13 de novembro de 2009

Esgravatar/Ágora/ Novo Jornal / Luanda/ 13-11-09



Esgravatar (I)

Numa das últimas edições deste jornal, vi um comentário de um leitor, sobre a indumentária, e a parafernália de adereços, que as pessoas se habituaram a usar, para tentarem mostrar estatuto, obrigando-me a concordar totalmente o comentário do leitor.
Nunca gostei de usar gravata, e nos lugares quentes, este adereço torna-se num perfeito instrumento de tortura, e um acumular continuado de odores que perturbam qualquer pituitária empedernida. A gravata foi utilizada pela primeira vez, por mercenários croatas, contratados pelo exército francês de Luis XIII e Luis XIV na guerra contra a Alemanha, em 1636.Segundo reza a história, esse regimento de cavalaria foi chamado de Royal-Cravate, pois croata escrevia-se, numa das suas formas, Krawat.
Confesso que poucas vezes a tenho usado, e quando o faço sinto-me perfeitamente constrangido, por muito informal e descontraído que seja o ambiente.
Quando hoje vejo nas ruas de Luanda, saltitando entre buracos e água esverdeada onde voam varejeiras de dorso azul, os engravatados a suar em bica, com os reluzentes ouros, desconsigo evitar uma ainda que comedida gargalhada, pois são autenticas árvores de Natal em movimento urbano, tal a quantidade de penduricalhos.
Confesso que gostava do “safari”, um fato que ainda por cima tinha muitos bolsos, o que dava um jeito enorme, onde conseguíamos escolher tecidos leves e de cores claras, o que nos dava alguma comodidade, para além de ser um fato que me traz alguma nostalgia, desses tempos de tanta certeza e propósitos simples e sinceros.
Fui desde pequeno, um mártir com a gravata, e desde muito novo a minha relação com o fato e a gravata nunca foi muito boa. Tinha para aí os meus sete anos, quando foi inaugurada a Igreja da Sagrada Família, e como em minha casa havia por parte da minha mãe devoção a esmo, lá fui vestido num fato feito a preceito por um alfaiate, que havia ali para os lados do Município, e que hoje aparece recorrentemente como “estilista” de renome. Fui lá três vezes provar o fato, o que de certa forma me aumentou o sofrimento, e a má vontade foi sendo adquirida.
A missa era demoradamente cantada e eu com os meus níveis de glicemia a baixar, com uma gravata de elástico a sufocar-me, um calor tenebroso, “numa camisa de doze varas”, a meio do evento desmaiei aos pés do governador colonial Silvino Silvério Marques, e terei alterado o protocolo, já que mesmo a veneranda figura do Tomás, presidente da república ficou muito preocupado. Ainda hoje estou para saber, se foram estes os meus quinze minutos de fama como diria Andy Warhol!
Em 1969, depois de viver um ano em Lisboa, vinha para Luanda no paquete “Infante D. Henrique”, e na primeira noite ao jantar, em que iria conhecer os meus parceiros de mesa, sou impedido de entrar na sala de 1ª classe porque não ia de fato e gravata. Já estava tudo na sala, e acabei por voltar para o camarote e pedir que a refeição me fosse lá servida, tendo que comprar esses adereços no Funchal onde o barco aportou no dia seguinte. Depois de me fazerem o nó passei a jantar com fato e gravata até ao fim da viagem, com umas nódoas de permeio, pela inabilidade que tenho com o uso da indumentária.
No Liceu Salvador Correia faziam festas de finalistas e saraus, e lá se obrigava a farpela, mas aí era pôr para passar a porta, e o decente pólo dava para a noite toda.
(CONTINUA)

1 comentário:

septuagenário disse...

Houve tempos em que a fatiota masculina mais prática e democratizante que se usou nas ciades angolanas, tanto em traje de passeio como de trazer por casa, era a camisa MACAU, e calção caqui e nos pés chinelo ou sandália.

Desde o velho colono, respectivos filhos e netos, até ao cozinheiro/criado, todas as faixas etárias e sociais uasavam e abusavam desta indumentária, penso que por ser prática e saudável.

O camionista e seu ajudante não dispensavam esta inumentária.

Apenas com uns pequenos tiques a gosto: O cozinheiro/criado estava dispensado de usar calcantes, e quem quizesse podia usar no bolso do peito da camisa tanto um maço de SWING ou AC, bem como uma nota de 20.

Claro que o jovem angolano recem emigrado do Quimbo para a cidade, depressa aderia ao calção e camisa, o mesmo já não acontecia com os mais velhos que não largavam os tradicionais panos e usuais adereços.

Em Luanda, habitualmente frequentava-se uma agradavel matiné quer no sofisticado cine-Tropical como no popular cine-Colonial, com o clássico calção caqui e a fresquinha camisa Macau.

Maravilha!

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