. Quarenta e sete anos, dez meses e vinte e quatro dias, só agora.»

José Cardoso PiresAlexandra Alpha
                Provavelmente o 25 de Abril de 1974 foi uma das datas mais marcantes em toda a minha vida de cidadania empenhada, não a mais importante já que essa, está reservada no lado esquerdo do peito, é o 11 de Novembro de 1975 do nosso contentamento.
                Tive o privilégio de o ter vivido a cada minuto desse tempo e de ter participado na catarse coletiva que foram esses tempos em que se fez Esperança, e que nos permitiu agarrar o sonho que se vivia a cada transformação que se operava.  
                Sentimos nas praças, nos campos, nas ruas e em todos os lugares que palavras como Solidariedade, Liberdade e Democracia tinham vindo para ficar em Portugal, e tivemos que esperar até 2002 na sofrida Angola.
“O 25 de Abril de 1974 é uma data dos portugueses”” Os angolanos não têm nada a ver com isso”. “Essa data não diz nada aos angolanos” etc . Esta frase é pisada e repisada ao longo das décadas por determinada gente de Angola, desde os tempos da Independência. Nas redes sociais vê-se o efeito a que este tipo de linguagem deixou como legado nas gerações que ainda acreditam que nunca houve nada antes do MPLA, e que o Salazar era um “tipo porreiro” porque era sério e morreu pobre! Pura estultícia.
Lamento que não se tenha evoluído o suficiente para fazer compreender que o 25 de Abril de 1974 foi uma data determinante para a Independência de Angola, e simultaneamente determinada pela luta de libertação dos povos oprimidos pela ditadura e pelo colonialismo nos territórios africanos dominados em Portugal.
Não é uma data dos portugueses, é um momento histórico que aglutina à sua volta um desejo comum de liberdade e de emancipação. Conjuga-se a vontade de se trilharem caminhos diferentes, mas irmanados no muito que nos une apesar de algumas vezes se enfatizar o pouco que nos divide.
Hoje somos do 1º de Agosto e do Futebol Clube do Porto (no meu caso), há os que vibram com as vitórias do Petro, do Benfica, do Libolo e do Sporting, e pelos vistos esses assuntos não são património de ninguém! Este é um exemplo, mas poderia dar milhentos nos domínios culturais, económicos e de natureza social.
Deixemo-nos de argumentos pueris. Em Portugal há quem não tenha digerido de todo o “império perdido”, quando na realidade esse esforço de manter uma “mistificação” de “Portugal dos Pequenitos” custou a Portugal e às colónias sacrifícios que ainda não estão ultrapassados passada uma geração.
A maioria das pessoas em Portugal e Angola já não liga a “arrufos de circunstancia”, e circunscreve-se tudo a um quadro de uma elite económica e politica que se quer aproveitar de “fantasmas” para escamotear a incapacidade de resolver situações que se obrigaram a resolver.
Ainda hoje quase duzentos anos depois da Independência do Brasil (1822) os portugueses são o motivo maior no anedotário do brasileiro, e em Portugal o Brasil é olhado como um local de futebolistas, bonitas raparigas, praia e pouco mais, esquecendo a importância das universidades Brasileiras no contexto das ciências e letras que se expressam em português na comunidade científica mundial, para dar apenas um pequeno exemplo.
Quando se diz a “mentalidade tuga” está-se a tentar marcar um espaço de afirmação identitária de uma determinada angolanidade. É positiva quando empregue com bonomia e perniciosa quando proferida com acrimónia.
Quando em Portugal se diz que os angolanos são “indolentes e uma cambada de corruptos” estão a generalizar de má-fé (“Má-fé é só má-fé e nunca um erro” Jorge de Sena) sobre um povo de características muito próprias, unido na sua diversidade de costumes, crenças, línguas e hierarquias, e isso é lastimável. Talvez por isso se consiga uma “desforra agradável” quando o holandês Jeroen Dijsselbloem dizia dos portugueses o que eles dizem dos angolanos., provocando-lhes a ira.
“Tu, que descobriste o cabo da Boa-Esperança; e o Caminho Marítimo da Índia; e as duas Grandes Américas, e que levaste a chatice a estas Terras e que trouxeste de lá mais chatos p'raqui e qu'inda por cima cantaste estes Feitos...” dizia Almada Negreiros, digo complementando Eça de Queirós” O Brasileiro tem os defeitos dos portugueses só que dilatados pelo calor”.
                Como diria Ary dos Santos, esse grande trovador do 25 de Abril, “O passado é já bastante, vamos passar ao futuro”.
                Vale a pena gritar “Viva o 25 de Abril de 1974” que é uma data da malta!

Fernando Pereira
25/4/2018




13 de abril de 2018

Verão do nosso descontentamento / o Interior / 11/4/2018




Verão do nosso descontentamento

Acabou o período determinado pelo governo para que se fizessem as limpezas das áreas circundantes das casas. Vem o tempo de fiscalizar e multar os prevaricadores.
Esta intervenção na floresta mais não foi que um eufemismo, pois nas florestas nada aconteceu de especial a não ser o corte da lenha queimada, o que irá fazer com que seguramente a área ardida este ano seja muitíssimo inferior à do ano passado.
Irão aparecer os balanços com os sorrisos habitueis a salientarem o trabalho coordenado de todos, não se poupando a autoelogios, e a darem a imagem de grande empenho no combate continuado aos incêndios e a um maior ordenamento florestal, como gostam de dizer os dignitários do eixo Terreiro do Paço - S. Bento, quando se contorcionam para tropeçar numa camara ou num microfone.
O que importa mesmo é que as populações sejam protegidas, e que as poucas pessoas que resistem a viver no interior, consigam deixar de ter os sobressaltos do Verão já que o País decisor passa no Algarve ou noutras paragens mais longínquas as suas férias.
Não vou fazer como certas pessoas, que despercebendo o que é o fator produtivo vem com indisfarçável histeria para as TVs clamarem contra determinado tipo de árvores, esquecendo-se que as pessoas do interior vivem sobretudo da floresta, afinal a que lhe permite fazer face a despesas tão comezinhas como comer, pagar água, luz, gás, escola dos filhos, medicamentos, etc.
As populações das zonas de floresta não podem ser transformadas em “vigilantes de um qualquer jardim botânico”, pois talvez as pessoas não saibam que direta ou indiretamente representam 11% do PIB português. Convenhamos que é algo não negligenciável para os tudólogos que enxameiam os canais de TV, falando de florestas, futebol, inundações, guerras púnicas ou qualquer assunto, que lhes sirva para aparecerem e manterem a sua notoriedade construída e perpetuada pela pobreza em que se está a tornar a comunicação social, principalmente o audiovisual.
                Já agora, convém lembrar que há muito espaço florestal dependente do Estado e das autarquias que permanece ao abandono, e que talvez não seja mau de todo cumprirem o que fazem cumprir aos privados.
                Aguardemos que não tenhamos outro “Verão do nosso descontentamento”.

Fernando Pereira
8/04/2018


27 de março de 2018

99-Uma capicua com começo feliz Jornal de Angola- Luanda- 27-03-2018


  
            

99-Uma capicua com começo feliz!
No passado dia 24 de março de 2018 foi inaugurado num dos mais emblemáticos edifícios da nossa cidade capital, o Magistério Mutu ya Kevela, escola de formação de professores do ensino primário.
            A solução encontrada, é minha opinião reveladora de clarividência por parte de quem decidiu o princípio de um novo futuro que se revela auspicioso no domínio da educação no País.
            Durante os oito longos anos que demorou a reconstruir o edifício muito se especulou sobre qual seria o seu futuro, e logo vozes bastantes em surdina iam dizendo que iria acabar como património de uma universidade privada, um hotel de luxo, um condomínio, enfim uma panóplia de conjeturas sobre um edifício que para além da arquitetura impactante,  foi lugar onde muitos dos que foram figuras de referencia nestes quarenta anos de País, por lá estudaram e onde fizeram cumplicidades que ainda hoje prevalecem.
            Para o ano o Liceu de Luanda cumpre a vetusta data de cem anos, pois foi a 22 de fevereiro de 1919, pela portaria nº 51, o então governador-geral Filomeno da Camara Melo Cabral com a designação de Monsenhor Manuel Alves da Cunha, seu primeiro reitor (o único que se manteve na sua peanha antes e depois da independência no jardim fronteiro ao ex-Colégio S. José de Cluny). Monsenhor Alves da Cunha era também conhecido por ser o “Senhor Kuribeka”, pois era curiosamente membro da maçonaria!
            A instalação do Liceu que teve como aluno nº 1 Álvaro Galiano, funcionou desde 15 de setembro de 1919 na Rua da Misericórdia, numa casa da Companhia de Ambaca, tendo-se transferido para a Av. do Hospital em outubro desse ano, em edifício demolido para dar lugar ao prédio onde hoje funciona o Ministério da Justiça.
            Em 1924 o Liceu passa a chamar-se de Liceu Nacional de Salvador Correia, equiparado aos liceus da então metrópole. Em 1972 o liceu passa a servir de local de estágio de professores e até 1975 altera a denominação de Nacional para Liceu Normal.
            O edifício era pequeno e logo foram detetadas insuficiências que levaram a que se apresasse a construção de um edifício que respondesse ao crescendo de numero de alunos, quer de filhos de colonos, quer de famílias negras e mestiças que viram uma oportunidade de poderem dar aos filhos uma formação, que lhes pudesse permitir ter um emprego com alguma dignidade e futura na segregacionista sociedade colonial.
            O arquiteto José Costa e Silva é o autor de um projeto arrojado pois conseguiu compatibilizar o modelo de português-suave, uma corrente da arquitetura portuguesa muito cara a determinada fase do salazarismo, com o clima de Luanda. Não sou um adepto do estilo, mas reconheço que é um modelo onde muitos arquitetos se deveriam rever para evitar a perfeita “balbúrdia arquitetónica” que se transformou Luanda, que em alguns aspetos parece uma Disneylandia para adultos!
            O edifício é arrojado, com paredes duplas para a circulação de ar, claustros onde se consegue evitar a inclemência do sol alto da cidade e janelas com luz suficiente e protegidas da estia de Luanda.
            O Liceu Nacional de Salvador Correia deu os dois primeiros presidentes do País, Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos e deu uma plêiade de gente que lutou pela libertação do País. Formou gente de grande qualidade científica e intelectual e a maior parte dos poetas angolanos saíram dos bancos do Liceu, tendo debutado no “Estudante”, órgão dos alunos do Liceu Salvador Correia, sendo o 1º número de 1933.
            Seria fastidioso, e ao mesmo tempo indelicado pois poderia esquecer alguém, vir aqui dizer os nomes de tantos que em Angola, em Portugal, nos EUA, no Brasil, em Macau se tem notabilizado em várias áreas do conhecimento e da política. É indisfarçável o orgulho de todos os milhares que passaram por este Liceu, que continuou enquanto Mutu-Ya-Kevela, a fazer sair gente de grande qualidade que ajudaram a construir uma Angola renovada e independente.
            A degradação física do edifício e as sucessivas deficiências pedagógica do Mutu-ya-Kevela retiraram algum brilho nos últimos vinte anos, mas ei-lo que regressa para dar uma alegria coletiva aos do Salvador Correia e aos do Mutu, e julgo que há uma unanimidade na celebração da recuperação, e um aplauso pela sábia decisão de dignificar um espaço de eleição com uma escola de formação de professores.
            Esta decisão consegue esbater definitivamente os fantasmas que havia em relação ao estatuto de escola de formação de quadros do sistema colonial, como o surgir em contraponto uma escola que pudesse criar “o homem novo” sucessivamente adiado da escola pós-independência! O surgimento deste Magistério Mutu-Ya-Kevela vai seguramente unir todos para que se comemorem os 100 anos de um tempo que é mais para recordar, para acordar para um futuro que se deseja consequente e brilhante num ciclo novo que começa.
            Eu andei no Liceu desde o meu 1º ao 5º ano, tendo saído em 1972 e há milhentas histórias que me recordo e muitas outras que me são recordados em inúmeros encontros que nos fomos habituando a fazer em Portugal, em Luanda, no Brasil ou em Macau. É impressionante o espírito solidário dos antigos alunos do Salvador Correia / Mutu-Ya-Kevela, e os encontros são sempre um retorno a um tempo pueril e irresponsavelmente sonhador.
            Num momento em que se tornou um hábito quotidiano defenestrar governantes, é justo realçar a decisão de se ter recuperado fisicamente a escola, e simultaneamente aplaudir a ministra da Educação, Maria de Cândida Teixeira pela decisão que tomou em relação ao futuro do “nosso Liceu”!
                   Porque muita gente ignora quem foi Mutu Ya Kevela convém destacar que foi um dos mais notáveis membros da Corte do Bailundo, um herói de uma das nações ancestrais do Centro de Angola e liderou uma revolta contra a presença portuguesa, tendo sido derrotado em 1902, depois de ter conseguido reunir um conjunto de reinos da região, e ao tempo ter disposto do maior numero de guerreiros.
                   Também por isto uma boa homenagem!
Fernando Pereira
26/03/2018

16 de março de 2018

Interior a quanto obrigas / O Interior/ 15-3-2018




Interior a quanto obrigas
Resolvi adaptar esta frase aos tempos que se avizinham: “O interior de Portugal nunca perdeu uma oportunidade de perder uma oportunidade”!
Desculpem a desfaçatez, mas de facto não deixa de ser risível este movimento que se criou para a defesa e o desenvolvimento do interior.
Sem pompa, mas com alguma circunstancia um grupo de cidadãos, com provas dadas enquanto membros do governo nos períodos mais catastróficos para o interior, resolveram constituir um “Movimento pelo Interior”. Caras conhecidas como Miguel Cadilhe, Jorge Coelho e Álvaro Amaro, entre outros de menor notoriedade aí estão cheios de energia para devolver ao interior o que se perdeu em décadas a fio.
Estas figuras, ao entrarem já na esfera da gerontocracia política, foram titulares de pastas governamentais importantes para que se mantivesse a coesão territorial e o que fizeram foi malbaratar muito da riqueza produtiva do interior sendo responsáveis diretos, provavelmente involuntários, pela situação a que se chegou.
Se vão fazer um exercício de expiação, e tentarem ser um lóbi atuante de forma a conseguirem a materialização de algumas ideias que por aqui vão pululando de quatro em quatro anos, já não é mau de todo, embora me pareça que este grupo é mais para darem uma “prova de vida”, do que propriamente para trabalharem em prol do que quer que seja.
O interior transformou-se num lugar habitado por idosos, já com pouco presente e sem futuro. Confesso que gostava de ver propostas para o interior, mas feito por gente de eleição em termos académicos, com protagonismo ao nível intelectual e não um movimento reduzido a políticos reformados, que estão já a gozar as suas reformas douradas.
Para movimentos destes já demos, e por isso o meu proverbial ceticismo em relação ao interior vai-se mantendo, e porque vivo cá assisto a esta agonia continuada cada dia que passa, com tristeza e perante a apatia de muitos dos que me rodeiam.
                Não acho que Jorge Coelho, Miguel Cadilhe ou Álvaro Amaro e outros não tenham algumas ideias ou alguma vontade de fazer alguma coisa pelo futuro do interior, mas tantas oportunidades tiveram quando tiveram protagonismo e poder real, e foi com eles que a maior parte dos serviços foram deslocalizados para o litoral e hoje reunidos todos em Lisboa e Porto.
                Só tenho que pedir que os programas de desenvolvimento que eventualmente vierem a sair, porque isto começa e a maior parte das vezes acaba com relatórios, não mos venham dar em livrinho de pano da Majora, porque já não tenho idade para receber prendas dessas.

Fernando Pereira
12/03/2018 


14 de fevereiro de 2018

A vingança do selo./ O Interior/ Guarda/ 8-2-2018



A vingança do selo.
Vinte e alguns anos depois vejo abrir serviços noticiosos sobre a indignação de políticos e gentes da capital da macrocefalia por causa do encerramento das estações do CTT.
                Entre alguns indignados vi a sempre determinada Catarina Martins a juntar-se a uns populares porque os CTTs decidiram encerrar a estação da Rua da Palma em Lisboa, precisamente ao lado da sede do Bloco de Esquerda. Tarde piaste!
                Pediram-me para assinar uma petição para a nacionalização dos CTTs e eu disse liminarmente que não. Fi-lo há vinte anos quando era publico, agora é tarde!
                Confesso que me dá algum gozo ver fechar em Lisboa coisas que no interior, e no caso na aldeia onde vivo, os serviços dos CTTs há quase vinte anos, e ninguém se importou com isso.
                A malta de Lisboa entretém-se com coisas bem mais importantes de certeza, para não terem dado conta de tudo isto. Estou pesaroso por terem sido apanhados de surpresa! Enfim!
                A estratégia de encerramento de balcões dos CTT é um processo que já vem de há muito, é transversal a um conjunto de governos e faz parte do pacote que Bruxelas exigiu a Portugal privatizar nos termos da adesão à União Europeia. Digam as coisas sem subterfúgios, que a malta entende!
                Esta irritação dos tipos das cidades de Lisboa e Porto por ficarem sem o seu balcão, que nem selos vende, é só uma pequena “vingançazinha” pelo facto de estarem a passar pelo mesmo que pessoas em centenas de povoações do interior passaram, quando viram impotentes encerrar sem justificação o balcão, que era fundamental para o seu quotidiano de uma vida dura, difícil e longe dos holofotes das Tvs e microfones das rádios.
                Confesso que me estou perfeitamente borrifando para que fechem os balcões de Lisboa, ou Porto, e talvez numa linguagem quase brechtiana me apetece dizer: “Que me importa, eu nem lá vivo”!
                Hipocrisia quanto baste, porque de facto o esbulho do que foram alvo empresas publicas e determinantes no desenvolvimento do País, que foram liminarmente desbaratadas e entregues aos privados que ficaram com os serviços que lhe convinham, ou melhor que interessavam aos acionistas sem rosto, e levou a que hoje se esteja completamente à mercê da agiotagem económica do capital, que recruta os seus sipaios e capatazes entre os ex-governantes do País. Estes governantes por acaso são curiosamente os mesmos que trataram de dividir as empresas, empurrar trabalhadores para reformas antecipadas, descapitalizá-las e por fim privatiza-las, com o argumento fátuo de que o sector publico não tem condições para gerir uma estrutura deste tipo!
                Não assino mais petições nenhumas e quero é que os CTTs não me percam mais encomendas. Se querem nacionalizar os CTTs façam-no, ao mesmo tempo de muita empresa que arruinou um interior que vai morrendo, e onde apenas sobrevivem aldeias vazias onde de meia em meia hora umas vuvuzelas roufenhas instaladas nas torres sineiras vão debitando “avés marias” e “pai-nossos” (não são padre-nossos que esses também já se piraram) para rigorosamente quase ninguém.
                Por este atentado ao direito que todos têm ao silencio assino a petição! O resto olhem vão para a REN que os parta!
Fernando Pereira
1/2/2018


5 de janeiro de 2018

Reviver o passado na CEI / Novo Jornal /Ágora/ Luanda/ 5-1-2018






Reviver o passado na CEI

No fim do ano transato a RTP brindou-nos com dois excelentes programas sobre a Casa dos Estudantes do Império.
                Um dos programas da autoria de Fernando Rosas, num belíssimo trabalho da” História da História de África” trata de uma forma documentada, e com loquacidade faz o enquadramento político do que foi a fundação, existência e extinção da Casa do Estudantes do Império, de Lisboa, Coimbra e Porto, e que foi fundada em 1944 e encerrada em 1965.
                O professor Fernando Rosas fez uma recolha documental sobre a CEI, e insere-a num contexto de luta contra o colonialismo. Não contextualiza a CASA num espaço que tendo alguma atividade política, foi também o lugar de encontro entre muita gente que por inação ou omissão nunca quis saber nada de guerras de independência, aproveitando apenas os serviços de procuradoria, farras, desporto e eventualmente utilização pontual da cantina para depois tratar da sua vidinha no futuro.
                Gostei da forma como Fernando Rosas coloca alguma da juventude da CASA num conjunto de utopias que se revelaram amargas depois da saída “a salto” de Portugal, para participar numa luta que de tanto sonhada, se revelou num acordar algo doloroso perante as circunstancias que então se viviam nos muitos locais da diáspora “anticolonial” que se espalhou por várias latitudes, e que em certa gente aumentou longitudes; É preciso sempre tentar, é melhor ter desilusões do que arrependimentos” Charles Bukowski. O historiador coloca o enfoque nas contradições do regime, em que abre a CEI para cultivar a “portugalidade imperial” entre os estudantes que iam estudar para Portugal, saindo das colónias, e que depois tem receio de a fechar porque iria dar o mote de que nem os “filhos da burguesia colonial” tinham qualquer interesse em perpetuar o regime e a situação de prevalência política das colónias. Teve que o fazer em 1965, com o argumento que já havia universidades em Angola e Moçambique, justificação que serviu para esconder as verdadeiras motivações do encerramento!
                Na mesma semana Margarida Mercês de Melo mostrou-nos um documentário sobre a CEI com outros contornos. Os programas são completamente diferentes, e o tom soliloquial de Fernando Rosas é substituído pelos relatos dos intervenientes na CEI, dando ao programa particular vivacidade e carregado de emotividade.
                Margarida Mercês de Melo surpreendeu todos com um excelente trabalho muito rigoroso em termos documentais, mas sobretudo pelo conjunto de pessoas que deram a voz para descrever o que foi a CEI, o seu contexto politico, o enquadramento sociológico e como se transformou num alfobre de militância da luta anticolonial, entre gente de várias proveniências, estratos sociais diferentes, mescla de raças e até visão política divergente.
                Com depoimentos de Adriano Moreira, Alberto João Jardim, Fernando Mourão (entretanto desaparecido), Fernando França Van-Dúnem, Fernando Vaz, Hélder Martins, João Cravinho, Joaquim Chissano, Lilica Boal, Luís Cilia, Magui Leite Velho Mendo, Manuel Boal, Manuel Videira, Mário Machungo, Miguel Trovoada, Moacyr Rodrigues, Óscar Monteiro, Pedro Pires, Pepetela, Raúl Vaz Bernardo e Ruy Mingas, este documentário é provavelmente o documento mais importante do “espólio” da CEI, e é sobretudo encerrar um capítulo das comemorações do 50º aniversário do encerramento da Casa dos Estudantes do Império, efeméride em boa hora protagonizada por Victor Ramalho enquanto presidente da UCCLA.
                A CEI foi para muitos o primeiro espaço de solidariedade, de discussão política, de iniciação cultural e lugar de amores e desamores. Era a vertigem dos vinte anos, de um tempo em que ainda se sonhava ser protagonista de tudo de bom para todos. Aqui vale a pena recordar a “Sem Medo”, protagonista do “Mayombe” de Pepetela: “Queremos transformar o mundo e somos incapazes de nos transformar a nós próprios”!
                Recentemente Helder Martins, ex-ministro da saúde de Moçambique, e membro dos órgãos sociais da CEI no fim dos anos 50 fez sair o livro: “Casa dos Estudantes do Imperio”, da Caminho, que complementa os trabalhos anteriores pois é muito preciso quanto aos órgãos eleitos pelos sócios e comissões administrativas nomeadas pelo governo de Salazar. Em 1997, de uma forma quase clandestina surgiu o livro “Linha Estreita da Liberdade” (Colibri) do cineasta angolano António Faria, que dá um testemunho vivenciado do que foi a casa, num período em que as colónias emergiam como Países independentes e eclodia a guerra colonial em Angola.
                A Casa dos Estudantes do Império foi sempre vista com muita reserva por parte de muitos dos que lutavam pela independência de Angola, e as razões tinham a ver com o facto de que quem tinha direito a estudar eram os “filhos da burguesia” ou os “comprometidos com o regime”. Pura estultícia, porque a CEI só acabou por ser mais um lugar onde se afirmou a angolanidade, e foi nesse enquadramento que surgiram valorosos quadros da luta de libertação e no nascimento do País. Agostinho Neto é um dos exemplos maiores, foi sócio da CEI de Coimbra, e sempre todos recordam o carinho com que falava da CASA.
                Julgo que se ultrapassou esta fase algo pueril de desconfiança a quem foi da CEI, e traz-me á colação a frase de Paul Leminsk: “Quando eu tiver setenta anos vai acabar esta minha adolescência”!

                Bom Ano de 2018  

Fernando Pereira
2/1/2018          

16 de dezembro de 2017

INTERIOR DESAVINDO / O Interior/ 14-12-2017




INTERIOR DESAVINDO
Rendi-me há muitos anos ao desaparecimento paulatino do interior do País enquanto espaço territorial único, território social e espaço multicultural!
                Desde o resultado daquele arremedo de referendo sobre a regionalização de 1998, patrocinado por um sempre titubeante António Guterres, que as ultimas esperanças sobre alguma cedência da macrocéfala Lisboa se desvaneceram completamente. Esse referendo, se bem me lembro, apenas serviu para que os baronatos dos partidos do bloco central dos interesses pudessem gritar em plenos pulmões, por um brinquedo que todos sabiam de antemão que nunca iria mudar o que quer que fosse.
                Os exemplos para se combater a regionalização eram sobretudo a diabolização do modelo do Alberto João Jardim na Madeira (por sinal um adversário da regionalização no continente) e de Jorge Nuno Pinto da Costa, um defensor claro da descentralização, que foi usado como cartaz de um papão contra Lisboa. Toda a classe política de Lisboa, a que por lá se vai insinuando entre ministérios, parlamento, restaurantes, bares, night-clubs etc. quer perpetuar este estado de coisas, por isso não vale a pena estarmos aqui a exigir o que quer que seja para este interior desavindo.
                Depois do governo anterior ter atirado para a Guarda a sede da EPAL, o atual governo resolve constituir uma empresa publica de gestão da floresta em Lisboa, empresa que pouco vai servir do que olhar para o Parque de Monsanto. Numa de Guterres, Costa decide dar ao Porto o INFARMED para dentro de dois anos de estudos e aluguer de instalações parir-se uma decisão dizendo que não há condições para a instalação do Instituto no Porto. Com um pouco de sorte a DOCAPESCA vem para a Guarda e a Sede da Autoridade Marítima Nacional para Castelo Branco ou Portalegre.
                O interior cada vez tem menos voz, e se fizermos um exercício vemos que as entidades desconcentradas da administração central nas cidades do interior não decidem rigorosamente nada, nem tampouco são já ouvidas as pessoas para se elaborarem projetos de desenvolvimento e envolvimento económico e social deste país fora de Lisboa e de certa forma do Porto.
                Do interior fala-se quando há incêndios, neve ou quando há uns assassinatos em série. No resto faz-se exatamente o mesmo que fazia o SNI (Secretariado Nacional de Informação) de má memória. Divulga o mel, o queijo, o azeite, uns enchidos e o vinho e tudo isto representa entre 1,35 a 1,8% do PIB português. Vem cá as TVS perguntar se está frio no Inverno ou se está calor no Verão e fazem uns programas do mais pindérico que pode haver, e que só não são matéria-prima para humoristas, porque a maioria é má e só estão a enfadonhar o publico porque se habituaram a encostar-se ao poder e aos poderzinhos adjacentes.
                O drama de hoje começa a não ser apenas a fuga dos jovens para o litoral (Lisboa ou Porto), mas a falta de idosos para encher os equipamentos sociais disponíveis em demasia na região e que são um fator de fixação de gente nas mais recônditas aldeias do interior.
                Estamos no princípio do fim de mais uma etapa de fim do interior e dispensam-se discursos e loas aos seus projetos messiânicos de desenvolvimento. Eu pelo menos faço o meu papel, e já nem ouço para não me incomodar.
 Já nem o clero se quer por cá manter, porque as receitas são cada vez menores. A bem dizer foram os padres os que começaram a debandada, acumulando os poucos que restaram paróquias em numero significativo para as suas práticas. Deixaram de “prestar” uma série de serviços porque há cada vez menos contribuintes líquidos para as “obrigações da fé”.
Desejo-vos umas Boas Festas, com a certeza que para o ano estou a repetir o que aqui escrevi, provavelmente para cada vez menos gente que zarpa em busca de oportunidades que aqui não encontram.

Fernando Pereira
10/12/2017


8 de dezembro de 2017

Bibliofalando! / Ágora/ Novo Jornal / Luanda 8-12-2017




Bibliofalando!
Resolvi dedicar os últimos meses a um exercício quase obsessivo de pôr em dia uma série de leituras de livros em que o tema era Angola.
                Comecei pelo livro de José Reis, “Angola o 27 de Maio, memórias de um sobrevivente”, editado pela Vega, e quando cheguei ao fim não consegui esconder a deceção de ter lido um relato cheio de hiatos, pouco rigoroso e sem qualquer relevância para contribuir para que o 27 de Maio de 1977 possa começar a ser devidamente esclarecido pelos sobreviventes. O livro parece ter sido feito a medo e a irrelevância de certas descrições tornam um livro pobre vindo de uma pessoa de quem esperava francamente mais.
                Comentando com um amigo comum o livro, e manifestando a minha deceção, foi-me adiantando que iria sair um segundo livro sobre o mesmo assunto. Confesso que despercebo porque é que não saiu com tudo no primeiro, que repito é paupérrimo nos fatos descritos.
                Também editado pela Vega, de Hugo Azancot de Menezes, “Percursos da Luta de Libertação Nacional”. Um livro que são memórias pessoais numa viagem ao interior do MPLA. O livro é interessante, pouco elaborado na verve, mas sobretudo um documento importante sobre a luta de libertação nacional e as querelas internas no seio daquele MPLA que muitos de nós não conhecíamos, mas que acabámos por herdar nos tempos conturbados do dealbar da independência.
                Hugo Azancot de Menezes acrescenta uma nova versão da data de nascimento do MPLA, situação recorrente entre todos os seus conhecidos fundadores e outros que acham que terão estado nessa génese. Cada depoimento de um “pai fundador” do MPLA só vem lançar uma nova confusão na data em que o Movimento foi criado, deixando-nos justificadamente incrédulos perante a historiografia oficial, que remete a fundação para o 10 de Dezembro de 1956.
                Não fora os exageros das notas de Carlos Pacheco, e o livro lia-se bem! As notas exacerbam algumas situações que não sei se teriam sido do agrado do autor, o que torna o livro algo pesado, mas não lhe retira em nada a contextualização histórica. Um livro a ler.
                De José Manuel da Silveira Lopes, também da Vega, saiu o livro “O Cónego Manuel das Neves, um nacionalista angolano”, um ensaio de biografia política. Uma obra interessante, feita com rigor e que provavelmente coloca o Cónego Manuel das Neves como uma das figuras cimeiras do nacionalismo angolano, transversal a todos os movimentos de libertação. Queria a independência do território para a dignificação do cidadão angolano, tão vilipendiado pelas autoridades coloniais e por todo o sistema vigente!
                Durante anos ignorado pela historiografia oficial, o contributo do cónego Manuel das Neves e a postura coerente do Arcebispo Moisés Alves de Pinho deram um contributo muito importante para o início da luta armada, e fizeram sentir na comunidade católica os desmandos do sistema colonial português em África. Esta obra tenta ser rigorosa, sustentada pelos documentos possíveis, pois era útil utilizar os arquivos da PIDE em Angola, se é que existem, ou se estão conservados, para responder a inúmeras dúvidas com que os investigadores se deparam quando tem que fazer algum trabalho sobre gente de Angola. Um livro a merecer leitura atenta.
                Neste espaço de tempo em que tive oportunidade de ler alguns livros posso dizer que não me alongarei muito sobre a obra de Leonor Figueiredo, porque parte sempre do princípio que o MPLA é sempre culpado de alguma coisa! A autora faz um conjunto de entrevistas a várias pessoas, e o que se retém é a existência de grupos pequenos, demasiado circunscritos à discussão teórica do M-L e com pouca intervenção ao nível da luta que havia no País. Circunscrevia-se a Luanda, na Universidade e acho que o título “O fim da extrema-esquerda em Angola” talvez seja manifestamente exagerado, como é um exagero o subtítulo “Como o MPLA dizimou os Comités Amílcar Cabral e a OCA (1974-1980)” e que é o leitmotiv do livro. Sinceramente não gostei, mas é uma opinião subjetiva. Editado pela Guerra e Paz.
                Neste conjunto de livros deixei propositadamente para o fim, o livro “Joaquim Pinto de Andrade, uma quase autobiografia”. Livro graficamente excelente organizado por Diana Andringa e a sua esposa recentemente falecida Vitória de Almeida Sousa, com posfácio do advogado Mário Brochado Coelho e editado pela Afrontamento.
                Um livro que é o conjunto de cartas, notas, testemunhos do que foi o percurso de um dos valorosos combatentes pela independência de Angola, que mereceria mais respeito e admiração pelos que hoje fazem depoimentos para uma futura história de Angola. Conheci-o e pontualmente tínhamos as nossas divergências, mas sempre me habituei a ver Joaquim Pinto de Andrade como uma referência no grupo restrito dos que combateram o colonialismo, com ideias muito definidas e intransigente nos princípios. Pouco dado a cedências nos valores de defesa do humanismo e da cidadania plena para os angolanos. Foi um combate de uma vida.
                Um livro mais que recomendável, porque só se pode dar futuro ao presente com o cabal conhecimento do passado.
                Charles Bukowski dizia: “É preciso sempre tentar, é melhor ter desilusões que arrependimento”
                Como ando numa voragem de leitura, prometo em breve nova crónica sobre os que já li e o que irei ler em breve. Não perdem pela demora!

Fernando Pereira
19/10/2017



10 de novembro de 2017

Uíge: cem anos que viva… / Novo Jornal/ Ágora / Luanda 10-11-2017



Uíge: cem anos que viva…
A 1 de Julho de 2017 a cidade do Uíge comemorou cem anos, data que marcou a chegada de um parente afastado, capitão da “circunscrição militar do Bembe”, de seu nome Manuel José Pereira que ocupou uma colina onde instalou o primeiro fortim português naqueles lugares.
                Enquanto a Europa e no sul de Angola estava encarniçada a 1ª guerra mundial, quando Kerensky se preparava para perder o poder na Rússia para os sovietes, abrindo caminho à Revolução de Outubro, nas florestas do norte de Angola “pacificavam-se” as gentes que queriam manter seus hábitos, sua religião, sua cultura e a sua economia! Triste sorte!
                Fica no comando deste fortim, erigido onde hoje é o centro cívico da capital da província, o Alferes Tomaz Berberan que de facto transforma o pequeno forte num entreposto comercial que ganha alguma dimensão rapidamente.
                Numa ação de “promoção” o alferes Berberan começou a sensibilizar empregados do comércio de Ambriz e Ambrizete para se fixarem na povoação do Uíge, e assim vai florescendo a cidade que passa da administração militar para a administração civil em 1922.
                A cidade tornou-se no centro da produção de café da região, e os melhores terrenos passaram a maior parte das vezes, por meios sórdidos para a pertença de fazendeiros brancos, relegando os locais para a miséria, para o trabalho coagido e para a fuga para o vizinho Congo-Belga.
                Foi vivendo ao longo do tempo colonial os momentos de euforia e os de desanimo, fruto das cotações do preço do café a nível internacional. Essas circunstancias foram condicionando o ritmo da urbe, que em 1955 num arremedo patrioteiro muda o seu nome original para Carmona, procurando homenagear o recentemente falecido presidente de Portugal. Em 1956 foi elevada à categoria de cidade!
                Em Março de 1961 os fazendeiros brancos sitiados na cidade repeliram os guerrilheiros que iniciaram a guerra de libertação no Norte de Angola, tendo sido “Carmona” um dos lugares simbólicos de resistência dos “portugueses”. Foi libertada pelas FAPLAS e tropas cubanas em Janeiro de 1976, colocando em fuga os elementos da FNLA que se encontravam na cidade e arrabaldes.
                Restabeleceu-se a administração central através da instalação do governo provincial, com todos os serviços desconcentrados da administração publica, mas a atividade económica da cidade e da província soçobrou por completo com a saída massiva dos colonos portugueses.
                Ao longo destes quarenta e poucos anos de independência viveu períodos muito maus, fruto da guerra permanente até 2004.
                Teima em sair do marasmo, mas o que se assiste é ao abate indiscriminado de árvores de grande porte e à erosão rápida da camada produtiva dos solos. O Uíge assiste hoje a um verdadeiro crime ambiental, que vai deixar a curto prazo uma população sem qualquer meio de desenvolverem uma atividade produtiva sustentada, que promova a fixação de pessoas à região.
                A malha urbana é um exemplo típico como uma determinada atividade agrícola (café), e o comércio a ele ligado foram determinantes no desenvolvimento de uma cidade. Os anos 50 do seculo XX a cidade cresceu e multiplicaram-se as construções particulares e fizeram-se casas para instalar os funcionários públicos. Não faltava também o caracter lúdico e turístico, com clubes e cineteatros, hotéis e campos desportivos.
                Em Novembro de 1968 foi feito o 1º plano de Urbanização de autoria de Maria de Lurdes Rodrigues, que coincidiu com a criação da repartição de urbanismo na Camara Municipal de Carmona. Era um projeto interessante no que ao enquadramento dos edifícios nas ruas, largos e praças. Propõe jardins, edifícios em altura, habitações unifamiliares isoladas, dizia respeito. Tem, contudo, o senão de não dar uma visão de conjunto, e apesar de resolver algumas questões urbanísticas, deixa muitas questões em aberto, ficando por concretizar a utilização dos espaços intersticiais.
                Não deixa de ser interessante que há no Uíge algumas edificações que recuperam a “casa portuguesa” principalmente o bairro residencial para funcionários públicos. O modelo “Português Suave” está patente na delegação do BNA e ainda de certa forma nas instalações dos Correios e Finanças. O Palácio do Governo e a Camara Municipal tem uma feição monumentalista. O edifício da rádio, de expressão moderna é atribuído ao arquiteto angolano Simões de Carvalho, curiosamente o autor do edifício da RNA em Luanda.
                Não nasci no Uige, mas fui para lá com quinze dias. Foi o Uige da minha meninice até á minha entrada para a escola no dealbar dos anos sessenta. Depois passei a ir até lá nas férias com regularidade, depois irregularidade, seguida de falta de regularidade até à ausência total de regularidade, o quer dizer que deixei de ir.
                Nunca foi uma cidade que me marcasse por aí além, e sinceramente não apreciava muito o “far-uíge” prevalecente no quotidiano da cidade, com algum novo-riquismo a dominar a estratificação social da cidade, que o preto estava naturalmente impedido de partilhar.
                Desejo ao Uige, aos seus nados e criados melhores dias que outros tiveram nos cem anos anteriores, e que encontrem na cidade a atividade que os fixe e que ajude a promover a educação, a saúde e a intervenção cívica dos seus cidadãos.
                O centenário que um dia festejar é ter tudo isso acessível à generalidade da população e assim o Uige será uma cidade rica, porque é solidária e há um estado de excelência no social para as gentes desta terra abençoada por água e até ver vegetação que já foi luxuriante!

Fernando Pereira

17/10/2017
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