Bibliofalando!
Resolvi dedicar os últimos meses a
um exercício quase obsessivo de pôr em dia uma série de leituras de livros em
que o tema era Angola.
Comecei
pelo livro de José Reis, “Angola o 27 de Maio, memórias de um sobrevivente”,
editado pela Vega, e quando cheguei ao fim não consegui esconder a deceção de
ter lido um relato cheio de hiatos, pouco rigoroso e sem qualquer relevância
para contribuir para que o 27 de Maio de 1977 possa começar a ser devidamente
esclarecido pelos sobreviventes. O livro parece ter sido feito a medo e a
irrelevância de certas descrições tornam um livro pobre vindo de uma pessoa de
quem esperava francamente mais.
Comentando
com um amigo comum o livro, e manifestando a minha deceção, foi-me adiantando
que iria sair um segundo livro sobre o mesmo assunto. Confesso que despercebo
porque é que não saiu com tudo no primeiro, que repito é paupérrimo nos fatos
descritos.
Também
editado pela Vega, de Hugo Azancot de Menezes, “Percursos da Luta de Libertação
Nacional”. Um livro que são memórias pessoais numa viagem ao interior do MPLA.
O livro é interessante, pouco elaborado na verve, mas sobretudo um documento
importante sobre a luta de libertação nacional e as querelas internas no seio
daquele MPLA que muitos de nós não conhecíamos, mas que acabámos por herdar nos
tempos conturbados do dealbar da independência.
Hugo
Azancot de Menezes acrescenta uma nova versão da data de nascimento do MPLA,
situação recorrente entre todos os seus conhecidos fundadores e outros que
acham que terão estado nessa génese. Cada depoimento de um “pai fundador” do
MPLA só vem lançar uma nova confusão na data em que o Movimento foi criado,
deixando-nos justificadamente incrédulos perante a historiografia oficial, que
remete a fundação para o 10 de Dezembro de 1956.
Não
fora os exageros das notas de Carlos Pacheco, e o livro lia-se bem! As notas
exacerbam algumas situações que não sei se teriam sido do agrado do autor, o
que torna o livro algo pesado, mas não lhe retira em nada a contextualização
histórica. Um livro a ler.
De José
Manuel da Silveira Lopes, também da Vega, saiu o livro “O Cónego Manuel das
Neves, um nacionalista angolano”, um ensaio de biografia política. Uma obra
interessante, feita com rigor e que provavelmente coloca o Cónego Manuel das
Neves como uma das figuras cimeiras do nacionalismo angolano, transversal a
todos os movimentos de libertação. Queria a independência do território para a
dignificação do cidadão angolano, tão vilipendiado pelas autoridades coloniais
e por todo o sistema vigente!
Durante
anos ignorado pela historiografia oficial, o contributo do cónego Manuel das
Neves e a postura coerente do Arcebispo Moisés Alves de Pinho deram um
contributo muito importante para o início da luta armada, e fizeram sentir na
comunidade católica os desmandos do sistema colonial português em África. Esta
obra tenta ser rigorosa, sustentada pelos documentos possíveis, pois era útil
utilizar os arquivos da PIDE em Angola, se é que existem, ou se estão
conservados, para responder a inúmeras dúvidas com que os investigadores se
deparam quando tem que fazer algum trabalho sobre gente de Angola. Um livro a
merecer leitura atenta.
Neste
espaço de tempo em que tive oportunidade de ler alguns livros posso dizer que
não me alongarei muito sobre a obra de Leonor Figueiredo, porque parte sempre
do princípio que o MPLA é sempre culpado de alguma coisa! A autora faz um
conjunto de entrevistas a várias pessoas, e o que se retém é a existência de
grupos pequenos, demasiado circunscritos à discussão teórica do M-L e com pouca
intervenção ao nível da luta que havia no País. Circunscrevia-se a Luanda, na
Universidade e acho que o título “O fim da extrema-esquerda em Angola” talvez
seja manifestamente exagerado, como é um exagero o subtítulo “Como o MPLA
dizimou os Comités Amílcar Cabral e a OCA (1974-1980)” e que é o leitmotiv do
livro. Sinceramente não gostei, mas é uma opinião subjetiva. Editado pela
Guerra e Paz.
Neste
conjunto de livros deixei propositadamente para o fim, o livro “Joaquim Pinto
de Andrade, uma quase autobiografia”. Livro graficamente excelente organizado
por Diana Andringa e a sua esposa recentemente falecida Vitória de Almeida
Sousa, com posfácio do advogado Mário Brochado Coelho e editado pela
Afrontamento.
Um
livro que é o conjunto de cartas, notas, testemunhos do que foi o percurso de
um dos valorosos combatentes pela independência de Angola, que mereceria mais
respeito e admiração pelos que hoje fazem depoimentos para uma futura história
de Angola. Conheci-o e pontualmente tínhamos as nossas divergências, mas sempre
me habituei a ver Joaquim Pinto de Andrade como uma referência no grupo
restrito dos que combateram o colonialismo, com ideias muito definidas e
intransigente nos princípios. Pouco dado a cedências nos valores de defesa do
humanismo e da cidadania plena para os angolanos. Foi um combate de uma vida.
Um
livro mais que recomendável, porque só se pode dar futuro ao presente com o
cabal conhecimento do passado.
Charles
Bukowski dizia: “É preciso sempre tentar, é melhor ter desilusões que
arrependimento”
Como
ando numa voragem de leitura, prometo em breve nova crónica sobre os que já li
e o que irei ler em breve. Não perdem pela demora!
Fernando Pereira
19/10/2017
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