19 de fevereiro de 2010

Rua da Maianga/Ágora/ Novo Jornal / Luanda/ 19-2-2010



“Penso que dentro de dois anos poderei publicar uma História do surgimento do nacionalismo em Angola, desde que surgiu a imprensa, portanto é uma coisa baseada em depoimentos escritos…”
Estas palavras foram de Mário António Fernandes de Oliveira (1934-1989), na ultima entrevista que deu em vida, ao recentemente falecido Michel Laban, para o seu livro “Angola, Encontro com Escritores”(2 volumes), editado em 1991 pela Fundação Engº António de Almeida.
Mário António pode ser considerado um dos fundadores do MPLA, já que foi com António Jacinto, Viriato da Cruz e Ilídio Machado, que em 1955 fundaram o Partido Comunista Angolano, um dos partidos que terá estado na génese do MPLA, segundo a maior parte das versões conhecidas.
Tive o prazer de ter conhecido Mário António, que na qualidade de director da Gulbenkian para as relações com os países africanos de língua oficial portuguesa, ajudou muito angolano, que por razões de caciquismo cultural e político em Angola, agradeciam a tantos que nada tinham feito, e omitiam o Mário, porque ao tempo era politicamente dissonante do regime!
Mário António de Oliveira deixa o PCA em 1957, porque “ia casar e não podia a mulher ficar fora de tudo, por isso vou-me embora”, ao que Viriato da Cruz terá dito que era a “primeira grande crise que surgia no nosso Partido”, isto segundo relato de um livro editado postumamente, “Reler África”, em 1989 pelo Instituto de Antropologia da Universidade de Coimbra.
Voltando à introdução a esta crónica, a realidade é que infelizmente para todos, Mário António deixou-nos sem que tivesse feito o que se tinha proposto, embora tivesse deixado uma obra poética considerável, que hoje só possível de encontrar em alfarrabistas, já que em lugar algum se reeditou: “Farra no fim-de-semana” (1961), “Gente para romance” (1961),”Crónica da cidade estranha” (1964), entre outros títulos, no domínio da prosa e do conto. Na poesia, para além da sua colaboração na “Mensagem”, e na “Cultura”, tem uma vasta obra publicada, como refere Manuel Ferreira no “Reino de Caliban II” (1976) editado pela Seara Nova e no livro do mesmo autor “Literaturas africanas de expressão portuguesa II” (1977), na Biblioteca Breve, do Instituto de Alta Cultura.
Mário António, antigo aluno do Liceu Salvador Correia, ex-director do Estudante, licenciou-se no Instituto de Ciências Sociais em Lisboa, e tem alguns trabalhos interessantes sobre a “Formação da Literatura Angolana (1851-1950) ”, e “Luanda, ilha crioula”, onde é o primeiro escritor angolano a utilizar a crioulidade. Mário Pinto de Andrade, na sua Antologia Temática de Poesia Africana (1) ” lembra Mário António com os seus poemas “Sob as acácias floridas”, “Linha quatro” e o incontornável “Rua da Maianga”.
Desde o primeiro livro, editado pelo Ministério da Educação e Cultura da R. P. Angola em 1976, “Poesia de Angola”, que Mário António tem sido injustamente ignorado, e penso que chegou a hora, de Angola relevar todos, os muitos que foram lutando pela elevação cultural dos angolanos, pela sua dignificação através da palavra escrita, e neste caso na sua participação, ainda que efémera, mas decisiva, na edificação do que veio a ser o MPLA.
Os organismos angolanos deveriam empenhar-se em procurar o arquivo de Mário António, e colocá-lo ao serviço de investigadores, de forma a ajudar a escrever a história do País, numa fase em que cada vez há menos vivos desse tempo, e dos vivos alguns já com pouca memória para se lembrar que tiveram memória.
A Fundação Calouste Gulbenkian, numa tentativa de homenagear o seu antigo colaborador e o poeta insigne, instituiu o Prémio literário Mário António de Oliveira, que teve início em 2001, tendo vencido Mia Couto, “O Ultimo Voo do Flamingo”, prémio entregue trienalmente, no valor de 25.000€
Seria de inteira justiça, que se desse o nome de Mário António de Oliveira a uma escola e a uma rua, preferentemente na Maianga, tão presente na sua quase “clandestina” obra. Podem fazê-lo em Maquela do Zombo, onde nasceu, mas realmente segundo ele diz “nasci no norte de Angola, mas nada me liga à terra pois o meu pai foi colocado lá como funcionário público, e durante pouco tempo”, pelo que julgo que não homenageavam objectivamente muito bem nem a terra, nem o escritor. Mas valeria mais isso, que nada!
Fernando Pereira
13/2/2010

12 de fevereiro de 2010

Hay Goberno? /Ágora / Novo Jornal/ Luanda /12-2-2010



Conheço a "estória" do anarquista espanhol contada assim: o anarquista fazia uma viagem de barco, quando naufragou. Nadou, nadou, nadou até chegar a uma ilha onde viviam miseravelmente, algumas pessoas que tinham naufragado num outro naufrágio. Quando chegou à praia, exausto, perguntou: "Hay Gobierno?". Responderam-lhe que sim e ele disse: "Soy contra!". Fez-se ao mar e continuou a nadar…
Ultrapassado este primeiro parágrafo, com as reticências inerentes, só posso dizer que estou entusiasmadíssimo pois resolvi rever “La Dolce Vida” de Frederico Fellini. Estreado há cinquenta anos (5-2-1960), com Marcello Mastorianni e Anita Ekberg, é um filme icónico da sua filmografia, recheada de uma visão social de uma sociedade italiana e europeia do pós-guerra. É uma marca de um cinema europeu, que urgia ser reinventado.
Por falar em revisões da matéria dada, recuperei o livro de BD de Quino, “Potentes, Prepotentes e Impotentes”, editado pela D.Quixote em 1972. O livro tinha sido emprestado a alguém, que felizmente ao mudar de casa, descobriu-o e devolveu ao seu lídimo proprietário. Porque é um autor referente para mim, porque é um livro de indiscutível mérito, fiquei naturalmente satisfeito por reavê-lo. Um livro obrigatório para os “Potentes, Prepotentes e Impotentes”, e para todos os que o são sem o saberem, e para os que os outros sabem que há gente que não o é!
O ultimo livro de Francisco José Viegas, foi o mais desinteressante do que dele li até hoje, “O Mar em Casablanca”. É pouco mais que um arremedo de um policial, em que o personagem central é talvez um cadáver encontrado num hotel de umas termas decrépitas do Norte de Portugal, e que teria estado ligado ao 27 de Maio de 1977. Toda uma história que não percebi porque ligava o homem ao 27, aos diamantes, e por aí fora! Um livro, talvez mesmo a evitar, embora o Francisco José Viegas seja um excelente escritor e um prestigiado divulgador cultural.
Na esteira dos livros, uma verdadeira pedrada no charco são os “Cadernos de Memórias Coloniais” de Isabel Figueiredo da Angelus Novus, pequena editora de Coimbra. Esta obra, embora fossem memórias de Moçambique, terá aberto a caixa de Pandora do que procurou ser escondido pelos retornados que viveram em África. Um livro sem margem, sem fronteiras, com descrições duras de realidades vividas ou de histórias ouvidas, mas sem recorrer ao artificio, e sem procurar qualquer exercício, ainda que dissimulado de expiação, ou abjurar o que quer que seja. Um livro duro de ler, mas como tem levado tanta pancadaria em fóruns e na blogosfera, por parte de retornados das ex-colónias em Portugal, já há garantia de que de facto mexeu com eles e bem.
Fui no dia 4 de Fevereiro à Casa do Alentejo em Lisboa, à apresentação do livro “Lucio Lara, imagens de um percurso”, e gostei do que vi; Numa das salas mais bonitas da cidade, completamente cheia, muitos colunáveis e outros nem por isso, prestaram uma homenagem a um Homem, que merece de Angola a eterna gratidão e o redobrado respeito. Zeferino Coelho, da Caminho, Conceição Neto e Veiga Pereira, recordaram um pouco o percurso do Tchiweka, e relembraram-nos na necessidade de apoiar a Associação, que a paciente organização de Lucio Lara, permite hoje ter divulgado esta obra magnífica.
Mais um 4 de Fevereiro muito bem passado!

Fernando Pereira
7/2/2010

6 de fevereiro de 2010

Angola Avante/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda /5-2-2010



Passaram quarenta e nove anos do 4 de Fevereiro de 1961. Não vou contar a história, porque na realidade nem os próprios intervenientes estiveram de acordo, com tudo que aconteceu nesse dia, que acabou por ser o princípio do fim do colonialismo português em África, que tem tentado ser branqueado de há uns tempos a esta parte.
Na polémica levantada no texto Constitucional, recentemente aprovado pela Assembleia Nacional de Angola, uma das questões que tem sido controversa, tem a ver com os símbolos do País.
Não conheço o texto, mas vou estando atento às críticas, e fico extraordinariamente agradado, com o facto de não se terem alterado os símbolos do Pais, no caso da Bandeira, do Brasão de Armas e do Hino. Já em relação a várias outras alterações não estou tão satisfeito, mas isso são “outros quinhentos”.
Esta discussão dos símbolos no nosso País, e a sua contestação é demonstrativo de alguma ignorância, do que representam os símbolos nos países do mundo, e principalmente mostram uma indisfarçável ausência, da mais elementar cultura e neste caso, é bem aplicada a frase “A cultura é como a marmelada, quanto menos se tem mais se espalha”.
Em relação ao Brasão de Armas não há grande rebuliço opinativo, embora vá recebendo os remoques, dos outros símbolos quando são exprobrados em conjunto. No caso da Bandeira Nacional já escrevi o que pensava, reiterando apenas o que sempre defendi.
Em relação ao Hino Nacional de Angola, com musica de Ruy Mingas e letra de Manuel Rui Monteiro, há talvez a maior controvérsia, pois a letra é adaptada a “outros tempos, e outras realidades”, como algumas bizarras opiniões salientaram numa tentativa vã de exigir a sua substituição.
O que esses “verdadeiros vituperadores” do hino não sabem, ou pelo menos mostram ignorar, que os hinos nacionais não são propriamente canções para festivais, que se realizam com determinada periodicidade, e vestidos com roupagens da moda.
O Hino de Angola foi o hino da independência do País, e a letra, que parece ser o pomo de uma discórdia que uns poucos querem fomentar, é adaptada às circunstâncias e ao sentir do tempo, embora numa hermenêutica do seu texto podemos admitir que não está nada descontextualizado.
Saúda-se o quatro de Fevereiro, enaltecem-se os que combateram e tombaram pela independência do País, afirmam-se propósitos de Homem Novo no trabalho, apela-se à solidariedade com povos de África e apoiam-se povos oprimidos, e escolhem-se os povos que combatem a liberdade. O refrão é uma reafirmação da soberania popular, de valores de liberdade e de unidade da Pátria. Desculpem qualquer coisinha, mas alguém consegue contestar estes valores?
Acabem-se definitivamente com discussões acessórias e discutam-se coisas importantes, porque o Hino Nacional está bem e recomenda-se, e espero continuar a cantá-lo com a emoção com que o ouvi pela primeira vez.
Por acaso sabem: que a Holanda tem o hino mais antigo do mundo, escrito em 1572? O da Alemanha, que nem Hitler ousou mudar, é de 1841 com um texto adaptado de uma peça de Haydn em 1797? Que o da França, com o violento texto da Marselhesa, é instituído como Hino Nacional em 1795? Que a Portuguesa de Alfredo Keil e Lopes de Mendonça, foi a hino dos republicanos contra a monarquia, e acabou por ser instituída em 1911, sem sequer Salazar a ter alterado? O hino da África do Sul é uma adaptação do Hino do ANC, pelo musico brasileiro Djavan?
Podia dar mais exemplos, mas acho que é uma discussão despicienda, porque em Angola encontramos de quando em vez pessoas isoladas, ou em grupo disponíveis para trazer para a ribalta da limitada opinião pública e publicada, temas que noutros países nem merecem atenção, independentemente de mutações políticas, ideológicas e económicas que se vão operando.
Ficas bem connosco “Angola Avante” !

Fernando Pereira 31/1/2010

29 de janeiro de 2010

Quem conta um conto…/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 29-1-2010



Num lugar esconso da minha estante, fui encontrar um livro de “Contistas Angolanos”, exemplar poli copiado da Casa dos Estudantes do Império, edição de 1960, com capa de Luandino Vieira e uma reflexão de Fernando Mourão.
Foi nalguma das minhas deambulações por alfarrabistas, que comprei este livro, pois doutra forma dificilmente me teria chegado à mão. Textos de Agostinho Neto, Arnaldo Santos, Costa Andrade, Helder Neto, Luandino Vieira, Mário de Andrade, Orlando Távora (Pseudónimo literário de António Jacinto), Mário António, Oscar Ribas e mais uns quantos, que foram fazendo estas colectâneas, primeiras obras conhecidas da literatura, enquanto arma de ruptura política, com o sistema colonial prevalecente.
Por falar em António Jacinto, que tem sido injustamente esquecido desde a sua morte, vem-me à memória uma situação insólita. Quando por ocasião, do 1º Congresso Extraordinário do MPLA, em Dezembro de 1980 foram colocados uns outdoors, um pouco por todo o País, com palavras de ordem de apoio à realização do congresso, com a matriz ideológica assente no “irreversível caminho para o socialismo científico”, “ao inimigo nem um palmo da nossa terra” e outras que me lembro, e que foram ficando no baú de recordações da história, embora com muitos protagonistas politicamente muito activos hoje. Num desses cartazes emergia a figura de Lenine, ao lado de um outro com os Presidentes Neto e José Eduardo dos Santos, e o motorista do meu serviço, informado militante, identificou logo os três: “Neto, José Eduardo, e o camarada António Jacinto”.
Nos anos setenta, com o dealbar da independência, houve aspectos deliciosos no monopartidarismo, que convenhamos foi indispensável para a coesão e unidade do País. Havia uma denominação que achava simultaneamente risível e bizarra, que era a designação de dirigentes e responsáveis. Nunca percebi muito essa distinção, pois para ser dirigente, parte-se sempre do pressuposto que se tem que ser responsável, embora indesejavelmente muitas vezes já se tenha verificado, que se pode ser dirigente, sendo até irresponsável, tendo em consideração ulteriores avaliações de desempenho.
Houve necessidade de em determinada altura, se adquirirem veículos para a máquina do Estado, já que o depauperado parque de veículos do tempo colonial, não respondia às necessidades.
Uma das primeiras importações de viaturas para dirigentes e responsáveis foram precisamente os LADAS, da então URSS, e os Volkswagen, Modelo Brasília, importados do Brasil num lote que incluía as Kombis e um jipe Gurgel de aspecto patusco. Continuavam-se a montar em Luanda os Land-Rover e as Renault 4L, e lá ia havendo uns carros para que as coisas funcionassem, ainda que de forma limitada.
Em determinada altura, já no fim da década de setenta, aconteceu a “Fiatocracia”, em que se importaram Fiats para quase tudo que era responsável, dirigente e alguns familiares ou dependentes.
Os Fiats inundaram Luanda, e algumas capitais de província, onde os delegados provinciais tiveram direito aos novos 128. Os membros do comité central do MPLA tiveram direito a Fiat, modelo 132 brancos: Os membros do governo não pertencentes ao comité central tinham direito ao mesmo 132, mas num azul-marinho carregado, assim como alguns majores das FAPLA, que tiveram direito ao 132 verde, de farda militar. Os militares de patente mais elevada, no tempo não havia nada acima de coronel, tinham direito ao soviético Volga Gaz, e no topo a Range Rovers, todos verdes. Os membros do Bureau Político do CC do MPLA tinham Mercedes preto e os Comissários Provinciais e alguns directores das famigeradas UEEs tinham os Range Rovers, então os jipes de topo no mercado mundial. Os directores nacionais e chefes de departamento nacionais de ministérios, e dirigentes de empresas ou serviços desconcentrados dos ministérios tinham direito ao Fiat 128, que só tinham três cores: branca, verde e cor de laranja. Também a juízes, quadros superiores de empresas e a alguns professores universitários foram distribuídos os 128. Na Sonangol proliferava o Volkswagen carocha amarelo.
As Renaults 4 montadas em Angola, e os “Zedus”, nome como foram carinhosamente baptizados os Volkswagen carochas importados do Brasil, foram substituindo paulatinamente a “Fiatocracia” instalada, que iniciaram outro período na história do veículo importado em Angola, que curiosamente tem acompanhado as mutações políticas e o modelo económico do País ao longo destes trinta e cinco anos.
Como um parque automóvel faz a história de um País!

Fernando Pereira
26/01/10

23 de janeiro de 2010

O ALVOR DA BANDEIRA / Ágora/ Novo Jornal / Luanda/ 22-01-10



Estou a escrever esta crónica no dia 15 de Janeiro de 2010. Há precisamente trinta e cinco anos no Alvor, Algarve, virava-se uma página determinante na história de Angola, no fim de uma cimeira de cinco dias, Portugal e os representantes da UNITA, FNLA e MPLA, acordavam a independência do território em 11 de Novembro de 1975, e os termos da transição do poder colonial para as novas autoridades do País a emergir.
Estou aqui rodeado de revistas, documentos, jornais e comunicados da época, e revejo com nostalgia esses dias de Janeiro de 1975, que acompanhei tão intensamente de perto.
Nesses dias movimentados, na circunstância, num cálido inverno algarvio, estabeleceram-se alguns princípios, camuflaram-se desconfianças e conseguiu que saísse o “Acordo do Alvor”, que estabelecia as regras mínimas da organização de um governo e uma forma algo pueril de manutenção da ordem no território, a partir desse momento sob administração portuguesa partilhada com movimentos de libertação.
Não vou perder muito tempo a falar do acordo do Alvor, nem dos cinco dias em que as delegações estiveram fechadas no Hotel da Penina, porque já se especulou o suficiente, e cabe agora aos historiadores fazerem o balanço desses dias da esperança para o povo de Angola.
O resultado imediato não foi bom para muita gente, mas a realidade é que trinta e cinco anos volvidos, valeu a pena, mesmo com o tempo em que houve coisas que não correram bem.
Trinta e cinco anos pode ser muito tempo na vida de uma pessoa, mas é uma gota de água no processo histórico de uma nação.
Os acordos do Alvor foram o princípio do fim de uma etapa de luta, de que o 11 de Novembro foi um parto difícil, mas conseguido “a golpes de vontade” (Ary dos Santos).
Quando há quatro anos, Angola foi ao Mundial de futebol, repetiu-se-me a euforia que sempre mantive desde Novembro de 1975, quando vejo a bandeira do País. Mas nessa altura a minha euforia era maior, porque vi por todo o lado a bandeira, e achei que se tinha dado a estocada final numa estulta ideia, de se fazer em Angola uma nova bandeira, como chegou a ser proposto por uma comissão!
Hoje é impossível mudar a nossa bandeira, porque na realidade passou a fazer parte da nossa forma de estar angolano, e agora no CAN, em que a “bandeiromania” tomou conta de todos, e já ninguém se lembra do projecto que ganhou, mas que convenhamos também não tinha entusiasmado ninguém.
O projecto que ganhou, que terá aparecido de uma ideia peregrina de “unidade nacional”, mais não foi que uma tentativa de promover divisões e gastarem-se uns dinheiros. Felizmente por omissão, imperou o bom senso, senão arriscávamo-nos a ter um arremedo de imitação da bandeira da Costa Rica, e também um pouco parecida com as toalhas de praia, que uma determinada marca de cremes para a pele ofereciam na compra de um pack de dois gel corporal e uma bisnaga anti-rugas.
Angola já ganhou o CAN, nalgumas coisas, e numa delas nesta euforia das bandeiras o que demonstra que as pessoas querem a que sempre conheceram, a da catana, roda dentada, estrela num fundo vermelho e preto.
Diziam que era a bandeira do MPLA, e daí? A bandeira da Namíbia não é uma cópia aproximada da SWAPO?, a da Guiné-Bissau não é a do PAIGC (que já acabou)?, a de Moçambique não é a da FRELIMO, a de Portugal não era, do extinto em 1926 ,Partido Republicano Português, a de França não foi a que saiu da Revolução Francesa no fim do século XVIII?, a DA Republica Popular da China não é a do PCC de 1949? e por aí fora, nunca mais saindo daqui, com exemplos, e as bandeiras por norma são escolhidas por um determinado momento histórico e prevalecem no tempo. No caso da nossa coincidiu com esse nunca esquecido 11 de Novembro de 1975.
A minha eterna alegria no País, entre outras, é ter os símbolos que vi nascer com ele. Se acabarem com eles depois de eu morrer, já pouco me interessa, mas até lá deixem-me ver o sonho acordado todos os dias, com a nossa bandeirinha negra, vermelha e amarela com os símbolos que a gíria popular resumiu de forma exemplar: “Se não entras na engrenagem levas uma catanada que até vês estrelas”!

Fernando Pereira
15/01/2010

15 de janeiro de 2010

Tristão sem Isolda/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 15-01-2010



Reconheço, que não terei começado da melhor forma a Ágora neste iniciar de 2010. Vamos ver se as coisas melhoram!
Fez no pretérito 4 de Janeiro, precisamente 50 anos que morreu o incontornável Albert Camus. Filho de francês e de espanhola, viu o precoce desaparecimento de seu pai durante a 1ª Guerra Mundial, e daí teve que ir viver com os seus avos, em Argel. Prémio Nobel da literatura em 1957, um dos grandes dos primórdios do existencialismo, companheiro de Sartre, Senghor, Césaire e ocasionalmente de Mário Pinto de Andrade, era um homem de “humanismo insistente, estreito, puro, austero e sensual”( Sartre no seu elogio fúnebre).
Camus foi uma pessoa que foi afirmando a sua personalidade política, de apoio à independência de uma Argélia, embora fosse um pied-noir, e sendo uma das maiores referências literárias do século XX, é uma inegável autoridade moral, e reflecte em toda a sua obra as grandes contradições morais do pós-guerra. Foi militante do PCF, que abandonou, e durante a 2º Guerra Mundial, como jornalista organiza núcleos de resistência ao nazismo. Era um apaixonado por futebol, modalidade que praticou na Argélia.
“O Estrangeiro”, “O Mito de Sisifo”, “A Queda”,” O Homem Revoltado” e a “Peste” são um conjunto de obras que me fizeram sentir muito próximo de um autor que tem humor, e há nele uma leveza na forma como trata as questões e o quotidiano.
Esta deambulação minimalista pela obra de Camus, coincide com o facto de haver em França, uma grande discussão sobre a transladação, dos seus restos mortais para o Panteão Nacional, onde a xenofobia e o reaccionarismo fazem brado, pois colocar um “impuro” ao lado de Victor Hugo, Descartes, Madame Curie, e pode abrir caminho a sabe-se lá a quem!!!
Acho que em Angola, devia-se começar a pensar onde enterrar os seus heróis com a dignidade que merecem, pois é obrigação de um Estado enaltecer os que foram determinantes na sua história, colocando-os em locais nobres, onde a população possa saber onde estão os que foram melhores, sem que naturalmente violente as convicções religiosas e tradicionais do cidadão e sua família.
São dispensáveis mausoléus, de discutível qualidade arquitectónica, de total inutilidade política, e acima de tudo de conclusão imprevisível, mas um lugar, que conjugasse a contemplação e o respeito, pelos que em vida construíram algo de importante para nós.
Dirão alguns, que não há gente em quantidade suficiente, mas nem o Panteão de Lisboa (1916), nem o de Paris (1790) Roma (1436), o Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves (1986), em Brasília, e outros locais do tipo foram feitos para esgotar a lotação logo após a construção.
Vão-se lembrando disso, porque se hoje muito poucos lá caberiam, julgo que “atrás de tempos virão tempos e outros tempos hão-de vir” (Fausto), e não se pede um Vale dos Reis de Tebas, mas um sítio onde os católicos, agnósticos, ateus, protestantes, animistas, possam ter o seu lugar, se a vida o fez para o merecerem.
De quando em vez lembro coisas deliciosas na nossa cidade capital, como por exemplo ainda estar numa parede no largo perto do BPC, um azulejo com o nome de “Largo Tristão da Cunha governador -1666”. Aparentemente nada tem de extraordinário, mas a realidade é que esse tal Tristão foi governador cinco meses, e logo teve direito a Largo numa zona nobre da cidade, e o sendo tão despercebida a acção este governador, não deixa de ser risível, que ninguém se lembrasse de mudar o nome do largo.
Podem vir com muitos argumentos, mas de facto, eu se fosse de uma comissão de toponímia, não iria admitir em circunstancia alguma que se perpetuasse uma placa com o nome Tristão, quando o angolano é uma pessoa alegre, comunicativa, profundamente afectiva, nada que tenha a ver com o nome Tristão, que se vê bem que é um nome mais adaptado ao cinzentismo colonialista, que à garridice do nosso País.
Já que falo nesse largo lembro-me que a velha confeitaria Royal, tinha uma porta de serviços para lá, quando acompanhei o meu pai até ela ter fechado, num prédio hoje demolido. O que me fascinou sempre, ainda hoje, foi ter visto aí a primeira matrioshka, que ainda hoje é a latinha mágica do fermento Royal, que tem um rótulo que vai sendo repetido até desaparecer. Latinha branca e vermelha, que nada tem a ver com as cores de um clube a que tenho uma visceral antipatia.
Bom ano, sem Tristão!
Fernando Pereira
11/01/2010

11 de janeiro de 2010

Opinião! Quando o dólar sobe, o Bangladesh! / Ágora / Luanda / 8-01-2010



“Imaginar, primeiro, é ver.
Imaginar é conhecer, portanto agir.”
Alexandre O´Neill
Poesias Completas
1951/1981

Penso deduzir, que 2010 reúne todas as condições para ser muito parecido com o de 2009.
Não sou economista, e convenhamos que em determinadas circunstâncias, nem percebo muito bem o que fazem; Sei que John Kenneth Galbraith, é um renomado economista americano que em 1975 foi autor de um livro, “ Money: Whence it came, where it went”, que diz exactamente isto, que é no mínimo alarmante: «O estudo do dinheiro na economia é, antes do mais, uma complexa forma que é usada para mascarar a verdade, isto é, para escondê-la em vez de a revelar».
Naturalmente, que não serei tão pueril, que acredite que tudo gira em torno dos usos, abusos e diferenças de fusos do dinheiro. Mas daí a ser um factor de unidade, vai uma distância enorme, e não sei bem porquê, mas toda esta história do dinheiro transformado em dinheiro reprodutivo, e de um momento para o outro o dinheiro volatilizar-se, por causa de mercados e mercadorias que nem sabemos tampouco onde são, nem para o que servem, traz-me à memória uma história que li há vinte e cinco anos na “Directa”, livro de um enorme autor português, Nuno Bragança, desaparecido em 1985.
“Era uma vez um surdo completamente surdo, um paralítico completamente paralítico e um calvo completamente calvo. Viviam juntos e de tanto se aborrecerem decidiram partir. A fim de alcançarem o ponto mais distante do mundo puseram-se a caminho a pé, ou seja: o paralítico ia deitado numa maca, porque era tão completamente paralítico que nem sequer se podia sentar, e o calvo e o surdo transportavam a maca. O surdo ia à frente.
A certa altura da viagem foi preciso atravessar uma floresta. Quanto mais os três homens penetravam nela mais o mato era denso e a folhagem cerrada: Por causa disso e do anoitecer, escurecia.
Iam a meio de uma clareira quando o surdo disse: «Poisa a maca.»E deixou de andar, o que obrigou o calvo a parar também. O calvo e o surdo puseram a maca no chão.
E o surdo disse assim: «Esta floresta está cheia de assassinos e malandros. Há já um bom bocado que oiço o restolhado deles.» O calvo respondeu: «Estou em crer nisso, porque sinto que os cabelos se me estão a pôr em pé.» Então o calvo e o surdo desataram a correr, seguindo o trilho que tinham aberto no mato.
O paralítico ficou sozinho na clareira. E ele pensou: «Não gosto de estar nesta floresta. Parece-me que vou mas é fugir daqui.»

Uma das novas tendências do trabalho ideológico actual, tem sido o de substituir nos homens o punho esquerdo fechado pela genuflexão, acabar com a luta de classes e harmonizá-la com a diferença entre os muitos homens do produzir e os poucos predestinados a reproduzir, e por aí adiante.
A grande questão é que os problemas continuam, e perpetuam-se, mesmo nalgumas economias ditas emergentes, que em tempos idos eram países em vias de desenvolvimento, quando o conceito de Sauvi, existia no léxico sociopolítico, da geografia das economias mundiais sob a designação de “Terceiro Mundo”.
Não me esqueço, que para a transição do século, os países que se apresentavam com economias mais promissoras para o investimento eram o Chile, o Paquistão, a Irlanda e o Zimbabwe! Na altura o Zimbabwe tinha um crescimento de quase vinte e dois por cento ao ano, o que surpreende quando nos confrontamos com a realidade actual, e quanto às outras promessas é o que se vai sabendo.
Só é possível desenvolvimento se apostarmos no envolvimento em coisas tão simples, como a democracia, a liberdade, a educação, a formação profissional, o estímulo ao trabalho, o acesso a uma saúde digna e um exercício de poder transparente e humanizado.
O poder é um calvário. E é simultaneamente uma sedução. Tanto para aqueles que apenas lhe imaginam as delícias, como os que já lhe sofreram os espinhos. Na maioria dos casos uns e outros, dispõem a sacrificar-lhe o melhor que a vida tão curta e tão avara tem para nos dar.
Não sei o que vai ser o ano de 2010, mas só espero que não se siga à risca o que os especialistas em macroeconomia desenham para o futuro, porque pode haver sempre um Madoff desconhecido que o pode surpreender, e lá volta o futuro ao ponto zero novamente.
Desculpem a ligeireza com que falo das coisas, mas dá para perceber que sei muito pouco do assunto, mas ainda aprendi que “Quando o dólar sobe, o Bangladesh”!
Bom ano para quem me leu até ao fim!
Fernando Pereira
6/01/10

Ad “Vértice na água”! / Ágora/ Novo Jornal / Luanda 8-1-2010



Esta é a primeira Ágora, do resto de todas as outras, neste ano trinta e cinco da independência da Republica de Angola.
Há modificações auspiciosas no léxico político do Presidente da Republica, no seu discurso de fim de ano, que auguram qualquer coisa de positivo num futuro, que apesar de grandes esforços e vontades múltiplas, será improvavelmente próximo.
José Eduardo dos Santos reiterou as ideias marcantes do discurso de encerramento do MPLA, e se o combate é para ser feito, há que engajar (já me tinha desabituado de ouvir esta palavra) toda uma população, mas será expectável, que os bons exemplos partam dos que hierarquicamente estão mais altos, nos diferentes órgãos de soberania.
A “tendência zero” à corrupção, ao nepotismo, à extorsão, etc., não poderá ser apenas um mirífico desejo, ou um sonhar acordado, mas acima de tudo algo que passe a ser um quotidiano exercício de cidadania.
Reconheço como angolano, que também sou responsável por tudo que tem acontecido, talvez mais por omissão, mas a realidade, é que ninguém sai impune numa situação, que efectivamente é desconfortável para todos nós, e que talvez mereça mais este esforço colectivo, num País que tantas vezes o faz, mas que também inúmeras vezes o desfazem.
Se houver prática nas palavras do Presidente da Republica, poderemos estar a encerrar um ciclo de quase 370 anos na vida de Angola!
Reza a história que em 1648, quando Salvador Correia de Sá combateu os holandeses em Luanda, terá dado ordem para saquear, algo que era normal na época, pois o pré dos soldados era pouco, e só o saque compensava tamanhas aventuras guerreiras. O saque terminava normalmente, quando o comandante dava ordem ao corneteiro para que soprasse a corneta, audível em todo o campo de batalha.
Em Luanda aconteceu o que nunca deveria ter sucedido, nada mais nada menos que a morte do corneteiro antes do toque de fim de saque. Diz a história, que nunca mais foi revezado o soldado que tinha esse mister, e poucos se tem preocupado em procurar alguém com perfil adequado ao cargo!
Claro que isto é uma história já antiga de Luanda, e raro será o angolano que não a conheça, mas é ilustrativa da permeabilidade de Angola, se permitir ficar sem os seus recursos e sem contrapartidas assinaláveis.
Não desejava que Angola, caminhasse para a situação sintomática, da frase que se ouve a certo momento do conhecido banqueiro Meyer Rothschild, fundador da dinastia financeira Rothschild, em que ele diz: «Dêem-me o controle do dinheiro de uma nação e não me importa saber quem faz as leis»("Permit me to issue and control the money of a nation, and I care not who makes its laws."Mayer Amschel Rothschild, International Banker ).
Este tema é delicado, e provavelmente vai pelo menos trazer para o debate novas ideias, e que se restabeleça o respeito pelas nossas naturais diversidades, sem as quais não pode haver sociabilidade construtiva.
Sem diálogo aberto não há viver normal, não há viver que valha a pena, e todas as boas intenções se esboroam no comezinho racismo social, político, oportunista, racismo que aglutina toda a espécie de idiossincrasias, fazendo degenerar o convívio numa constante crispação de repulsas e suspeitas.
Se tivermos a coragem, que outros vêm tendo, de nos desembaraçarmos de fantasmas possessivos e de nos abrirmos ao nosso tempo, onde uma realidade nova e impaciente poderá desfigurar-se quando se cansar, em definitivo da longa espera.
Nesta Ágora algo melancólica, deixo recados sobre as “palavras” de um grande autor da língua portuguesa, Fernando Namora (1919-1989), que tive o privilégio de ter conhecido, e de ter participado como figurante num episódio, de uma série que a TPA colocou no ar em 1982 “Retalhos da Vida de um Médico”, realizada por Artur Ramos: “As palavras, mesmo não podendo ser neutras, têm o seu uso e o seu abuso, e nessa distinção reside a sua funcionalidade. As palavras, ao nomearem as coisas, estão já a animá-las de um significado próprio, senão mesmo a modificá-las, e, ao traduzirem sentimentos, estão já a tomar partido sobre o modo como lhe somos receptivos. Mas daí até à perversão vai algum caminho andado, e esse é de evitar, sobretudo nas fases de ira e angústia em que as palavras podem pôr em causa o que para uma sociedade, é a matriz do seu viver” .
Cada geração tem direito à sua revolução, dizia Thomas Jefferson (acho eu).
Fernando Pereira
5/1/10

30 de dezembro de 2009

Opinião/ Dez anos que não mudaram o mundo/ Luanda/ Novo Jornal 30-12-09




Dez anos que não mudaram o mundo.

Longe vai o ano de 1845, em que o jovem Karl Marx, escrevia as 11 teses de Feuerbach, e que a décima primeira dizia: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo.”
Foi o preambulo teórico de todo um processo de lutas, e mudanças sociais, económicas e políticas, ao longo de todo século XX.
Estes primeiros dez anos, foram a acrimónia dos últimos anos do século transacto. Tem sido feito, com algum sucesso aliás, um esforço continuado em obliterar ideologias que prevaleceram dominantes no mundo no século passado, e que por razões ainda não suficientemente estudadas cientificamente, tem sido guilhotinas, para se saber as devidas causas. O seu lugar foi ocupado pelo liberalismo que se esperava, pois a realidade é que esta primeira década de um milénio que se augurava promissor, transformou-se num mundo onde a globalização (antes chamada de imperialismo), a selvajaria de novos métodos de velhos sistemas económicas, levaram à descrença a maior parte da população mundial, que entusiasmadamente aplaudiu a mudança.
No campo da tecnologia, houve avanços significativos e as pessoas passaram a estar mais próximas para saberem mais dos outros, com cada uma cada vez maior desigualdade na distribuição da riqueza. Este século, e esta crescente sociedade da informação, dá a possibilidade das pessoas saberem que trabalham arduamente, mas o seu magro salário, ou a dignidade da sua vida é concebida pelos ditames de uns números que giram a grande velocidade numa Wall Street (uma rua em Nova York do tamanho da R. dos Mercadores), de um Nikei em Tókio ou um Dax em Frankfurt, onde muitos milhares de pessoas, enxameiam espaços a vender e a comprar papéis de coisas, que outros realmente produzem em circunstâncias social e materialmente degradantes.
Numa década em que os conflitos étnicos, tribais, fronteiriços e religiosos se multiplicaram e desenvolveram com uma violência inimaginável há uns anos, o que assistimos é a derrota dos que apregoavam, que os países do leste europeu eram a cabeça da hidra do “Eixo do Mal”. A realidade é que a desagregação da ex-URSS mostrou as fragilidades da sua economia, e a sua inépcia em preservar o ambiente, mas também mostrou um sistema que deu quadros mais capacitados e desenvoltos, mesmo para competirem nos mercados tecnologicamente exigentes do centro da Europa, para dar um pequeno exemplo.
A Liberdade é um valor sagrado em qualquer modelo de sociedade, mas a realidade é que com a falta de discussão ideológica, em torno da posse dos meios de produção, do lucro e do seu uso, e dos direitos dos cidadãos, permite que as religiões monoteístas, e as poderosas instituições que as regulam hierárquica e economicamente, tentem ocupar esse lugar, não olhando a meios, e nalguns casos usando torpes razões para fazer valer a sua implantação no terreno.
Acabámos a década com o aparecimento de potências emergentes, mas simultaneamente, os dados dos organismos das Nações Unidas dão 900.000.000 de pessoas a sobreviverem na indigência e na pobreza extrema.
Conceitos de solidariedade, de desenvolvimento sustentado, de remuneração justa, de trabalho digno, de combate continuado à doença e um acesso à educação, são “retóricas”, que já nem no domínio do léxico político se consegue vislumbrar.
Tudo hoje é mais rápido, porque há redes sociais, computadores, meios de transporte mais velozes e cómodos, antenas parabólicas, radares, telemóveis, uma miríade de coisas que nos apareceram esta década, e que vão transformando quem ainda “valoriza outras coisas” em verdadeiros “botas-de-elástico”.
A realidade é que houve uma crise na economia mundial, talvez parecida com a de 1929, tão bem tratada pelos “Tempos Modernos” do talentoso Charlie Chaplin, porque apesar de nos darem a ver muita coisa, há também a arte de esconder outra, e por vezes o essencial. Oitenta anos depois, tudo tão diferente, e ao mesmo tempo tão igual.
No mundo inteiro vai prevalecendo o princípio, que a terra é dos nossos antepassados, e que a teremos que usar e entregá-la aos nossos filhos em condições. Os Índios, os que escaparam, têm uma teoria diferente: a terra é dos nossos filhos, nós é que a pedimos emprestada, pelo que temos que cuidar dela com redobrado cuidado porque não é nossa.
O fim de década não podia ficar marcado por pior espectáculo, como o que se assistiu em Copenhaga, ou talvez tivesse sido o epílogo de uma década que deixa poucas saudades. A posição de alguns países, nomeadamente dos EUA, foi no mínimo hipócrita, pois disseram pura e simplesmente: Poluímos enquanto quisermos, e se há países que se sentem lesados com a poluição, pagamos! Um conjunto de países ouviu falar de dinheiro, quis lá saber do ambiente, do aquecimento, do futuro, e logo se colocaram naquela posição dúbia de não discutirem o que era em termos ambientais importante, mas quanto poderiam receber para que tudo continue na mesma e a degradação continue até à irreversibilidade!
Sou um pessimista, mas salvaguardo que um pessimista é um optimista com experiencia!
Que venha outra década, que esta já a ficámos a conhecer!

Fernando Pereira
28/12/09

Tchiweka / Ágora / Novo Jornal/ Luanda 30-12-09



Tchiweka

“Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis”
Bertold Brecht

Fui presenteado, por um bom amigo, com o livro “Lúcio Lara, imagens de um percurso”, editado pela “Associação Tchiweka de documentação”.
Este livro, graficamente excelente, é a fotobiografia do homem que trilhou toda a luta de libertação de Angola, do seu nascimento enquanto País, e a sua tumultuosa existência nestes quase trinta e cinco anos de independência.
Há uns tempos, passei a pé na casa branca, a 124, da Rua Comandante Stona, e reparei que era a única casa de Luanda que tinha visto sem grades, sem arame farpado, sem segurança sentado numa cadeira à porta, sem muros altos e com o jardim cuidadosamente arranjado. Comentei esse facto com alguns amigos, e realmente foi generalizada a opinião que essa situação era imposta pelo respeito, só possível pela probidade e estatura moral do proprietário da casa: Lúcio Lara.
Lúcio Lara dedicou toda a sua vida à luta pela independência do povo angolano, sacrificando-se, sacrificando a sua família, e nunca nada pediu em troca, rejeitando demasiadas vezes cargos, lugares, em suma todo um conjunto de “prebendas”, que o violentassem no seu carácter de homem impoluto, de grande maturidade ideológica e profundamente arreigado a valores, que se para alguns são dispensáveis, para ele foi a razão de luta de uma vida vivida, dura e materializada nalguns dos seus lídimos objectivos.
Esta fotobiografia, bem como os outros três livros de documentos, já publicados pela ATD, revela uma pessoa de combate, mas também alguém que dava e retribuía com facilidade doses elevadas de afectividade. O MPLA foi a razão da sua vida, ele que é um dos poucos sobreviventes, de um projecto que criou e desenvolveu, onde tantos tem entrado, e que merece do seu País tudo que se deve dar a um dos seus melhores, que são tão poucos..
Lúcio Lara funcionou para mim e para muitos da minha geração, quase que como um alter-ego, com a sua luta continuada pela libertação do País, a defesa obstinada do seu projecto de sociedade igualitária em Angola, o tenaz combate ao racismo e tribalismo, pasto fértil para a penetração de formas de liberalismo niilista, em que o lucro a qualquer preço é o mote da sociedade, e em que o homem passa a mercadoria ou estatística.
Este livro, é provavelmente do melhor que se fez em Angola, nos últimos trinta e cinco anos, e mostra fotos de paixão, de amizades perpetuadas, de reuniões aturadas, de situações complicadas, de momentos de tensão, de permanente trabalho político, de cumplicidades forjadas em propósitos comuns de afirmação de vontades de transformação de sociedade, enfim mostra o trajecto dos quase cinquenta e cinco anos do MPLA, que só tem um denominador comum: Lúcio Lara.
O livro abre a sua casa, mostra a sua dedicada família, expõe a simplicidade dos seus hábitos e partilha com todos o que gosta de fazer, os seus amigos, e os anos vividos com a sua companheira Ruth, falecida em 2000, e que seguramente foi um enorme choque, tal a cumplicidade de quase cinquenta anos de vida em comum, e de partilha de ideias, sentimentos e convicções.
Este livro é o verdadeiro livro de Angola, obrigatório para todas as gerações, principalmente para a juventude, para perceberem se o que hoje é fácil ou facilitado., foi feito com luta por pessoas imprescindíveis, e que felizmente ainda vivem entre nós.
Lúcio Lara, agradecemos-te porque não deitaste os papéis fora, e teres sido sempre um rato de papeis! Talvez assim se tivesse evitado, que em Angola, ou noutro lugar, se escrevesse ou reescrevesse a história segundo as conveniências do mercado e das circunstâncias adaptadas a determinados momentos.
Á Associação Tchiweka de Documentação, saúdo o mérito de todo o trabalho que aí está ao alcance de todos os angolanos, sem peias nem meias!

Fernando Pereira
24/12/09

23 de dezembro de 2009

Engenheiros de Almas? / Ágora/ Novo Jornal/ Luanda/ 23/12/09




Estamos nataliando, e esperava-se provavelmente uma crónica à volta de renas, pais natais, presépios, cabazes, doçarias, bacalhaus e outras vitualhas, adaptadas às circunstâncias do desenvolvimento e inerente envolvimento!
Hoje o tema é sobre uma situação que trouxe em polvorosa algumas pessoas, meios políticos e culturais do País, por João de Melo, ter vencido o prémio de Literatura e Artes atribuído pelo Ministério da Cultura em 2009.
Quero fazer desde já uma declaração prévia de interesses: Sou amigo de João de Melo. Foi meu colega de turma vários anos no Salvador Correia, percorremos juntos locais de Coimbra enquanto estudantes, fui seu colaborador regular no “Correio da Semana”, sou admirador da sua obra literária, e acompanho com entusiasmo qualquer projecto onde participe, pois habituei-me a dimensionar a o seu civismo impoluto.
Acho que João de Melo há muito que merecia este prémio, e não o digo por simpatia, mas porque acho que é um dos escritores angolanos com obra solidificada e com leitores fiéis, sem ter procurado colocar-se em bicos de pés, ou na busca quase doentia de protagonismo a qualquer preço, para se promover, como há exemplos suficientes na escrita doméstica e exportada.
João de Melo, foi sempre uma pessoa discreta, simultaneamente sagaz e hábil na construção das palavras assertivas, num espaço de intervenção política que sempre foi seu, geneticamente herdado, e militantemente afirmado. Nunca foi pessoa a quem se pedissem meias-palavras, penumbras lógicas e matizes indecisas. Foi deputado pelo seu MPLA de sempre, e se hoje faz parte dos quatro milhões de militantes (?), houve momentos em que ele era militante e à sua volta estavam apenas quatro múltiplos de cem, depois 4 múltiplos de mil e por aí fora, até não termos uma praça em lado nenhum para juntar tanto militante, tanta divergência ideológica, política, religiosa, económica e étnica num quadro muito difuso de “socialismo democrático”, ou “partido de esquerda”, matrizes tão enfatizadas recentemente no VI Congresso do MPLA.
Viriato da Cruz merece este prémio, mas antes disso merecia que não fosse tão ostracizado da memória colectiva dos angolanos, e do próprio MPLA, movimento que fundou e liderou.
Não conheci Viriato da Cruz, e sempre que tentei saber algo sobre ele, vi barreiras demais, o que ainda aumentava o número de interrogações. O que conheci primeiro dele, foram os seus poemas, e acho que ele há-de vir a ser Prémio Nacional de Literatura e Artes, mas tenho a convicção que primeiro é necessária uma catarse, para que Viriato da Cruz não continue a ser ignorado pelos angolanos, e que o seu papel na história de Angola e da sua libertação seja relevado da forma solene, com dignidade, e que Angola se obrigue a olhar para as pessoas que lutaram e acreditaram nela como País, de uma forma reverente.
Em síntese, é indiscutível o merecimento de João de Melo pelo prémio, como é indiscutível que é urgente dignificar Viriato da Cruz, independentemente de percursos descontinuados em determinadas circunstancias.
Angola necessita pouco de “Engenheiros de Almas”, como Estaline chamava aos intelectuais e jornalistas em 1936, e este episódio da atribuição do prémio, ainda vai deixando pairar que não terão findado alguns tiques de ortodoxia dispensável, pelo menos nestes casos. Acabou por ser levado para um campo falacioso, e só algum bom senso manteve a dignidade do prémio, premiados e júri, que mereciam pouco esta exposição pública, pelo menos da forma como aconteceu.
Quis comparar-se, e mal, diga-se de passagem, a atribuição do prémio Camões, e recusado por Luandino Vieira. As razões aduzidas não tinham comparação nenhuma com este caso, e se querem manter o argumento, não deixem de se lembrar que quando Luandino recusou, o prémio foi entregue ao extraordinário Luis Miguel Cintra, um dos melhores actores do teatro e cinema português, encenador emérito e fundador em 1973 do Teatro da Cornucópia. Pode-se dizer que um ao recusar e o outro ao aceitar, equivaleram-se em prestígio, pois são ambos excelentes, e nenhum deles perdeu as qualidades com que foram distinguidos.
Um bom “Dia da Família” para quem vai tendo paciência de me ler.
Fernando Pereira
15/12/09

19 de dezembro de 2009

Capacete obrigatório/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda/ 18-12-09



O Novo Jornal faz o brilharete de 100 números. Esta coluna está pertinho de o fazer, por isso vão preparando os V. encómios (Narcisista q.b.).
Findou o VI Congresso do MPLA, e do que fui acompanhando, ressaltou que os Congressos do MPLA, já não se efectuam na Av. do 1º Congresso, o que é um claro distanciamento, onde pela primeira vez se fez um Congresso do MPLA de 4 a 10 de Dezembro de 1977.
Admito que há aspectos hitchkokianos neste congresso, pois o 47º elemento do Bureau Político do MPLA, permanece em suspenso e muito a propósito levante-se o véu, porque é um elemento feminino.
Para além do Congresso, começa a debandada dos expatriados para a Europa, não querendo partilhar a panóplia de cabazes disponibilizados pelo comércio a retalho e grossista do País.
Sou suspeito, porque realmente sempre gostei mais de “Dia da Família” do que do “ Natal”, e quando vejo os eventos que emolduram a festa que se aproxima, só me vou lembrando que também vai sobrar para mim, num primado para o fígado de “que resistir é vencer”!O escritor Baptista Bastos, quando vê alguém permanentemente ruborescido, tem uma tirada com imensa piada: “O meu amigo não engana ninguém, tem o seu fígado no nariz”!
Já que se fala em cabazes, longe vão os tempos em que as latas de sardinha em conserva, não eram especialidades de lojas “gourmet”, nem havia tanto “especialista” em vinhos, fumados e destilados, e em que os rebuçados se colavam invariavelmente ao celofane. Podíamos dizer que, um dos símbolos do colonialismo português era o bacalhau, que mantém a tradição nas novas gerações de angolanos, como a herança saborosa de um período cada vez mais esquecido da história. Aqui cabe referir que o bacalhau português é inigualável pois há povos, como os britânicos que o comem fresco, frito e sem azeite!
Mas o verdadeiro ex-libris do sistema colonial português, era o “capacete”, que era um garrafão de cinco ou dez litros, com o gargalo envolto numa camada de gesso, que era um certificado duvidoso de inviolabilidade, de vinho do Dão ou do Cartaxo, pois nesses tempos nem Douro nem Alentejo, e as mixórdias de vinho verde Lagosta, Casal Garcia e Gatão o máximo que conseguiam era dar uma enxaqueca terrível!
Macieira 5 Estrelas, vinhos doces abafados, aguardente “Paraíso”,a “D´uvas Portuguesas da casa” da casa Abel Pereira da Fonseca. Essa casa vinícola, já desaparecida, depois de um efémero reinado do vinho “Mosteiro”, proveniente do Brasil no fim dos anos 70, apareceu com um “Sanguinhal”, que convenhamos era para efeitos de uma cirrose, bem mais brando, do que o temível “Morteiro”,como era conhecido no léxico dos que a ele tinham direito e que tanta história deixou na cidade durante um determinado período entre o 1º Congresso do MPLA, e o 1ªCongresso Extraordinário do MPLA em 1980.
Recuando à década de 50, lembro-me de ouvir falar de um tal Porfírio Martins, um mágico perfeccionista na arte de baptizar o vinho.
Em altas horas da noite, o Porfírio escolhia dez barris mais cheios, perceptível com o chocalhar, depois de os deitar. Com uma chave de fenda, retirava o selo metálico que protegia o batoque, ou seja, a rolha que tapava o orifício por onde era introduzido o vinho, batendo em círculo com um martelo e um pano, até o batoque saltar e não ficar nenhuma réstia de que houvera violação prévia; Dois litros de álcool puro e oito litros de água trocava-se por igual “litrada” de vinho, já de si de discutível qualidade. Era o melhor de todos, e se houvesse seriedade na atribuição de licença profissional, ele seria um mixordeiro de 1ª classe. Não passou de um mediano “fubeiro”!
Um caso bem demonstrativo, em que a escassez de oportunidades impedem grandes voos!

Fernando Pereira
13/12/09

4 de dezembro de 2009

“E o canto do não, dobrou!”/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 4-12-09




Primeiro levaram os negros/ Mas não me importei com isso/ Eu não era negro. / Em seguida levaram alguns operários/Mas não me importei com isso/ Eu também não era operário./ Depois prenderam os miseráveis/ Mas não me importei com isso / Porque eu não sou miserável. / Depois agarraram uns desempregados/ Mas como tenho o meu emprego/ Também não me importei. / Agora estão-me levando / Mas já é tarde/ Como eu não me importei com ninguém / Ninguém se importa comigo.
Bertold Brecht (1898-1956)

Comecei esta crónica com um poema de uma das poucas referências que trouxe da “idade da razão” e que vou mantendo, quase como espólio, nestes anos que preenchem a “razão da idade”.
Guardei sempre de Brecht alguns versos para ilustrar situações e esta “Do rio que tudo arrasta/ Se diz que é violento. / Mas ninguém diz violentas/ As margens que o comprimem.” tem sido a recorrentemente utilizada nas mais variadas ocasiões e, pelos vistos, tem que ser mais lembrada que o cartão de débito ou crédito.
Não vou falar de Brecht, porque, de certa forma, sou demasiado “possessivo” para o partilhar, mas vou dar um pouco de ruído a gente aparentemente silenciada.
Daniel Filipe (1925-1964) foi um dos poetas cabo-verdianos de pouca obra mas profícua e importante para muitos da minha geração. A sua “Invenção do amor” era para muitos de nós “um cartão/ que o amigo maninho tipografou/ por ti sofre o meu coração/ num canto ‘sim’/ noutro canto 'não'/, como estava no “Namoro” de Viriato da Cruz. Era o livro que dávamos a alguém, esperando receber o seu amor em troca ou, não sendo possível, pelo menos uma atençãozinha de “sua parte”. Ainda hoje tenho um que me devolveram e ainda bem porque já não se encontra à venda em lado nenhum. Há um disco de Mário Viegas, reeditado recentemente em CD, notável pela força do poema, reforçado pela declamação virtuosa e talentosa do actor. Combatente da ditadura salazarista, anti-colonialista, Daniel Filipe foi cedo para Portugal onde estudou. Preso e torturado pela PIDE, regressa a Cabo Verde onde dirige jornais, morre precocemente, ignorado e esquecido por todos. “Pátria, Lugar de Exílio” é outra das suas obras poéticas de tomo que, de certa forma, me faz lembrar muito dos poemas de outro “espoliado de pátria”, Jorge de Sena.
Houve um homem em Luanda que, entre muita coisa, me falava e que me fez falta ouvir mais, e que me deu a conhecer Daniel Filipe: Felisberto Lemos.
Esse infatigável lutador anti-fascista, divulgador cultural na sociedade colonial, a quem Manuel Alegre chamou o “Livreiro da esperança” foi, durante décadas, até à sua saída em 1977, o homem a quem todos recorriam para terem o livro que a censura e o poder colonial proibiam, num verdadeiro opróbrio à seriedade e à discussão liberta e tolerante das ideias.
Foi para Angola depois de ter sido expulso da Coimbra Editora por motivos políticos e é na Lello, em Luanda, que é acolhido, onde mantém viva uma tertúlia e permanece fiel aos seus princípios, com uma coluna vertebral direita, não se sujeitando à mediocridade, resistindo à quietude moral e desafiando a mentalidade medíocre e passiva.
Regressa a Coimbra, depois de expulso de Angola, em circunstâncias nunca esclarecidas, acolhido inicialmente na Atlântida, transferindo-se para a livraria do “Jornal” apoiado por Beça Murias, José Carlos Vasconcelos e o malogrado Fernando Assis Pacheco e, já no fim da sua vida, pela amizade de Joaquim Machado na Novalmedina. O Felisberto da Lello nunca se queixou de nada, nem de ninguém, assumindo sempre Angola com o respeito que não vejo em muitos angolanos com responsabilidades. Foi confrangedora a forma como Felisberto viveu os seus últimos anos, com a saúde a deteriorar-se e sem recursos que lhe valessem. Quando morreu, foi a consternação generalizada porque foi um homem de grande carácter que desapareceu e que ajudou muitos a formarem as suas convicções e a lutar por elas, dentro do primado da liberdade, da democracia e de uma sociedade mais igualitária.
Brecht, Daniel Filipe e Felisberto Lemos eram diferentes em muitas coisas, a poesia e a vida coerente junta-os!
Há homens que são capazes/ de uma flor onde/ as flores não nascem/
Outros abrem velhas portas/ acendem nas praças uma rosa de fogo./
Tu vendes livros quer dizer/ entregas a cada homem/ teu coração dentro de cada livro.
Manuel Alegre, Livreiro da Esperança - a Felisberto Lemos


Fernando Pereira
25/11/09

27 de novembro de 2009

Volfrâmio/ Ágora / Novo Jornal / Luanda / 27-11-09



Volfrâmio
Fui recentemente a Londres, e enquanto aguardava em Heathrow pelo avião de regresso, deambulando entre as lojas do aeroporto, vejo uma portuguesa radicada em Angola, que apenas conheço pela sua contínua participação em eventos e presença em revistas “cor-de-rosa” ,tão em voga no mercado emergente angolano.
Na loja da “Shwarovski”, insistia que queria uma coleira para a sua cadelinha, pois já tinha vários modelos da referida marca. Não sei se a chegou a comprar porque entretanto saí da loja, já que a conversa entre a “colunável”, e a sua intérprete era no mínimo soez.
Mais uma ilustração do trabalho que o jornal “Expresso” e a SIC fizeram recentemente sobre os “gostos apurados dos angolanos”, e que terá provocado alguns engulhos. Ouvimos, vemos e lemos muito sobre o assunto, e basta ver a pagina de anúncios do Jornal de Angola, para esclarecer, quando: “Vende-se vivenda, com gerador, blá, blá, e com garagem e quintal para cinco carros”!!!
Todas estas manifestações ostensivas de novo-riquismo, que naturalmente acompanha estes períodos de rápido crescimento económico, aliada à muita facilidade em possuir dinheiro, acabam por propiciar a aquisição de bens tangíveis e luxuosos, e transformar a sociedade numa verdadeira ficção, durante um limitado período de tempo.
Sei talvez, porque é que hoje me voltei a lembrar, do grande mestre das letras portuguesas, Aquilino Ribeiro (1885-1963) homem indómito no combate à injustiça, que lhe valeu várias vezes a prisão e o exílio. Em 1943 saiu o “Volfrâmio”, que é a imagem do Portugal rural, iletrado e atrasado, que de um momento para o outro com a II guerra mundial, vê o volfrâmio das terras de paupérrimos recursos, valorizado, permitindo que o dinheiro começasse a jorrar a ritmos nunca previstos nas aldeias do interior do território.
A obra, escrita por um homem com uma verve inigualável nas letras lusófonas, faz a descrição minuciosa, do ridículo desse período fugaz de abastança no “Portugal dos tamancos” , e os gastos em festas, verdadeiras loas ao bacoquismo, em carros que as pessoas nem faziam ideia sequer como trabalhavam, mas que punham na loja, a par do burro ou da junta de bois, não longe do porco para a matança, no jogo, artefactos de joalharia, nalguns casos pagos como tal, e mais não eram que pechisbeque, roupas caras e meretrizes, mandadas vir de Espanha para volúpias, pouco coincidentes com os códigos sexuais restritos da moral católica.
Aquilino Ribeiro foi um escritor com enorme capacidade ao colocar o seu virtuosismo, na “denuncia do que pensa e sente a gente certa”(Ary dos Santos 1937-1984), pelo que “O Volframio” fosse uma obra a ler e talvez fazer exercício de “estudo-comparado” com a situação que se vai vivendo, e que também pode ser mesmo uma situação passageira num percurso evolutivo de uma sociedade, que ainda busca valores que irão reger a sua vivencia colectiva.
Mudando de assunto, li o livro de José Milhazes, “Angola, o princípio do fim da União Soviética”, um título demasiado pretensioso para quem constantemente nos diz ao longo do livro, que os documentos importantes ainda estão arquivados e mantidos secretos. Ficamos a aguardar que os abram, para saber se os poucos depoimentos no livro coincidem.
Milhazes como eu, e muitos outros acreditámos num projecto de sociedade, que ainda se afigura cedo para se retirarem conclusões definitivas, embora nunca tenha acreditado que “o Muro de Berlim servisse para evitar que as pessoas de Berlim Ocidental fossem a Berlim Oriental (ou a Republica de Pankow, como dizia a direita europeia) roubar o que elas lá tinham”, conforme cheguei a ouvir a um ortodoxo comunista. Sobre isto, talvez fosse bom ver o “Good Bye Lenine”, esse magnífico filme de Wolfang Becker de 2003!
Em jeito de lembrete final, não deixem de ir à apresentação do livro “Tibete em África”, da minha amiga Margarida Paredes, no Chá de Caxinde às 18, 30h do dia 3 de Dezembro!

Fernando Pereira
22/11/09

20 de novembro de 2009

Esgravatar II/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda/ 20-11-09



Esgravatar (II)
Tentava tanto quanto possível não usar, mas por vezes, invocando superiores interesses de alguma coisa, lá tinha que participar no uso da gravata, que posso dize-lo, nem o nó sei fazer, pedindo sempre ajuda a alguém.
O hábito é tão limitado que certa vez num jantar no Panorama, na circunstância da assinatura de um acordo de cooperação com a então URSS, no domínio da Educação Física e Desportos, eu apareci de fato e gravata, sapatos a brilhar, e quando me vou preparar para sentar nos momentos que antecedem o jantar, reparei que me esquecera de colocar as meias, pois não era hábito usá-las; Quedei-me de pé até irmos para a mesa, onde a toalha poderia ocultar os meus tornozelos desnudados, e sempre a puxar as calças para tentar tapar os sapatos. Inventei uma desculpa, para não ir à discoteca, e lá me pirei do repasto, que não estava a correr bem.
Num desses jantares de fim de trabalhos de assinaturas de tratados, houve um que por muito que viva nunca esquecerei. Era a assinatura do acordo bianual de cooperação com a RDA, e o jantar final foi no Costa do Sol. Levei gravata, fato, meias, enfim ia “formatado” para a ocasião. O Rui Mingas ia cumprindo cabalmente as suas obrigações de bom anfitrião, e em determinada altura eu fiz uma coisa que raras vezes faço, porque sinceramente não tenho jeito rigorosamente nenhum: contei uma anedota!
A intérprete ia traduzindo o meu português para o alemão, e o Presidente do INDER da RDA ia ouvindo. A anedota era típica das do Reader’s Digest, empresa que me dá uma certa alegria saber estar à beira da falência, por antipatias ideológicas já antigas.
” No Muro de Berlim estavam duas crianças, uma de cada lado; A do lado ocidental todos os dias dizia: Não tens carros bons, não tens brinquedos, não tens casas aquecidas, etc. ao que a do lado oriental replicava que não tinha desemprego, tinha saúde e ensino gratuito, etc.. Isto repetia-se até que um dia a criança do ocidente trouxe laranjas, e começou a dizer: Não tens laranjas, não tens laranjas, ao que o outro meio embatucado replicou: Tenho Socialismo. A criança do ocidente chega a casa e conta ao pai, e o pai diz-lhe: Diz-lhe que hás-de ter socialismo. No dia seguinte ei-los no muro e voltou a ladainha da véspera com o ocidental a dizer que não tinha laranjas, o outro a dizer que não tinha socialismo, o de Berlim ocidental a lembrar-se o que o pai disse: Hei-de ter socialismo, ao que o de Berlim oriental com um ar triunfante replicou: Quando tiveres socialismo não tens laranjas!!”
Escusado será dizer qual foi a reacção da intérprete, porque ela nem sabia se havia de reproduzir o que eu havia contado, perante o olhar malandreco do Sardinha de Castro, Paulo Murias, Espírito Santo e o riso diplomaticamente contido do Rui Mingas. A verdade é que o convidado aceitou com disfarçada fleuma, mas não deixou de me explicar as virtudes do socialismo na RDA, o que foi muito incomodativo diga-se em abono da verdade. Vinte anos depois da queda do muro, gostava de perguntar aos visitantes se vem laranjas todos os dias!
Já que se fala de indumentárias e acordos, fui por vezes advertido, ainda que com a sua proverbial bonomia, de que deveria ser mais formal no vestir quando havia visitas ao ministério, por parte do Rui Mingas, e tudo girava em volta da” torturável” gravata.
A minha convicção é que se banalizou o uso do fato, e as características do clima africano desaconselham o seu uso quotidiano. Obviamente que não gostamos de ver um locutor na TV em mangas de camisa, mas já não me escandaliza que um repórter de rua vá fazer o seu trabalho de forma mais informal, sem que para isso seja negligenciada a sua apresentação.
Dizia um amigo, quadro dirigente de um ministério, que saiu uma circular a recomendar o uso generalizado do fato e gravata, e o paradoxal é que havia esgotos a céu aberto à entrada e as casas de banho exalavam um fedor, que nem o ar condicionado dos gabinetes conseguia dissipar. Uma questão de prioridades julgo eu!
Desculpem a esgaravata dela, mas o comentário do leitor não me deixou indiferente, e aproveitei a boleia.

Fernando Pereira
5/11/09

13 de novembro de 2009

Esgravatar/Ágora/ Novo Jornal / Luanda/ 13-11-09



Esgravatar (I)

Numa das últimas edições deste jornal, vi um comentário de um leitor, sobre a indumentária, e a parafernália de adereços, que as pessoas se habituaram a usar, para tentarem mostrar estatuto, obrigando-me a concordar totalmente o comentário do leitor.
Nunca gostei de usar gravata, e nos lugares quentes, este adereço torna-se num perfeito instrumento de tortura, e um acumular continuado de odores que perturbam qualquer pituitária empedernida. A gravata foi utilizada pela primeira vez, por mercenários croatas, contratados pelo exército francês de Luis XIII e Luis XIV na guerra contra a Alemanha, em 1636.Segundo reza a história, esse regimento de cavalaria foi chamado de Royal-Cravate, pois croata escrevia-se, numa das suas formas, Krawat.
Confesso que poucas vezes a tenho usado, e quando o faço sinto-me perfeitamente constrangido, por muito informal e descontraído que seja o ambiente.
Quando hoje vejo nas ruas de Luanda, saltitando entre buracos e água esverdeada onde voam varejeiras de dorso azul, os engravatados a suar em bica, com os reluzentes ouros, desconsigo evitar uma ainda que comedida gargalhada, pois são autenticas árvores de Natal em movimento urbano, tal a quantidade de penduricalhos.
Confesso que gostava do “safari”, um fato que ainda por cima tinha muitos bolsos, o que dava um jeito enorme, onde conseguíamos escolher tecidos leves e de cores claras, o que nos dava alguma comodidade, para além de ser um fato que me traz alguma nostalgia, desses tempos de tanta certeza e propósitos simples e sinceros.
Fui desde pequeno, um mártir com a gravata, e desde muito novo a minha relação com o fato e a gravata nunca foi muito boa. Tinha para aí os meus sete anos, quando foi inaugurada a Igreja da Sagrada Família, e como em minha casa havia por parte da minha mãe devoção a esmo, lá fui vestido num fato feito a preceito por um alfaiate, que havia ali para os lados do Município, e que hoje aparece recorrentemente como “estilista” de renome. Fui lá três vezes provar o fato, o que de certa forma me aumentou o sofrimento, e a má vontade foi sendo adquirida.
A missa era demoradamente cantada e eu com os meus níveis de glicemia a baixar, com uma gravata de elástico a sufocar-me, um calor tenebroso, “numa camisa de doze varas”, a meio do evento desmaiei aos pés do governador colonial Silvino Silvério Marques, e terei alterado o protocolo, já que mesmo a veneranda figura do Tomás, presidente da república ficou muito preocupado. Ainda hoje estou para saber, se foram estes os meus quinze minutos de fama como diria Andy Warhol!
Em 1969, depois de viver um ano em Lisboa, vinha para Luanda no paquete “Infante D. Henrique”, e na primeira noite ao jantar, em que iria conhecer os meus parceiros de mesa, sou impedido de entrar na sala de 1ª classe porque não ia de fato e gravata. Já estava tudo na sala, e acabei por voltar para o camarote e pedir que a refeição me fosse lá servida, tendo que comprar esses adereços no Funchal onde o barco aportou no dia seguinte. Depois de me fazerem o nó passei a jantar com fato e gravata até ao fim da viagem, com umas nódoas de permeio, pela inabilidade que tenho com o uso da indumentária.
No Liceu Salvador Correia faziam festas de finalistas e saraus, e lá se obrigava a farpela, mas aí era pôr para passar a porta, e o decente pólo dava para a noite toda.
(CONTINUA)

6 de novembro de 2009

5º Ano de Praia/ Ágora/ Novo Jornal /6-11-09



Numa viagem recente ao Lobito, vi no início da Restinga, provavelmente a melhor denominação de uma casa de import-export no País. A casa localizada na Av. de Moçambique nº 4, tem o pomposo nome de “5º ano de praia”, que de facto é de uma originalidade enorme, e mesmo que não venha a ser uma sociedade com grande futuro comercial, ficará indelevelmente ligada ao léxico comercial da cidade.
Já que falamos em nomes de estabelecimentos comerciais, e recuando no tempo, o que vemos é que dos anos 40 ao fim dos anos 60, o nome mais apetecido para qualquer estabelecimento comercial era Império, e caso não fosse possível algum correlativo, tipo Imperial. No dealbar dos anos 70, já não dava grande emoção o nome, pois o estertor presumia-se próximo.
Houve o Salão Império, cabeleireiro afamado (antes da concorrência das cabeleiras postiças, do ainda não BANIF Roque), ao pé do actual MIREX, a foto Império, perto da Mutamba, o cine-Império, hoje Atlantico, a sapataria Império na baixa, o Hotel Império por cima do Centro Aníbal de Melo, que já foi o CITA e as primeiras instalações do Banco Comercial de Angola, em suma um conjunto de Impérios que se espalhavam de Cabinda ao Cunene, na esteira do Império do Minho a Timor.
Havia, onde hoje está o canibalizado Hotel Turismo, perto da Senhora dos Remédios, uma casa muito bonita que foi em tempos o restaurante Império, orgulho da família Oliveira, e que não tinha nada a ver com a cervejaria Imperial, situada até meados dos anos 60 na marginal, no local onde esteve a companhia russa de aviação Aeroflot.
O Zé Oliveira, um colono que depois de vários e bem sucedidos empregos, o ultimo dos quais no desaparecido Atlantic Palace Hotel, que teria merecido ser conservado para memória futura, já que era um dos poucos exemplares de arte nova na cidade de Luanda, tomou de trespasse o Império. Para ilustrar quais eram as dificuldades de um industrial de hotelaria nos anos 50 em Luanda socorro-me do depoimento de seu filho, José Carlos Oliveira: “Os artigos finos para a confecção de refeições vinham especialmente de três conceituados importadores: O Joaquim Valente, que tinha os enchidos e presuntos Mata, o leite em pó Klim, vindo dos EUA; a Casa Africana, com a sua afamada manteiga Zarco, recebida com frequência da Ilha da Madeira, o belo bacalhau e o fino azeite…; o Pinho e Arvela primava pelo melhor arroz, o melhor feijão manteiga, a marmelada e o excelente queijo da serra e flamengo, além de óptima mortadela; e a Royal conhecida pelo excelente fiambre e pasteis de nata; Todos estes estabelecimentos distavam escassas dezenas de metros uns dos outros, em plena baixa de Luanda”
Para abreviar o peixe era comprado aos pescadores da ilha do Cabo, ou aos “amadores de pesca” que usavam armadilhas de bordão, as “muzuas”, que eram assinaladas com bóias de mafumeira, num local onde hoje é o porto de Luanda, e que era uma língua de areia que ia até à casa de reclusão. Pargos, garoupas, linguados, cherne, carapaus eram as espécies que iam enriquecer a cozinha do Império.
Esta é uma parte da descrição que o José Carlos Oliveira, antropólogo, mestre em Estudos Africanos, faz desses anos 50, num livro interessante e muito pouco divulgado chamado “Comerciante do Mato”, prefaciado pelo Dr. José Carlos Venancio, ilustre catedrático da Universidade da Beira Interior, mas que talvez mereça uma leitura.
Este artigo sugere-me que um dia destes conte neste espaço, o que foram os grandes mixordeiros de vinhos e bebidas importadas numa determinada fase de Luanda, não esquecendo os peritos na contrafacção de rótulos, onde havia o maior mestre de seu nome Porfírio Martins.
Fernando Pereira
3/11/09

30 de outubro de 2009

Viva a Malta do Liceu/ Ágora / Novo Jornal / Luanda/ 30-10-09



Na sexta-feira passada fui à apresentação do livro “Viva a Malta do Liceu”, num anfiteatro a” rebentar pelas costuras”, no Campo Grande em Lisboa.
Graficamente apelativo, profusamente ilustrado, com depoimentos muito interessantes, este livro que marca os 90 anos da criação do Liceu Salvador Correia, é um trabalho profícuo e de enorme qualidade.
Dentro da sociedade colonial, o Liceu Salvador Correia, de forma ainda que timorata, conseguiu dentro dos seus muros, manter um espírito de solidariedade, de sã convivência e de tolerância, contrastante com a realidade no contexto da cidade, muito bem ilustrado no livro, pelos depoimentos de antigos alunos: Adolfo Maria, a socióloga Ana Saint-Maurice e o economista Ennes Ferreira.
O arquitecto José de Melo Carvalheira faz um artigo notável, sobre a evolução do projecto do Liceu, da autoria do arquitecto António Costa e Silva, que é quase uma “lição de sapiência”, sobre o que foram os tempos que antecederam o ar condicionado e a “espelhiocracia” que tem tomado conta da cidade nestes tempos de desenvolvimento, no caso, insustentado!
Guilherme Espírito Santo, Onofre dos Santos, Paula Pena, Paulette Lopes, Nicolau Santos, Justino Pinto de Andrade, Fernando Nobre, Fernando Vaz da Conceição, Carlos Cruz, Carlos Pacheco, Daniel Leite, Artur Queiroz, Adélia Cohen, José Eduardo dos Santos, Rui Clington, José Carlos Venâncio, Reginaldo Silva, Aníbal Russo, Joffre Justino, Margarida Mercês de Melo, José Carlos Machado Rodrigues, Marta Cochat-Osório, Susana Neto e tantos outros que seria fastidioso enumerá-los todos, escreveram depoimentos que mostram que pessoas de gerações diferentes, com percursos de vida pessoal, profissional e política divergente, conseguem juntar-se em torno de um espírito materializado em realizações de relevo, onde toda a gente diz presente, num espírito completamente descomprometido, solidário e assumidamente de convívio salutar.
O “Novo Jornal” está muito bem representado no livro, pelo Fernando Pacheco, Carlos Ferreira (Cassé), Jerónimo Belo e já agora por mim próprio.
A equipa deste livro, que saiu de uma colaboração entre a Associação dos Antigos Alunos do Salvador Correia e um conjunto de pessoas e entidades, é constituída por Miguel Anacoreta Correia, Anabela Simão, Eurico Simeão Neto, Jerónimo Belo, João Eloy, José Lobo do Amaral, José Maria Pimentel, Manuel Ennes Ferreira e Rogério Pacheco, que num curto espaço de dez meses, com uma colaboração entusiasta de muita gente, conseguiram pôr nas livrarias um trabalho de excelência.
Soube que muita gente em Luanda foi convidada a participar, mas a adesão foi mais contida que em Portugal, e gostaria muito que o meu amigo Pedro Guerra Marques, presidente da AAALSC-MYK, tivesse participado, já que representa uma geração do Liceu da Angola independente. O Pedro, para além de presidente da direcção da Associação, é simultaneamente filho e sobrinho de duas figuras de referencia do Liceu Salvador Correia, infelizmente já falecidos: O José Luís e Valério Guerra Marques, pessoas que a memória dos angolanos nunca devia olvidar, pela dignidade profissional, disponibilidade política e probidade sem mácula, que caracterizaram as suas vidas, vividas com grande entusiasmo.
Já que se fala em pessoas de enorme carácter, ex-alunos do Liceu Salvador Correia, é imperioso não esquecer o malogrado Marcolino Meireles, que foi pioneiro de todo este movimento em torno da ideia do associativismo do “Liceu”. Foi ele que deu o primeiro toque para reunir toda a gente em volta de uma mesa, as pessoas reencontraram-se, e desde aí os encontros multiplicaram-se, os eventos sucederam-se e retomou-se o espírito do “Liceu”. Marcolino Meireles foi uma pessoa que dedicou toda a sua vida ao mais difícil: Juntar as pessoas e galvanizá-las para causas! Fê-lo enquanto dirigente da Federação de Xadrez, enquanto fundador e primeiro presidente AAALSC-MYK, e mesmo limitado pela a doença que o vitimaria, ainda lhe sobrou força bastante para criar uma associação que conseguisse meios ao diagnóstico precoce do cancro.
Por tudo isto Marcolino Meireles, a eterna gratidão de todos!
Fernando Pereira
27/10/09
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