Reviver o
passado na CEI
No fim do ano transato a RTP
brindou-nos com dois excelentes programas sobre a Casa dos Estudantes do
Império.
Um dos
programas da autoria de Fernando Rosas, num belíssimo trabalho da” História da
História de África” trata de uma forma documentada, e com loquacidade faz o
enquadramento político do que foi a fundação, existência e extinção da Casa do
Estudantes do Império, de Lisboa, Coimbra e Porto, e que foi fundada em 1944 e
encerrada em 1965.
O
professor Fernando Rosas fez uma recolha documental sobre a CEI, e insere-a num
contexto de luta contra o colonialismo. Não contextualiza a CASA num espaço que
tendo alguma atividade política, foi também o lugar de encontro entre muita
gente que por inação ou omissão nunca quis saber nada de guerras de
independência, aproveitando apenas os serviços de procuradoria, farras,
desporto e eventualmente utilização pontual da cantina para depois tratar da
sua vidinha no futuro.
Gostei
da forma como Fernando Rosas coloca alguma da juventude da CASA num conjunto de
utopias que se revelaram amargas depois da saída “a salto” de Portugal, para
participar numa luta que de tanto sonhada, se revelou num acordar algo doloroso
perante as circunstancias que então se viviam nos muitos locais da diáspora
“anticolonial” que se espalhou por várias latitudes, e que em certa gente aumentou
longitudes; É preciso sempre tentar, é melhor ter desilusões do que
arrependimentos” Charles Bukowski. O historiador coloca o enfoque nas
contradições do regime, em que abre a CEI para cultivar a “portugalidade
imperial” entre os estudantes que iam estudar para Portugal, saindo das
colónias, e que depois tem receio de a fechar porque iria dar o mote de que nem
os “filhos da burguesia colonial” tinham qualquer interesse em perpetuar o
regime e a situação de prevalência política das colónias. Teve que o fazer em
1965, com o argumento que já havia universidades em Angola e Moçambique,
justificação que serviu para esconder as verdadeiras motivações do
encerramento!
Na mesma
semana Margarida Mercês de Melo mostrou-nos um documentário sobre a CEI com outros
contornos. Os programas são completamente diferentes, e o tom soliloquial de
Fernando Rosas é substituído pelos relatos dos intervenientes na CEI, dando ao
programa particular vivacidade e carregado de emotividade.
Margarida
Mercês de Melo surpreendeu todos com um excelente trabalho muito rigoroso em
termos documentais, mas sobretudo pelo conjunto de pessoas que deram a voz para
descrever o que foi a CEI, o seu contexto politico, o enquadramento sociológico
e como se transformou num alfobre de militância da luta anticolonial, entre
gente de várias proveniências, estratos sociais diferentes, mescla de raças e
até visão política divergente.
Com depoimentos de Adriano Moreira, Alberto João Jardim, Fernando Mourão
(entretanto desaparecido), Fernando França Van-Dúnem, Fernando Vaz, Hélder
Martins, João Cravinho, Joaquim Chissano, Lilica Boal, Luís Cilia, Magui Leite
Velho Mendo, Manuel Boal, Manuel Videira, Mário Machungo, Miguel Trovoada,
Moacyr Rodrigues, Óscar Monteiro, Pedro Pires, Pepetela, Raúl Vaz Bernardo e
Ruy Mingas, este documentário é provavelmente o documento mais importante do
“espólio” da CEI, e é sobretudo encerrar um capítulo das comemorações do 50º
aniversário do encerramento da Casa dos Estudantes do Império, efeméride em boa
hora protagonizada por Victor Ramalho enquanto presidente da UCCLA.
A
CEI foi para muitos o primeiro espaço de solidariedade, de discussão política,
de iniciação cultural e lugar de amores e desamores. Era a vertigem dos vinte
anos, de um tempo em que ainda se sonhava ser protagonista de tudo de bom para
todos. Aqui vale a pena recordar a “Sem Medo”, protagonista do “Mayombe” de
Pepetela: “Queremos transformar o mundo e somos incapazes de nos transformar a
nós próprios”!
Recentemente
Helder Martins, ex-ministro da saúde de Moçambique, e membro dos órgãos sociais
da CEI no fim dos anos 50 fez sair o livro: “Casa dos Estudantes do Imperio”,
da Caminho, que complementa os trabalhos anteriores pois é muito preciso quanto
aos órgãos eleitos pelos sócios e comissões administrativas nomeadas pelo
governo de Salazar. Em 1997, de uma forma quase clandestina surgiu o livro
“Linha Estreita da Liberdade” (Colibri) do cineasta angolano António Faria, que
dá um testemunho vivenciado do que foi a casa, num período em que as colónias
emergiam como Países independentes e eclodia a guerra colonial em Angola.
A
Casa dos Estudantes do Império foi sempre vista com muita reserva por parte de
muitos dos que lutavam pela independência de Angola, e as razões tinham a ver
com o facto de que quem tinha direito a estudar eram os “filhos da burguesia”
ou os “comprometidos com o regime”. Pura estultícia, porque a CEI só acabou por
ser mais um lugar onde se afirmou a angolanidade, e foi nesse enquadramento que
surgiram valorosos quadros da luta de libertação e no nascimento do País.
Agostinho Neto é um dos exemplos maiores, foi sócio da CEI de Coimbra, e sempre
todos recordam o carinho com que falava da CASA.
Julgo
que se ultrapassou esta fase algo pueril de desconfiança a quem foi da CEI, e
traz-me á colação a frase de Paul Leminsk: “Quando eu tiver setenta anos vai
acabar esta minha adolescência”!
Bom
Ano de 2018
Fernando Pereira
2/1/2018
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